terça-feira, 21 de dezembro de 2010

72 HORAS

Antonio Carlos Egypto


72 HORAS (The Next Three Days). Estados Unidos, 2010. Direção e roteiro: Paul Haggis. Com Russel Crowe, Elizabeth Banks, Liam Neeson, Olivia Wilde. 113 min.

John (Russel Crowe) é o que se pode chamar de um homem pacato e feliz. Tem uma esposa jovem, bonita, a quem ele ama e deseja intensamente: Laura (Elizabeth Banks). E um filho pequeno, de 6 anos de idade, vivo e inteligente. Tem, ainda, um bom padrão de vida, o que inclui uma boa casa e um carro novo e ecologicamente correto.

O melhor dos mundos, porém, pode desabar a qualquer momento. Laura é presa, acusada de assassinar sua chefe, com quem tinha visíveis problemas de relacionamento. Como John poderia assimilar uma coisa dessas no seu mundo tão bem ajeitado? Mais do que saber se ela é culpada ou inocente, se sua apelação vai ser aceita ou não, a questão é como viver sem ela e com o filho abalado por sua ausência. Mesmo contando com avós colaboradores, a barra pesa. Demais, para ele.

Partindo de questionamentos como esses, “72 Horas” constrói um espetáculo do gênero policial suspense, bastante envolvente, e que deixa o público tenso e em expectativa pelo que pode vir por aí. Com direito a algumas cenas de perder o fôlego, para não decepcionar os aficionados por filmes de ação.

A transformação de John é o centro da narrativa. Como é possível que esse homem seja capaz de tudo, para reencontrar o equilíbrio perdido? Mesmo com tão pouco domínio daquilo que está fazendo agora?

A chamada publicitária do filme tem uma frase marcante: “não há nada mais perigoso do que um homem com tudo a perder”. É verdade. Não se pode explicar assim o surgimento de feras humanas? Afinal, não são tipos extraordinários, mas, geralmente, gente comum, que não soube elaborar suas perdas, seus fracassos ou reveses. e acabou atravessando a linha que separa a sanidade da loucura.

O personagem vivido por Russel Crowe é bem interessante. Rico, matizado, racional e louco, calculista e destemperado. Um papel em que o ator convence pela sutileza da interpretação e veracidade que empresta ao personagem.
Por outro lado, o plano de fuga é elaborado demais, supõe controles impossíveis, é coisa que só pode acontecer desse jeito no cinema. A atuação policial, então, supõe uma dedicação sem limites, concentrada e absoluta, a um único caso, como se nada mais acontecesse, na cidade, no país ou no mundo. É coisa só de cinema, também.

Não importa. Esqueça todo o resto e deixe-se levar pela trama, por fantasiosa que seja. Fazendo assim, o entretenimento estará garantido. Um belo passatempo, apropriado para a época de festas, férias, em que está sendo lançado o filme. Só não espere nada mais do que isso.

domingo, 19 de dezembro de 2010

TRABALHO SUJO

                                                          Antonio Carlos Egypto



TRABALHO SUJO (Sunshine Cleaning). Estados Unidos, 2010. Direção: Christine Jeffs. Com Amy Adams, Emily Blunt, Alan Arkin, Jason Spevack. 91 min.


A família Norkowski, de classe média baixa, está em dificuldades financeiras para atender às suas necessidades. Rose (Amy Adams) tinha fama como chefe de torcida na escola, aspira ser corretora de imóveis, mas vive mesmo é de diarista, limpando casas. Um emprego bem melhor remunerado nos Estados Unidos do que no Brasil. Mas insuficiente para o que ela precisa. Sua necessidade mais imediata agora é poder pagar escola particular para seu filho Oscar (Jason Spevack), de 8 anos, que está sendo expulso da escola pública por seus comportamentos bizarros. Comportamentos que, por sinal, têm uma das fontes claras no jeito destrambelhado e descompromissado de Norah (Emily Blunt), sua tia e irmã de Rose.

Norah acabou de perder mais um emprego sem grandes perspectivas, num restaurante, e sua vida tem se resumido a transas eventuais e muita maconha. Ela mora com o pai, Joe (Alan Arkin), que vive em busca de ganhar dinheiro rápido, fazendo negócios de ocasião, como comprar camarões frescos a bom preço e revendê-los aos restaurantes. Quando consegue, bem entendido.

A luta pela sobrevivência já é difícil quando há competência e persistência. Com medo de se lançar, acomodação ou fantasia, fica tudo pior.

É quando surge para Rose a ideia de fazer de seu trabalho de faxineira uma profissão rentável. Ela descobre os caminhos que a levam a limpar casas ou locais onde aconteceu algum crime ou suicídio. Por esse tipo de limpeza, se paga muito bem. Ela leva Norah a trabalhar com ela e abre uma firma para isso: a Sunshine Cleaning, do título original. Esse é realmente um trabalho sujo, nojento, que exige estômago, mas dá dinheiro.

Uma atividade como essa não é algo simples de se lidar, também pelo lado emocional. Os objetos, as fotos, as lembranças, o estado das casas dos mortos, tudo isso acaba tocando-as bastante, Norah, especialmente. E é por esse lado que o filme vai mostrando a sujeira que costuma ser colocada em baixo do tapete e que acaba por exigir que se olhe para onde não se quer olhar, na vida pessoal e familiar.

Tendo que olhar e limpar o sangue e os detritos dos outros, é quase impossível não pensar em limpar sua própria sujeira escondida e resolver as coisas que estão incomodando. E por aí vai a trama, até que algumas confusões acabam entornando o caldo, exigindo novas escolhas e, talvez, novos caminhos.

A ideia é boa e o filme flui com alguma desenvoltura, mas sem conseguir aprofundar a questão. O registro de comédia acaba sendo um fator de dificuldades, já que a pretensão é de obter sorrisos e possibilitar reflexão. Mas para tentar fazer rir o filme se utiliza de situações-clichê e de cenas que transtornam a narrativa e que acabam não possibilitando uma abordagem mais rica do tema escolhido.

O próprio assunto – limpeza de locais onde se deu um crime ou suicídio – não se presta facilmente à comicidade. Encontrar o tom adequado é difícil. “Trabalho Sujo” não desanda, mas também não brilha. Fica no meio do caminho.

A produção é boa, o desempenho do elenco, também, há cenas bem construídas, que dão bem para curtir, mas o conjunto do trabalho é apenas mediano.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A REDE SOCIAL

                                                                                             Antonio Carlos Egypto




A REDE SOCIAL (The Social Network). Estados Unidos, 2010. Direção: David Fincher. Com Jesse Eisenberg, Justin Timberlake, Andrew Garfield. 120 min.


Não há coisa mais “da hora”, como diria a galera antenada, do que as redes sociais que se espalham pela Internet. A maior delas, o Facebook, conta com 500 milhões de pessoas, em 207 países. Um fenômeno espantoso!

O criador dessa rede social, Mark Zuckerberg, é o mais jovem bilionário do mundo e acaba de ser eleito pela revista Time como a personalidade do ano, escolha justificada pelo fato de que o seu trabalho alterou a forma de as pessoas se relacionarem, conforme notícia publicada pela Folha de São Paulo, em 16/12/10.

O filme “A Rede Social” conta a história do surgimento do Facebook e da projeção de Mark Zuckerberg, a partir dos processos movidos contra ele e dos flash-backs que ilustram os fatos e as acusações. Por ali se vê um gênio da Informática, estilo nerd, que não tem maiores escrúpulos e faz da capacidade de controlar emoções uma arma para conseguir o que bem entende. Não que as coisas não o abalem, mas ele dissimula e as transforma em ações vingativas, se necessário. Sem compaixão por ninguém, nem mesmo pelo melhor (único?) amigo. Sem meias palavras: um gênio que é mau caráter. É isso que o filme mostra.

Essa história garante uma trama atraente e incrivelmente atual. É o que dá força ao filme. Para quem não é tão versado em informática, algumas informações podem soar grego ou simplesmente ficarem algo confusas. Mas não é isso o que conta. São os relacionamentos do personagem, como ele lida com as coisas que vão lhe acontecendo e de que forma ele viabiliza seus planos, que vão se tornando cada vez mais mirabolantes. E, ainda, como essa fortuna vai se acumulando a partir de um início em que, segundo o filme, o interesse dele era muito pouco voltado para o dinheiro. Curioso, não?

Pertencer a grupos de elite no ambiente competitivo da Universidade de Harvard e vingar-se da namorada, que rejeitou seu jeito de ser, parecem ter sido motivações iniciais muito mais fortes. O reconhecimento do talento em escala cada vez maior e o poder sobre as pessoas foram sempre grandes objetivos.

Chamou minha atenção o fato de essa película estar sendo indicada para os mais badalados prêmios mundiais da indústria do cinema: Oscar, Globo de Ouro, entre outros. Não vejo nada que a destaque ou justifique a importância que estão lhe dando. Exceto o assunto de que trata. Se o Facebook é uma das coisas mais inteligentes e inovadoras do mundo da computação, o cinema que “A Rede Social” apresenta é bem feito, mas convencional. Vale também pela crítica ao personagem que ele enfatiza. Ou seja, não é um produto chapa branca. Dá para ver com interesse. Mas não empolga.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

TETRO

                                                             Antonio Carlos Egypto



TETRO (Tetro).  Estados Unidos, 2009.  Direção e roteiro de Francis Ford Coppola.  Com Vicent Gallo, Maribel Verdú, Aldren Ehrenreich, Klaus Maria Brandauer, Carmen Maura.  127 min.


Francis Ford Coppola volta à direção de cinema, depois de alguns anos, com sua nova produção e um roteiro original dele mesmo: “Tetro”.

À medida em que eu via as imagens de “Tetro” sendo projetadas, sua magnífica estética em preto e branco me remetia a alguns dos melhores filmes do chamado “cinema de arte” dos anos 1960 e 1970, em que as cores ainda não haviam enterrado a fotografia tradicional da história do cinema.  As diversas tonalidades de cinza, o branco luminoso, as sombras, os ambientes escurecidos, exibindo contrastes belíssimos, seduziam o olhar. E me remeteu, também, a outro filme de Coppola, com as mesmas características: “O Selvagem da Motocicleta”, ou, no original, “Rumble Fish”, de 1982.

Já naquele momento, o cineasta retomava a estética em preto e branco das décadas anteriores e contava uma história de relacionamentos familiares e convívio com o impulso para a violência, sempre que a frustração se impusesse. 

O centro da narrativa era a relação entre dois irmãos, o mais velho, uma figura lendária, um tanto misteriosa e flertando com a loucura, numa aparente mansidão que, no entanto, se transformava instantaneamente em violência eficiente.  O irmão menor, com cerca de 18 anos, tentava mimetizar o outro, sem o mesmo talento, maturidade ou conhecimento do terreno em que pisava.  O irmão mais velho havia sumido e agora estava de volta, mas, na verdade, o mais novo não o conhecia. O colorido praticamente só aparecia quando entravam em cena os “peixes de briga”, vermelhos ou azuis, que representavam simbolicamente os personagens do filme.  Havia uma cena colorida já ao final

Aqui também é de uma relação de irmãos que se trata.  Um, mais velho e experiente, Tetro (Vicent Gallo), o outro, menor e um tanto ingênuo, em busca de reencontrar e conhecer o primogênito, Bennie (Aldren Ehrenreich), de 17 anos, que vai ao encontro do irmão que sumiu e que ele mal conhece.  Misterioso, enlouquecido, Tetro esteve num manicômio, se apaixonou por uma médica de lá,  se apartou da família.  Bennie tenta encontrar-se e à sua origem familiar, aproximando-se do irmão e seguindo seus passos, mas recebe de volta distanciamento e rejeição de Tetro.  Não de sua mulher, que o acolhe. A partir daí, se desenvolverá a trama que inclui abandono materno e paterno, modelos a serem seguidos, ou, por impossibilidade de sucesso, rejeitados ou odiados.  É de modelos que falava também “Rumble Fish”.  

A inovação da cor para mostrar cenas do passado, invertendo a lógica habitual, em que o passado é costumeiramente visto em preto e branco, tem sua correspondência nos peixes coloridos do filme anterior.  Aquele, um roteiro adaptado, aqui, um roteiro original, do diretor, o primeiro desde “A Conversação”, de 1974, um clássico que antecipava as atuais discussões sobre a questão da privacidade.

Não sei se terá sido esta a intenção de Coppola, mas ele retomou seu filme “O Selvagem da Motocicleta” na mesma proposta estética, ampliando  e tornando mais complexa a história.  Partiu também dos mesmos elementos constitutivos e características básicas dos personagens principais.

A grande saga dos três filmes de “O Poderoso Chefão” ou o épico delirante e grandiloquente de “Apocalipse Now”, sem dúvida grandes filmes do diretor, pouco ou nada têm a ver com o atual “Tetro”.  Mais nostalgia do que superprodução, o filme trata de conflitos pessoais e familiares que vivem se repetindo em todos os lugares e épocas.  Com as características próprias de cada momento e valorações diversas em cada tempo, mas com uma essência que os torna algo permanentes.  Coisas que qualquer filme de Ingmar Bergman é capaz de alcançar, em que pesem seus vínculos históricos e geográficos tão específicos.

Francis Ford Coppola se sai muito bem nesta nova empreitada, fazendo um belo filme que também busca essa essência das coisas.  Seu ar nostálgico nos remete à grande arte dos clássicos inovadores em preto e branco, que fizeram a cabeça de muitos cinéfilos e que parecem insuperáveis.

Ao aproximar-se dessa vertente, com “Tetro”, Coppola só faz reafirmar que é um dos grandes mestres do cinema norte-americano de todos os tempos, com versatilidade suficiente para brilhar em diferentes registros dessa cinematografia.  Não que ele não tenha tido fracassos.  Teve vários, incluindo falência.  Mas a obra que construiu até aqui é notável e alguns desses fracassos merecem ser reavaliados.  E, é claro, fracassos comerciais podem ser êxitos artísticos.  O tempo muitas vezes acaba por resgatar pérolas que passaram despercebidas em sua época ou foram rejeitadas até por estarem avançadas em relação a seu tempo.  Ou, ainda, porque se arriscaram a sair do esperado, em busca daquilo que pode inovar ou surpreender.