quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Colegas



Tatiana Babadobulos

Colegas, Brasil, 2012. Direção e roteiro: Marcelo Galvão. Com: Ariel Goldenberg, Rita Pokk, Breno Viola, Lima Duarte, Leonardo Miggiorin, Juliana Didone, Marco Luque. 100 minutos.
 
Muito se fala do vídeo na internet que faz campanha para o ator norte-americano Sean Penn vir ao Brasil assistir ao filme nacional "Colegas". O pedido ("Vem Sean Penn") é feito por Ariel Goldenberg, protagonista do longa-metragem e fã do artista, e por diversas outras personalidades brasileiras. O objetivo do vídeo, aparentemente, é fazer o desejo do rapaz chegar aos ouvidos do ator. Mas também há a intenção, digamos, comercial: aumentar o interesse do público pelo filme, ganhador do Kikito, no Festival de Gramado no ano passado.

"Colegas" conta a história de três jovens com síndrome de Down que, inspirados pelo filme "Thelma & Louise", querem viver uma grande aventura. Os três cuidam da videoteca da instituição onde moram e costumam assistir a diversas produções. Daí o motivo de, durante o filme, eles citarem longas famosos, como "Cidade de Deus", "Tropa de Elite". Há também referências aos Beatles e ao brasileiro Raul Seixas.

Para a fuga, os jovens pegam o Karmann-Ghia do jardineiro (Lima Duarte) e vão em busca de três sonhos: Stalone (Ariel Goldenberg) quer ver o mar, Aninha (Rita Pokk) quer se casar e Márcio (Breno Viola) tem o sonho de voar.

O road movie "Colegas" conta com atores que têm Down, o que oferece realismo à produção. A fita tem o papel social de retratar o preconceito que muitos têm em relação a essas pessoas, mas ao mesmo tempo desmistifica algumas "verdades", como o fato de eles terem dificuldade em se relacionar, se comunicar e até mesmo decorar textos.



Com diálogos cheios de humor e ditos populares, o filme tem uma boa ideia de argumento, mas não significa que ele foi bem executado. A começar pela narração em off de Lima Duarte que enfatiza aquilo que está sendo mostrado na tela. Ou seja, desnecessário.

Outro problema que pode ser reparado no filme dirigido por Marcelo Galvão é a dificuldade que o espectador encontra em situar a história no tempo. Por exemplo: ao mesmo tempo em que o policial possui telefone celular, o telefone fixo é de disco. Os carros são antigos, mas os personagens citam "Tropa de Elite" (que estreou em 2007). Sem contar o fato de eles estarem no sul do país e, de carona com um caminhão cuja empresa está localizada no interior paulista, vai parar em Buenos Aires. Simplesmente não existe nexo e deixa o espectador perdido no tempo e no espaço.

A fita também não sabe para quem ela está falando, uma vez que não se trata de um filme infantil nem de tema adulto. Com a dificuldade que se tem de divulgação e exibição, seria importante ter foco.

"Colegas" tem um diferencial, quando mostra o lado positivo da síndrome de Down, ainda que os jovens saem da instituição sem permissão e executem pequenos roubos com armas de brinquedo. Mas em muitas situações ferem a capacidade que o espectador tem de pensar.

O longa-metragem venceu, durante o Festival de Gramado 2012, as categorias Longa-Metragem Brasileiro, Direção de Arte e prêmio especial concedido pelo júri a cada um dos três protagonistas.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

COMENTÁRIO SOBRE O OSCAR 2013

                       
Antonio Carlos Egypto

Todo mundo sabe que o Oscar é um prêmio muito badalado da indústria do entretenimento de Hollywood e que pouco tem a ver com arte e criação no cinema.  Mas repercute no público e representa bastante em termos de mercado.  Por isso, é impossível ficar alheio a ele.  E a gente acaba assistindo aos filmes indicados e torcendo pelos nossos favoritos
.

O Oscar 2013 teve, a meu ver, bons filmes em disputa e o resultado das principais categorias foi bem razoável.  Meu filme favorito da lista de 9 indicados era “Amor”, de Michael Haneke.  Ele entrou na lista, apesar de não ser falado em inglês. Foram indicados também o diretor Haneke e a veterana e grande atriz Emmanuelle Riva.  Essas indicações foram um reconhecimento da Academia à importância dessa obra, que venceu, como era esperado, o prêmio destinado a filme estrangeiro.  Merecidíssimo.
“As Aventuras de Pi” foi um filme que me entusiamou muito.  Torci por ele e gostei que Ang Lee tivesse vencido como melhor diretor. É um talentoso cineasta de origem chinesa, de Taiwan, que brilha em tudo que tem feito, nos mais diferentes gêneros.  Aqui, na fantasia.  O filme levou também prêmios de efeitos especiais (espetaculares), trilha sonora e fotografia.
“Argo” venceu a categoria de melhor filme, a de roteiro adaptado e a de montagem.  É um bom filme, que não fez muito sucesso no Brasil.  Agora, deve voltar aos cinemas, se destacar em DVD/Blu Ray, essas coisas.  E o diretor, Ben Affleck, nem foi indicado na categoria.  Mas, quando começou a ganhar todos os outros prêmios norte-americanos e mesmo europeus de cinema, ficou evidente que levaria o Oscar principal.
“Lincoln”, de Steven Spielberg, levou a óbvia estatueta de melhor ator para Daniel Day-Lewis, realmente brilhante no papel, e a de direção de arte.  O filme não empolgou, reverencia uma figura histórica na última fase de sua atuação, focando na aprovação da 13ª. Emenda, que aboliu a escravidão.  Mostra as manobras políticas que levaram à sua aprovação e o papel decisivo que Lincoln jogou nessa história.  Só que o filme é pesado, escuro, arrastado em boa parte dele, fala de coisas específicas da época histórica, bem distantes do conhecimento da maioria das pessoas.  Spielberg, que é um mestre do entretenimento, quando fica sério pode passar do ponto.  Como é o caso aqui.


“Django Livre”, de Quentin Tarantino, se saiu bem no prêmio.  Venceu roteiro original e ator coadjuvante, o ótimo Christoph Waltz.  Aí, sim, é escravidão abordada pela via do entretenimento, no gênero western (ou southern, como disse Tarantino). É o costumeiro festival de violência de brincadeira que o cineasta consagrou e repete.  Como a produção é boa e a filmagem, talentosa, agrada o público.
“Os Miseráveis” merecia mais do que o prêmio de atriz coadjuvante a Anne Hathaway, justo.  Além dele, só ganhou maquiagem e cabelo e mixagem de som.  Afinal, é um musical esplendoroso.  Outro que merecia mais é “Anna Karenina”, com seu criativo set teatral.  Ganhou só figurino.
“O Lado Bom da Vida” levou o prêmio de atriz para a jovem Jennifer Lawrence.  Ela mostrou sua força interpretativa num filme simpático, não muito mais do que isso.  “007 – Operação Skyfall” levou prêmios de fotografia e canção.  Já faz algum tempo que deixei de ver os 007, embora digam que esse é um dos melhores da longa série de um personagem que tem 50 anos de cinema. Não sobrou nada importante para "A hora mais escura". Pena.
Quanto aos prêmios destinados aos documentários, filmes de animação e curta-metragens, não tenho nada a dizer, porque não tive a oportunidade de ver nenhum deles.


sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Indomável Sonhadora


Tatiana Babadobulos

Indomável Sonhadora (Beasts ofmSouthern Wild). Estados Unidos, 2012. Direção: Behn Zeitlin. Roteiro: Lucy Alibar e Behn Zeitlin. Com: Dwight Henry, Quvenzhané Wallis, Levy Easterly. 93 minutos

Vivendo com o pai, Wink (Dwight Henry), às margens de um rio em uma comunidade chamada “Banheira”, a menina de seis anos Hushpuppy (Quvenzhané Wallis) vai ter de aprender lições de sobrevivência, mesmo que não saiba dessas “aulas”. Este é o tema de “Indomável Sonhadora” (“Beasts of Southern Wild”).
Os ensinamentos são dados porque o pai descobre que está muito doente e quer que a garota se vire sozinha quando ele não estiver mais presente. Neste meio tempo, a tal “Banheira” se torna um local impróprio para se viver e as autoridades tentam retirar os refugiados e levá-los ao hospital.
O diretor Benh Zeitlin utiliza a câmera na mão em muitos momentos para acompanhar o movimentomdas famílias que vivem na “Banheira”. Ali, há o lado seco e o lado molhado e, como qualquer pessoa que tem ligação com a sua origem, não quer deixar o lugar onde vive.
A menina, indicada ao Oscar, é responsável pela narração do filme, quando tenta decifrar a linguagem dos animais que diz que os que não tinham pai para pô-los dentro do barco, o fim do mundo chegou.
Os diálogos têm um toque de humor, principalmente pelo linguajar infantil da menina que precisa se virar tal como uma adulta, mas ao mesmo tempo o drama das famílias provoca lágrimas no espectador.


“Indomável Sonhadora” apresenta uma preparação para a menina que, órfã de mãe , precisa aprender a se virar sozinha, pois o pai, que vive bebendo, está com os seus dias contados e ele, sem falar que pode morrer logo, tenta ensinar à garota lições de sobrevivência. Com suas galochas brancas e vontade de acontecer, Hushpuppy mostra que é uma menina crescida, mesmo que a camiseta representando a sua mãe que se foi seja levada a sério por ela.

Além de aprender a se virar, o filme tem outra vertente importante: mostra lições de solidariedade entre os vizinhos que estão na mesma situação. E, como uma lição de moral, ao final a mensagem diz que “sempre perdemos quem nos fez. Os bravos ficam para presenciar. Eles não fogem”.
Além da indicação ao Oscar de Melhor Atriz, o longa recebeu indicações nas categorias Melhor Filme, Diretor e Roteiro.

COLEGAS

                              
Antonio Carlos Egypto


COLEGAS, Brasil, 2012.  Direção: Marcelo Galvão.  Com: Ariel Goldenberg, Rita Pokk, Breno Viola, Lima Duarte, Leonardo Miggiorin, Juliana Didone, Marco Luque.  100 min.


“Colegas” é um filme nacional que tem como protagonistas três personagens com Síndrome de Down.  Os atores que os encarnam são também portadores da síndrome: o personagem Stalone é vivido por Ariel Goldenberg, Aninha é Rita Pokk e Márcio é Breno Viola.  Os três, após viverem suas vidas, até a juventude, numa instituição especializada, e cada um por razões diversas longe dos pais ou sem os ter, resolvem se evadir de lá e viver uma aventura pelo mundo.  Inspirados pelo filme “Thelma e Louise”.  Por sinal, o filme todo faz citação de outros filmes, como “Casablanca”, “Psicose” ou “Tropa de Elite”. É dessa aventura cheia de situações divertidas que se alimenta a comédia.  Além de Lima Duarte e a participação de outros atores profissionais, o filme conta com mais de 60 jovens com Síndrome de Down, no elenco de apoio.

Vê-se, portanto, que é a síndrome o assunto principal do filme.  E como ela é abordada?  De forma respeitosa e sem apresentar os personagens como vítimas. Além do humor, por vezes até involuntário, decorrente do improviso de algum dos atores, os protagonistas fazem suas maldades, transgridem a lei.  Dentro de uma lógica própria, que é bem intencionada, mas, de qualquer modo, transgressora.



O filme tem um alto astral e os protagonistas conseguem facilmente a simpatia do espectador.  Tem potencial, portanto, para uma boa carreira comercial.  E, ao mesmo tempo, venceu o Festival de Gramado, o que não é pouca coisa.

É, sem dúvida, um filme simpático.  O que não significa que não tenha problemas.  Um deles é saber quando se passa a ação, já que há celulares, mas também telefones fixos de discagem circular.  O carro que os protagonistas usam tem selo de 1997, mas a citação a “Tropa de Elite” indica uma atualidade maior.  Já as roupas, nem tanto.  Fica um tanto confuso isso.

Há também problemas de continuidade.  No início do filme, quando fogem da instituição educativa, todos estão de pijama.  Mas passam por um circo e roubam roupas do espetáculo circense, estão com elas em boa parte da trama.  Até que, apesar da narrativa linear no tempo, eles reaparecem com os pijamas que haviam sido descartados.  E vestidos dessa forma vão se paramentar para uma festa, com roupas sociais.  Como assim?

Lima Duarte, o jardineiro da instituição, que tem também um papel educador no filme, faz a narrativa em off do périplo dos jovens.  Explica demais o que está acontecendo.  Inclusive, aquilo que as imagens já haviam mostrado.  Desnecessário e redundante.  Há, ainda, alguns problemas de dicção no desempenho dos atores, o que prejudica a captação de algumas falas, mas isso não chega a atrapalhar a compreensão do que acontece.



O tratamento bem-humorado dado à Síndrome de Down e a utilização de seus portadores como atores é uma experiência bem sucedida.  Embora não acrescente novas informações relevantes ao tema, nem consiga aprofundar a discussão sobre ele.  Mas o simples fato de nos pôr em contato próximo com as pessoas, e os personagens, portadores da Síndrome de Down já é um bom ganho.  Quando a gente se aproxima de alguém, ou de algo, que desconhece ou conhece pouco, a chance de avançar no conhecimento e superar estereótipos e preconceitos é muito grande.  “Colegas” é um filme que alcança  esse objetivo.  E é um bom entretenimento.  Tem agradado o público nas sessões em que foi exibido em festivais.



terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

As Sessões


Tatiana Babadobulos

As Sessões (The Sessions). Estados Unidos, 2012. Direção e roteiro: Ben Lewin. Com: John Hawkes, Helen Hunt, William H. Macy. 95 minutos

Em "O Escafandro e a Borboleta" (2007), o protagonista, em estado vegetativo, dita, com o movimento dos olhos, um livro inteiro para a sua assistente. No ano passado, os brasileiros puderam acompanhar a história do tetraplégico milionário que procura um enfermeiro, e encontra um amigo, no longa-metragem francês "Intocáveis".

"As Sessões" ("The Sessions") é inspirado nos texto autobiográficos do jornalista e poeta Mark O'Brien. Mark (John Hawkes, de "Contágio") é tetraplégico e passou a maior parte de sua vida dentro de um pulmão de ferro. No entanto, continua trabalhando como repórter. Para isso, conta com ajuda de uma assistente para levá-lo às entrevistas em sua maca.

Como em "Intocáveis", ele também está procurando uma nova assistente. Porém, este não é o tema central da fita. O foco do diretor e autor do roteiro, Ben Lewin, é outro. Apesar dos seus 38 anos, Mark ainda é virgem e nunca nem se masturbou.

Deitado em sua maca, Mark desfila pelas ruas do bairro e vai, com frequência, se confessar com o padre ma igreja. Na figura do religioso, vê um amigo e alguém com quem pode se abrir e dividir suas maiores tensões -- o fato de ser virgem, por exemplo.


Um dia, porém, Mark recebe a missão, como jornalista, de escrever uma reportagem sobre sexo entre os deficientes físicos. Para isso, ele entrevista algumas pessoas mas decide que ele mesmo deve experimentar a sensação. É a partir daí que entra em cena a terapeuta, vivida pela atriz Helen Hunt (de "Melhor Impossível", ótima!). O papel, aliás, lhe rendeu a indicação ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante.

O papel da terapeuta é introduzir (com o perdão do trocadilho) Mark ao sexo. Ela explica que a diferença entre a sua profissão e a de uma prostituta, é que essa quer que a pessoa vire cliente. Ela não. Para tanto, ela limita o "tratamento" em seis sessões.

Helen Hunt está realmente muito bem em seu papel e sua personagem ainda enfrenta um conflito dentro de casa, já que é casada e seu marido, um filófoso que não trabalha, fica dormindo quando ela chega em casa.

Há um pouco de pesar na situação do protagonista, embora não seja tão triste quanto a situação do personagem em "O Escafandro e a Borboleta". Aqui, as coisas vão se ajeitando, ainda que Mark sofra a falta de amor.

Como poeta, Mark O'Brien escreveu poema para a sua terapeuta, em uma verdadeira declaração de amor.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

A Hora Mais Escura




Tatiana Babadobulos


A Hora Mais Escura (Zero Dark Thirty). Estados Unidos, 2012. Direção: Kathryn Bigelow. Roteiro: Mark Boal. Com: Chris Pratt, Jessica Chastain, Joel Edgenton, Frank Grillo, Scott Adkins, Jennifer Elvie. 157 minutos

Ainda está fresca na memória de muitos o anúncio feito pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, quando o terrorista Osama bin Laden foi morto, em maio de 2011.

O que o cidadão comum não conhece são os bastidores daquela noite em que a maior potência do mundo supostamente tenha colocado um ponto final nas ameaças ao planeta. E são as articulações, as pesquisas e os estudos que são mostrados no longa-metragem "A Hora Mais Escura" ("Zero Dark Thirty").

Só uma pausa sobre o nome original: no jargão militar, a frase significa meia-noite e meia, horário do começo da operação. Fecha parêntese.

Os bastidores daquela noite também foram contados na série "The Newsroom". Mas, por se tratar de uma série sobre o jornalismo televisivo, é sobre a notícia que o episódio se debruça.

Aqui, a diretora Kathryn Bigelow mostra sob o ponto de vista dos soldados que lutaram contra os homens de Bin Laden. Ela, aliás, já realizou um outro filme sobre a batalha no Afeganistão. "Guerra ao Terror" venceu o Oscar de Melhor Filme em 2010.



Em "A Hora Mais Escura", o espectador vai acompanhar a jornada da agente Maya (Jessica Chastain, de "A Árvore da Vida"), recrutada pela CIA, para trabalhar no Afeganistão a fim de capturar o líder da Al-Qaeda.

A fita começa com diálogos ocorridos em 11 de setembro de 2001, data em que ocorreram os ataques terroristas contra as Torres Gêmeas, em Nova York.

O longa mostra cenas de tortura contra sauditas para os Estados Unidos descobrirem onde é o esconderijo de Bin Laden. Ao mesmo tempo em que Kathryn não poupa o estômago do espectador com as cenas de espancamento e afogamento, mostra a imagem controversa de Obama na TV dizendo que os soldados do seu país não praticam a tortura.

Com toque de ironia, bastante tortura e investigação, "A Hora Mais Escura" apresenta cenas contundentes de como teria sido a captura do terrorista mais procurado do mundo. E, feminista que é, a cineasta coloca uma mulher à frente da operação para encontrar respostas para a sua investigação e, ao mesmo tempo, lutar contra o sistema, já que seu chefe é contra as ações que ela propõe no início.

Com imagens desoladoras de combate, planejamento e astúcia, o que se vê na tela é uma sucessão de fracassos e vitórias, além de uma boa reflexão.

Resta saber (e só o tempo poderá dizer) se os atos de hoje não terão consequências amanhã. As crianças trancadas dentro do esconderijo de Bin Laden e que presenciaram a invasão norte-americana, quem sabe?, poderão responder a essa e a tantas outras dúvidas.

Ao todo, o longa concorre a cinco indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme, Atriz e Roteiro Original.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

A HORA MAIS ESCURA

                                
Antonio Carlos Egypto

A HORA MAIS ESCURA (Zero Dark Thirty).  Estados Unidos, 2012.  Direção: Kathryn Bigelow.  Com Chris Pratt, Jessica Chastain, Joel Edgenton, Frank Grillo, Scott Adkins, Jennifer Elvie.  157 min.

A caçada e morte de Osama Bin Laden, o grande inimigo público dos Estados Unidos, evidentemente acabaria sendo registrada pelo cinema americano.  Poderia trazer, entre seus elementos, a elegia da vingança, a justificativa do assassinato, a celebração patriótica de um objetivo prioritário do país alcançado, a purgação da dor associada à tragédia do World Trade Center.  Qualquer que fosse o enfoque, seria passível de críticas.  O assunto é espinhoso e polêmico.
A cineasta Kathryn Bigelow parece ter encontrado um tom apropriado para tratar do assunto: o relato seco e direto dos eventos que,ao longo dos anos, precederam a ação da tomada da casa-fortaleza do terrorista até a consumação de sua captura e morte.  O que se fez com o corpo, após a identificação, fica fora do filme.  Mas os métodos de tortura, utilizados pelos norte-americanos em prisões secretas ao redor do mundo, estão lá, mostrados repetidamente, aparentemente sem nenhum disfarce, de modo bem realista.

A contradição é óbvia: em nome da liberdade e da democracia, pode-se torturar e matar.  O que Bin Laden representava e o terror que produziu justifica esse vale-tudo? Todos nós sabemos que esses métodos sempre existiram, muito antes da comoção causada pelo monstruoso episódio de 11 de setembro de 2001.  Na América Latina, ditaduras militares sangrentas, nos anos 1960 e 1970, viscejaram com o respaldo dos governos norte-americanos de então.  O combate ao comunismo era o que justificava tudo isso, e muito mais.  Os exemplos são inúmeros, mas basta lembrar a guerra do Vietnã.

“A Hora Mais Escura” não entra nessa discussão, mas também não a evita, na medida em que mostra o que se faz, sem esconder ou idealizar as coisas.  Pode-se dizer que a protagonista Maya (Jessica Chastain), agente da CIA que conduz a narrativa do filme, é uma heroína obstinada e que a ação dos militares americanos foi bem planejada e corajosa. No filme a ação e o suspense se destacam.  Mas o bem e o mal não estão caracterizados como tais.  O tempo dos mocinhos e bandidos já passou.  Ou fica restrito ao terreno da fantasia, geralmente infantojuvenil.  Em casos como esses, ninguém sai limpo, ileso e puro.  E se há heroísmo, em alguns momentos, ele é anônimo.  Não tem rosto, nem nome.  Vira segredo de Estado.
Com “Guerra ao Terror”, de 2009, Kathryn Bigelow desbancou “Avatar” e levou o Oscar, surpreendendo muita gente.  “A Hora Mais Escura” também está na disputa do Oscar 2013.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

O Amante da Rainha


Tatiana Babadobulos

O Amante da Rainha (En Kongelig Affære). Dinamarca, 2012. Direção: Nikolaj Arcel. Roteiro: Nikolaj Arcel e Rasmus Heisterberg. Com: Mads Mikkelsen, Alicia Vikander, Trine Dyrholm. 137 minutos


Um dos cinco concorrentes ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, “O Amante da Rainha” (“En Kongelig Affære”) conta a história da jovem inglesa, Carolina Matilde (Alicia Vikander), que se casou com o rei dinamarquês Christian 7º (Mikkel Boe Følsgaard), no século 18. Depois de casada, sentiu na pele o desprezo que sua majestade lhe dispensava.

O desprezo, aliás, não era gratuito; era proveniente de sua insanidade mental que, para controlá-la, contratou o médico alemão Struensee (Mads Mikkelsen, de “A Caça”).

A trama é contada de trás pra frente, quando a rainha, aparentemente exilada, escreve uma carta aos filhos contando sobre sua vida.

Como diz o nome do longa-metragem, é mais do que óbvio que o médico será o tal amante. Os indícios são dados no início. Quando Carolina se muda para o palácio real (o casamento é encomendado, como era de praxe na época), ela tem parte de seus livros ingleses censurados, já que não se pode ler sobre determinados assuntos, como o Iluminismo.



O tal médico, porém, quando vai viver com a realeza, consegue levar seus livros com ideias iluministas e Carolina pede alguns emprestados. É a afinidade de ambos que os aproxima e começa uma revolução.

Durante o Iluminismo, Rousseau queria evitar tudo o que limitava a vida pessoal, ou seja, o casamento, a religião. E o médico, do alto de sua lucidez e sabedoria, sabe o que isso significa e luta em favor das ideias iluministas. Como é o rei despreparado para governar (e faz o papel, muitas vezes, de bobo da corte), é o médico quem escreve as suas falas, e ele as pronuncia, tal como um ator, diante do conselho.

Diretor e coautor do roteiro, Nikolaj Arcel (roteiristas de “Millennium – Os Homens que Não Amavam as Mulheres”) vai construindo os personagens aos poucos, de maneira que faz com que o espectador se apegue e torça para que o desfecho seja o mais convincente possível. E é. Embora seja uma história real, Arcel vai além da direção de arte, cujos detalhes ficam gravados na memória da plateia, ao se deparar com poltronas da época de Luís XV, roupas cheias de pompas, além dos diálogos apropriados.

Rainhas já apareceram no cinema aos montes. Basta lembrar rapidamente da obra de Sophia Coppola ("Maria Antonieta"). A rainha da França é mostrada, no filme, sob o olhar da diretora, que a vê como uma garota nos dias de hoje (vide a trilha sonora rock and roll).

“O Amante da Rainha” vai além do verniz da (boa) direção de arte. Trata-se de uma história dramática, de bom gosto e que conta história pouco conhecida do reinado dinamarquês.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

O Voo


Tatiana Babadobulos

O Voo (The Flight). Estados Unidos, 2012. Direção: Robert Zemeckis. Roteiro: John Gatins. Com: Denzel Washington, Nadine Velazquez, Don Cheadle. 138 minutos



Sexo, drogas e manche do avião são itens que não combinam. Em “O Voo” (“The Flight”), o piloto do avião vivido por Denzel Washington (“Sob o Domínio do Mal”) passa por problemas durante um destino dentro dos Estados Unidos. A questão maior é o mau tempo e as condições da própria aeronave, que apresenta problemas nos seus motores.

Isso não teria sido problema para o piloto, que tem experiência, está com os seus documentos em dia e fez o melhor que podia para salvar a maioria dos passageiros.

O que acontece, porém, é que, quando é levado ao hospital, exames acusam que o profissional usou cocaína e ingeriu bebida alcóolica antes do voo.

Então, o drama de um voo inteiro passa a ser exclusivamente o comportamento do piloto.



As cenas do acidente do avião são bem filmadas. O espectador consegue sentir (na pele) o drama vivido pelo personagem. E a história é contada de maneira que a plateia se envolve com os problemas do piloto. Ele se droga, se embebeda, briga com a família, mas ao mesmo tempo consegue ter reação extraordinária do perigo. O que, é claro, não justifica o seu comportamento enquanto está trabalhando e tem a vida de diversas pessoas em suas mãos enquanto está no ar.

A fita vai bem durante boa parte de sua projeção. No entanto, o diretor Robert Zemeckis (“Náufrago”) peca quando decide adotar uma postura moralista. Não que deva fazer apologia às drogas, mas o final que segue os itens da moral e dos bons costumes destoam do desenvolvimento do filme e apresenta uma história que poderia ser melhor.

Talvez se “O Voo” tivesse terminado minutos antes, esse problema teria sido evitado. E os espectadores sairiam mais satisfeitos da sala de cinema.

Por sua atuação, Washington recebeu indicação ao Oscar de Melhor Ator. Outra indicação é a de Melhor Roteiro Adaptado.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O Lado Bom da Vida

Tatiana Babadobulos

O Lado Bom da Vida (Silver Linings Playbook). Estados Unidos, 2012. Direção e roteiro: David O. Russell. Com: Bradley Cooper, Jennifer Lawrence, Robert De Niro. 122 minutos

Reabilitação depois de um tempo na cadeia é um dos temas tratados pelo personagem central do longa-metragem “O Lado Bom da Vida” (“Silver Linings Playbook”). Pat Solatano (Bradley Cooper, de “Se Beber, Não Case! Parte  II”) retorna à casa dos pais e tenta levar uma vida normal depois de terminar o casamento. A briga não foi qualquer briga, como a fita mostra mais adiante, mas ele precisa retomar as rédeas, assim como deve ser feito após qualquer trauma.

Além de frequentar sessões no terapeuta, Pat tem o apoio do casal de amigos que o apresenta para Tiffany (Jennifer Lawrence, de “Inverno da Alma”). Entre as lições, o rapaz aprende o significado da palavra “Excelsior” (“vou pegar esse neativismo e transformá-lo em combustível).

A moça também tem lá os seus problemas: aos 22 anos ficou viúva e foi curar a sua dor se envolvendo com todos os homens do escritório no qual trabalhava, até ser demitida pela prática.



Daqui pra frente, a história dirigida por David O. Russell (“O Lutador”) vai se desenrolar de maneira bastante previsível e natural, de modo que poderia ser a história de qualquer pessoa que esteja na plateia. Assim, o espectador se aproxima dos personagens sem cerimônia e faz com que “O Lado Bom da Vida” seja um filme bastante honesto, que entrega aquilo que promete.


A fita é um romance, mas não aquele cheio de pompa, de cenas surreais que todo mundo sabe serem impossíveis de acontecer (de acontecer, não de sonhar). Jennifer Lawrence, que venceu o Globo de Ouro por sua atuação, convence o espectador. Embora sua personagem esteja atrás de sexo, ela mostra que também tem o direito e pode se apaixonar. Antes, porém, ela convence o amigo que vai ajudá-lo a reatar com a ex-mulher, desde que ele aceite a dançar com ela. Afinal de contas, a dança pode ser um ótimo remédio para curar o vício e, por que não?, a dor de cotovelo.

De graça, a plateia ainda leva a interpretação de Robert de Niro, em uma performance carismática, que ama jogos de futebol americano, faz apostas para o seu time ganhar e ainda é cheio de manias (é portador do Transtorno Obsessivo Compulsivo).

Além de concorrer ao Oscar na categoria Melhor Atriz, “O Lado Bom da Vida” concorre ainda como Melhor Filme e a outras sete categorias.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

OS MISERÁVEIS


                            
Antonio Carlos Egypto
OS MISERÁVEIS (Les Misérables).  Inglaterra, 2012.  Direção: Tom Hooper.  Com Hugh Jackman, Anne Hathaway, Russel Crowe, Amanda Seyfried, Eddie Redmayne, Helena Bonham Carter, Sacha Baron Cohen.  158 min.



“Os Miseráveis”, história clássica de Victor Hugo, passada no século XIX em Paris, mostra por meio do prisioneiro Jean Valjean (Hugh Jackman), que consegue mudar de vida e virar prefeito de cidade e dono de fábrica, as terríveis condições sociais da época.  Miséria extrema, condições opressivas de vida para os pobres, mulher a quem só resta a prostituição para sobreviver, com filha ilegítima relegada ao abandono.  Injustiças e muito mais.  No encalço do antigo prisioneiro libertado, o policial Javert (Russel Crowe), que o persegue por toda a vida.  Mas uma derrota moral nesse embate com Jean Valjean irá destruir sua vida.  Os ideais de liberdade, igualdade, fraternidade, que alimentaram a Revolução Francesa, nem parecem ter existido um dia...  A revolta está novamente nas ruas e o povo sublevado dá margem a belíssimas cenas de confronto e batalha no novo filme baseado no romance.



“Os Miseráveis” já rendeu peça e musical que por muitos anos lotaram palcos londrinos, alimentaram o charme da Broadway e se reproduziram pelo mundo.  Também já rendeu vários filmes.  É objeto agora de uma superprodução cinematográfica, visualmente muito refinada, em espetáculo portentoso, com atores e atrizes de talento e prestígio.

É novamente do musical que se trata.  São quase três horas com elenco interpretando seus papéis cantando.  Em alguns casos, entoando uma interpretação dramática.  Em outros, soltando a voz em lindas canções.  Todos filmados cantando ao vivo, enquanto interpretam, para evitar o artificialismo do playback e da dublagem.  Destacam-se belas vozes e interpretações femininas: Anne Hathaway e Amanda Seyfried estão ótimas no canto e convincentes nas interpretações tão sofridas e dramáticas que o texto impõe.



Quem gosta de musicais não tem do que reclamar.  Vai se fartar de boa música e cinema de qualidade.  Mas tem gente que não vai aguentar três horas de interpretações cantadas, com certeza.  O filme é bonito mas é longo demais.  Provavelmente, a sensação de cansaço virá para boa parte dos espectadores.  Mas não dá para negar que é um trabalho competente do diretor Tom Hooper (que já levou “O Discurso do Rei” a vencer o Oscar, em 2011), numa produção magnífica, de escala grandiosa.  Fotografia, direção de arte, figurinos, tudo muito bonito.  Até a miséria fica bonita numa produção assim.  O que, evidentemente, também pode ser objeto de crítica.

O fato é que os fãs de musical vão adorar.  Quem não gosta de representação cantada vai detestar, apesar da pompa da produção.  Não cabe muito meio-termo, não.“Os Miseráveis” recebeu o Globo de Ouro de melhor filme, na categoria comédia ou musical, além de prêmios de interpretação masculina e feminina, e tem oito indicações para o Oscar 2013.



sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Os Miseráveis


Tatiana Babadobulos

Os Miseráveis (Les Miserables). Reino Unido, 2012. Direção:Tom Hooper. Roteiro:William Nicholson. Com: Hugh Jackman, Russell Crowe, Anne Hathaway, Amanda Seyfried, Sacha Baron Cohen, Helena Bonham Carter. 158 minutos

 
Musicais não são muito prestigiados pelo público no cinema. São tratados como longos, cansativos e arrastados. Mas nem sempre foi assim. No início do século 20, eles eram os mais procurados por aqueles que queriam assistir a um filme, principalmente na época das grandes produções de Hollywood. Basta lembrar do clássico “Cantando na Chuva” (1952), com Gene Kelly, e todos os outros estrelados por Fred Astaire.

Das últimas produções do gênero, o que mais fica na lembrança é “Chicago” (2002), de Rob Marshall, mesmo diretor de “Nine” (2009). Este último, aliás, foi inspirado: “8 ½”, de Federico Fellini, de 1963. Outra produção que pode ser recordada com um certo saudosismo é “Moulin Rouge” (2001). E “Mamma Mia!” (2008) pode ser facilmente esquecido.

Adaptação do musical da Broadway, “Os Miseráveis” (“Les Miserables”), inspirado na obra do escritor francês Victor Hugo, chega aos cinemas. Durante a Revolução Francesa no século 19, Jean Valjean (Hugh Jackman) rouba um pão para alimentar a irmã mais nova, mas é preso pelo crime. Durante anos ele é perseguido pelo policial Javert (Russell Crowe).

Após ser solto, Valjean procura a filha de Fantine (Anne Hathaway), ex-funcionária de uma fábrica que caiu nas ruas para ganhar dinheiro. Daí pra frente, histórias se entrelaçam e se cruzam de forma harmoniosa.

A fita, dirigida por Tom Hooper (“O Discurso do Rei”), traz apenas diálogos cantados. É difícil, por exemplo, encarar o fato de que Russell Crowe, ator conhecido por suas atuações em filmes de ação, como “Gladiador” (2000), comece a, de repente, cantar enquanto lidera a tropa.



A interpretação de Anne Hathaway é oposta. Mesmo com a voz embargada da mãe que está sofrendo por não ter dinheiro para mandar para a filha, ela canta. E as músicas, vale salientar, são lindíssimas, como “I Dreamed a Dream”, “Bring Him Home”, “One Day More” e “On My Own”.

Helena Bonham Carter e Sacha Baron Cohen fazem parte do núcleo cômico da trama. Helena já foi vista em outros musicais, como “Sweeney Todd – O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet”, dirigido por seu marido Tim Burton e estrelado por Johnny Depp. Baron Cohen, com sua expressão irônica e debochada de outros filmes (“Borat”, "O Ditador"), envolve o público em mais trapalhadas, fazendo com que a trama se torne um pouco mais leve, mas tenha o peso que o assunto merece, já que trata-se de uma obra escrita em 1862.

Embora se passe na França do século 19, o longa-metragem é cantado em inglês. Vez ou outra um personagem se refere a uma pessoa como “madame” e “monsieur”. Esse uso do francês apenas para tratamentos pessoas irritam um pouco o espectador, como se o elenco só fosse capaz de dizer aquelas palavras no idioma de Molière.



“Os Miseráveis” trata da Revolução Francesa, das dores causadas pelo incidente, mas também de amor não correspondido e pelo sacrifício feito no papel da mãe, que aceita cortar o cabelo, vender o dente e o corpo em troca de alguma moeda.

A fita não pertence a um gênero amado por unanimidade pelos cinéfilos, mas “Os Miseráveis” encanta pela produção, por algumas interpretações mas, sobretudo, pelas canções.

Vencedor de três prêmios no Globo de Ouro (Melhor Comédia ou Musical, Atriz Coadjuvante para Anne Hathaway e Ator para Hugh Jackman), o longa concorre a oito Oscars, incluindo as categorias principais.