Antonio Carlos Egypto
HAHAHA (Hahaha). Coreia do Sul, 2010. Direção: Hong Sang-soo. Com Sangkyung Kim, Sori Moon, Yu Junsang. 115
min.
O filme do cineasta coreano Hong Sang-soo, “Hahaha”, tem o grande mérito de contar uma
história de forma inovadora e surpreendente.
Dois amigos se encontram e se reúnem para beber, num bar de uma pequena
cidade costeira da Coreia do Sul. Estão
lá por razões diversas e há muito não se veem. Vai daí que há bastante o que
contar, um para o outro. Muitas
histórias vividas por ali mesmo.
Como ele nos mostra esse papo de bar? Por meio de fotos em branco e preto,
alternando os dois personagens, e se ouve o diálogo entre eles. Cada um fala um pouco de seu caso e passa a
bola ao outro, como se dissessem: E aí, o que aconteceu depois? Talvez até haja frases assim, não me
lembro. Mas o sentido é esse: uma
conversa que flui entre dois amigos que têm interesse um pelas histórias do
outro. E ouvem com atenção. Falam e ouvem na mesma proporção. Uma espécie de diálogo ideal, já que é raro
que isso ocorra. É mais comum as pessoas
tentarem monopolizar a conversação, exibirem seus conhecimentos, contarem
coisas sem se darem conta de que não interessam aos interlocutores. Ou se fala por ansiedade. Ou se cala por tédio. Mas esse não é o caso dos jovens amigos aqui.
A cada figura ou situação que vai sendo exposta ou
relatada vamos vendo as cenas coloridas, como se dão os encontros, os
desencontros, os relacionamentos, o que dá e o que não dá certo.
Parecem duas narrativas paralelas, que nada tem a ver
uma com a outra. Mas, aos poucos, vamos
percebendo que as pessoas com quem eles se relacionam, ou se relacionaram, são
as mesmas ou se conhecem. A expectativa
fica nos rondando. Ficamos à espera de
que os relatos se encontrem. Mas o
roteiro, habilmente, encontra saídas para que isso não aconteça, de modo que ambos
prosseguem seus relatos alternados, sem suspeitar de nada. E sempre gentis e simpáticos ao que acontece
com o amigo. Sem saber que poderia ter
mudado a sua vida. A narrativa é
brilhante.
O clima do filme é também muito interessante. É centrado
no afeto entre dois amigos que bebem e isso se percebe pelas fotos pois quando os vemos em ação eles
estarão sempre com outras pessoas. No
entanto, é a amizade deles o que se destaca no filme. Não só, é verdade. As circunstâncias determinam coisas
importantes, o acaso, o destino, se se pode chamar assim. Muita coisa pode mudar o rumo da nossa vida
sem que a gente sequer se dê conta ou possa ter controle sobre isso.
Há, ainda, a percepção das figuras femininas comuns
às histórias dos dois. Como elas são
vistas por um e pelo outro também indicam coisas muito distintas. Quem seria ela, ou quem seriam elas, verdadeiramente? Há evidentes pontos em comum. Mas cada um vê coisas bem diferentes do que o
outro vê. Ou vive com elas coisas bem
diferentes, até porque as circunstâncias variam. Haverá uma verdade do personagem ou a verdade
é a mera percepção que o outro tem de cada pessoa?
Não só mulheres, objetos potenciais de desejo, ou uma
mãe que é dona de restaurante, aparecem.
Uma terceira figura, um jovem que conhece ambos, em momentos e situações
diferentes, vai se revelando a cada relato.
Os dois amigos parecem estar contando um para o outro sobre alguém que
eles não imaginam quem seja. Um
verdadeiro painel de estudos do comportamento humano e das percepções distintas
que se manifestam conforme a experiência dos sujeitos.
Pode parecer a quem está lendo este meu texto agora
que se trata de um filme difícil, confuso ou pesado. Nada disso.
O clima é não só afetivo como leve, em tom de comédia, aparentemente
despretensioso. Hong Sang-soo fala de um
monte de coisas importantes para os relacionamentos humanos, como quem não está
dizendo nada. Como quem conta causos à mesa de bar. E para isso se vale do desempenho de um
elenco que atua com brilho, parecendo não estar fazendo nada demais. A sensação é a de um bando de gente que sabe
que tem talento, mas atua com humildade.
Adorável!
“Hahaha” venceu o prêmio principal da Mostra Um Certain Regard no Festival de Cannes
2010. É o primeiro filme do diretor
lançado comercialmente no Brasil, apesar de tratar-se de um cineasta
conceituado e com larga trajetória na cena cinematográfica de Seul e nos
festivais de cinema pelo mundo.