É fácil criticar o aborto dos outros. Mas e se fosse com você, mulher? Ou com a sua mulher, sua namorada? É por aí que vai o documentário dirigido por Carla Gallo, que estará nos cinemas de São Paulo a partir de 05 de setembro de 2008. O aborto é uma experiência difícil, custosa, complexa, para qualquer pessoa.
Está muito longe de ser uma mera questão de princípios. A câmera de Carla Gallo invade a rotina das mulheres que acabam por fazer essa escolha, quando podem, como é o caso dos serviços de aborto legal, isto é, aquele que é permitido por lei nos casos de estupro, violência sexual, ou os que põem em risco a vida da mãe. Ser bem atendido num serviço público para esse fim é a glória. Calma lá! É bom, evidentemente, mas não é nada glorioso, não. É sofrido, envolve procedimentos hospitalares, chatos, rotineiros, que obrigam as mulheres a lidarem com seus fluídos corporais, seus medos, incertezas e culpas. Pode ser muito necessário, trazer alívio em tantos casos, mas não é agradável de se viver. Nem de assistir, portanto. Causa incômodo ver consultas, exames, internações serem invadidos (ou encenados) pelas lentes da documentarista.
E quando o aborto está ligado a situações ilegais e clandestinas, como o filme mostra também, por meio de depoimentos contundentes? Fica muito pior. Tem até mulher presa e algemada por ter feito aborto.
O incômodo fica ainda maior porque a filmagem se dá muito de perto, invadindo a vivência, penetrando no íntimo da questão e das pessoas. Mas também é preciso preservá-las. A fragmentação das imagens se torna um outro grande incômodo: corpos sem rosto, mulheres mostradas de costas, só o olho aparece enquanto o depoimento acontece, mãos, cobertores de hospital, pedaços, pedaços... Chega uma hora em que não tem mais imagem para mostrar, a ponto de termos de olhar para uma torneira, cujos pingos caem lentamente, um a um, em primeiro plano. Por que não um livro, um texto ou um programa de rádio, em vez de cinema, numa hora dessas? Mas o cinema é mais forte, mais presente, vira DVD depois e vai para todo lado. Muito apropriado para um cinema militante que tem lado, posição, e quer interferir na legislação que regulamenta a questão do aborto no Brasil.
Os argumentos também aparecem, na voz dos especialistas da saúde, ao final, mas aí o documentário perde a força. Por mais bem fundamentadas que possam ser as posições apresentadas, só um lado se manifesta. O interesse cai, só vai convencer quem já está convencido, me parece. Apesar dos dados contundentes que se apresentam. Talvez porque o filme, embora curto, tem pouco mais de 70 minutos, seja longo demais, se considerarmos que quase todo o tempo é de aflição.
Sinceramente, senti um pouco de saudade do filme romeno "Quatro meses, três semanas e dois dias", de Cristian Mungiu, de 2007, e da sua ficção tão extraordinariamente bem construída e filmada. A aflição é a mesma, mas o envolvimento emocional recheado de medo, suspense e solidariedade é uma aula de cinema. O que não significa que "O aborto dos outros" não seja um filme que mereça ser visto e possa ser objeto de muitas discussões e reflexões importantes.
terça-feira, 26 de agosto de 2008
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