Tatiana Babadobulos
A jornalista, crítica e pesquisadora paulistana Neusa Barbosa, que trabalhou no jornal "Folha de S. Paulo" e na revista "Veja S. Paulo". Atualmente, ela edita o site "Cineweb" (www.cineweb.com.br), especializado em cinema, e colabora com as revistas "Bravo" e "Wish Report".
Especialista em crítica de cinema, a jornalista também costuma participar da cobertura de festivais internacionais, como Cannes e Veneza, e nacionais, como Brasília, Recife e Gramado. Além disso, dedica-se a cursos sobre cinema. Seus livros publicados são: "Gente de Cinema – Woody Allen" (Editora Papagaio, 2002), "John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida" (Imprensa Oficial SP, 2004), "Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente" (Imprensa Oficial SP, 2004) e "Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão: Analisando Cinema" (Imprensa Oficial SP, 2006).
Em sua opinião, qual deve ser a formação de um crítico de cinema?
Acredito que um crítico deva ter uma formação universitária e, de preferência, o jornalismo. Entendo que seja válido um outro tipo de reflexão sobre o cinema dentro da universidade, mas, em minha opinião, ela obedece a outros moldes. Acho fundamental que o crítico seja também um jornalista, não um teórico, porque isso pertence a uma esfera diferente (no caso, a universidade ou a docência).
Fora a formação universitária, propriamente dita, o crítico deve certamente acumular uma cultura bem ampla. Não só ver muitos filmes, mas também conhecer profundamente a história do cinema, ler muito, freqüentar exposições de arte, ir ao teatro, assistir a espetáculos de dança. Quanto mais o crítico de cinema tiver uma visão multidirecional, tanto melhor ele vai exercer o seu trabalho – até porque o intercâmbio entre as artes, que sempre existiu, está cada vez maior.
Acho muito importante também que o crítico de cinema seja informado em áreas diferentes, como história, sociologia, psicanálise, filosofia, política etc. Tudo vem somar. Um crítico centrado somente no conhecimento do cinema pode vir a bitolar-se em algum momento. Ou perder de vista novas interpretações do mundo que o ajudarão a exercer melhor seu próprio trabalho.
Qual é a função da crítica cinematográfica?
A crítica é o espaço da reflexão sobre a obra de arte, não meramente um indicador de estrelinhas, como muitas vezes acontece nos meios de comunicação (e não só no Brasil, é bom lembrar). Por “reflexão”, entendo uma interpretação, uma tentativa de ler as idéias, os sentimentos, as intenções, as contribuições que um determinado filme traga à sociedade, naquele momento em que está sendo feito. Fora isso, uma avaliação estética de como ele foi feito é sempre essencial.
Um crítico tem de ter um razoável conhecimento técnico (de roteiro, fotografia, montagem) para poder fazer isso. Acredito que a função crítica cinematográfica também seja uma forma de intercâmbio de idéias com o leitor. Uma visão possível, entre muitas. Não acredito em ditar o que o leitor deve assistir, deve gostar, embora recomendações sejam cabíveis, é claro.
A internet, especialmente, vem se mostrando um bom campo para essa troca. Se bem que ela ainda pode ser mais cordial, mais inteligente, mais fértil, mais produtiva. Muita gente usa a internet para expressar sua raiva, o que é válido, desde que fique dentro dos limites da boa educação. Podemos discordar, até radicalmente, diante de um filme, sem nos ofendermos mutuamente. Um mínimo de civilidade e respeito é preciso.
Quais os critérios que o crítico deve adotar ao exercer a sua profissão?
Ao exercer a profissão, o crítico deve ser atento, informado, conhecer a história do cinema, inclusive do nacional, ver todos os filmes. Esses são os pré-requisitos mínimos. Para se tornar profissional, o gosto do crítico fica em segundo plano. É preciso também despir-se de preconceitos, de idéias pré-concebidas sobre cineastas, atores, gêneros. Não raro somos surpreendidos por mudanças radicais dentro das carreiras das pessoas, para o bem ou para o mal. É preciso também manter os olhos abertos para o novo, sem nos viciarmos em uma espécie de ansiedade, que é muito comum ao crítico, que espera sempre a nova revolução que mudará o cinema a cada filme. Para concluir, o crítico nunca, nunca deve perder a paixão pelo cinema. Se isto acontecer por algum motivo, é melhor mudar de ramo. Parece óbvio dizer isto, mas não é.
O que é cinema?
Cinema é uma arte, um olhar múltiplo para a realidade, um sonho acordado, um caminho de ida e volta entre o imaginário e a razão do cineasta, dos atores e do público. É um ritual de exposição, de comunicação, de troca de emoções. Senão, não é nada.
Qual é a sua opinião a respeito do cinema nacional e suas sugestões para a produção brasileira?
O cinema nacional é muito rico, competente, sensível, diversificado. Somos capazes de uma produção em quantidade e qualidade altamente respeitáveis. Não temos nenhum motivo para ter complexo de inferioridade, muito menos de ficarmos preocupados demais com essa “falta de um Oscar”. Isto é bobagem. No entanto, o cinema nacional precisa ainda preocupar-se mais na formação de seu próprio público de amanhã. Ou seja: fazer mais e melhores filmes infantis, infanto-juvenis e juvenis. É preciso conquistar esse público, que fica muitas vezes cativo de grandes produções internacionais – que são altamente competentes, talvez, mas podemos ganhar uma parte do mercado deles. Para isso, é só encontrar a nossa originalidade, não copiar modelos que funcionam lá fora, em um esquema de produção completamente diferente.
Sobre o que você falou da prática de crítica na internet, o que você poderia acrescentar a respeito da interatividade? Os leitores participam das suas opiniões, costumam expressar os seus sentimentos a respeito daquilo que você escreveu, por exemplo? Tente oferecer alguns exemplos.
Os leitores (de internet, principalmente) sempre querem manifestar seus sentimentos e opiniões – em geral, quando são diferentes da opinião do crítico (e textos na internet favorecem a interatividade). Acho que a reação mais forte de que me lembro foi contra a crítica do filme "A Paixão de Cristo", de Mel Gibson. Fui bem veemente contra a produção, que considero péssima e manipuladora, desonesta mesmo. Um leitor, certamente ultra-religioso, mandou mensagens me detonando e perguntando se eu tinha lido a Bíblia. O que não vem ao caso. Eu até tenho formação católica, estudei emcolégio de freiras, mas nada disso importa. Eu fiz uma crítica do filme, não da fé. O leitor não entendeu isso. Há pessoas que escrevem também para elogiar uma determinada crítica, manifestar que descobriram um filme por conta de alguma coisa que a gente escreveu. Isso é bem agradável.
Quais são as suas preferências estéticas?
Não sei se tenho preferências estéticas tão rígidas. De escolas de cinema, certamente não. Meus diretores favoritos são muitos: Orson Welles, David Lynch, Stanley Kubrick, Paul Thomas Anderson, Federico Fellini, Emanuele Crialese, Robert Altman, Ken Loach, Billy Wilder, Wim Wenders, Jean Renoir. Dos brasileiros, Walter Salles, Beto Brant, Karim Ainouz, Tata Amaral, Ana Carolina. Estou esquecendo muitos...
Entre as suas preferências estéticas, você mencionou alguns cineastas brasileiros e estrangeiros. No entanto, não citou Woody Allen, um cineasta sobre quem você já escreveu um livro. Embora uma coisa não tenha nada a ver com a outra, eu me lembro que, ao final da exibição de "Ponto Final - Match Point", durante uma cabine destinada a jornalistas, você comentou que já o tinha visto em Cannes e que gostava muito do filme. Lembro até que você falou assim: “É um mestre, né?”. De alguma maneira, ele entraria em sua seleção de melhores diretores?
Listas são injustas porque sempre deixamos de fora alguns nomes essenciais. Woody Allen sempre entra na minha lista dos dez mais, até porque ele é um dos mestres da comédia, autor de algumas das tramas mais originais (aí, não só as cômicas) e de vários dos melhores diálogos da história do cinema. Ele é um mestre (conforme comentário feito após a sessão do filme) e "Ponto Final - Match Point" é uma das provas disso.
No entanto, ele não entrou na lista, como assim ficaram de fora outros dos meus mestres, que aproveito para acrescentar agora: Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Jia Zhang-Ke, Hirokazu Koreeda, Denys Arcand, Jane Campion, Ang Lee e, dos brasileiros, não podem faltar João Moreira Salles e Eduardo Coutinho, dois mestres do documentário mundial (Santiago e Jogo de Cena estão entre os melhores filmes de todos os tempos neste gênero) e, claro, Glauber Rocha. Como esquecer Charles Chaplin? Não dá.
O que você pensa sobre escolas de cinema? Um bom cineasta precisa ter freqüentado a escola?
Em geral, um bom cineasta precisa ter freqüentado a escola. Acho que ela, pra qualquer profissão, dá um mínimo de ferramentas, inclusive um pouco de cultura geral. Sem contar a convivência com um grupo que gosta das mesmas coisas. Esse intercâmbio é fundamental. Até porque o contrário seria um diretor genial, que nascesse pronto magicamente. De maneira geral, isso não existe.
Qual é o papel da imprensa/mídia especializada em cinema?
A mídia especializada em cinema deve oferecer textos inteligentes, bem-escritos, bem-fundamentados, que levem à descoberta dos filmes, que incitem os cineastas a pensar em coisas que não pensaram quando fizeram os filmes, contribuindo, assim, para o aperfeiçoamento da atividade cinematográfica como um todo. Uma coisa que muita gente não lembra é que os críticos vêem muitos filmes, e por isso têm muita bagagem para comparações. Alguns cineastas não podem dizer o mesmo, pois eles mesmos não conhecem tanto os filmes dos colegas como deveriam. Em geral, os bons cineastas são também cinéfilos.
Qual, na sua opinião, deve ser o papel do Estado na atividade cinematográfica?
O Estado deve estimular a produção cinematográfica de todas as maneiras, diretamente, indiretamente, por todos os mecanismos que forem viáveis. Também deve contribuir para a distribuição e exibição, dois pontos críticos no caso do cinema brasileiro. Muito se produz no Brasil, mas os filmes não chegam a todos os espectadores potenciais. Seria preciso haver mais salas populares no Brasil. Só o Estado pode estimular isso, já que as grandes redes internacionais não querem saber disso.
Você poderia selecionar os melhores momentos de filmes e de diretores? Dê alguns exemplos.
No quesito melhores momentos de filmes e de diretores seria outra lista interminável, mas cito alguns poucos: a chuva de sapos de "Magnólia", de Paul Thomas Anderson; a conversa do filho com a mãe “no céu” de "Édipo Arrasado", de Woody Allen, parte de "Contos de Nova York"; a seqüência em que o ator desce na tela em "A Rosa Púrpura do Cairo", também de Woody Allen; as seqüências em que os anjos descem sobre a Berlim dividida sobre o muro no início de "Asas do Desejo", de Wim Wenders; a fala final de "Quanto Mais Quente, Melhor", de Billy Wilder; a dança dos pãezinhos na mesa de "A Corrida do Ouro", de Charles Chaplin.
De acordo com a história do cinema, o que se pode esperar do futuro do cinema nacional e mundial?
Não dá para prever o futuro do cinema mas, tanto para o cinema nacional como internacional, é fato que a revolução tecnológica, como sempre, desde o começo da história do cinema, está produzindo uma grande renovação. Se as pessoas, como parece, vão assistir a filmes em mídias móveis, como palms e celulares, com certeza isto afetará sua estética. Os cineastas vão ter de mudar completamente seu modo de trabalhar. As câmeras digitais já estão propiciando muitas mudanças, especialmente por sua agilidade e redução de custos. Falta agora os cineastas se ligarem num fato: nem tudo é estética. Tem de haver uma boa história para contar e contá-la de maneira original. É a velha história da câmera na mão e da idéia (aliás, muitas idéias) na cabeça.
Qual é, na sua opinião, o papel do circuito de cinema? E das produções alternativas?
As mídias digitais vieram para ficar, não tenho dúvida disto. E, com elas, a pirataria, infelizmente, também ficou mais fácil. De um lado, sou realista – acho que não há como evitar algum nível de pirataria. Mas ela pode ser reduzida se as empresas produtoras e distribuidoras criarem mecanismos mais eficientes para download pago (a preço bem acessível), legal e controlado em seus sites, por exemplo. Sem contar medidas mais duras contra os piratas. Isto cabe a governos e à polícia. O “circuito de cinema” é a produção que sustenta a própria idéia do cinema como indústria. Isso existe desde sempre e é um tremendo desafio. Criar produções que falem com todos os públicos e de todos os países é uma ambição imensa e cara. Depende de uniformização das informações e do gosto, o que Hollywood tem feito com muita agressividade, usando inclusive mecanismos políticos do governo americano para impor o seu “padrão de qualidade”.
O domínio mundial de Hollywood cria algumas distorções – em prejuízo dos filmes locais. Alguns países se dão melhor nesse enfrentamento, criando leis locais de proteção (França, Coréia, Índia). Mas não é fácil. O Brasil ainda não encontrou um modelo para essa grande produção comercial fora das novelas – esse sim, nosso grande produtor de entretenimento comercial que deu muito certo e é, inclusive, exportado. Acho que o nosso cinema não pode viver disso, pois o modelo televisivo é empobrecedor. Precisamos, no entanto, criar novos modelos de comunicação com o público, comédias (não deu certo com a Atlântida nos anos 1940?), musicais e filmes infanto-juvenis – é preciso criar platéias para o cinema nacional desde pequenas...
As “produções alternativas” são aquelas de menor porte – mas não necessariamente de menor criatividade –, que rompem o cerco da indústria dominante (sempre é Hollywood, exceto em países que conseguiram dominar seu mercado interno, caso da Índia). Elas são fundamentais até para oxigenar o mercado, que se enche rapidamente de filmes que procuram imitar o padrão que fez sucesso algum dia, o que fatalmente leva a uma estagnação. Pode-se ver que Hollywood está sempre comprando os direitos para refilmar alguns sucessos, especialmente franceses. Há uma desesperada busca de novas idéias no grande mercado competitivo mundial.
A jornalista, crítica e pesquisadora paulistana Neusa Barbosa, que trabalhou no jornal "Folha de S. Paulo" e na revista "Veja S. Paulo". Atualmente, ela edita o site "Cineweb" (www.cineweb.com.br), especializado em cinema, e colabora com as revistas "Bravo" e "Wish Report".
Especialista em crítica de cinema, a jornalista também costuma participar da cobertura de festivais internacionais, como Cannes e Veneza, e nacionais, como Brasília, Recife e Gramado. Além disso, dedica-se a cursos sobre cinema. Seus livros publicados são: "Gente de Cinema – Woody Allen" (Editora Papagaio, 2002), "John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida" (Imprensa Oficial SP, 2004), "Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente" (Imprensa Oficial SP, 2004) e "Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão: Analisando Cinema" (Imprensa Oficial SP, 2006).
Em sua opinião, qual deve ser a formação de um crítico de cinema?
Acredito que um crítico deva ter uma formação universitária e, de preferência, o jornalismo. Entendo que seja válido um outro tipo de reflexão sobre o cinema dentro da universidade, mas, em minha opinião, ela obedece a outros moldes. Acho fundamental que o crítico seja também um jornalista, não um teórico, porque isso pertence a uma esfera diferente (no caso, a universidade ou a docência).
Fora a formação universitária, propriamente dita, o crítico deve certamente acumular uma cultura bem ampla. Não só ver muitos filmes, mas também conhecer profundamente a história do cinema, ler muito, freqüentar exposições de arte, ir ao teatro, assistir a espetáculos de dança. Quanto mais o crítico de cinema tiver uma visão multidirecional, tanto melhor ele vai exercer o seu trabalho – até porque o intercâmbio entre as artes, que sempre existiu, está cada vez maior.
Acho muito importante também que o crítico de cinema seja informado em áreas diferentes, como história, sociologia, psicanálise, filosofia, política etc. Tudo vem somar. Um crítico centrado somente no conhecimento do cinema pode vir a bitolar-se em algum momento. Ou perder de vista novas interpretações do mundo que o ajudarão a exercer melhor seu próprio trabalho.
Qual é a função da crítica cinematográfica?
A crítica é o espaço da reflexão sobre a obra de arte, não meramente um indicador de estrelinhas, como muitas vezes acontece nos meios de comunicação (e não só no Brasil, é bom lembrar). Por “reflexão”, entendo uma interpretação, uma tentativa de ler as idéias, os sentimentos, as intenções, as contribuições que um determinado filme traga à sociedade, naquele momento em que está sendo feito. Fora isso, uma avaliação estética de como ele foi feito é sempre essencial.
Um crítico tem de ter um razoável conhecimento técnico (de roteiro, fotografia, montagem) para poder fazer isso. Acredito que a função crítica cinematográfica também seja uma forma de intercâmbio de idéias com o leitor. Uma visão possível, entre muitas. Não acredito em ditar o que o leitor deve assistir, deve gostar, embora recomendações sejam cabíveis, é claro.
A internet, especialmente, vem se mostrando um bom campo para essa troca. Se bem que ela ainda pode ser mais cordial, mais inteligente, mais fértil, mais produtiva. Muita gente usa a internet para expressar sua raiva, o que é válido, desde que fique dentro dos limites da boa educação. Podemos discordar, até radicalmente, diante de um filme, sem nos ofendermos mutuamente. Um mínimo de civilidade e respeito é preciso.
Quais os critérios que o crítico deve adotar ao exercer a sua profissão?
Ao exercer a profissão, o crítico deve ser atento, informado, conhecer a história do cinema, inclusive do nacional, ver todos os filmes. Esses são os pré-requisitos mínimos. Para se tornar profissional, o gosto do crítico fica em segundo plano. É preciso também despir-se de preconceitos, de idéias pré-concebidas sobre cineastas, atores, gêneros. Não raro somos surpreendidos por mudanças radicais dentro das carreiras das pessoas, para o bem ou para o mal. É preciso também manter os olhos abertos para o novo, sem nos viciarmos em uma espécie de ansiedade, que é muito comum ao crítico, que espera sempre a nova revolução que mudará o cinema a cada filme. Para concluir, o crítico nunca, nunca deve perder a paixão pelo cinema. Se isto acontecer por algum motivo, é melhor mudar de ramo. Parece óbvio dizer isto, mas não é.
O que é cinema?
Cinema é uma arte, um olhar múltiplo para a realidade, um sonho acordado, um caminho de ida e volta entre o imaginário e a razão do cineasta, dos atores e do público. É um ritual de exposição, de comunicação, de troca de emoções. Senão, não é nada.
Qual é a sua opinião a respeito do cinema nacional e suas sugestões para a produção brasileira?
O cinema nacional é muito rico, competente, sensível, diversificado. Somos capazes de uma produção em quantidade e qualidade altamente respeitáveis. Não temos nenhum motivo para ter complexo de inferioridade, muito menos de ficarmos preocupados demais com essa “falta de um Oscar”. Isto é bobagem. No entanto, o cinema nacional precisa ainda preocupar-se mais na formação de seu próprio público de amanhã. Ou seja: fazer mais e melhores filmes infantis, infanto-juvenis e juvenis. É preciso conquistar esse público, que fica muitas vezes cativo de grandes produções internacionais – que são altamente competentes, talvez, mas podemos ganhar uma parte do mercado deles. Para isso, é só encontrar a nossa originalidade, não copiar modelos que funcionam lá fora, em um esquema de produção completamente diferente.
Sobre o que você falou da prática de crítica na internet, o que você poderia acrescentar a respeito da interatividade? Os leitores participam das suas opiniões, costumam expressar os seus sentimentos a respeito daquilo que você escreveu, por exemplo? Tente oferecer alguns exemplos.
Os leitores (de internet, principalmente) sempre querem manifestar seus sentimentos e opiniões – em geral, quando são diferentes da opinião do crítico (e textos na internet favorecem a interatividade). Acho que a reação mais forte de que me lembro foi contra a crítica do filme "A Paixão de Cristo", de Mel Gibson. Fui bem veemente contra a produção, que considero péssima e manipuladora, desonesta mesmo. Um leitor, certamente ultra-religioso, mandou mensagens me detonando e perguntando se eu tinha lido a Bíblia. O que não vem ao caso. Eu até tenho formação católica, estudei emcolégio de freiras, mas nada disso importa. Eu fiz uma crítica do filme, não da fé. O leitor não entendeu isso. Há pessoas que escrevem também para elogiar uma determinada crítica, manifestar que descobriram um filme por conta de alguma coisa que a gente escreveu. Isso é bem agradável.
Quais são as suas preferências estéticas?
Não sei se tenho preferências estéticas tão rígidas. De escolas de cinema, certamente não. Meus diretores favoritos são muitos: Orson Welles, David Lynch, Stanley Kubrick, Paul Thomas Anderson, Federico Fellini, Emanuele Crialese, Robert Altman, Ken Loach, Billy Wilder, Wim Wenders, Jean Renoir. Dos brasileiros, Walter Salles, Beto Brant, Karim Ainouz, Tata Amaral, Ana Carolina. Estou esquecendo muitos...
Entre as suas preferências estéticas, você mencionou alguns cineastas brasileiros e estrangeiros. No entanto, não citou Woody Allen, um cineasta sobre quem você já escreveu um livro. Embora uma coisa não tenha nada a ver com a outra, eu me lembro que, ao final da exibição de "Ponto Final - Match Point", durante uma cabine destinada a jornalistas, você comentou que já o tinha visto em Cannes e que gostava muito do filme. Lembro até que você falou assim: “É um mestre, né?”. De alguma maneira, ele entraria em sua seleção de melhores diretores?
Listas são injustas porque sempre deixamos de fora alguns nomes essenciais. Woody Allen sempre entra na minha lista dos dez mais, até porque ele é um dos mestres da comédia, autor de algumas das tramas mais originais (aí, não só as cômicas) e de vários dos melhores diálogos da história do cinema. Ele é um mestre (conforme comentário feito após a sessão do filme) e "Ponto Final - Match Point" é uma das provas disso.
No entanto, ele não entrou na lista, como assim ficaram de fora outros dos meus mestres, que aproveito para acrescentar agora: Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Jia Zhang-Ke, Hirokazu Koreeda, Denys Arcand, Jane Campion, Ang Lee e, dos brasileiros, não podem faltar João Moreira Salles e Eduardo Coutinho, dois mestres do documentário mundial (Santiago e Jogo de Cena estão entre os melhores filmes de todos os tempos neste gênero) e, claro, Glauber Rocha. Como esquecer Charles Chaplin? Não dá.
O que você pensa sobre escolas de cinema? Um bom cineasta precisa ter freqüentado a escola?
Em geral, um bom cineasta precisa ter freqüentado a escola. Acho que ela, pra qualquer profissão, dá um mínimo de ferramentas, inclusive um pouco de cultura geral. Sem contar a convivência com um grupo que gosta das mesmas coisas. Esse intercâmbio é fundamental. Até porque o contrário seria um diretor genial, que nascesse pronto magicamente. De maneira geral, isso não existe.
Qual é o papel da imprensa/mídia especializada em cinema?
A mídia especializada em cinema deve oferecer textos inteligentes, bem-escritos, bem-fundamentados, que levem à descoberta dos filmes, que incitem os cineastas a pensar em coisas que não pensaram quando fizeram os filmes, contribuindo, assim, para o aperfeiçoamento da atividade cinematográfica como um todo. Uma coisa que muita gente não lembra é que os críticos vêem muitos filmes, e por isso têm muita bagagem para comparações. Alguns cineastas não podem dizer o mesmo, pois eles mesmos não conhecem tanto os filmes dos colegas como deveriam. Em geral, os bons cineastas são também cinéfilos.
Qual, na sua opinião, deve ser o papel do Estado na atividade cinematográfica?
O Estado deve estimular a produção cinematográfica de todas as maneiras, diretamente, indiretamente, por todos os mecanismos que forem viáveis. Também deve contribuir para a distribuição e exibição, dois pontos críticos no caso do cinema brasileiro. Muito se produz no Brasil, mas os filmes não chegam a todos os espectadores potenciais. Seria preciso haver mais salas populares no Brasil. Só o Estado pode estimular isso, já que as grandes redes internacionais não querem saber disso.
Você poderia selecionar os melhores momentos de filmes e de diretores? Dê alguns exemplos.
No quesito melhores momentos de filmes e de diretores seria outra lista interminável, mas cito alguns poucos: a chuva de sapos de "Magnólia", de Paul Thomas Anderson; a conversa do filho com a mãe “no céu” de "Édipo Arrasado", de Woody Allen, parte de "Contos de Nova York"; a seqüência em que o ator desce na tela em "A Rosa Púrpura do Cairo", também de Woody Allen; as seqüências em que os anjos descem sobre a Berlim dividida sobre o muro no início de "Asas do Desejo", de Wim Wenders; a fala final de "Quanto Mais Quente, Melhor", de Billy Wilder; a dança dos pãezinhos na mesa de "A Corrida do Ouro", de Charles Chaplin.
De acordo com a história do cinema, o que se pode esperar do futuro do cinema nacional e mundial?
Não dá para prever o futuro do cinema mas, tanto para o cinema nacional como internacional, é fato que a revolução tecnológica, como sempre, desde o começo da história do cinema, está produzindo uma grande renovação. Se as pessoas, como parece, vão assistir a filmes em mídias móveis, como palms e celulares, com certeza isto afetará sua estética. Os cineastas vão ter de mudar completamente seu modo de trabalhar. As câmeras digitais já estão propiciando muitas mudanças, especialmente por sua agilidade e redução de custos. Falta agora os cineastas se ligarem num fato: nem tudo é estética. Tem de haver uma boa história para contar e contá-la de maneira original. É a velha história da câmera na mão e da idéia (aliás, muitas idéias) na cabeça.
Qual é, na sua opinião, o papel do circuito de cinema? E das produções alternativas?
As mídias digitais vieram para ficar, não tenho dúvida disto. E, com elas, a pirataria, infelizmente, também ficou mais fácil. De um lado, sou realista – acho que não há como evitar algum nível de pirataria. Mas ela pode ser reduzida se as empresas produtoras e distribuidoras criarem mecanismos mais eficientes para download pago (a preço bem acessível), legal e controlado em seus sites, por exemplo. Sem contar medidas mais duras contra os piratas. Isto cabe a governos e à polícia. O “circuito de cinema” é a produção que sustenta a própria idéia do cinema como indústria. Isso existe desde sempre e é um tremendo desafio. Criar produções que falem com todos os públicos e de todos os países é uma ambição imensa e cara. Depende de uniformização das informações e do gosto, o que Hollywood tem feito com muita agressividade, usando inclusive mecanismos políticos do governo americano para impor o seu “padrão de qualidade”.
O domínio mundial de Hollywood cria algumas distorções – em prejuízo dos filmes locais. Alguns países se dão melhor nesse enfrentamento, criando leis locais de proteção (França, Coréia, Índia). Mas não é fácil. O Brasil ainda não encontrou um modelo para essa grande produção comercial fora das novelas – esse sim, nosso grande produtor de entretenimento comercial que deu muito certo e é, inclusive, exportado. Acho que o nosso cinema não pode viver disso, pois o modelo televisivo é empobrecedor. Precisamos, no entanto, criar novos modelos de comunicação com o público, comédias (não deu certo com a Atlântida nos anos 1940?), musicais e filmes infanto-juvenis – é preciso criar platéias para o cinema nacional desde pequenas...
As “produções alternativas” são aquelas de menor porte – mas não necessariamente de menor criatividade –, que rompem o cerco da indústria dominante (sempre é Hollywood, exceto em países que conseguiram dominar seu mercado interno, caso da Índia). Elas são fundamentais até para oxigenar o mercado, que se enche rapidamente de filmes que procuram imitar o padrão que fez sucesso algum dia, o que fatalmente leva a uma estagnação. Pode-se ver que Hollywood está sempre comprando os direitos para refilmar alguns sucessos, especialmente franceses. Há uma desesperada busca de novas idéias no grande mercado competitivo mundial.