domingo, 30 de julho de 2023

OPPENHEIMER

Antonio Carlos Egypto

 

 



OPPENHEIMER (Oppenheimer).  Estados Unidos, 2023.  Direção: Christopher Nolan.  Elenco: Cillian Murphy, Florence Pugh, Robert Downey Jr., Emily Blunt, Matt Damon, Rami Malek, Tom Conti, Kenneth Branagh.  181 min.

 

Se os cinemas andavam com pouco público, mesmo os blockbusters recentemente lançados, isso mudou com a estratégia milionária, publicitária e de marketing, que trouxe às salas, simultaneamente, “Barbie” e “Oppenheimer”.  Lançados numa grande quantidade de cinemas, vêm lotando sistematicamente as sessões.  “Barbie” é o que se pode chamar de um produto publicitário, de incentivo ao consumo, não surpreendem seus números de bilheteria.  Mas “Oppenheimer” é um filme mais sério e até de compreensão difícil e, no entanto, já alcançou trezentos milhões de dólares nas bilheterias mundiais, na primeira semana de exibição.

 

“Oppenheimer” é o novo trabalho do cineasta inglês Christopher Nolan, que tem alcançado grande êxito em Hollywood.  Alguns de seus filmes são: “Amnésia” (2000), “A Origem” (2010), “Interestelar” (2014), “Dunkirk” (2017), além de Batmans.  O filme é uma adaptação da biografia escrita por Kai Bird e Martin Sherwin, de 2006, Oppenheimer – O triunfo e a tragédia do Prometeu americano, prêmio Pulitzer, lançado agora no Brasil pela editora Intrínseca, aproveitando a onda do lançamento cinematográfico sobre o importante personagem histórico, o físico conhecido como o pai da bomba atômica.

 

Fui ver “Oppenheimer”, já na segunda semana nos cinemas, sabendo que Nolan é um cineasta muito competente, consegue verbas para fazer grandes e sofisticadas produções, mas é um tanto hermético no modo de contar histórias, complicando, às vezes, o que não seria necessário, dificultando a captação por parte do espectador um pouco menos atento.

 

Claro que Robert Oppenheimer (1904-1967) tem uma história, em linhas gerais, conhecida.  Mas me preparei para uma jornada incômoda.  Surpreendentemente, não foi o que aconteceu.  Não digo que o filme não exija atenção concentrada do espectador, mas eu acompanhei com muito gosto as longas três horas de exibição.  Sem maiores dificuldades, apesar de não ter tantas informações sobre o tema.  Não consegui identificar todos os personagens envolvidos, mas isso não importa muito. O que o filme traz é bem claro, tanto no que se refere à conquista científica e o compromisso ético que ela tem de engendrar, quanto na enviesada leitura ideológica anticomunista, que transformou o herói em traidor, quando nem deveria ser essa a questão.  O que é lealdade à pátria e aos compromissos bélicos aí incluídos?  Cabe a reflexão honesta e a expressão autêntica do pensamento se tornarem públicas?  Como aliados na guerra se comportam, uns em relação aos outros, em confronto com suas diferenças, apesar de objetivos comuns?  Como escolhas políticas podem distorcer a compreensão de fatos que poderiam ser perfeitamente entendidos, se outros interesses, pessoais, inclusive, não entrassem na história?

 


São muitas e importantes as questões abordadas.  E absolutamente atuais, se pensarmos no substrato das armas atômicas que estão ameaçadoramente presentes na invasão da Ucrânia pela Rússia, a guerra do momento.  O filme não faz alusão à contemporaneidade da questão, mas é inevitável que nós o façamos.

 

Com todo esse conteúdo, muita fala e complexidade, “Oppenheimer” é um filme bonito de se ver.  O uso do som apresenta grande intensidade e precisão, o que valoriza também o momento do silêncio.  A música que acompanha as cenas e acentua o suspense, depois se torna minimalista, após o silêncio, e se liga a uma exploração de imagens que ilustram a física nuclear, com suas manifestações representadas por ondas, nuvens e explosões.

 

A sequência do teste Trinity no Novo México, em julho de 1945, pouco antes da explosão das bombas em Hiroshima e Nagasaki, no Japão, é muito bem realizada e empolgante, vale por todo o filme.  E diz muito a todos nós, como dizia ao físico Oppenheimer, tanto na reação eufórica quanto na depressiva constatação da capacidade de produzir a morte em grande escala.  Em escala planetária.

 


Acho bom que um filme como esse seja visto por muita gente.  Para quem ainda não viu e desconhece, ou conhece pouco, o caso Oppenheimer, não custa nada pesquisar sobre ele na Internet, antes de ir ao cinema.  Isso vai ajudar a acompanhar e entender melhor o filme, enquanto ele decorre, antes que todo o quebra-cabeças esteja montado.  E não fiquem faltando muitas peças ao final.

 

“Oppenheimer” tem um elenco estelar que valoriza o produto.  Mas o destaque é para o protagonista Cillian Murphy, que transmite muito, com pouco movimento e faz com sutileza a sua interpretação do grande físico teórico, que ele encarna muito bem.



sexta-feira, 21 de julho de 2023

MÁQUINA DO DESEJO

Antonio Carlos Egypto

 

 



O Documentário MÁQUINA DO DESEJO, de Joaquim Castro e Lucas Weglinski, debruçou-se ao longo de sete anos sobre um acervo de seis décadas de registros que envolvem a história do Teatro Oficina.  Filmagens, arquivos de cinematecas, matérias das TVs nacionais e internacionais e gravações do próprio Oficina, proporcionam uma imersão na vida extraordinariamente criativa de José Celso Martinez Correia e o seu Teatro, ou Te-ato, Uzyna Uzona.  O Oficina não apenas revolucionou a linguagem teatral de forma radical, como interferiu na criação musical, na arquitetura e no urbanismo, em luta pela ecologia, contra a opressão, a censura e a ditadura, em defesa da liberdade de criação, dos direitos humanos e da democracia.  O papel do Teatro Oficina na cultura brasileira, que remonta a 65 anos de atividades, tinha mesmo de ser lembrado, exposto, difundido, valorizado.  Isso se tornou ainda mais urgente com a morte trágica de Zé Celso num incêndio em seu apartamento.

 

Quem acompanhou, assistiu, participou dos espetáculos sabe o quanto foi mexido por tudo o que rolava por lá.  Certamente vai usufruir das imagens e sons desse registro documental com alegria e saudade.  Já as gerações mais novas, que não participaram diretamente dos eventos culturais e políticos do Oficina, terão dificuldade em compor essa extraordinária trajetória.  Senti falta de algum didatismo e organização histórica para que um público mais amplo pudesse aquilatar o que foi tudo aquilo.

 

Está tudo lá, de um modo ou de outro.  De “Os Pequenos Burgueses” a “O Rei da Vela”, “Roda Viva” e as performances de um teatro que arrebentou a quarta parede, misturou palco e plateia, ganhou o espaço externo, transformou o entorno, gerou solidariedade às questões urbanas e sociais mais urgentes.  Também estão lá a prisão, a tortura e o exílio que Zé Celso transformou em vitória.  Até a independência de Angola e a Revolução dos Cravos de Portugal, filmadas pelo grupo do Oficina no exílio, estão lá também.  Enfim, é se deixar levar por uma onda transformadora que nada foi capaz de deter, em que pese a violência que foi empregada contra ela.  Sentir o que significou e ainda significa essa luta pela preservação de um espaço da arte e da cultura, que ganhou uma amplitude imensa.

 

Participam dessa história toda gente, como Caetano Veloso, Chico Buarque, Glauber Rocha, Rogério Sganzerla e movimentos como a Tropicália e a Antropofagia.  E mais: Lina Bo Bardi, Fernanda Montenegro, Flávio Império, Hélio Eichbauer, Elke Maravilha, Aziz Ab’Saber e também Sílvio Santos e Paulo Maluf como contrapontos.  Ou Lula e Eduardo Suplicy como apoiadores.  E, obviamente, Marcelo Drummond, Renato Borghi, Ítala Nandi, Célia Helena, Antonio Abujamra, Dina Sfat, Bete Coelho, Maria Alice Vergueiro. Bom, é uma lista sem fim.  O Oficina mexeu com muita gente, mexeu com tudo, com o povo todo.  109 min.

 

Foto que tirei após a apresentação de uma remontagem de ‘O Rei da Vela”, em São Paulo, em 2017, com Zé Celso e Renato Borghi ao lado de Fernanda Montenegro e Fernanda Torres.

 

 MOSTRA ARUANDA -- SP

Ontem foi a abertura da Mostra Aruanda, que apresenta pela primeira vez em São Paulo um panorama do novo cinema paraibano.  Na primeira sessão vimos imagens de um filme de 100 anos atrás (1923), do paraibano Walfredo Rodrigues, que registra o carnaval nas ruas de João Pessoa e Recife. 

 

Em seguida, a animação de Bruna Velden, “Era Uma Noite de São João”, abordou a primeira vez que o nordeste não pôde fazer a tradicional festa de rua, em função da pandemia e como driblou essa limitação. 

 

Ao final, nos deliciamos com “Jackson: Na Batida do Pandeiro”, documentário de Marcus Vilar e Cacá Teixeira, que nos levou ao universo íntimo e musical do paraibano Jackson do Pandeiro, grande artista, com sua originalidade de ritmo e dança.  A Mostra Aruanda – SP segue até o dia 26 de julho, no Cinesesc, em sessões às 20:30 horas.




terça-feira, 18 de julho de 2023

FOGO FÁTUO + FANTASMA NEON

Antonio Carlos Egypto

 

Chega aos cinemas a partir de 20 de julho de 2023 uma sessão com programa duplo, bastante curiosa por suas caraterísticas.  Reúne dois filmes distintos que têm muita coisa em comum: um longa-metragem português e um curta brasileiro, que somam juntos 87 minutos.  Ambos atuam na chave musical e fantasia. São filmes de entretenimento que tocam em assuntos importantes, com leveza, e um jeito um tanto inusitado de contar uma história.

 


FOGO FÁTUO.  Portugal, 2022.  Direção de João Pedro Rodrigues.  Elenco: Mauro Costa, André Cabral, Joel Branco, Margarida Vila-Nova, Ana Bustorff.  67 min.

 

O novo filme de João Pedro Rodrigues (Diretor de “O Fantasma”, de 2000, e “O Ornitólogo”, de 2016) é uma comédia musical gay, que focaliza um rei à beira da morte, relembrando sua juventude, quando, na condição de príncipe, decidiu ser bombeiro para combater as queimadas que prejudicam o clima do planeta.  Loiro, como costuma se associar aos príncipes de contos de fada, encontra no corpo de bombeiros um instrutor negro, com quem desenvolve uma relação erótica intensa, mas passageira, um fogo fátuo.  E isso se dá com muita música, danças coreografadas, corpos em intenso movimento, vivendo uma fantasia, um devaneio, em meio a uma realidade complicada.  O tema musical central, que se repete cantando, é mesmo muito bonito e todo o score musical dançado, também.  O fato de a trama se passar em 2069, quando o rei relembra sua história, que supõe uma visão de futuro, simplesmente acrescenta a ideia da passagem do tempo, mas esse futuro parece igual a hoje.  Um menino que brinca sem cerimônia num leito de morte com seus objetos indica o quê?  Que a morte estará banalizada no futuro?  As sequências que compõem o longa estão cheias de elementos e comportamentos bruscos ou inesperados.  O diretor não adota o realismo nem a evolução dramática.  Tudo acontece de repente, sem causa aparente e nos leva à diversão musical.  Afinal, o mundo é estranho, não é mesmo?

 



FANTASMA NEON.  Brasil, 2022.  Direção de Leonardo Martinelli.  Elenco: Dennis Pinheiro, Silvero Pereira.  20 min.

 

O curta brasileiro “Fantasma Neon” trata de um entregador de aplicativo que sonha em ter uma moto. Esse desejo se transforma em um musical com muita dança, intensa e vibrante.  Enquanto se mostra a precariedade dos direitos trabalhistas que envolvem o ofício dos entregadores, a música dá o tom, a fantasia ocupa o lugar da penosa realidade e produz o entretenimento, mas não se trata de escapismo.  Até para dançar, a turma não larga da caixa de entrega.  E as conversas não deixam dúvidas quanto à necessidade de batalhar por mudanças.  O filme ganhou o Leopardo de Ouro de curtas no Festival de Locarno.  Foi escolhido como o melhor curta do ano pela Abraccine e venceu o Festival de Gramado.



quinta-feira, 13 de julho de 2023

2 FILMES EM CARTAZ

Antonio Carlos Egypto

 

 

ALMA VIVA

ALMA VIVA, da diretora Cristèle Alves Meira, vai a um vilarejo nas montanhas portuguesas e, por meio da pequena Salomé, nos coloca em contato com o mundo das almas, dos demônios e das bruxas que, na verdade, estão em toda parte, nos mais insuspeitados espaços e pessoas.  Quando se manifestam, a maldade toma forma e aparece com força, destruindo não só reputações como os vínculos de toda uma família entre si e com a comunidade.  Um tema difícil de lidar, na perspectiva do realismo, que a produção dá conta e nos oferece, por exemplo, um fantástico percurso de uma procissão de enterro a pé, que se transforma num inferno, não por qualquer ação extraterrena, mas pela ação de pessoas aparentemente comuns, envenenadas pelo mal.  Ou o mal estaria na pessoa da defunta?  A fantasia interage com a realidade de modo inteligente e visualmente integrado nesse filme intrigante que representou Portugal na disputa pelo Oscar de filme internacional em 2023.  Elenco: Lua Michel, Ana Padrão, Jacqueline Corado, Catherine Salée, Duarte Pina.  85 min.

 



HERÓI DE SANGUE (Tirailleurs), escrito por Olivier Demangel e Mathieu Vadepied, este, o diretor do filme, se passa todo num front de batalha da Primeira Guerra Mundial.  Como em tantas outras ocasiões, os franceses buscam conquistar um monte, na mão dos alemães.  Só que esse grupo de soldados provém do Senegal e de alguns outros lugares, recrutados à força nas aldeias, vilas e cidades, para lutar pela França.  Um episódio, segundo informam os produtores do filme, que costuma ser solenemente ignorado. Portanto, é uma história que precisa ser contada. No caso, a trama foca em uma relação pai e filho.  Bakari (Omar Sy) tenta a todo custo salvar seu filho de 17 anos, Thierno (Alassame Diong), mas na guerra tudo pode ficar de cabeça para baixo e chega a acontecer uma inversão de poder, quando Thierno assume o comando, no papel de cabo, superior ao pai, que está lá como soldado, por decisão do branco francês que comanda a tropa.  Ficar e buscar o heroísmo de uma conquista improvável ou encontrar um meio de fugir, que não é tão complicado, havendo dinheiro disponível, é a escolha a fazer.  Que poderá colocar pai e filho em condições opostas.  O filme não sai do contexto da guerra, para mostrar-se defensor do pacifismo e denunciar que os colonizados viram bucha de canhão e destroem suas vidas em nome de um patriotismo e de um heroísmo que nada tem a ver com eles.  Não é muito agradável permanecer numa trincheira de guerra, com fotografia escura, bombas e estilhaços por toda parte, vendo os senegaleses comendo o pão que o diabo amassou, em nome da França.    Elenco: Omar Sy, Alassame Diong, Jonas Bloquet, Bamar Kane.  100 min.



domingo, 9 de julho de 2023

CINE SATO



Antonio Carlos Egypto

 

 



Um novo cinema está sendo lançado no bairro da Liberdade, em São Paulo, o cine Sato ou Sato Cinema.  Vinculado ao edifício da Bankyo – Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social – e ao Museu Histórico da Imigração Japonesa, com entrada direto pela rua São Joaquim.  Portanto, um cinema de rua.  Administrado pela Sato Company, estará dedicado à exibição de filmes japoneses, principalmente, mas ampliando para coreanos e chineses, ou seja, produção audiovisual asiática. 

 

Com equipamentos atualizados para boa qualidade de projeção cinematográfica, ocupará um auditório que desenvolve outras atividades e eventos, além do cinema e que, incluindo o mezanino, é uma sala de 1100 lugares.  Pelo menos no início de suas atividades, a programação do cinema estará reduzida aos finais de semana.  No mês de julho, com cinco sessões aos domingos, nos dias 16, 23 e 30. 

 


A julgar pela sala de espera montada, o destaque será para as animações, envolvendo super heróis asiáticos, títulos do acervo da Sato, clássicos de Bruce Lee, por exemplo, e novos lançamentos.  Os primeiros filmes que estão previstos na programação incluem “O Deus do Cinema”, um belo filme do diretor Yôji Yamada, exibido recentemente em São Paulo.  Os outros títulos são “The Promised Neverland”, um filme de ação, aventura e drama, inspirado numa série mangá, “Human Lost”, uma ficção científica passada no ano 2036, e “Kamen Rider Zero One: Real X Time”, envolvendo ação e ficção científica, em exibição dublada.  Os demais passam legendados.  Todos são produções japonesas recentes.

 

A ideia de um novo cinema de rua na Liberdade faz lembrar do histórico cine Niterói, que, de 1953 a 1968, na rua Galvão Bueno, teve um papel fundamental na difusão do cinema e da cultura japonesa na cidade, quando pouco se conhecia deles, até então, no mercado exibidor da época.  E também era uma sala enorme.

 


O problema é a viabilidade de um cinema com mais de mil lugares nos dias de hoje, algo que não existe mais em São Paulo.  Ainda que restrito aos finais de semana, poucos dias de exibição por mês, não é fácil trazer um público tão grande à sala de cinema.  O desafio é enorme.  A Sato parece confiante no êxito e na ampliação da empreitada.  Tomara que esteja certa na sua ousadia.  O momento é de comemoração e marca também o 115º. Aniversário da imigração japonesa no Brasil.

 

 

quarta-feira, 5 de julho de 2023

O CRIME É MEU

                       Antonio Carlos Egypto

 

 



O CRIME É MEU (Mon Crime).  França, 2023.  Direção: François Ozon.  Elenco: Nadia Tereszkiewicz, Rebecca Marder, Isabelle Huppert, Fabrice Luchini, Andre Dussolier, Dany Boon.  115 min.

 

O novo filme dirigido por François Ozon é um roteiro adaptado por ele de uma peça de Georges Berr e Louis Verneuil.  Trata-se de uma comédia, com toques dramáticos e de suspense, a partir de uma espécie de releitura dos filmes policiais. Ou seja, uma baita ironia em relação a esse gênero.  Mas não só ao gênero cinematográfico como à própria realidade das investigações policiais e dos julgamentos e decisões do Judiciário, francês, no caso.

 

É também um filme de época, se passa em Paris nos anos 1930 e sua temática central é a questão das mulheres, o feminismo, a capacidade de enfrentamento e luta delas diante de um mundo marcadamente machista e violador do gênero feminino.

 

É por conta desse enfrentamento que um suposto crime adquire dimensões positivas e passível de dar apoio e fama a quem o cometer.  Nesse caso, confessá-lo pode ser mais interessante do que reivindicar uma onerosa e improvável absolvição por inocência.  Pode até haver uma disputa, regada a boas boladas de dinheiro, a respeito de quem realmente cometeu o crime.  O título em português “O Crime é Meu” resume bem isso, mais claramente do que o original “Mon Crime”.

 


Como se vê, estamos no terreno das chamadas “narrativas”, em que a verdade factual praticamente desaparece.  A questão vai se resumir em saber se faz sentido e até se é aceitável, dependendo das circunstâncias e das motivações envolvidas.  Isso de acordo com a repercussão do caso nos meios de comunicação, que vão atingir os julgamentos populares, dentro e fora dos tribunais.

 

A trama do filme é muito bem estruturada e desenvolvida, trazendo novos elementos e surpresas, ao longo de sua evolução, e novas consequências aos personagens envolvidos.  Uma penca de bons personagens, defendidos por um elenco estelar e de alta categoria, torna o filme “O Crime é Meu” muito atraente e divertido.  Uma comédia inteligente e crítica, que nos brinda com ótimos desempenhos.  Como os de Isabelle Huppert, no papel de Odette, uma atriz envelhecida e decadente que remete ao cinema mudo, ou de Dany Boon, como Palmerède, um ricaço que surpreende pela firme fidelidade à esposa.  Tem ainda o notável Fabrice Luchini, como o delegado que tira conclusões lógicas a partir do que crê ou adapta os fatos às suas crenças, ou o não menos brilhante Andre Dussolier, como o empresário Bonnard, que adapta sua ética ao dinheiro que pode irrigar seu negócio e salvá-lo da crise que enfrenta.  E outros mais num elenco em que as protagonistas são jovens artistas: Nadia Tereszkiewicz, a Madeleine, atriz em busca de concretizar carreira, que pode encontrar na Justiça o caminho para alavancá-la, com a ajuda de Rebecca Marder, no papel de Pauline, advogada desempregada, mas dedicada e criativa, capaz de muita coisa. No meio delas, o herdeiro potencial André, das empresas Bonnard, vivido pelo jovem Edouard Sulpice, que faz de tudo para se dar bem, desde que nunca precise trabalhar, e que é o amor de Madeleine, a quem ele imagina ter como amante, enquanto se casa com uma milionária.

 

O resultado disso tudo é um filme bem dirigido, elegante, divertido, com boa música, que parece bem apropriado para um momento do nosso país, em que um pouco de leveza e alegria caem muito bem.  Sem perder a capacidade crítica, o que é essencial.



domingo, 2 de julho de 2023

FILMES E MOSTRAS

                              

Antonio Carlos Egypto

 

 

Numa postagem aqui, no começo de junho, eu apontei algumas mostras de cinema importantes que estavam ocorrendo.  Bastante coisa boa e acessível.  Mas o tempo de duração de cada mostra é pequeno – uma semana ou pouco mais, em geral.  Além de que acontecem também simultaneamente em alguns dias.  Assim, é preciso tempo, saúde, disposição e interesse para conseguir acompanhar.  Eu vi alguma coisa, mas muito menos do que gostaria, em grande parte porque tive de me dedicar a cuidar da saúde, fazer consultas, exames, fisioterapia.  Isso tudo toma muito tempo.

 

 

Terruá Pará

Do Festival de Documentários Musicais In-Edit (15ª. edição), eu já tinha visto o deslumbrante ELIS & TOM, só tinha que ser com você, de Roberto Oliveira e Jom Tob Azulay, que registra o trabalho desenvolvido por Tom Jobim, Elis Regina, César Camargo Mariano e outros músicos, para a realização de um disco histórico, Elis & Tom, um dos melhores álbuns da MPB de todos os tempos, gravado em Los Angeles em plena ditadura militar brasileira.  O filme também é ótimo, empolgante, mostrando aspectos da intimidade das relações desenvolvidas por lá, com imagem restaurada em 4K.  Vai entrar em cartaz brevemente, suponho.  É para ficar atento e não perder.

 

O vencedor do Festival In-Edit eu vi e também gostei bastante.  É TERRUÁ PARÁ, de Jorane de Castro, que colhe depoimentos e mostra o trabalho de diferentes vertentes da belíssima música que se faz no Pará, atualmente, que vai do versátil catimbó ao tecnobrega, à música experimental e erudita, com influências que vão dos cantos indígenas aos sons da floresta e da água, da vizinha Guiana e do que é incorporado por lá do que vem de fora da Amazônia.  A natureza complementa o filme com uma beleza que amplia a da música.  O filme é bonito visualmente também. E bem emocionante.  Quem não tem ideia do que estou falando tem de ficar atento se esse filme for lançado nos cinemas em breve.  E deve ser, afinal, ganhou o festival.  É indispensável conhecer essa música incrível do Pará.

 

A programação, que complementei on line, aproveitando o que o festival ofereceu, tinha coisas bem interessantes também, como TANGOS E TRAGÉDIAS PARA SEMPRE, de Aloísio Rocha, e TWIST, de Ron Mann, do Canadá.

 

Do 81/2 Festa do Cinema Italiano, em sua 10ª. edição, neste 2023, só consegui ver SERGIO LEONE – O ITALIANO QUE INVENTOU A AMÉRICA, documentário dirigido por Francesco Zippel, que foi o preferido do público, o filme mais votado.  Sergio Leone (1929-1989) foi um grande inovador e um ousado realizador cinematográfico.  Pode-se atribuir a ele (e  a uns poucos de menor resultado) a criação de um subgênero cinematográfico pra lá de improvável: o western spaguetti.  E a criação foi grande sucesso de público e tem a admiração da crítica, em função do talento criativo de Leone.  Duas enormes obras primas, como “Era Uma Vez no Oeste” e “Era Uma Vez na América” são o maior atestado dessa obra notável, reconhecida e explicada no documentário por gente como Clint Eastwood, Robert De Niro, Steven Spielberg, Martin Scorsese, Quentin Tarantino, Darren Aronofsky, Dario Argento, etc.. Se essa gente diz que seguiu e aprendeu muito com Leone, está tudo dito, não?  Esperemos que o filme seja lançado logo.  É um documentário importante, de peso, para o cinema italiano e mundial.


 

Sergio Leone

E as mostras continuam.  O próprio cinema italiano tem uma segunda parte de atrações, um ciclo chamado de “A Grande Arte”, com filmes sobre Caravaggio, Leonardo da Vinci, Gustav Klimt e Schiele, Tintoretto, Monet, Van Gogh, Picasso, Gauguin e Michelangelo, de 22 de julho a 23 de agosto.  Veja a programação aqui: www.festadocinemaitaliano.com.br

 

A Cinemateca Brasileira apresenta até 09 de julho uma mostra reunindo dois cineastas importantíssimos para a história do cinema: Robert Bresson e Chris Marker.  Recomendo “A Grande Testemunha”, que já citei quando falei do filme “Eo”, e “O Dinheiro”, de Bresson, com sua concisão, precisão, capacidade de contar com clareza uma história, utilizando elipses magníficas. De Marker, vale conferir o seu trabalho documental da realidade e a ficção como reflexo dela.  O pequeno filme experimental “A Pista” (La Jetée) é memorável e surpreendente. Tem uma outra mostra paralela na Cinemateca, simultânea a essa, que apresenta filmes do Cinema Japonês Contemporâneo.  Confira aqui: www.cinemateca.org.br/programação

 

 Ainda de 20 a 26 de julho, o Cinesesc traz uma seleção de filmes da Mostra Aruanda, fazendo a capital paulista respirar a criatividade do novo cinema paraibano.