Antonio Carlos Egypto
O MUNDO DE GLÓRIA (Gloria Mundi). França, 2019.
Direção e roteiro de Robert Guédiguian.
Com Ariane Ascaride, Jean-Pierre Darroussin, Gérard
Meylan, Anais Demoustier, Robinson Stévenin.
107 min.
Em “O Mundo de Glória”, a Glória do
título é um bebê, cujo nascimento é mostrado no início do filme com grande
beleza. O mundo que a cerca é o dos
despossuídos, que lutam bravamente para sobreviver em tempos tão difíceis, com
a precarização do trabalho, o desemprego, os baixíssimos salários, a falta de
contratos de trabalho que ofereçam as garantias mínimas para uma subsistência
digna.
A partir da constatação dessa
realidade, Robert Guédiguian constrói uma trama que envolve relações familiares
complicadas, rivalidade entre irmãs, disputas pelo mesmo homem, machismo,
brigas nos casais e abatimento de personagem masculino pela impotência diante
das condições materiais da existência e a falta de perspectivas, prostituição,
pequenos crimes, morte, prisão e retorno da prisão com seus limites e
preconceitos. E, também, os que se valem
de uma pequena vantagem financeira para explorar os mais pobres, comprando e
vendendo produtos usados, com alta margem de lucro.
Como se vê, o filme se debruça sobre
as questões da classe trabalhadora nos dias de hoje, sem, no entanto,
vitimizá-la ou santificá-la. Cada um se vira como pode, ninguém é bonzinho,
todos têm suas razões para agir como agem e ficando no clichê: em casa onde
falta pão, todo mundo briga e ninguém tem razão.
A ausência de uma estabilidade laboral
entre os que têm profissões modestas e parcos ganhos se torna uma tragédia
diante da uberização atual. Qualquer incidente, acidente, doença,
assalto, desentendimento gerando briga, é capaz de produzir sérias
consequências na vida deles. Não há
suporte, não há respaldo, o Estado está ausente. A falsa promessa do empreendedorismo acaba
por botar a pá de cal em muitos relacionamentos, famílias, crianças, vidas que
ficam em suspensão, na dependência da sorte ou de uma solidariedade de classe,
que costuma não vir.
Sem o mesmo brilho, mas na linha do
trabalho do britânico Ken Loach, o diretor Robert Guédiguian nos ajuda a
refletir sobre o que está acontecendo no mundo de hoje, com as pessoas mais
vulneráveis, a partir do momento em que a sociedade do Bem-Estar Social do pós
II Guerra Mundial implodiu na Europa.
Por aqui é um pouco pior, porque, a rigor, essa sociedade não chegou a
existir. Pelo menos, não em plenitude.
O envolvimento emocional com os
personagens que “O Mundo de Glória” nos proporciona é importante. Sentir é conhecer, praticar a empatia é
compreender e o conjunto deles mostra um evidente contexto socioeconômico e
cultural que preocupa.
Somos capazes de sofrer com suas agruras,
rejeitar certas condutas, espantar-se com outras, dentro de algumas situações
que estão no limite da existência humana.
Mesmo no contexto europeu, um pouco mais suave em relação às condições
de vida e moradia do que o nosso. Se já
estava difícil lá e certamente piorou com a pandemia, imagine aqui. O nosso governo de plantão está descobrindo
milhões de invisíveis, que dependeram
de um auxílio emergencial, de forma drástica e dramática, para não passar
fome. A que ponto chegamos!
O filme de Robert Guédiguian é
competente na abordagem, na caracterização dos personagens, no desempenho do
bom elenco, na dimensão social que nos mostra com clareza, na capacidade de nos
fazer refletir sobre o que estamos vivendo nesse momento particularmente
desafiante da história da humanidade.