Antonio Carlos Egypto
TOMBOY (Tomboy). França, 2011. Direção: Céline Sciamma. Com Zoé Herán, Malonn Lévana, Jeanne Disson, Sophie Cattani, Mathieu Demy. 82 min.
A identidade de gênero diz respeito à percepção que cada um de nós tem do fato de ser homem ou mulher, que nos define socialmente, e cria expectativas quanto aos mais diversos comportamentos e formas de inserção na sociedade.
Será que o simples fato de ter um corpo biológico, masculino ou feminino, garante a esperada identificação de gênero? Ou a gente aprende a ser homem ou mulher, desde a mais tenra idade talvez até o fim da vida?
É disso que se trata no filme “Tomboy”. Não que a película pretenda discutir essa questão, mas ela se atreve a mostrá-la, nascendo ainda na infância. Laure (Zoé Herán) é menina, tem 10 anos, mas se percebe, se veste e se comporta como um menino. Assume uma identidade masculina, com nome e tudo, quando a família se muda e ela/ele passa a conviver com novas amizades infantis. Mickäel, o novo menino do bairro, continua sendo Laure em casa. Mas se sente muito mais à vontade como Mickäel, exceto em algumas situações em que o corpo tem de se expor. Na hora de urinar ou de banhar-se no rio, fica um pouco mais complicado. Os seios ainda não se desenvolveram, mas, mesmo assim, é preciso uma certa ginástica para escapar da incômoda revelação que seu corpo pode oferecer aos outros. Estamos em férias, mas as aulas vão começar e aí a identidade pesa mais, desde o nome, na lista de chamada.
O conflito interno que se estabelece não é com o desejo sexual, que ainda não se consolidou, a puberdade ainda não chegou, com seus hormônios a mil. E a adolescência, sua representação psicológica e social, vai demorar um pouco para se estruturar. Talvez no Brasil já pudéssemos falar de pré-adolescência, mas na Europa há uma defasagem e no filme, claramente, o personagem principal é uma criança. O que está em jogo, portanto, é a identidade. Para Laure/Mickäel, há a fantasia de que uma escolha é possível, não compartilhada pelos pais, nem pelas outras crianças, é claro.
O que importa, no caso, é perceber o que sente e como age uma criança que vive esse questionamento da identidade de gênero. “Tomboy” é um filme simples, despretensioso, narrado linearmente, de baixo orçamento. Honesto em sua singeleza, se propõe a mostrar com respeito e delicadeza o que se passa com essas pessoas.
Ao abordar um momento infantil, acerta em cheio, porque distingue um sentimento de não identificação com seu gênero de um desejo homo, hetero ou bissexual, que é outra coisa. Ninguém deixa de ser homem, ou de querer ser homem, por desejar outro homem. Ninguém deixa de ser mulher, ou de querer ser mulher, por desejar outra mulher. Embora com frequência, no senso comum, costume-se confundir desejo e identidade. Mas são coisas muito diferentes. Compreender isso pode ajudar muitos pais, mães e educadores, a lidar melhor com tais conflitos e sentimentos.
Recomendo o filme justamente para aqueles que desejem perceber o que se passa com as pessoas que vivem em conflito de gênero. Sentir, perceber, tentar compreender o que acontece, é nisso que o filme ajuda. Ele não se preocupa em rotular, classificar ou patologizar tais atitudes. Não se fala de distúrbio, doença, desvio ou tratamento. Melhor assim.
domingo, 29 de janeiro de 2012
quinta-feira, 26 de janeiro de 2012
PRECISAMOS FALAR SOBRE O KEVIN
Antonio Carlos Egypto
PRECISAMOS FALAR SOBRE O KEVIN (We need to talk about Kevin). Reino Unido, 2011. Direção: Lynne Ramsay. Com Tilda Swinton, Ezra Miller, John C. Reilly. 112 min.
Os fatos e situações que os espectadores de “Precisamos falar sobre o Kevin” vão acompanhar serão mostrados pela ótica de Eva (Tilda Swinton, brilhante), a protagonista do filme. Inicialmente, a veremos na guerra do tomate, encharcada de vermelho, depois, veremos que sua casa está pichada com tinta vermelha. E percebemos que algo muito intenso está por vir.
Eva é xingada e maltratada por pessoas da rua ou da vizinhança; ela se vê tensa e séria. Vai ficando claro que algo muito grave deve ter acontecido.
As imagens vão se sucedendo, sem que nada fique muito explicado. Mas uma vida familiar é mostrada: um marido, dois filhos – um jovem e uma menina. Esse jovem é o Kevin, que se verá em muitas etapas de sua evolução, sem necessariamente seguir a ordem cronológica. Como um bebê que berra, um menino soturno e turrão,um adolescente esquisito ,enfim, visto por sua mãe como um peso, um poço de maldade. De que se trata, afinal?
A mise-en-scène da diretora escocesa Lynne Ramsay explora, em frequentes primeiros planos de detalhe, restos de comida, algumas vezes jogados ou amassados, emporcalhando a casa. É evidente que algo de estranho acontece nessa casa e com essa família.
O clima de permanente tensão e dúvida toma conta do filme. Sabemos que as coisas não vão bem. Eva está acuada pelo próprio filho, que ela aparentemente ama, teme e detesta. E que não foi uma escolha sua tê-lo. A maternidade é fortemente posta em questão. Que efeito terá tido isso na criança? Explica os comportamentos hostis de Kevin, que ela vê, contrastando com um jeito mais cordial em relação ao pai?
O filme tem um clima envolvente e estranho, que seduz o espectador. Definitivamente, não estamos diante de uma situação comum e trivial. Se há algo a compreender na história, isso nunca ficará absolutamente claro. Até porque só temos a percepção de Eva e quem nos garante que o que ela percebe ocorre mesmo desse jeito? Ou melhor, inevitavelmente tudo seria visto de forma diferente pelos demais personagens envolvidos nos fatos. Pode ser pura paranoia de Eva. Nisso ficamos, até que fatos concretos, observáveis, se imporão. Ainda assim, como eles se construíram, o que significam e que papel nosso personagem principal jogou em tudo isso é algo a ser explorado.
O filme se baseia num romance best seller de Lionel Shriver, foi escolhido como melhor filme no Festival de Cinema de Londres de 2011, exibido com êxito no Festival do Rio deste ano, e agora começa sua carreira comercial nos cinemas.
É um filme intrigante, provocador, com imagens impactantes. Mas, ao contrário de muitos outros da atualidade, não se alimenta do explícito,do violento ou do meramente chocante. O impacto se dá muito mais pelo estranhamento, pelo inusitado e, apesar da aparência “suja”, nada chega a ser tão nojento como poderia ser se o diretor não escolhesse um caminho mais sutil de expor uma história que envolve grande violência, forte agressividade, hostilidades e maldades. E também rejeição, medo, ansiedade, conflitos abertos ou mantidos à sombra. Por sinal, os conflitos que ficam subentendidos ou sugeridos, são os que sustentam a narrativa e fazem dela uma interessante trama de suspense e terror psicológico, que não perde o pé da realidade dos fatos.
Não se trata de mera fantasia ou de eventos extraordinários descolados do mundo em que vivemos. Não há vampiros, lobisomens ou seres extraterrestres, apelos que já ultrapassaram qualquer limite no cinema comercial contemporâneo. É algo bem mais consistente do que isso. E que não se presta ao mero entretenimento. Deve agradar quem goste de cinema benfeito e tope enfrentar um clima de tensão e estranhamento.
PRECISAMOS FALAR SOBRE O KEVIN (We need to talk about Kevin). Reino Unido, 2011. Direção: Lynne Ramsay. Com Tilda Swinton, Ezra Miller, John C. Reilly. 112 min.
Os fatos e situações que os espectadores de “Precisamos falar sobre o Kevin” vão acompanhar serão mostrados pela ótica de Eva (Tilda Swinton, brilhante), a protagonista do filme. Inicialmente, a veremos na guerra do tomate, encharcada de vermelho, depois, veremos que sua casa está pichada com tinta vermelha. E percebemos que algo muito intenso está por vir.
Eva é xingada e maltratada por pessoas da rua ou da vizinhança; ela se vê tensa e séria. Vai ficando claro que algo muito grave deve ter acontecido.
As imagens vão se sucedendo, sem que nada fique muito explicado. Mas uma vida familiar é mostrada: um marido, dois filhos – um jovem e uma menina. Esse jovem é o Kevin, que se verá em muitas etapas de sua evolução, sem necessariamente seguir a ordem cronológica. Como um bebê que berra, um menino soturno e turrão,um adolescente esquisito ,enfim, visto por sua mãe como um peso, um poço de maldade. De que se trata, afinal?
A mise-en-scène da diretora escocesa Lynne Ramsay explora, em frequentes primeiros planos de detalhe, restos de comida, algumas vezes jogados ou amassados, emporcalhando a casa. É evidente que algo de estranho acontece nessa casa e com essa família.
O clima de permanente tensão e dúvida toma conta do filme. Sabemos que as coisas não vão bem. Eva está acuada pelo próprio filho, que ela aparentemente ama, teme e detesta. E que não foi uma escolha sua tê-lo. A maternidade é fortemente posta em questão. Que efeito terá tido isso na criança? Explica os comportamentos hostis de Kevin, que ela vê, contrastando com um jeito mais cordial em relação ao pai?
O filme tem um clima envolvente e estranho, que seduz o espectador. Definitivamente, não estamos diante de uma situação comum e trivial. Se há algo a compreender na história, isso nunca ficará absolutamente claro. Até porque só temos a percepção de Eva e quem nos garante que o que ela percebe ocorre mesmo desse jeito? Ou melhor, inevitavelmente tudo seria visto de forma diferente pelos demais personagens envolvidos nos fatos. Pode ser pura paranoia de Eva. Nisso ficamos, até que fatos concretos, observáveis, se imporão. Ainda assim, como eles se construíram, o que significam e que papel nosso personagem principal jogou em tudo isso é algo a ser explorado.
O filme se baseia num romance best seller de Lionel Shriver, foi escolhido como melhor filme no Festival de Cinema de Londres de 2011, exibido com êxito no Festival do Rio deste ano, e agora começa sua carreira comercial nos cinemas.
É um filme intrigante, provocador, com imagens impactantes. Mas, ao contrário de muitos outros da atualidade, não se alimenta do explícito,do violento ou do meramente chocante. O impacto se dá muito mais pelo estranhamento, pelo inusitado e, apesar da aparência “suja”, nada chega a ser tão nojento como poderia ser se o diretor não escolhesse um caminho mais sutil de expor uma história que envolve grande violência, forte agressividade, hostilidades e maldades. E também rejeição, medo, ansiedade, conflitos abertos ou mantidos à sombra. Por sinal, os conflitos que ficam subentendidos ou sugeridos, são os que sustentam a narrativa e fazem dela uma interessante trama de suspense e terror psicológico, que não perde o pé da realidade dos fatos.
Não se trata de mera fantasia ou de eventos extraordinários descolados do mundo em que vivemos. Não há vampiros, lobisomens ou seres extraterrestres, apelos que já ultrapassaram qualquer limite no cinema comercial contemporâneo. É algo bem mais consistente do que isso. E que não se presta ao mero entretenimento. Deve agradar quem goste de cinema benfeito e tope enfrentar um clima de tensão e estranhamento.
quarta-feira, 25 de janeiro de 2012
As Aventuras de Tintim
Tatiana Babadobulos
As Aventuras de Tintim (The Adventures of Tintim, The Secret of the Unicorn). Estados Unidos e Nova Zelândia, 2011. Direção: Steven Spielberg. Roteiro: Steven Moffat e Edgar Wright. Com vozes de: Jamie Bell, Daniel Craig, Andy Serkis, Simon Pegg e Nick Frost. 107 minutos.
A estreia no Brasil de “As Aventuras de Tintim” (“The Adventures of Tintin, The Secret of the Unicorn”) já vem com um “carimbo” a mais. Isso porque o longa-metragem ganhou, no domingo, 15, o Globo de Ouro na categoria Animação, deixando para traz filmes como “Operação Presente”, “Rango”, “Carros 2” e “Gato de Botas”.
A fita é baseada em três volumes do graphic novel escrito pelo belga Hergé, sobre um jovem repórter chamado Tintim e seu cachorro terrier, Milu: “O Caranguejo das Tenazes de Ouro” (“The Crab With the Golden Claws”), “O Segredo do Licorne” (“The Secret of the Unicorn”) e O Tesouro de Rackham o Terrível (“Red Rackham’s Treasure”).
Embora longas de animação feitos por computador atualmente não sejam novidade nenhuma no cinema, o diretor Steven Spielberg e o produtor Peter Jackson (da trilogia “O Senhor dos Anéis”) recorreram à técnica de captura dos movimentos, campo, aliás, no qual Jackson conhece muito bem. Isso porque a mesma técnica fora usada nos três filmes dele, bem como no seu “King Kong”, além de produções de outros diretores, como “Avatar”, de James Cameron.
A técnica funciona com ajuda do ator: ao interpretar seus movimentos, sensores no seu corpo registram cada músculo e, então, transmitem ao computador de modo que, aí sim, aquele “esqueleto” possa ser vestido com a “pele” pretendida.
A aventura começa quando o repórter, com a ajuda de seu cachorro, percebe que um antigo navio contém um segredo. É aí que Tintim (Jamie Bell, de “Billy Elliot”) se vê na mira de Ivanovitch Sakharin (com voz de Daniel Craig, na versão original), porque acredita que o jornalista roubou um tesouro ligado a um velho pirata cruel chamado Rackham, o terrível. Além de Milu, Tintim segue na aventura ao lado do capitão Haddock (Andy Serkis, de “Planeta dos Macacos – A Origem”), um verdadeiro beberrão movido a álcool, e dos atrapalhados detetives Dupond & Dupont (Simon Pegg e Nick Frost, impagáveis!).
Com abuso da tecnologia, o longa é ilustrado por um lindo visual e cenas engraçadas, como a que envolve o simpático terrier e o feroz rottweiler.
As sequências de ação são bem construídas, e se misturam às canções de John Williams, cuja parceria com Spielberg já é de longa data. Os dois trabalharam juntos, por exemplo, em filmes como o recente “Cavalo de Guerra”, “A Lista de Schindler”, “O Resgate do Soldado Ryan” e por aí afora.
Os agentes da polícia fazem as vezes cômicas da fita, principalmente porque são pra lá de atrapalhados. Ao final, pistas para uma nova aventura. Com a chancela do Globo de Ouro, e com a probabilidade enorme de ser indicado ao Oscar (a lista completa dos concorrentes será divulgada pela Academia de Artes e Ciência Cinematográfica de Hollywood no dia 24), é bastante provável que uma continuação já esteja sendo colocada no papel. Ou melhor, tirada do papel!
“As Aventuras de Tintim” é um filme para toda família, ainda que os adultos irão se divertir ainda mais com as piadas. Mesmo quem não leu as tirinhas pode aproveitar, pois esta é uma forma encontrada por Spielberg e Jackson, grandes fãs dos livros, para que as pessoas se familiarizarem com uma grande obra que mistura mistério, comédia e amizade.
Caso conheça os livros, é possível que o espectador reclame que as três histórias tenham sido condensadas demais na película, o que é normal em adaptações. De qualquer maneira, o ritmo tem o ponto certo: o mistério permanece durante muito tempo e não há minutos perdidos com o “lenga-lenga”.
Escolha uma poltrona confortável no cinema e aproveite a experiência, que pode se tornar ainda mais incrível caso a sala seja, por exemplo, uma gigante em três dimensões.
terça-feira, 24 de janeiro de 2012
Oscar 2012 - Indicados
Tatiana Babadobulos
Na manhã desta terça-feira, 24, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood anunciou os filmes que concorrerão ao Oscar, prêmio que será entregue no dia 26 de fevereiro. Houve, é claro, a lembrança dos favoritos, que foram premiados há duas semanas pelo Globo de Ouro, considerado o termômetro para o Oscar, como “Os Descendentes”, “O Artista”. Mas deixou muitos outros de fora.
A primeira categoria que me chamou atenção foi a de Animação, que, pela primeira vez, depois de muitos anos, deixou a Pixar/Disney de fora. Ok que “Carros 2” foi um fracasso, mas a categoria não lembrou nem de “As Aventuras de Tintim” nem de “Rio“, essa, sim, a grande injustiça.
“A Árvore da Vida”, premiado pela Abraccine (Associação Brasileira dos Críticos de Cinema) este ano, foi lembrado na categoria de Melhor Filme, embora tenha sido colocado de lado no Globo de Ouro. O mesmo filme recebeu a indicação de Melhor Diretor, para Terrence Malick.
“Tudo Pelo Poder“, que poderia receber indicação por direção (George Clooney) e ator (Ryan Gosling), só ficou com roteiro (escrito por ele mesmo, que ficou com indicação de ator por “Os Descendentes”).
Woody Allen, premiado com o Roteiro de “Meia Noite em Paris“, ficou com as indicações de Melhor Filme, Roteiro e Direção. Há muito, aliás, Allen não vinha sendo indicado pela Academia e seus filmes, ao menos no Brasil, não ganhavam destaque na bilheteria. Se ganhar, a Academia sabe que ele não irá receber o prêmio. Dizem que ele se recusa a perder um jogo de basquete e a faltar à sua apresentação de jazz em Nova York, que faz toda segunda-feira… Cada um com sua prioridade, é claro. Sendo assim, dificilmente deve levar, mas seria merecido, sem dúvida.
Para completar, “J.Edgar”, de Clint Eastwood, não foi lembrado, tampouco Leonardo DiCaprio, com sua transformação, já que faz o papel de um importante homem do FBI e conta a sua história por mais de 50 anos na entidade. Tilda Swinton, que está brilhante em “Precisamos Falar Sobre Kevin”, não foi citada pela Academia. Se bem que, neste quesito, o páreo não seria fácil, já que a concorrente é Merryl Streep, por “A Dama de Ferro”. O filme será lançado em fevereiro no Brasil, mas ela já ganhou o Globo de Ouro e está sendo elogiada inclusive no Reino Unido, já que ela interpreta Margaret Thatcher.
O iraniano “A Separação” levou não apenas a indicação de Língua Estrangeira, como também de Roteiro Original! Os outros indicados pouco importam, já que o longa vem faturando todos os prêmios que concorre. E não será surpresa se ganhar nas duas categorias.
Confira as indicações das principais categorias.
Melhor Filme
O Artista
Os Descendentes
Histórias Cruzadas
A Invenção de Hugo Cabret
Meia Noite em Paris
O Homem que Mudou o Jogo
A Árvore da Vida
Cavalo de Guerra
Tão Longe, Tão Perto
Ator
Demián Bichir, A Better Life
George Clooney, Os Descendentes
Jean Dujardin, O Artista
Gary Oldman, O Espião que Sabia Demais
Brad Pitt, O Homem que Mudou o Jogo
Atriz
Glenn Close, Albert Nobbs
Viola Davis, Histórias Cruzadas
Rooney Mara, Millennium – Os Homens que Não Amavam as Mulheres
Meryl Streep, A Dama de Ferro
Michelle Williams, Sete Dias com Marilyn
Ator coadjuvante
Kenneth Branagh, Sete Dias com Marilyn
Jonah Hill, O Homem que Mudou o Jogo
Nick Nolte, Guerreiro
Christopher Plummer, Toda Forma de Amor
Max von Sydow, Extremely Loud & Incredibly Close
Atriz coadjuvante
Bérénice Bejo, O Artista
Jessica Chastain, Histórias Cruzadas
Melissa McCarthy, Missão Madrinha de Casamento
Janet McTeer, Albert Nobbs
Octavia Spencer, Histórias Cruzadas
Kenneth Branagh, Sete Dias com Marilyn
Fotografia
O Artista, Guillaume Schiffman
Millennium – Os Homens que Não Amavam as Mulheres, Jeff Cronenweth
A Invenção de Hugo Cabret, Robert Richardson
A Árvore da Vida, Emmanuel Lubezki
Cavalo de Guerra, Janusz Kaminski
Diretor
O Artista, Michel Hazanavicius
Os Descendentes, Alexander Payne
A Invenção de Hugo Cabret, Martin Scorsese
Meia Noite em Paris, Woody Allen
A Árvore da Vida, Terrence Malick
Filme em Língua Estrangeira
Bélgica, Bullhead
Canadá, Monsieur Lazhar
Irã, A Separação
Israel, Footnote
Polônia, In Darkness
Roteiro adaptado
Os Descendentes
A Invenção de Hugo Cabret
Tudo Pelo Poder
O Homem que Mudou o Jogo
O Espião que Sabia Demais
Roteiro Original
O Artista
Missão Madrinha de Casamento
Margin Call
Meia Noite em Paris
A Separação
Animação
Um Gato em Paris
Gato de Botas
Rango
Chico & Rita
Kung Fu Panda 2
segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
A FONTE DAS MULHERES E RADU MIHAILEANU
Antonio Carlos Egypto
A FONTE DAS MULHERES (La Source des femmes). França, Bélgica, Itália, 2011. Direção: Radu Mihaileanu. Com Leila Bekhti, Hafsa Biyouna, Sabrina Ouajani, Saleh Bakri, Hiam Abbass, Mohamed Majd. 135 min.
Quando o diretor romeno Radu Mihaileanu, nascido em Bucareste, em 1958, apareceu com seu trabalho nos nossos cinemas, em 1999, com o “Trem da Vida”, entusiasmou. O filme já tinha conseguido um prêmio do público, no Festival de Sundance, e um da crítica, no Festival de Veneza. Bom sinal: agradar ao público e à crítica, ao mesmo tempo.
“Trem da Vida” era um filme original, uma comédia contada em tom de fábula, passada em 1941, num vilarejo hipotético da Europa, aonde os nazistas estão chegando, com vistas a deportar os judeus. Isso dá ensejo a que os próprios habitantes forjem um trem nazista, interpretando tanto os alemães, como os deportáveis, e até os comunistas. O trem passa sem deixar suspeitas, e se refaz. É bom dizer que é o bobo da aldeia quem tem a ideia.
A fábula inverossímil tinha graça e passava um tom de festa e alegria que acabou por contagiar as pessoas, na Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo, daquele ano.
Ficou, então, uma expectativa para os trabalhos vindouros. Em 2009, veio “O Concerto”. Claro que houve quem gostasse, e muito, até, mas a sensação de repetir a fórmula do impossível que vira festa já não conseguia ter graça. Prometia, e até oferecia, no final, a imponência de uma boa orquestra, tocando com beleza e vigor. Mas a fábula não se sustentava. Um maestro competente e com largos serviços prestados à música de seu país, a Rússia, acaba virando faxineiro da própria instituição, rebaixado por suas supostas convicções políticas contra o comunismo do regime então vigente. E é na condição de faxineiro que ele recria sua orquestra, com todos os demais perseguidos (e eram muitos), em apenas duas semanas, sem condições e ainda na clandestinidade. Uma trama tão inverossímil e sem propósito, que não conseguia sustentar os clichês anticomunistas, aplicados aos soviéticos. Uma queda um tanto forte, para quem prometia tanto.
“A Fonte das Mulheres” seria uma espécie de tira-teima. O que teria acontecido? Só uma derrapada ou a confirmação do esgotamento da fórmula? Infelizmente, a segunda hipótese é a que prevalece.
Aqui trata-se de uma pequena vila muçulmana, situada hipoteticamente no norte da África, em que as mulheres, como sempre mandou a tradição, penam para buscar água da fonte, com latas na cabeça ou baldes nas mãos, caindo e se machucando. Os homens não as ajudam, nem lutam para obter a canalização da água junto aos políticos locais. Será que não amam suas mulheres o suficiente, para lhes oferecer uma vida melhor? Ou precisam apegar-se à tradição, para nunca virem a ser questionados em seu poder? Verdade que uns poucos homens procuram ser compreensivos e ajudá-las, mas são só uma pequena minoria.
Elas resolvem se rebelar e fazer uma greve de amor e sexo, para lutar contra eles e mudar a situação. Um manifesto feminista, em pleno Islã. Talvez para mostrar que nem só de fundamentalismo vive o Islã. Muito bem. Só que o filme não decola, traz ideias antigas e repetidas e, ainda por cima, com um didatismo irritante. A alegria e a festa, marcas do diretor, estão lá, tornando tudo mais palatável. Mas, também, mais superficial. Em que pesem os enquadramentos bem cuidados e os belos ângulos e movimentos de câmera, a estética se esvazia. Não há nada de importante a dizer, que já não seja arquiconhecido. O artificialismo de tal fábula fica evidente e o que acontece não convence hora nenhuma. Uma pena, já que o tema seria bom. Precisaria de outro tratamento. Virou, apenas, mais uma das brincadeiras do diretor, sem qualquer originalidade. Lamentável, para quem começou tão bem em sua primeira investida conhecida nos longas.
Em seu primeiro filme, “Trem da Vida”, que deve ter inspirado Roberto Benigni em “A Vida é Bela”, já que é anterior a este, criava uma trama de humor que ousava brincar com um assunto muito sério, de forma respeitosa e divertida. Já sua “A Fonte das Mulheres” requenta a batida história da greve do sexo, na guerra entre os gêneros. Acaba produzindo uma fábula simplista, onde poderia ter havido uma reflexão muito mais séria. O filme participou da seleção oficial de Cannes.
Parece que a comédia ligeira, com base em histórias imaginárias e sem preocupação com a verossimilhança, se tornou a marca registrada de Radu Mihaileanu. Alegria, festa e brincadeira, emoldurando um drama. Só que, a essa altura, está faltando inovação e criatividade.
A FONTE DAS MULHERES (La Source des femmes). França, Bélgica, Itália, 2011. Direção: Radu Mihaileanu. Com Leila Bekhti, Hafsa Biyouna, Sabrina Ouajani, Saleh Bakri, Hiam Abbass, Mohamed Majd. 135 min.
Quando o diretor romeno Radu Mihaileanu, nascido em Bucareste, em 1958, apareceu com seu trabalho nos nossos cinemas, em 1999, com o “Trem da Vida”, entusiasmou. O filme já tinha conseguido um prêmio do público, no Festival de Sundance, e um da crítica, no Festival de Veneza. Bom sinal: agradar ao público e à crítica, ao mesmo tempo.
“Trem da Vida” era um filme original, uma comédia contada em tom de fábula, passada em 1941, num vilarejo hipotético da Europa, aonde os nazistas estão chegando, com vistas a deportar os judeus. Isso dá ensejo a que os próprios habitantes forjem um trem nazista, interpretando tanto os alemães, como os deportáveis, e até os comunistas. O trem passa sem deixar suspeitas, e se refaz. É bom dizer que é o bobo da aldeia quem tem a ideia.
A fábula inverossímil tinha graça e passava um tom de festa e alegria que acabou por contagiar as pessoas, na Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo, daquele ano.
Ficou, então, uma expectativa para os trabalhos vindouros. Em 2009, veio “O Concerto”. Claro que houve quem gostasse, e muito, até, mas a sensação de repetir a fórmula do impossível que vira festa já não conseguia ter graça. Prometia, e até oferecia, no final, a imponência de uma boa orquestra, tocando com beleza e vigor. Mas a fábula não se sustentava. Um maestro competente e com largos serviços prestados à música de seu país, a Rússia, acaba virando faxineiro da própria instituição, rebaixado por suas supostas convicções políticas contra o comunismo do regime então vigente. E é na condição de faxineiro que ele recria sua orquestra, com todos os demais perseguidos (e eram muitos), em apenas duas semanas, sem condições e ainda na clandestinidade. Uma trama tão inverossímil e sem propósito, que não conseguia sustentar os clichês anticomunistas, aplicados aos soviéticos. Uma queda um tanto forte, para quem prometia tanto.
“A Fonte das Mulheres” seria uma espécie de tira-teima. O que teria acontecido? Só uma derrapada ou a confirmação do esgotamento da fórmula? Infelizmente, a segunda hipótese é a que prevalece.
Aqui trata-se de uma pequena vila muçulmana, situada hipoteticamente no norte da África, em que as mulheres, como sempre mandou a tradição, penam para buscar água da fonte, com latas na cabeça ou baldes nas mãos, caindo e se machucando. Os homens não as ajudam, nem lutam para obter a canalização da água junto aos políticos locais. Será que não amam suas mulheres o suficiente, para lhes oferecer uma vida melhor? Ou precisam apegar-se à tradição, para nunca virem a ser questionados em seu poder? Verdade que uns poucos homens procuram ser compreensivos e ajudá-las, mas são só uma pequena minoria.
Elas resolvem se rebelar e fazer uma greve de amor e sexo, para lutar contra eles e mudar a situação. Um manifesto feminista, em pleno Islã. Talvez para mostrar que nem só de fundamentalismo vive o Islã. Muito bem. Só que o filme não decola, traz ideias antigas e repetidas e, ainda por cima, com um didatismo irritante. A alegria e a festa, marcas do diretor, estão lá, tornando tudo mais palatável. Mas, também, mais superficial. Em que pesem os enquadramentos bem cuidados e os belos ângulos e movimentos de câmera, a estética se esvazia. Não há nada de importante a dizer, que já não seja arquiconhecido. O artificialismo de tal fábula fica evidente e o que acontece não convence hora nenhuma. Uma pena, já que o tema seria bom. Precisaria de outro tratamento. Virou, apenas, mais uma das brincadeiras do diretor, sem qualquer originalidade. Lamentável, para quem começou tão bem em sua primeira investida conhecida nos longas.
Em seu primeiro filme, “Trem da Vida”, que deve ter inspirado Roberto Benigni em “A Vida é Bela”, já que é anterior a este, criava uma trama de humor que ousava brincar com um assunto muito sério, de forma respeitosa e divertida. Já sua “A Fonte das Mulheres” requenta a batida história da greve do sexo, na guerra entre os gêneros. Acaba produzindo uma fábula simplista, onde poderia ter havido uma reflexão muito mais séria. O filme participou da seleção oficial de Cannes.
Parece que a comédia ligeira, com base em histórias imaginárias e sem preocupação com a verossimilhança, se tornou a marca registrada de Radu Mihaileanu. Alegria, festa e brincadeira, emoldurando um drama. Só que, a essa altura, está faltando inovação e criatividade.
quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
A MÚSICA SEGUNDO TOM JOBIM
Antonio Carlos Egypto
A MÚSICA SEGUNDO TOM JOBIM, Brasil, 2011. Direção: Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim. Documentário. 88 min.
A música popular brasileira é muito rica e variada, sempre foi. Tem uma grande diversidade de expressões, enorme criatividade, e já gerou muitos movimentos ao longo de sua história. Entre esses movimentos, a bossa nova foi o que provocou as mudanças mais profundas e duradouras. Eternizou o violão e o canto de João Gilberto. Trouxe o poeta e diplomata Vinícius de Moraes para escrever maravilhosos poemas musicais. Gerou toda uma geração de músicos, compositores e intérpretes, que continuam ativos e brilhantes, e não serão esquecidos.
O ponto mais alto do legado desse movimento foi a vasta obra musical do compositor Antonio Carlos Jobim, o maestro soberano, como o chamou seu também parceiro Chico Buarque. Uma obra tão impressionante que extrapola não só a bossa nova, mas a própria música brasileira, popular ou mesmo erudita, e, em que pese sua grande brasilidade, se tornou universal.
Se há algo que define Tom Jobim é sua música. E ela se basta. Não precisa de nada mais para ser entendida, emocionar. Foi isso que o nosso grande cineasta Nelson Pereira dos Santos captou, e acabou por produzir um filme notável, em que a música é tudo, diz tudo, explica tudo. São quase 90 minutos de música sem nenhuma fala, nenhuma teorização ou depoimento, mesmo do próprio Tom. Nada quebra o encanto da música. E que música! É de tirar o fôlego. De dar orgulho de ser brasileiro.
Os intérpretes, que se sucedem um após o outro, sem identificação escrita ou legenda até o final, compõem um painel impressionante, onde a expressão musical reina absoluta. Lá estão resgatadas imagens e sons de Gal Costa, Elizeth Cardoso, Jean Sablon, Agostinho dos Santos, Pierre Barouh, Alaíde Costa, Henri Salvador, Gary Burton, Sílvia Telles, Gerry Mulligan, Ella Fitzgerald, Sammy Davis Jr., Judy Garland, Vinícius de Moraes, Errol Garner, Pat Hervey, Márcia, Lio, Mina, Elis Regina, Adriana Calcanhoto, Nara Leão, Maysa, Fernanda Takai, Nana Caimmy, Diana Krall, Oscar Peterson, Sarah Vaughan, Cybele e Cynara, Carlinhos Brown, Frank Sinatra, Jane Monheit, Stacey Kent, Birgite Brüel, Milton Nascimento, Lisa Ono, Paulo Jobim, Miúcha, Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil e Paulinho da Viola.
Ainda faltou muita gente. Basta dizer que João Gilberto só aparece como capa do LP “Chega de Saudade”, de 1959, e ao violão, acompanhando discretamente Elizeth Cardoso naqueles primórdios que deram origem à bossa nova e ao histórico disco dela “Canção de Amor Demais”. Problemas de cessão de direitos e projetos cinematográficos concorrentes. O crédito está lá, em todo caso.
Edu Lobo, tão próximo de Tom, e que com ele dividiu um disco espetacular, não apareceu. Nem Roberto Carlos ou seu show com Caetano, em 2008, em homenagem ao nosso grande maestro e compositor. Paciência. O que está lá vale muito a pena.
As gravações, todas de acervo, já existentes, garimpadas ou até descobertas ao acaso, são entremeadas por muitas fotos que jamais interrompem a música, só a complementam. E contam muito bem a história do Tom.
Senti falta de músicas importantes de Tom Jobim, como "Meditação", “Passarim”, “Tereza da Praia”, “Lígia”, “Gabriela”, mas não se pode ter tudo em 90 minutos e, às vezes, a imagem não existe ou tem algum tipo de comprometimento.
O importante é que há informação nova até para quem conhece muito bem a obra do compositor. Quem já havia visto Judy Garland cantando “Insensatez”? Sammy Davis Jr. improvisando Tom? Ella Fitzgerald, cheia de suingue, num “Desafinado”? Diana Krall, cantando bem, embora com muito sotaque, em bom português? E que bom poder recuperar imagens de Sílvia Telles, Agostinho dos Santos, Maysa, Nara Leão, cantando lindas canções do Tom, e a famosa dupla que Elis Regina fez com ele em “Águas de março”.
O documentário de Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim, neta de Tom, ao centrar toda sua força na música, concentrou uma energia muito grande no essencial e, com isso, arrebata o público. Impossível ficar indiferente a uma obra tão grandiosa, insuperável. E esse efeito certamente será sentido em qualquer parte do mundo, fale o idioma que for. É um filme que pode dispensar legendagem: Nelson Pereira dos Santos aventou essa idéia. Acho que ele está certo, pode mesmo. Até as letras em português, inglês, francês ou alemão, ganham universalidade com a música de Tom Jobim, do modo como ela é mostrada no filme
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terça-feira, 17 de janeiro de 2012
A SEPARAÇÃO
A SEPARAÇÃO (Jodaeiye Nader Az Simin). Irã, 2010. Roteiro e direção: Asghar Farhadi. Com Leila Hatami, Peyman Moadi, Sarina Farhadi. 123 min.
“A Separação”, como indica o título brasileiro, é um filme iraniano que trata da separação de um casal: Nader (Peyman Moadi) e Simin (Leila Hatami) e das consequências que isso traz para a vida, não só dos dois, da filha de 11 anos e do pai dele, idoso, com mal de Alzheimer, como também para a empregada diarista, que Nader contrata, seu marido e a filha pequena. As duas famílias acabarão num julgamento, que envolverá aspectos culturais, morais e religiosos. E incluirá ainda outras pessoas que se relacionaram, de algum modo, com as duas famílias. Um belo imbróglio, cheio de novidades e reviravoltas, de que um roteiro muito bem construído dá conta com talento.
A primeira cena já surpreende: diante de um juiz, o casal tenta explicar por que quer se divorciar. Ela quer ir ao exterior, ele, não. Alega que tem de cuidar do pai e não entende a importância dessa viagem, de apenas uma ou duas semanas. Nem nós, nem o juiz, que alega motivo fútil para o pedido.
Considerando-se, porém, que o Irã atual é um regime fechado e que é difícil obter autorização para sair do país, mesmo por um prazo máximo limitado a duas semanas, cujo efeito tem prazo de validade, entende-se a ansiedade de Simin. Em quarenta dias, suas chances de viajar se evaporam. Mas será que ela quer, mesmo, fazer uma curta viagem de turismo, visita a familiares ou algo do gênero (não é explicado isso na cena) ou ela pretende evadir-se, abandonar o país e, talvez, a própria família?
Isso é só o começo da trama, que tratará de inúmeras questões-problema do país e do regime, como quem não quer nada. Aparentemente, está apenas contando um melodrama familiar, sem conotações políticas. Nem poderia ser diferente, não passaria na censura e, muito menos, seria o indicado oficial do Irã ao Oscar de filme estrangeiro, como é o caso. O roteiro, porém, é brilhante, ao contrário dos censores oficiais que, pelo jeito, ficaram na superfície do assunto.
Um homem que se separa, trabalha, e tem um pai incapacitado aos seus cuidados, precisa de uma mulher para ajudá-lo, além de sua filha, pré-adolescente. Mas uma mulher casada, com filha, pode trabalhar na casa de um homem descasado, sem comprometer sua honra? E pode limpar um velho incapacitado sem cometer pecado?
Uma mulher pode deixar seu marido e filha e viver sua vida sem a reprovação social e religiosa? Um homem pode permitir que sua mulher grávida trabalhe na casa de outro homem sem o seu consentimento, mesmo necessitando muito do dinheiro que ela pode obter com esse trabalho, sem reagir? Terá razão se agredir o patrão que, supostamente, empurrou sua mulher para que saísse da casa? Pode-se tocar numa mulher grávida? Mas pode-se saber se ela está grávida ou não, se o corpo está todo encoberto e, com isso, uma gravidez pode ser disfarçada por um bom tempo?
Questões triviais? Absolutamente. Questões que mostram a relatividade dos valores morais, o sofrimento que uma leitura inflexível de princípios produz e a fragilidade das noções de mentira e de verdade.
Diante do Corão, só se pode jurar em nome da verdade. Mas qual é a verdade? Algo que se sabe pode ser esquecido num momento de raiva e descontrole. Como assim? A pessoa sabia ou não?
O que acontece é que as decisões morais são tomadas em circunstâncias concretas, que envolvem interesses, pessoas e situações sobre as quais não se tem muito controle. E a dúvida pode pairar soberana. Em alguns casos, nunca se poderá saber o que é verdadeiro ou não.
Essas reflexões são extremamente importantes e válidas, enquanto considerações éticas, universalmente. Aplicadas a um regime político como o do Irã, revelam que, sob o tacão autoritário e religioso, vive uma sociedade que pulsa sua contemporaneidade. Sufocada, mas pronta para vir à tona. Quem sabe, veremos em breve uma primavera persa?
Asghar Farhadi, que já dirigiu o muito competente “Procurando Elly”, em 2009, mostra que está à altura dos grandes cineastas iranianos, que se mudaram do país ou estão impedidos de trabalhar. Consegue criar uma obra instigante e profunda que, no entanto, exige uma leitura subliminar. Não se revela à primeira vista. Mexe no vespeiro, sem despertar suspeitas. Excelente. Faz lembrar a arte brasileira, especialmente a música, durante a nossa ditadura militar. Que criatividade impressionante era preciso ter para driblar a censura e o regime e, ademais, fustigá-lo. É o que faz Asghar Farhadi, nos dias de hoje no Irã, conquistando merecidos prêmios internacionais, além do Oscar.
“A Separação” levou três Ursos no Festival de Berlim de 2011: dois de prata, para melhores ator e atriz, e o de ouro, de melhor filme, além do prêmio do júri ecumênico. Recebeu, ainda, o prêmio de melhor roteiro do American Film Institute (AFI), junto aos críticos de Los Angeles e Boston. Venceu o Globo de Ouro de melhor filme em língua estrangeira, além de outros 17 prêmios em festivais de cinema pelo mundo. Merece tudo isso, sem sombra de dúvida.
segunda-feira, 9 de janeiro de 2012
MELHORES FILMES DE 2011
Antonio Carlos Egypto
Instado pela Confraria Lumière e pelo site Pipoca Moderna a fazer a minha lista de melhores filmes do ano de 2011, considerando os lançamentos comerciais nos cinemas, excluídos os filmes exibidos exclusivamente em mostras e sessões especiais, cheguei ao seguinte resultado:
Os filmes de que mais gostei de ver no cinema em 2011
1) A PELE QUE HABITO - Pedro Almodóvar.
2) POESIA - Lee Chang-Dong.
3) O GAROTO DA BICICLETA - Jean-Pierre e Luc Dardenne.
4) MEIA-NOITE EM PARIS - Woody Allen.
7) POTICHE: ESPOSA TROFÉU - François Ozon.
8) LOLA - Brillante Mendoza.
9) CÓPIA FIEL - Abbas Kiarostami.
10) UM CONTO CHINÊS -Sebastian Borenszteim.
Os documentários que mais gostei de ver no cinema em 2011
1) EU, EU, EU, JOSÉ LEWGOY – Cláudio Kahns
2) ISTO NÃO É UM FILME – Jafar Panahi e Mojtaba Mirtahmasb
3) AS CANÇÕES – Eduardo Coutinho
4) TANCREDO – A TRAVESSIA – Sílvio Tendler
5) RESTREPO - Tim Hetherington e Sebastian Junger
domingo, 8 de janeiro de 2012
Cavalo de Guerra
Tatiana Babadobulos
Cavalo de Guerra (War Horse). Estados Unidos, 2011. Direção: Steven Spielberg. Roteiro: Lee Hall e Richard Curtis. Com: Jeremy Irvine, Emily Watson e David Thewlis. 146 minutos.
Steven Spielberg, cineasta responsável por filmes como “ET – O Extraterrestre”, “Tubarão”, “Indiana Jones”, entre muitos outros, deixou um pouco de lado as produções executivas de blockbusters (ele é produtor, por exemplo, de “Transformers”, “Shrek”, entre outros) e resolveu falar de amor. Amor, mas em nada remete às comédias românticas produzidas em grande escala por Hollywood.
Isso porque em “Cavalo de Guerra” (“War Horse”), longa-metragem que estreia nesta sexta-feira, 6, ele fala do amor entre um camponês (Jeremy Irvine, em sua estreia no cinema) e um cavalo que viu nascer na fazenda vizinha.
Para sua surpresa, seu pai (Peter Mullan) arrematou o cavalo durante o leilão por uma fortuna, mesmo que a contragosto da mãe (Emily Watson) e de várias outras pessoas da vila onde vivem. O pai, aliás, não dá conta de pagar o próprio aluguel, pois só vive bebendo, e pouco se sabe sobre o seu passado, ainda que a mãe tenha a desculpa de que vivera momentos tristes tempos atrás.
Com o intuito de provar que o cavalo pode dar conta de arar a terra, o garoto Albert o batiza de Joey e os dois passam a ser companheiros inseparáveis. Então, promete aos pais que domará o animal. É quando a chuva traz o milagre e a bonança. Estava indo tudo bem, até que Joey vai parar na guerra.
A partir daí, o diretor Spielberg, que também é produtor do filme, começa a mexer na seara que conhece muito bem, já que é dele, por exemplo, o filme “O Resgate do Soldado Ryan”, que se passa durante a Segunda Guerra Mundial. Mas também é possível identificar na produção um quê de outro cineasta, John Ford, como o longa “Nos Tempos das Diligências”.
Só lá pelas tantas o espectador fica sabendo que esta história se passa durante a Primeira Grande Guerra, na Inglaterra, já que, no início, só há alguns indícios (sotaque, direção do carro à direita). Mas aí é anunciada a guerra contra a Alemanha e o letreiro avisa que é em 1914.
Mas “Cavalo de Guerra”, adaptação do romance de mesmo nome de Michael Morpurgo, que também deu origem a uma peça no teatro, é uma história épica e possui direção de arte que condiz com a época situada, bem como o figurino, que fora costurado à mão para dar mais autenticidade.
Spielberg conta a história, inicialmente escrita sob o ponto de vista do cavalo, de maneira ampla, ou seja, não apenas sobre a jornada do animal, mas também do garoto, que quer reencontrá-lo. E, pela primeira vez, o diretor faz histórias paralelas se entrelaçarem. E o faz muito bem, já que fornece conteúdo suficiente para que o espectador torça pelo melhor final dos dois lados.
Durante a trajetória, Joey vai passando de mão em mão, em sua maioria mãos jovens, que têm mais paciência…
Nos filmes “Indiana Jones”, Spielberg focou a história no homem e não em seu fiel corcel. “Mas no desenrolar da produção de ‘Cavalo de Guerra’ me surpreendi com o quanto os cavalos são capazes de demonstrar enorme emoção”, disse o diretor no material divulgado para a imprensa.
Para o longa, ainda de acordo com o material, foram utilizados 14 cavalos para interpretar Joey em sua progressão de recém-nascido a adulto. Embora quase todas as cenas sejam filmadas com cavalos de verdade, Spielberg mandou fazer um cavalo animatronic para partes da sequência na qual Joey está preso no arame farpado, seguida pela cena na qual protagoniza uma trégua para a paz entre as nações envolvidas no episódio.
A trama, aliás, é o tempo inteiro pontuada pela música de John Williams (autor de outras trilhas ao lado de Spielberg, incluindo “As Aventuras de Tintim”, que estreia ainda este mês no Brasil), e praticamente não cessa durante toda a projeção.
“Cavalo de Guerra” fala de amizade, lealdade, coragem e, sobretudo, esperança. Esperança de o cavalo deixar ser montado, de arar a terra, de ir para a guerra e de encontrar seu companheiro de novo na volta. Esperança por um mundo de paz, sem a estupidez da guerra, e, por que não?, esperança de concorrer ao Oscar.
Com trama emocionante, Spielberg ainda consegue manipular o espectador e dizer-lhe a hora certa para que rolem as lágrimas que já estavam ali prontas. Sorte do espectador que ainda tem tempo, já que as luzes só se acendem após os créditos finais.
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