Antonio Carlos
Egypto
Martha Nowil e Maria Manoella junto ao cartaz do filme |
VERMELHO RUSSO.
Brasil, 2016. Direção: Charly
Braun. Com Martha Nowil, Maria Manoella,
Michel Melamed, Soraia Chaves. 90 min.
O ponto de partida de “Vermelho Russo” é um diário de
viagem escrito por Martha Nowil, contando a experiência que viveu junto com uma
amiga, ambas atrizes, fazendo um curso sobre o famoso método de Stanislavski,
em Moscou. Podem-se imaginar as
dificuldades de comunicação com um idioma desconhecido, elementos culturais bem
distintos, o frio, as nevascas, e tudo o que faz da Rússia majestosa e algo
assustadora.
Martha Nowil, que também é atriz do filme, escreveu
com o diretor Charly Braun o roteiro de “Vermelho Russo”. Eles foram alinhavando as experiências,
acrescentando, criando, modificando, inventando coisas. E assim saiu uma narrativa ficcional, que
constantemente sofria mudanças. Chegando
ao ponto de que nem eles mesmos, que construíram a trama, sabem direito agora o
que é documental e o que é ficcional.
Esse é o maior trunfo do filme, as coisas se mesclam
de um tal modo que experiência e imaginação já não se distinguem. O que nos remete à velha discussão do que é
realidade e do que é fantasia.
Equipe de Vermelho Russo |
Quem já viajou um pouco pelo mundo sabe que o que a
lembrança retém do que foi vivido é algo muito seletivo. Detalhes assumem uma importância que
surpreende a nós mesmos, tempos depois.
Quando se compartilha a experiência, a partir de relatos orais, fotos ou
filmes, algumas coisas crescem na imaginação, outras, desaparecem. Situações um tanto desagradáveis podem ser
esquecidas, para que se fique com o que foi o melhor de uma viagem turística,
por exemplo. Ou aflorarem em importância, reforçando estereótipos e
preconceitos, diante daquilo que é muito diferente de mim ou dos meus valores e
costumes.
O que é real em tudo isso? O que a gente acredita que seja, o que é
compartilhado com os amigos como sendo verdade?
O que a gente repete tanto que acaba acreditando que é o certo? Poderíamos ir longe nessa discussão, mas o
que importa aqui é que histórias nascem, se desenvolvem e alimentam o nosso
espírito. Alimento tão essencial quanto
aquele que nos nutre a vida material.
A história que “Vermelho Russo” nos conta é bem
divertida. Marta (Martha Nowil) e Manu
(Maria Manoella) são as protagonistas que vivem a experiência moscovita,
colaborando, sendo solidárias, competindo e brigando muito. Ambas desempenham seus papéis com muita
alegria de viver e muito próximas de si mesmas.
A Marta é vivida pela Martha, a Manu, ou Manuela, é vivida pela Maria
Manoela. Notaram a sutileza do h ausente na personagem de uma e do u em vez do o, na outra? O ótimo Michel
Melamed, que também tem um papel no filme, é Michel, aí desaparece a
diferença. De qualquer modo, eles não
estão sendo eles mesmos, mas personagens próximos deles mesmos. Enfim, um belo trabalho que, não por acaso,
foi premiado como melhor roteiro, no Festival do Rio 2016.
Charly Braun |
O diretor carioca Charly Braun, que já nos tinha dado
um filme belíssimo, “Além da Estrada”, de 2011, todo rodado no Uruguai, agora
faz “Vermelho Russo”, todo rodado na Rússia.
Ele sabe explorar bem esse clima de as pessoas estarem fora do seu
ambiente natural. Elas estão conhecendo,
se surpreendendo, em busca. As coisas
têm frescor e juventude. Têm leveza e
profundidade. Um cineasta talentoso, sem
dúvida.