Antonio Carlos Egypto
ANTICRISTO (Antichrist). Dinamarca, 2009. Direção: Lars von Trier. Com: Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg. 110 min
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O diretor dinamarquês Lars von Trier é capaz de transmitir por imagens sentimentos intensos, descontrole, loucura. Com “Anticristo”, isso fica mais uma vez evidenciado. Dividido em várias partes, o filme começa de forma brilhante: uma cena de sexo com direito até a lances explícitos nos revela o prazer do casal, enquanto, simultaneamente, imagens de uma criança, seu quarto e brinquedos servem de contraponto. Os vidros da casa revelam a natureza e a neve que cai lá fora. Não há sons da cena que se passa em ritmo lento e o que se ouve é uma ótima interpretação de “Lascia ch’io pianga”, de Häendel. Presenciamos uma tragédia que se contrapõe ao amor, mas tudo nos é mostrado com bom gosto e em primeiros planos belíssimos.
Ao longo do filme, não faltarão outras imagens não só bonitas como fortes e expressivas, como algumas da floresta, inclusive a do cartaz do filme, que tem um enquadramento perfeito. Animais diversos em partos (abortos?) expostos surpreendem, sem chegar a chocar. A natureza hostil é mostrada em imagens que valorizam o seu papel na trama do filme.
Os segmentos “luto” e “dor” pesam, são sofridos, mas a gente consegue viver, sentir e se envolver com o luto que a mulher vive em estado absoluto. E compartilhamos sua dor de forma intensa por meio das imagens. O contraste com o pai/marido/terapeuta é de uma estranheza total, mas também aí se pode viver uma racionalidade que não tem como se sustentar.
Até então estamos diante de um filme extremamente sofrido, incômodo, porque nos faz viver o que queremos evitar, mas inegavelmente muito bem construído. A partir da quarta parte, “desespero”, tudo começa a se tornar penoso demais e extrapolar os limites do bom senso e do tolerável. Não que ele não consiga nos imergir uma vez mais no que deseja: o desespero é mesmo desesperador. Mas também apela para o caos e para explicitar horrores inteiramente desnecessários de serem mostrados. Quem resiste a cenas de mutilação genital, não é mesmo?
Assim como eu, creio que a maioria dos espectadores vai desviar o olhar da tela, fechar os olhos ou fazer cara de asco em vários momentos de “Anticristo”. É preciso ser sádico ou insensível para apreciar aquelas cenas. Claro que Lars von Trier queria produzir repulsa e conseguiu. Só que a partir daí o filme se perde, enveredando pelo terror puro e simples que invalida a construção anterior.
O diretor falou em purgar uma profunda depressão que viveu, que fez seu melhor filme e, provocativamente, afirmou, em Cannes, ser o melhor cineasta do mundo. O seu marketing é a polêmica e isso o faz estar sempre em evidência.
Não gosto do seu estilo de ser e de se comportar, mas reconheço o talento do diretor. Só que dessa vez a provocação tomou conta do filme e destruiu uma obra cinematográfica que poderia ter sido notável se tivesse mantido o foco nos meandros do mundo emocional, tão rico e complexo, e dispensasse monstruosidades inócuas de filmes de terror. Para quê? Inovar no gênero? E que tipo de inovação seria essa? Se fosse para brincar, ou simplesmente assustar, não seria esse o tom a adotar, certamente.
Lars von Trier pode ter sofrido pessoalmente, não sei, mas querer elaborar isso na tela, vomitando excessos na platéia, não faz sentido e não leva a lugar nenhum.