quinta-feira, 28 de maio de 2015

PROMESSAS DE GUERRA


Antonio Carlos Egypto





PROMESSAS DE GUERRA (The Water Diviner)Austrália, 2014.  Direção: Russell Crowe.  Com Russell Crowe, Olga Kurylenko, Jai Courtney, Yilmaz Erdogan.  101 min.


Russell Crowe, neozelandês de nascimento, australiano por adoção, faz uma carreira de sucesso como ator, em Hollywood.  Agora estreia como diretor de cinema, em “Promessas de Guerra”, filme que remete à Primeira Guerra Mundial, à sangrenta batalha de Galípoli, que se estendeu por oito meses, entre abril de 1915 e janeiro de 1916.



Forças britânicas, francesas, australianas e neozelandesas desembarcaram  em Galípoli, na Turquia, buscando criar uma nova frente de guerra contra a Alemanha, a Áustria-Hungria e a Turquia, do enfraquecido Império Otomano.  O resultado foi uma desastrosa derrota para os invasores, que bateram em retirada após esse longo período de lutas.

“Promessas de Guerra” conta uma história, supostamente baseada em fatos reais, posteriores ao final da guerra.  Poucos anos após o fim  dos conflitos, havia ainda muitos desaparecidos, cujas informações e corpos eram buscados pelos parentes.  É o caso do personagem Joshua Connor (Russell Crowe), que perdera os três filhos alistados no exército australiano.  Ele vai a Istambul e a Galípoli, na Turquia, em busca de seus filhos.  Uma temeridade, já que os invasores não seriam bem-vindos de volta por lá.  Mas sua tenacidade renderá frutos, em que pesem os grandes riscos envolvidos nessa missão.  Riscos que incluem se expor a batalhas da Turquia contra a Grécia, nesse pós-guerra.



Para tornar tudo mais atraente e palatável, o australiano vai se envolver num romance em Istambul, com uma mulher turca, papel de Olga Kurylenko, que também perdeu o seu marido nessa mesma carnificina de Galípoli.

O filme que daí resulta conta uma história improvável, mas possível.  Afinal, a realidade pode ser mais surpreendente do que a ficção.  Melhor do que a trama, é a beleza plástica do filme, incluindo as locações e as cenas de guerra.  A fotografia é bonita e a cor tem uma leve predominância na tonalidade amarelo-ocre, que remete aos cem anos passados desses fatos.




Russell Crowe, em seu primeiro trabalho como cineasta, surpreende positivamente e alia essa tarefa ao que já está mais acostumado: ao trabalho de ator.  É o protagonista do seu filme, presente em quase todas as cenas, e mostra ótimo desempenho.  O elenco que com ele atua é igualmente muito bom e tem um garoto, cujo personagem tem 8 anos de idade, que é encantador.
  


quarta-feira, 27 de maio de 2015

A MENINA DOS CAMPOS DE ARROZ


Antonio Carlos Egypto





A MENINA DOS CAMPOS DE ARROZ (La Rizière).  China, 2010.  Direção: Xiaoling Zhu.  Com Yang Yingqiu, Xiang Chuifen, Shi Guangjin, Yang Xiaoyuan.  82 min.


O filme chinês “A Menina dos Campos de Arroz” situa-se numa região montanhosa do sul da China, a província de Guangxi, onde vive o povo Dong.  Dirigido por uma cineasta nativa da região, realizado com moradores do vilarejo, que não são atores profissionais, é o primeiro filme falado inteiramente na língua Dong.

A protagonista, que vai nos revelando os fatos e o dia a dia da comunidade ao longo do ano, é A Qiu, uma menina de 12 anos de idade, que vive junto aos arrozais e em função deles, mas deseja ser escritora.  As anotações de seu diário vão nos mostrando as diversas etapas da semeadura e colheita do arroz e as mudanças das estações.  A luta pela sobrevivência é o mote da vida daquelas pessoas e, consequentemente, da narrativa empregada.




É uma ficção totalmente inspirada, não só na realidade vivida pela diretora, numa espécie de autobiografia da infância e adolescência, mas uma representação da vida da maioria das pessoas da localidade.  O que se vê é uma espécie de modelo-padrão da vida social, afetiva e econômica do povoado.

Os pais vão em busca de sustento nas cidades, enquanto os avós criam os netos e trabalham com eles, desde crianças, nos arrozais.  Mas doença e morte dos mais velhos podem levar a um retorno às origens, por parte dos pais, e o dilema de voltar a depender exclusivamente da renda do arroz, muito incerta e vinculada às condições climáticas, ou ir em busca de outra vida na cidade.




A tradição se encontra com a modernidade, de alguma forma, pelo vínculo cidade-campo, que acaba por envolvê-los em busca de sobrevivência.  Nos dias de hoje, não há mais povoados isolados do mundo, por mais distante que seja a sua realidade geográfica.  As expectativas tecnológicas, pelo menos, estarão presentes.  Mesmo que inacessíveis à maior parte das pessoas.  Um belo exemplo é dado pelo irmão menor da protagonista, que dorme na aula, porque fica até tarde na casa de um amigo, jogando um videogame que ele não pode ter.

Quem gosta de ver na tela do cinema lindas paisagens, lugares exóticos e beleza natural, vai apreciar muito o filme.  Que é bonito e tranquilo, apesar dos conflitos que exibe.  Quem quiser conhecer como se cultiva o arroz, em suas várias fases, da preparação do terreno, da irrigação, do plantio, da colheita, da seleção dos grãos e tudo o mais, também vai apreciar muito o filme.  Ele parece até um documentário sobre os arrozais, recheados de personagens.




Quem puder apreciar o contato com uma outra realidade, um tanto distante, e uma língua estranha, vai usufruir de uma capacidade que o cinema tem de nos transportar no espaço e no tempo, suspendendo a nossa realidade imediata.  Às vezes, pelo glamour e pela fantasia, ou pela reconstituição de uma outra época.  Às vezes, pela viagem a sítios que nunca conseguiríamos conhecer.

No fim das contas, a gente percebe que o mundo é pequeno e que somos todos muito semelhantes enquanto humanos.  A variedade é imensa, mas os sentimentos, desejos e esperanças, são parecidos.  A essência do humano do rincão mais rural ao ambiente urbano de maior sofisticação tecnológica está sempre lá.  E tudo é tão familiar, se olharmos com atenção.




“A Menina dos Campos de Arroz” é um filme singelo, bonito, até limpo e arrumado demais para quem está tratando de uma vida de pobreza.  Segue uma narrativa quase documental, sem maiores inovações.  Mas se vê com imenso prazer.




quinta-feira, 21 de maio de 2015

SEGUNDA CHANCE

Antonio Carlos Egypto





SEGUNDA CHANCE (En Chance Til).  Dinamarca, 2014.  Direção: Susanne Bier.  Com Nikolaj Coster Waldau, Ulrich Thomsen, Maria Bonnevies, Nikolaj Lie Kaas.  102 min.


“Segunda Chance”, da cineasta dinamarquesa Susanne Bier, é um filme que lida com decisões tomadas no limite do desespero.  Conflitos morais se estabelecem por meio de tentativas, até bem intencionadas, de resolver ou acomodar problemas, passando por cima de questões legais.  E o filme explora a dúvida: até onde o ser humano pode chegar, numa situação-limite?  Nessas horas, como distinguir entre o que é certo e errado?  É o imponderável.

Para tratar de dilemas relevantes como esses, realiza-se uma boa produção, com cenas muito bem filmadas, porém, de mão muito pesada.  O filme é um soco no estômago!




O que mais incomoda é que bebês estarão no fulcro da narrativa, de modo doloroso.  Um bebê chora constantemente, exigindo dos pais uma disponibilidade que chega ao limite de sair à rua de madrugada com o carrinho ou então levá-lo de carro para passear, para que sossegue.  Há bebê abandonado num canto da casa, inteiramente descuidado, todo sujo.  Há morte e troca de bebês.

Um policial aproveita de sua condição para cometer um crime, envolvendo bebês, uma mulher se desespera, na falta de um bebê para chamar de seu e ameaça se suicidar.  Um casal é acusado de matar seu filho bebê, e por aí vai.  O desespero não atinge só os personagens, o espectador não sai incólume.  Difícil de aguentar.




O filme tem, porém, além da mão pesada, um outro problema: para que a trama possa se estabelecer e se desenvolver, Susanne Bier se vale de muitas cenas e situações inverossímeis.  Não uma ou duas, muitas.  Isso acaba minando a credibilidade de um filme montado numa perspectiva totalmente realista.  Um roteiro melhor elaborado poderia ter costurado a história de um modo mais crível e convincente.

Excessos sempre acabam comprometendo produções artísticas, ainda que suas propostas e intenções sejam muito boas.  “Segunda Chance” padece disso, tem a ver com o estilo que a diretora já mostrou em suas produções anteriores.





O elenco é muito bom, apresenta desempenhos que até compensam os exageros da narrativa, dando ao filme o equilíbrio necessário em meio a tanta dor e desespero.  Não é nas atuações que o filme pesa.  O que talvez mostre o estilo nórdico de agir acaba por evitar que um emocionalismo insuportável prevalecesse.  Assim sobra espaço para a reflexão poder acontecer.




quarta-feira, 13 de maio de 2015

UM POMBO POUSOU NUM GALHO, REFLETINDO SOBRE A EXISTÊNCIA


Antonio Carlos Egypto





UM POMBO POUSOU NUM GALHO, REFLETINDO SOBRE A EXISTÊNCIA (En Duva Satt Pa En Gren Och Funderade Pa Tilvaron). Suécia, 2014.  Direção e roteiro: Roy Andersson.  Com Holger Andersson, Nils Westblom, Viktor Gyllenberg.  101 min.


“Um Pombo Pousou num Galho, Refletindo sobre a Existência”, do diretor sueco Roy Andersson, pelo título já diz a que veio.  Não se pode esperar uma narrativa clássica, nem realista. Nem é algo que possa ser apreendido facilmente.

A matéria-prima do filme é o non sense, a farsa.  Mas o elemento humor vai temperado com um indisfarçável amargor, que aponta a tragédia da espécie humana na terra.



O filme se compõe de cenas independentes, por onde circulam alguns personagens que se repetem ou desaparecem no decorrer das situações.  Essas cenas, sequências, estão sempre muito bem estruturadas, do ponto de vista formal, para produzir estranhamento, dúvida, surpresa ou decepção.  A câmera é fixa, a encenação envolve todo o campo visual, muita coisa acontece ao fundo ou ao lado do quadro.  E frequentemente são as coisas mais importantes.

A atmosfera é não só estranha como peculiar.  A maquiagem e as roupas acentuam os tons brancos nos personagens, enquanto a coloração das cenas é esmaecida.  Assim, uma tropa de soldados envergando azul ou um forno crematório amarelo-castor se destacam sobremaneira quando aparecem.  O que predomina são os tons claros, cinzentos, escuros ou apagados.  Isso confere um sentido trágico a situações engraçadas.  De modo que você não sabe se assiste a um drama de humor ou a uma comédia trágica, se é que esses rótulos significam alguma coisa importante.




O que é mostrado no filme vai desde o cotidiano mais banal, comezinho, até a tragédia da guerra e do massacre humanos.  Mas tudo se expressa de modo simbólico.  Nada é óbvio, nem evidente, nem realista. 

Frases se repetem, ao longo de todo o filme, como “Estou feliz de saber que você está bem”.  É quase só o que se diz ao telefone, o tempo todo.  E, a rigor, ninguém está bem.




Não tema, que isso não vai atrapalhá-lo em nada, mas vou-lhe contar o fraseado da última sequência.  Alguém entra dizendo: “Hoje já é quarta-feira outra vez”.  Um homem num ponto de ônibus se surpreende e pergunta, mais de uma vez, aos transeuntes: “É mesmo quarta-feira?  Eu pensei que fosse quinta.  Tem toda a cara de quinta”.  Ao que um deles retruca: “Os dias não têm cara.  Você tem que saber que, se ontem foi terça, hoje é quarta e amanhã é quinta”.  E nesse clima termina o filme.

O que isso tem a ver com o que se passou antes?  Aparentemente, nada, até porque esses personagens nem estavam em cena. Mas também pode ter tudo a ver com a forma como lidamos com o tempo e com a nossa própria desorientação diante dele e da aceleração da vida.  Isso tem a ver com todos, de algum modo.  Não é complicado, mas também não é claro.  Há margem para diferentes interpretações.  E por que uma sequência como essa está no fim e não no início do filme?  Cada um pode tirar suas conclusões.




Em que pese toda a fragmentação da narrativa, dois personagens percorrem quase todo o filme.  São vendedores de novidades para o entretenimento das pessoas.  Não têm o menor talento para isso, nem um pingo de humor para convencer os eventuais compradores dos produtos que vendem.  São personagens sem charme esses protagonistas deslocados.  Por que eles?  Porque estamos todos, de algum modo, deslocados nesse mundo?  Para que possamos reconhecer nossa própria idiotice e incapacidade de convívio humano?  Para que possamos nos diferenciar da mediocridade reinante?  “Um Pombo Pousou num Galho, Refletindo sobre a Existência” abre espaço para um festival de questionamentos e reflexões, enquanto a gente observa coisas esquisitas na tela.  O curioso é que o estranho soa absolutamente familiar.

Sem dúvida, a tragédia da existência é a matéria de reflexão do pombo, embora linearmente a reflexão dele num poema tenha sido a respeito do fato de que pombos não têm dinheiro.  Ou que ele, ao menos, não tenha.




Vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza 2014, “Um Pombo... “ encerra uma trilogia sobre o ser humano e a morte, magnífica, que começou com “Canções do Segundo Andar”, em 2000, e seguiu com “Vocês, os Vivos”, de 2007.  O talento do diretor Roy Andersson para compor cenas e lidar com atores, geralmente não profissionais, construindo climas surrealistas muito inventivos, fortes, marcantes, em ambiente peculiar, faz dele um autêntico autor de cinema.  Estranho, mas brilhante.



segunda-feira, 11 de maio de 2015

ÚLTIMAS CONVERSAS


Antonio Carlos Egypto




ÚLTIMAS CONVERSAS.  Brasil, 2014.  Direção: Eduardo Coutinho.  Documentário.  85 min.


“Últimas Conversas” é o trabalho derradeiro de um dos maiores documentaristas da história do cinema, no Brasil e no mundo: Eduardo Coutinho.  Ele conversou com adolescentes de escolas públicas do Rio de Janeiro, cursando o ensino médio, em vias de concluí-lo, buscando entender quais seriam os interesses, preocupações e sonhos desses jovens.  Tentando, como sempre, buscar o que possa surgir de novo, intrigante, relevante.  Sempre aberto a ouvir e compreender o ser humano para além de expectativas, teorias ou verdades pré-estabelecidas.  Ou, mesmo, hipóteses a serem comprovadas.

Morreu tragicamente antes de poder concluir o seu filme, em fevereiro de 2014, esfaqueado pelo próprio filho, em surto psicótico.  Trágica perda para o nosso cinema.




“Últimas Conversas” foi, então, concluído pelo também excelente documentarista João Moreira Salles, produtor habitual dos filmes de Coutinho.  A montagem ficou a cargo de Jordana Berg, montadora que já havia realizado junto com o cineasta diversos projetos.

Como consequência, o filme acabou tendo uma presença intensa do próprio Coutinho em cena, o que não teria ocorrido se ele estivesse vivo.  A ideia foi mostrar o método de trabalho dele, suas exigências e insatisfações.  Já de início, Coutinho fala à câmera sobre a frustração que é colher depoimentos de adolescentes: por um lado, lhes faltam a experiência e história de vida suficientes, por outro, já perderam a espontaneidade e a graça da infância.  Tudo parecia estar pouco satisfatório no que ele havia feito até ali.  Mas as entrevistas já estavam em fase final de coleta, a essa altura.




Sucedem-se os depoimentos que, de algum modo, mostram um retrato da chamada classe C, a classe média emergente que vem tendo acesso ao estudo e ao consumo nos últimos anos.  O quadro familiar também aparece claramente em sua diversidade e pluralidade.  É inegável que os depoimentos selecionados nos falam de coisas importantes, nos ensinam coisas relevantes sobre essas pessoas.  E que a emoção brota de forma clara.  Parecia pouco ao mestre do documentário no Brasil, mas não é nada irrelevante.  Confirma que seu método de conversar e realizar documentários é um caminho muito rico e proveitoso para o cinema.  Na sua aparente simplicidade está sua força.  Aliás, tudo que é brilhante, especialmente talentoso, parece simples aos olhos de quem vê.  A simplicidade é o maior mérito do artista ou do escritor.




A edição termina com uma entrevista com uma menina de 6 anos, uma criança viva, inteligente e muito expressiva.  Como que a realizar o último desejo manifesto de Eduardo Coutinho.  Mas aí há um equívoco: a menina entrevistada é de classe alta, filha de médico e patologista, bem distante da realidade dos adolescentes mostrados anteriormente.  Não é possível comparar.  Podemos supor que as crianças das outras classes sociais também poderiam exibir tal encanto, diante das câmeras, mas seu repertório certamente seria outro.  Os universos apresentados não guardam muita relação entre si.




“Últimas Conversas” pode não ter sido um grande coroamento para uma carreira de excepcional qualidade.  Mas os clássicos que Coutinho realizou antes continuarão a servir de bússola na busca de um humanismo sempre muito necessário nos tempos atuais.

“Cabra Marcado Para Morrer”, de 1964-1984, “Santo Forte”, de 1999, “Edifício Master”, de 2002, “Peões”, de 2004, “Jogo de Cena”, de 2007, e “As Canções”, de 2011, entre outros, são filmes preciosos, em que a marca do trabalho de Eduardo Coutinho permanecerá viva para todos que gostam de pensar e gostam de cinema.


sábado, 9 de maio de 2015

WINTER SLEEP


Antonio Carlos Egypto




WINTER SLEEP (Kis Uykusu).  Turquia, 2014.  Direção: Nuri Bilge Ceylan.  Com Haluk Bilginer, Melisa Sözen, Demet Akbag, Ayberck Pekcan.  196 min.


O turco Nuri Bilge Ceylan é um dos mais importantes cineastas em atividade no mundo.  Seus trabalhos cinematográficos são muito elaborados, têm densidade, complexidade e grande apuro visual.  Seus filmes “Climas”, de 2006, e “Era Uma Vez na  Anatólia”, de 2011, são reveladores do requinte e da qualidade técnica de sua obra.  Não surpreendeu, portanto, que seu novo filme, “Winter Sleep”, tenha levado a Palma de Ouro do Festival de Cannes. 




É mais um grande filme desse diretor.  Grande, não só no talento, mas também na duração: são nada menos do que 196 minutos de projeção.  Mas vale a pena encará-los, o ritmo é lento, mas o filme trata com profundidade de questões pessoais, de relacionamentos e conflitos, altamente reveladores de sentimentos, mágoas acumuladas, opressões, humilhações, concessões, catarses.  Referências literárias e teatrais, como Tchekov, Dostoiewski e Strindberg, são visíveis.  Muitos momentos lembram os diálogos fortes e cortantes dos filmes de Ingmar Bergman.

Também estão marcadamente trabalhadas as manifestações de classe social, não só as diferenças de poder e interesses, os inevitáveis confrontos, mas as barreiras e impossibilidades que surgem das tentativas ingênuas ou equivocadas de reduzi-las ou negá-las.




Os níveis psicológico e social se interpenetram nos dramas vividos pelos personagens, em meio à beleza turística da região da Capadócia, na Anatólia Central.  O personagem principal da narrativa é Aydin (Haluk Bilginer), dono de um hotel, escritor e ex-ator,  com grande poder na pequena localidade onde vive, em função do dinheiro que acumulou.  Benfeitor ou opressor, nos limites da própria casa ou da propriedade que comanda, manipulador das relações que maneja, é colocado em xeque pelo casamento que realizou com uma mulher muito mais jovem, Nibal (Melisa Sözen), que constrói sua própria visão de mundo e questiona sua realidade e seu vínculo matrimonial.
Questões intelectuais ligadas à ética da criação literária ao autoengano e à filosofia da existência emergem das relações com a irmã que mora com ele, Necla (Demet Akbag), e opõem um ao outro. 


 

Em relação aos empregados e aos inquilinos com aluguel em atraso, se tecerá uma rede de conflitos sociais capaz de agravar as relações de todos, naquele ambiente, em que até mesmo os turistas, que se servem do hotel, podem entrar na dança.




A Capadócia, em suas estranhas formas, é explorada visualmente como referência de aridez, isolamento, instintos e expressões selvagens, como a dos cavalos soltos no ambiente.  A neve que advirá no inverno congela os corações e as possibilidades, enquanto o fogo aquece temporariamente, mas é também destruidor de ilusões.  Os enquadramentos e o trabalho de câmera, sutil e delicado, se valem da beleza da região para produzir o requinte visual que marca a produção do cineasta.  Os atores e atrizes que dão vida a todas as reflexões propostas pelo filme são muito convincentes e competentes na tarefa que abraçaram.  E Nuri Bilge Ceylan, como diretor, e também roteirista, vai construindo uma obra cinematográfica como poucas na atualidade.