quinta-feira, 29 de outubro de 2015

NOTAS SOBRE A 39a. MOSTRA E ALGUNS FILMES


Antonio Carlos Egypto

v  Sou fã do doce de feijão japonês.  Sempre que vou ao bairro da Liberdade, é obrigatório incluí-lo nas compras. Há de vários tipos, todos deliciosos.  O filme “O Sabor da Vida”, de Naomi Kawase, mostra como se prepara um deles, uma espécie de sanduíche de massa, com pasta de feijão. O filme é lindo, delicado, mas nem tudo são flores, ou melhor, feijões.  O assunto tratado inclui velhice, solidão, isolamento, doença e discriminação.

v  A Colômbia tem dois ótimos filmes na Mostra.  “A Terra e a Sombra” mostra os terríveis efeitos da queima da cana sobre o ambiente e as pessoas.  Em escala destruidora.  Não pude me esquecer dos efeitos dessas queimas por aqui mesmo, em Piracicaba.  Quem circula por lá, sabe do que se trata.  A situação melhorou, mas o filme lembra que é preciso ficar atento.

v  Quanto ao outro colombiano, “O Abraço da Serpente”, todo passado na Amazônia, em busca de plantas divinas, com lendas e mistérios, concordo com a observação do meu amigo, cinéfilo e crítico, Helcio Hirao.  Com tanta beleza natural para mostrar, por que fazer esse filme em preto e branco?  Tinha de ser colorido, claro.

v  Uma coisa muito boa é a força do cinema latino-americano nessa Mostra.  Maria do Rosário Caetano, companheira da Abraccine, que edita o famoso Almanakito na Internet, apontou bem.  Onde mais, senão na Mostra, você lota completamente, sem um único lugar vago, uma sessão de cinema do Shopping Frei Caneca, para ver um filme da Venezuela.  Foi o caso de “Desde Allá”, indicado pelo país para a disputa do Oscar de filme estrangeiro.  E sabem quando?  Na segunda-feira (isso mesmo, segunda), dia 26 de outubro, às 18 horas.  Inacreditável, não é?




v  Tirei ingresso para ver o filme francês “É o Amor”, na sala 6 do Frei Caneca, e não me dei conta de que tinha entrado na sala 5.  Ninguém conferiu o ingresso e começou um outro filme, também francês, que só quando apareceram os primeiros créditos eu vi que estava assistindo a “Cruel” e não “É o Amor”.  Acho que não fiz uma boa troca involuntária, não.  Era um policial daqueles de assassinos em série, que matam sem razão alguma, ou por razões que estão na infância comprometida do personagem.  Até que tem seu charme, mas é manjado e violento.

v  Não costumo me interessar muito por filmes que se dedicam a explorar o mundo dos mortos que se comunicam com os vivos.  Percebi que era disso que se tratava no filme polonês “Body”, embora a sinopse da Mostra não entregasse.  O espiritismo aparece em destaque e, numa cena, a medium fala da importância e disseminação que essa corrente tem no Brasil, com números e tudo. Só que, pensando bem, pela abordagem do filme, o Brasil ficou mal na fita.

v  “Para o Outro Lado”, de Kiyoshi Kurosawa, é outro filme em que o assunto é o relacionamento dos vivos com os mortos, no caso, um marido que se afogou e volta para casa três anos depois.  A mulher o recebe e não estranha muito essa volta, eles partem em missões.  Bem realizado, mas decepcionante.  Para quem já não curte muito essa temática, é overdose

v  Num mesmo dia, vi dois filmes que tratam das mazelas da igreja católica, “O Apóstata”, da Espanha/Uruguai, e “O Culpado”, da Alemanha.  São bons filmes, mas não vão fundo na questão, ou tergiversam e perdem força.  Estão muito longe do chileno “O Clube”, de Pablo Larraín (ver crítica no cinema com recheio), que continua em cartaz nos cinemas.

v  Da leva de filmes nórdicos, vi, por exemplo, “Vovó Está Dançando na Mesa”, sueco, que conta com a animação de bonecos de massinha e tudo o mais.  Dá para acreditar que se trata de um filme opressivo, violento e sufocante?  Não é nada do que parece ser.

v  “Mistress América” é um filme que me lembrou daquela antiga frase que virou letra de música de Marcos Valle: “Não confio em ninguém com mais de 30 anos”.  É dirigido aos que têm 20 e poucos anos, estão na faculdade ou vivendo em repúblicas de estudantes.  Os demais podem ignorar.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

FILHO DE SAUL

 Antonio Carlos Egypto




FILHO DE SAUL (Saul Fia).  Hungria, 2015.  Direção e roteiro: Lázló Nemes.  Com Géza Röhrig, Levente Molnar, Urs Rechn, Todd Charmont.  107 min. 


Você já imaginou o sofrimento de um judeu, marcado para morrer, num campo de concentração?  E ele, fazendo parte de uma leva que assiste a tudo e é obrigado a trabalhar com a entrada nas câmaras de gás, a retirada e queima dos corpos e limpeza do local, entre outros horrores?  Certamente, já leu e ouviu relatos absolutamente terríveis, mas no filme “Son of Saul” você vive a experiência de dentro.  A câmera do diretor húngaro Lázló Nemes nunca se distancia do que o protagonista vê e faz, a curta e média distâncias.  Quando não está na perspectiva de quem está atrás dele, focalizando sua nuca e costas.  Por sinal, o X vermelho que marca as costas do personagem, indicando que ele vai morrer, é uma das imagens mais constantes ao longo de todo o filme.




Belíssima realização, essa trama sofrida que consegue ser tão sensorial ao retratar esse espaço de violência inaudita, que foram os campos de extermínio, concebidos e manejados pelos nazistas, na Segunda Guerra Mundial.

A obstinação do personagem Saul por um filho, pela necessidade religiosa de o sepultar com a participação de um rabino, em meio aos horrores que ele vive a cada momento, é o grande achado da história. O absurdo se coloca em cada cena, o personagem é levado daqui para lá sem ter controle sobre as suas ações, mas persegue seu objetivo sem nunca desistir.  A obstinação de Saul, que nos parece cada vez mais absurda e impossível, à medida em que a narrativa decorre, é, no entanto, uma das mais elementares providências a que todos têm de ter direito na hora da morte.  O mais simples se torna o mais inacessível e extremamente perigoso de se buscar. O ritmo do filme se encarrega de ressaltar isso o tempo todo.




“Son of Saul” consegue revisitar um tema já largamente abordado de todas as formas e por todos os ângulos, na literatura, nos estudos históricos, no teatro, na dança, na música, nas artes plásticas e no cinema, e consegue fazê-lo sem ser simplesmente repetitivo.  Tratou do assunto de modo sensorial, extremamente concreto.  Não pegou nem pela emoção.  A maior tragédia está nos momentos cotidianos, em cada ato, em cada movimento.  A concretude é o que mais assusta.

O desempenho dos atores, em especial o do personagem Saul (Géza Röhrig), secos, sem ênfases emocionais fortes, contribui de modo decisivo para que o filme alcance o que se propôs a ser: intenso e dolorido.

“Son of Saul”, ainda sem título estabelecido para seu lançamento comercial, estará nas telas dos cinemas em breve. Está sendo exibido na 39ª. Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, provocando impacto.  Difícil ficar indiferente a um filme assim. 

  

sábado, 24 de outubro de 2015

AS 1001 NOITES DE MIGUEL GOMES


Antonio Carlos Egypto




TRILOGIA -- AS 1001 NOITES. Portugal, 2015.  Direção e roteiro: Miguel Gomes.

AS 1001 NOITES: O INQUIETO, vol. 1.  Elenco: Crista Alfaiate, Adriano Luz, Américo Silva, Rogério Samora.  125 min.
AS 1001 NOITES: O DESOLADO, vol. 2.  Elenco: Crista Alfaiate, Chico Chapas, Luísa Cruz, Gonçalo Waddington.  131 min.
AS 1001 NOITES: O ENCANTADO, vol. 3.  Elenco: Crista Alfaiate, Américo Silva, Carloto Cotta, Jing Jing Guo.  125 min.

Muitas vezes, quando a gente se aproxima da chamada realidade, ela soa surreal.  Com humor e ironia, as desgraças se convertem em estranhamentos.  O excêntrico também pode ser visto como redentor.




É próprio do cinema mesclar o cotidiano e o sonho, o real e o imaginário, a verdade factual e a ficção, de modo que essas coisas se embaralhem e se tornem indiscerníveis.  Tempo e espaço perdem, ainda, seus limites.

Alguns cineastas trabalham, de modo evidente, com a realidade surreal, desestabilizam nossa percepção, exigem que deixemos de lado o conforto da narrativa clássica.  Estou pensando em realizadores como o norte-americano Wes Anderson, o sueco Roy Andersson, o chinês Jia Zhang Ke e o mestre espanhol Luís Buñuel, entre outros.  Pois o português Miguel Gomes é um lídimo representante dessa vertente.  Seus filmes “Aquele Querido Mês de Agosto”, de 2008, e sobretudo “Tabu”, de 2012, já eram demonstrações claras e bem sucedidas disso.  A trilogia de filmes “As 1001 Noites” sacramenta de vez a inovação narrativa do diretor, sem deixar margem a dúvidas.




Esclareça-se, de início, que são três filmes distintos, que resultaram de uma metodologia única e da mesma estrutura formal, no caso, emprestada das 1001 Noites, com Xerazade contando histórias ao rei, mas não é uma adaptação, nem tem nada a ver com os contos árabes.

O que Miguel Gomes e sua equipe fizeram foi contratar jornalistas para colher fatos importantes, surpreendentes, significativos ou relevantes, que estivessem acontecendo em qualquer parte de Portugal naquele momento e, a partir deles, construir uma história ficcional que, muitas vezes, é quase documental e, outras vezes, embarca fortemente na fantasia.  Quanto mais surreal, mais retrata Portugal em meio à crise de austeridade que assolou o país e a Europa.  Mas os momentos se alternam.




O primeiro filme, “O Inquieto”, dá conta das maldições que se abatem sobre o país, tem baleias que explodem, desempregados que contam suas histórias, o banho (coletivo) dos magníficos, promovido por um sindicalista em pleno inverno, e um galo que, de tanto exigirem que seja abatido, resolve falar e explicar o que acontece.  O mal estar civilizatório é muito claro e as coisas não são o que aparentam ser.

No segundo filme, “O Desolado”, o título já diz tudo: não parece haver solução, a desolação toma conta das vidas.  Até uma juíza se verá tão aflita que chorará, em vez de ditar a sua sentença, o suicídio se impõe na saga de um cão fiel, que muda de dono e permanece capaz de amar da mesma forma a todos.  Os animais acabam sempre abrindo o caminho da esperança, até na desolação.  Esse é o mais bem realizado da trilogia e foi indicado por Portugal para representá-lo no Oscar de filme estrangeiro.




O terceiro filme, “O Encantado”, descobre que há vida e esperança na simplicidade e na paixão: no caso dos passarinheiros, em que aprendemos que os tentilhões podem ser ensinados a cantar, os passarinhos não nascem sabendo, aprendem com os mais velhos e podem aprender o canto de outra espécie, se forem treinados para tal.  A poesia encontra seu lugar.  A revolução dos cravos é lembrada, as recompensas afetivas ganham destaque.

São as diversas faces dos homens e das suas circunstâncias, pensando em Sartre, o que Miguel Gomes mostra nessa trilogia, muito bem realizada, em que pesem alguns maus momentos, como “os homens de pau feito”, no primeiro filme.  Já o do “Simão sem Tripas” é uma das histórias saborosas que os filmes têm a contar.




Cada um dos filmes vale por si só, independe dos outros.  É possível assistir a eles isoladamente e em qualquer ordem.  Não são partes sequenciais.  São diferentes histórias que se relacionam a diferentes momentos e espaços da vida portuguesa atual.  Em conjunto, formam um painel amplo e diverso, bastante ilustrativo da sociedade que procuram retratar.

“As 1001 Noites” de Miguel Gomes é um dos principais destaques da 39ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.  Não pode faltar no cardápio dos cinéfilos, que se alimentam do cinema autoral do evento mais aguardado da cidade, todos os anos.




quarta-feira, 21 de outubro de 2015

DHEEPAN, O REFÚGIO

  
Antonio Carlos Egypto




DHEEPAN, O REFÚGIO (Dheepan).  França, 2015.  Direção: Jacques Audiard.  Com Jesuthasan Antonythasan, Kalleaswari Srinivasan, Claudine Vinasthamby, Vincent Rottiers, Marc Zinga.  109 min.


Um mundo marcado por conflitos e guerras de toda espécie está gerando na Europa uma questão humanitária de extrema gravidade, como é o drama dos refugiados.

Escapar da fome, da perseguição e da morte, é algo a se buscar a qualquer preço.  Adaptar-se a lugares estranhos, em que não se tem domínio nem da língua, nem dos hábitos, sujeitar-se a condições de sobrevivência precárias e de exploração, sem falar da miséria e dos riscos diários que o simples existir exige desses imigrantes, geralmente indesejados, tornam-se imperativos.




O novo filme de Jacques Audiard, “Dheepan, o Refúgio”, entra nessa questão com uma história curiosa.  Para conseguir entrar na França, fugindo da guerra do Sri Lanka, um homem, ex-soldado, o Dheepan do título, uma mulher jovem, solteira, e uma menina de 9 anos que perdeu seus pais, têm de se passar por uma falsa família e permanecer juntos, para conseguir cruzar a barreira da imigração e poder arrumar trabalho e moradia, ainda que precários.  Mas o trabalho de zelador e o de empregada doméstica são dignos e sempre se pode melhorar um pouco um ambiente sujo e degradado.  Comparando-se a uma guerra...





Na verdade, eles não se conhecem, têm de fingir ser o que não são, nem escolheram ser, o que é um desafio e tanto.  Chega a soar engraçado, mas é muito difícil e complicado.  Viver em família já não é fácil, uma falsa, então, nem se fale.  Mas é possível descobrir, de algum modo, o afeto que poderá unir os excluídos. 

Esse é o centro da narrativa, na primeira parte do filme, mostrada com muito talento pelos atores e atrizes do Sri Lanka ou da Índia, sob a mão segura do diretor Audiard, que constrói belos enquadramentos e explora visualmente muito bem o ambiente. 




Algo pior, porém, está por vir e Jacques Audiard, muito antenado com o terrível papel da violência nos dias atuais, sabe valer-se dela para nos obrigar a pensar nesses tempos obscuros em que vivemos. Ele expõe a violência, não para explorá-la como meio de atrair plateias, mas como condição indispensável para entender o que está acontecendo à nossa volta, ao nosso lado, perto de nós, onde já estamos metidos.  Não há como escapar.




Grande filme, tocado por um realizador que já nos deu “O Profeta”, em 2009, outro trabalho forte e denso, e garantido pelo elenco estrangeiro admirável.  Os protagonistas que formam a falsa família, Dheepan (Jesuthasan Antonythasan), Yalini (Kalleaswari Srinivasan) e a pequena Claudine Vinasthamby, de 9 anos, que faz Illayaal, estão excelentes.  Destaque para a garota Claudine, que tem desempenho de veterana.

O filme estreia no Brasil na programação da 39ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, após vencer a Palma de Ouro do Festival de Cannes 2015.  E entra a seguir no circuito regular dos cinemas.


sábado, 17 de outubro de 2015

39a. MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SÃO PAULO


ANTONIO CARLOS EGYPTO






Em 22 de outubro, tem início o mais importante evento cinematográfico da cidade de São Paulo:  a 39ª. Mostra Internacional de Cinema.  A programação regular vai até 04 de novembro.  Após essa data, ainda fica a chamada Repescagem, que toma mais uma semana dos cinéfilos.

De 17 de novembro a 17 de dezembro, uma seleção de 10 filmes da Mostra será exibida nas unidades do SESC, em Araraquara, Bauru, Campinas, Piracicaba, Ribeirão Preto, Rio Preto, Santos, São Carlos, São José dos Campos e Sorocaba.  Em Campos do Jordão, de 05 a 08 de novembro.  Entre 05 e 11 de novembro, 13 títulos da Mostra serão exibidos no Rio de Janeiro, no Espaço Itaú de Cinema, Botafogo.

Há vários eventos especiais durante a Mostra, em São Paulo, como de costume.  O filme silencioso “Meu Único Amor”, de 1927, com Mary Pickford, será exibido no Auditório Ibirapuera, acompanhado pela Orquestra Sinfônica de Heliópolis.  Filmes do homenageado José Mojica Marins, conhecido de todos pelo personagem Zé do Caixão, serão exibidos no vão livre do MASP, além de outras salas.

Segundo a organizadora da Mostra, Renata de Almeida, esta poderia ser uma Mostra da crise, mas não é. O evento continua forte, com uma seleção de filmes primorosa.  São 311 filmes de 62 países e diversas cinematografias, sendo projetados em 22 endereços, entre cinemas, espaços culturais e museus.  Os cortes se restringem à festa e diminuição de convidados estrangeiros.

Há tanto o que ver que não vai ser fácil escolher, como sempre acontece.  Há os grandes destaques dos festivais mais importantes do mundo do cinema, filmes asiáticos e europeus, muitos indicados ao Oscar de filme estrangeiro por seus países, o foco nórdico que traz 60 títulos do cinema atual daquela região da  Europa.  Há uma forte seleção do cinema brasileiro e do latino-americano, que tem obtido significativos prêmios internacionais.  Celebra-se o centenário de Mário Monicelli, grande diretor italiano de comédias, com 5 filmes.  O cinema português aparece em relevo, com 3 filmes de Miguel Gomes,  inspirados nas 1001 noites, abordando as questões do Portugal atual. E, grande surpresa, um filme inédito do mestre Manoel de Oliveira.

A maior homenagem será à The Film Foundation, criada há 25 anos por Martin Scorsese, cujo trecho do story board de seu último filme ilustra o material da Mostra deste ano.  A Fundação, que se dedica à recuperação e restauração de filmes importantes para a história do cinema, terá diversos títulos em exibição na 39ª. Mostra, entre eles, um brasileiro, “Limite”, de Mário Peixoto, de 1931.

É para ninguém botar defeito e mergulhar na sala escura do cinema para encontrar filmes que podem marcar sua vida.  E descobrir o prazer de apreciar o cinema autoral que se faz em todo o mundo.




quarta-feira, 14 de outubro de 2015

O VINHO PERFEITO

Tatiana Babadobulos


O VINHO PERFEITO (Vinodentro). Itália, 2013.  Direção: Ferdinando Orgnani.  Com Giovanna Mezzogiorno, Erika Blanc e Vincenzo Amato.  92 min.


Muito melhor do que “O Vinho Perfeito” (“Vinodentro”), longa-metragem italiano que chegou recentemente aos cinemas brasileiros, é o assunto sobre o qual ele trata. Vinho, é claro.
A bebida foi centro do francês “Sobre Amigos, Amor e Vinho“, que envolve o líquido em meio a dramas familiares.
Aqui, Giovanni (Vincenzo Amato) descobriu-se especialista na bebida dos deuses depois de largar o trabalho burocrático em um banco. Na Itália, onde vive com a mulher, Adele (Giovanna Mezzogiorno), ele cultua a bebida e desenvolve o paladar a fim de apreciar cada vez mais e melhor os sabores.
No decorrer da narrativa, o espectador vai se familiarizando com os processos que compõem o trabalho de sommeliers. Um deles é o treino do olfato. O personagem mostra como faz esse treinamento, mas também esbanja o que ganha na aquisição de garrafas raras e caras. E as guarda trancadas.
Acostumado mais aos documentários do que às obras de ficção, o diretor Ferdinando Orgnani opta por contar a história de forma não-linear. É pelo fim que a plateia começa a acompanhar o que está acontecendo.
Na primeira sequência do longa, ele aparece dormindo e, em seguida, é levado pela polícia para depoimento na polícia por conta de um assassinato. Nem o personagem nem o espectador sabe o que aconteceu. A descoberta é feita simultaneamente, embora não seja nada instigante.
Pouco se sabe e pouco se envolve na trama. O espectador pode se envolver pelo processo do vinho, tal qual em “O Julgamento de Paris”. Aqui, a trama é tosca e não desperta interesse.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

PETER PAN

Antonio Carlos Egypto



PETER PAN (Pan).  Estados Unidos, 2015.  Direção: Joe Wright.  Com Levi Miller, Garret Hedlund, Hugh Jackman, Adeel Aktar, Rooney Mara, Amanda Seyfried.  113 min.


Se o que você gosta de ver no cinema é espetáculo, aventura e fantasia, o novo “Peter Pan”, dirigido por Joe Wright, é a sua pedida no momento.  O filme exibido no telão em 3D é exuberante.  Diversão pura.

“Peter Pan”, como seria de se esperar em produções desse gênero, tem efeitos especiais em profusão, batalhas cheias de pirotecnia e fantasia em altas doses.  Navios que circulam pelo ar, nesse filme, são tão banais quanto andar de metrô numa grande cidade, num filme realista.  Ou seja, acontece a toda hora, ninguém estranha.  O menino Peter (Levi Miller), de 12 anos, que se descobre capaz de voar, é da essência da história, já está banalizado também.




O reino das fadas e o pó que se extrai de montanhas mágicas capazes de rejuvenescer as pessoas já não é tão rotineiro assim.  Mas está lá, cheio de luzes atraentes ou movimentadas.  O filme explora a fantasia sem pudor e isso acaba diminuindo um pouco a carga agressiva, de sopapos, brigas, batalhas e guerras.  Estão lá, claro, mas um pouco mais equilibradas do que de costume, nesse tipo de produto de entretenimento.

A história pretende dar uma nova visão sobre a origem dos personagens clássicos de Peter Pan, a partir da peça The Boy Who Wouldn’t Grow Up, de J. M. Barrie. O roteiro de Jason Fuchs, por exemplo, cria uma amizade entre Peter e Gancho (Garret Hedlund), este antes de se tornar capitão.  Eles lutam contra Barba Negra (Hugh Jackman), que é o vilão desse filme. Peter aparece nas primeiras cenas sendo abandonado bebê numa cestinha, em frente a uma instituição religiosa, que acolhe crianças como essa.  Em que pese tal abandono, já sabemos na primeira sequência que a mãe de Peter é amorosa e bondosa, o que de algum modo surpreende.  Já a instituição das freiras que cuidam dos rebentos rejeitados, essa, sim, é um horror de maus tratos, maldade e corrupção, num clichê absoluto.




Enfim, é uma outra trama que se coloca como anterior à que conhecemos tradicionalmente. A estratégia de marketing parece clara: é a primeira parte de uma história que se desdobrará em vários filmes.  Esse é o só o começo.  Quantos produtos renderá, depende da bilheteria que colher, da repercussão e do sucesso junto ao público, especialmente o infantojuvenil.

O elenco conta com atores conhecidos, mas não grandes estrelas.  Informa-se que Ryan Gosling e Javier Barden declinaram do convite para viver os papéis do Capitão Gancho e de Barba Negra, respectivamente.   De qualquer modo, ninguém precisa de grandes atores para viver papéis de contos de fadas em que o que se destaca é a tecnologia cinematográfica do século XXI.  O que um ator do calibre de Javier Barden teria a fazer aqui?




sábado, 3 de outubro de 2015

O CLUBE


Antonio Carlos Egypto




O CLUBE (El Club).  Chile, 2015.  Direção: Pablo Larraín.  Com Antonia Zegers, Roberto Farias, Alfredo Castro, Alejandro Goic, Alejandro Sieveking, Marcelo Alonso, Jaime Vadell.  98 min.


A pedofilia, enquanto abuso sexual de crianças e jovens, praticada por padres e membros da hierarquia da igreja católica, se constitui numa grande chaga dessa instituição religiosa milenar.  Quando denúncias foram aparecendo, em várias partes do mundo, ao longo das últimas décadas, impunha-se um combate duro e sem tréguas com vistas à mudança desse quadro e à punição de todos os responsáveis por esse crime, inadmissível ainda mais partindo de onde partia. No entanto, não foi o que se viu.

Se o discurso pretendia mostrar indignação e providências efetivas, a prática foi muito diferente disso.  Hoje, passado muito tempo e sob o direcionamento mais firme e consistente do papa Francisco, a realidade parece estar mudando.  Mas o que a história recente da igreja registra é assombroso.



É aí que entra Pablo Larraín, o cineasta chileno que fez “No”, em 2012, sobre o plebiscito histórico que derrotou o ditador Pinochet.  Em “O Clube”, um filme corajoso, Larraín nos mostra uma casa situada em longínquo sítio litorâneo chileno, onde vivem alguns padres reclusos, que não têm qualquer atuação junto à comunidade mais próxima.  Cercados por uma natureza hostil, vivem de forma um tanto misteriosa, sob a gerência doméstica de uma freira.  Há um passado comprometedor, que deve ser esquecido. Um processo de expiação?  Aparentemente, vivem uma rotina de orações e refeições tediosa.  Mas, pelo menos um deles, se dedica a uma atividade estranha: cuida, treina, prepara um cão de corrida e faz apostas nele.  É algo tão esdrúxulo para um sacerdote, tão fora de lugar, que remete alegoricamente ao abusar sexual de menores por celibatários.  Mas terá, também, outra importante função na trama.




O filme explora essa estranheza, esse crime que se quer negar ou esconder, na atmosfera de uma casa fria, escura, triste.  As imagens mostram um permanente céu plúmbeo, ventos, chuva, escuridão.  Esses padres vivem nas trevas, é o que nos contam as imagens.  Um novo morador que aparece instala um novo perigo e um investigador clerical que o apresenta ao grupo, e depois retorna para se inteirar das coisas, está mergulhado nessa mesma bruma.  O sentido é o da desesperança ou da descrença.

Tudo isso, e as características de cada um dos personagens, faz de “O Clube” um filme tenebroso, assustador.  Ao mesmo tempo, audacioso,  mete o dedo na ferida, sem  contemplação.  É um filme denúncia, feito em ritmo lento, contido e na penumbra.  Mas do qual não se sai sem sentir um amargor na boca, pelo menos.




O elenco masculino é forte e homogêneo.  Antonia Zegers, a mulher do diretor, faz o papel de Irmã Mônica, de forma brilhante.  Ela e eles dão vida, sempre em tom baixo, a um roteiro muito bem construído, que nos leva ao questionamento e à reflexão, inevitavelmente.

“O Clube” recebeu o Urso de Prata, no Festival de Berlim 2015, muitos prêmios no 25º. Cine Ceará, inclusive o prêmio da Crítica (Júri Abraccine).  É o filme indicado para representar o Chile na disputa pelo Oscar de filme estrangeiro.

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FESTIVAIS

Já está em andamento o Festival de Cinema do Rio 2015, com grandes atrações de festivais internacionais, Première Brasil, Homenagem a Orson Welles, e muito, muito mais.  Quem está na cidade maravilhosa pode se fartar.




Em São Paulo, a Mostra Internacional de Cinema já está a caminho.  Mas no Centro Cultural Banco do Brasil há uma bela mostra de cinema polonês atual, no Cinesesc, uma mostra de cinema da China Continental, no Centro Cultural São Paulo, filmes do cineasta japonês Kon Ichikawa, no Belas-Artes, a mostra “O Maior Ator do Brasil – 100 Anos de Grande Otelo” e, no MIS, o cinema de Truffaut.