quarta-feira, 28 de abril de 2010

UTOPIA E BARBÁRIE


Antonio Carlos Egypto


UTOPIA E BARBÁRIE. Brasil, 2009. Roteiro e direção: Sílvio Tendler. Narração: Amir Haddad, Chico Diaz e Letícia Spiller. 120 min.


Sílvio Tendler tem em seu currículo de realizações documentários como “Os Anos JK, uma trajetória política” (1980) e “Jango – como quando e porque se depõe um Presidente da República” (1984).

Desta vez, com “Utopia e Barbárie”, o seu projeto foi muito maior e muito mais ambicioso. Ele procurou montar um painel com os eventos que tiveram maior destaque e relevo desde a Segunda Guerra Mundial, quando a perspectiva de democracia para todos parecia ter enterrado a barbárie do holocausto nazista. O confronto de ideologias, como o comunismo, o socialismo, o anarquismo e o nazi-fascismo representaram grandes ideais utópicos que, por sua vez, produziram barbáries inesperadas e inusitadas.

Basta lembrar da opressão stalinista (vide “Katyn”, o filme de Andrzej Wajda), o massacre da praça da Paz Celestial, em Pequim, o racismo da América do Norte e o apoio da grande nação pretensamente democrática às ditaduras militares da América Latina, dos anos 1970. Os exemplos são inúmeros. Assim como da tragédia da guerra podem-se reencontrar novas utopias, como os hippies e suas propostas de paz e amor, confrontando a guerra do Vietnã.

No mosaico de Tendler, a dialética está presente. Tese, antítese e síntese se alternam, mostrando ideais e valores em constante mutação, a desafiar nossas verdades. Mas o documentarista tem a sua e, não só não a esconde, como se coloca na história, tomando posição. A realidade política brasileira, evidentemente, se destaca e tem espaço privilegiado nesse painel.

É um trabalho de fôlego, que levou longos anos para ser concluído, com depoimentos de muitos personagens que viveram, testemunharam, foram protagonistas ou vítimas dessa conturbada e, ao mesmo tempo, generosa época em que vivemos. Estão lá figuras como Augusto Boal, Eduardo Galeano, o general Giap, do exército vietnamita, Fernando Solanas, Ferreira Gullar, Zé Celso Martinez, Denys Arcand, Amos Gitai, Gillo Pontecorvo, Ivan Izquierdo, Jacob Gorender, Nahum Mandel, dos kibutz israelenses, Shin Pei, Shizuo Ozawa, Yael Lerer, Leonardo Boff, Macarena Gelman, Jair Krischke, Franklin Martins, Dilma Rousseff. A lista é enorme, inclui muito mais gente do que os que citei aqui. E, evidentemente, é incompleta. Mas serve bem aos propósitos de mapear a relação entre utopia e barbárie, que se enxerga nos fatos, mas está mais nas repercussões e consequências que eles são capazes de gerar.

Quem já passou dos 50 anos e viveu atentamente este nosso tempo, da Segunda Guerra até aqui, se farta com o banquete. Mas a avalanche de imagens, informações e reflexões, ainda assim, é muito grande. Lembra um pouco aquelas retrospectivas das notícias do ano que os telejornais mostram no início do ano seguinte, só que com uma costura consistente, muito diferente deles. O que eu quero dizer é que aquilo faz sentido para quem viveu e acompanhou os fatos. Senão, você será engolido pela profusão de imagens e acabará perdendo o fio da meada.

Uma bela aula de história para os mais jovens, porém, muito difícil de processar. Talvez quando estiver em DVD, em se vendo e debatendo o material em partes, seja mesmo precioso para uso pedagógico. Vale vê-lo uma vez no cinema e voltar a vê-lo depois, detendo-se aqui e ali. É um trabalho digno de respeito e admiração, traz a história viva e nos relembra de coisas de que não podemos esquecer jamais.


domingo, 25 de abril de 2010

Alice No País das Maravilhas


Tatiana Babadobulos

Alice No País das Maravilhas (Alice in Wonderland). Estados Unidos, 2010. Direção: Tim Burton. Com Johnny Depp, Mia Wasikowska, Helena Bonham Carter, Anne Hathaway. 108 min.

É comum diretores e atores trabalharem juntos em várias produções, principalmente quando o resultado é positivo. Basta lembrar de Woody Allen e Diane Keaton e Scarlett Johansson; Paul Greengrass e Matt Damon. E vários outros. Pela sétima vez, o diretor Tim Burton escala o ator Johnny Depp para protagonizar o seu filme. Depois de “Edward, Mãos de Tesoura” (1990), “Ed Wood” (1994), “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça” (1999), "A Fantástica Fábrica de Chocolate" (2005), “Sweeney Todd – O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet” (2007), além da animação em stop-motion “A Noiva Cadáver” (2005), no qual um dos perso­nagens tem a voz dublada pelo ator, os dois estão juntos em mais uma produção com personagem estranho e nada convencional no longa-metragem “Alice no País das Ma­ravilhas” (“Alice in Wonderland”).

No épico de aventura e fantasia, Depp é o Chapeleiro Maluco que vive no mundo subterrâneo onde Alice (Mia Wasikowska) vai parar, já adulta, quando foge do pedido de casamento, uma vez que não concorda com a aristocracia inglesa onde vive. Como já esteve no local na infância, ela reencontra os amigos Coelho Branco (com voz de Michael Sheen), os irmãos Tweedledee e Tweedledum (Matt Lucas), Domindongo (voz de Barbara Windsor), a Lagarta (voz de Alan Rickman), o Gato Risonho (voz de Stephen Fry). Durante o passeio naquele mundo, Alice terá de encontrar seu destino e acabar com o reino de terror da Rainha Vermelha (Helena Bonham Carter), que sempre ordena que a cabeça de quem quer que seja e que atrapa­lhe o seu caminho seja cortada, e recuperar a espada da Rainha Branca (Anne Hathaway).

Embora a história já seja conhecida, uma vez que é baseada nos livros de Lewis Carroll, o longa criado por Tim Burton apre­senta um show de imagens coloridas (que poderão ser vistas nas versões 35 mm, 3D e Imax 3D, em um total de 400 cópias, sendo 80% dubladas e 20% legendadas), mas sem deixar que o visual sobreponha a história ou a interpretação competente dos atores ao vivo e das animações que se misturam com os reais.

Mesmo que a história tenha sido escrita por Carroll no final do século 19, permanece interessante até hoje, uma vez que tanto as personagens como toda a mise-en-scène mexe com a imaginação das pessoas e discute sobre amadurecimento e escolhas. Este, portanto, é um dos motivos de o conto de fadas permanecer vivo. E com a opção em três dimensões, ou seja, com o uso dos óculos especiais, o show de imagens fica ainda mais incrível.

Como não podia ser diferente, há a luta do bem contra o mal, mas mesmo as personagens boas são caricatas. Esse tipo, vale lembrar, é a especialidade da dupla Burton-Depp. O que se vê na tela, portanto, é uma reunião de esquisitices, um colorido sem fim, mas sobretudo uma história bem contada com um visual incrível.

Se Johnny Depp incorpora com des­treza seu personagem, assim como Helena Bonham Carter está impagável, o mesmo não acontece com a atriz responsável pela protagonista – lhe falta carisma. E não convence o espectador, é artificial demais.

Apesar dos problemas da fita, “Alice no País das Maravilhas” tem agradado, pois já conquistou, nos Estados Unidos, a maior bilheteria de abertura (de um filme que não é sequência) de todos os tempos, arrecadando US$ 116,3 milhões. Os investimentos de marketing, obviamente, contribuem para esse buchicho (até mais que a qualidade do filme, vale di­zer), e a história não vive apenas dentro da tela, mas também fora dela.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

SONHOS ROUBADOS

Antonio Carlos Egypto


SONHOS ROUBADOS. Brasil, 2009. Direção: Sandra Werneck. Com Nanda Costa, Amanda Diniz, Kika Farias, Marieta Severo, Nelson Xavier e Daniel Dantas. 90 min.



Em “Sonhos Roubados”, a cineasta Sandra Werneck adentra o universo da prostituição feminina adolescente, por meio de três personagens com seus sonhos, expectativas, humores e dificuldades cotidianas.

Jessica (Nanda Costa), a personagem mais forte da história, convive com o avô Horácio (Nelson Xavier), cuida dele como pode, garantindo que ele tenha dinheiro para os remédios, por exemplo. Mas já engravidou e tem uma filha de quem ela não consegue dar conta. O pai da menina é um rapaz evangélico, dominado pela mãe, que não pode aceitar que sua neta seja cuidada por uma prostituta, de vida desregrada.

Enquanto enfrenta a parada dura de atender aos desejos dos homens, que frequentemente a maltratam, mas garantem o seu precário sustento, Jessica vai fazer programas na cadeia. Lá, acaba por encontrar um presidiário que a trata bem. Mas tudo é muito complicado para uma menina como ela, que ainda quer ter direito de se divertir, curtir sua juventude, e precisa manter a posse da filha.

Sabrina (Kika Farias) encontra num traficante da comunidade a chance de uma vida mais confortável, morando melhor, mas seus sonhos são idealizações. De onde pode vir uma vida de família, com casa arrumada e TV de plasma, com um homem que vive sumindo e apegado à sua arma ?. E que, é claro, não pensa, não quer e nem pode acomodar-se a uma rotina familiar. Mais uma roubada. Ou seja, mais um sonho roubado.

A mais jovem das meninas é Daiane (Amanda Diniz), aprendiz de prostituta, que vive com os tios, tem de tolerar abuso sexual em casa e que só deseja o impossível: que seu pai biológico, que tenta negar essa paternidade, se interesse por ela e a ajude a fazer a festa dos seus 15 anos.

São histórias consistentes, retratos de realidades femininas muito duras para se viver no auge da adolescência. Ou em qualquer outra época da vida. Mas adolescentes têm uma vitalidade enorme, como se sabe, não desistem facilmente, sonham muito, se divertem, apesar de tudo, brincam, sorriem. E o filme é muito feliz ao mostrar o drama sem carregar nas tintas, sem sonegar nada, mas trazendo alguma leveza, sempre que possível.

Tem até gente adulta que acredita que pode ajudar a mudar as coisas e faz o que pode para isso. O papel da cabeleireira Dolores, vivido por Marieta Severo, traz o toque de solidariedade e consciência de direitos que precisava mesmo existir naquela trama.

O elenco da fita dá conta do recado muito bem. Não apenas Nelson Xavier e Marieta Severo, que são muito talentosos, mas as três meninas que têm atuações convincentes. Nanda Costa é quem carrega o piano e se mostra competente para tal.

A diretora de “Cazuza, o tempo não para” e “Guerra dos Meninos”, entre outros relevantes trabalhos, se sai bem nessa nova empreitada. “Sonhos Roubados”, de Sandra Werneck, é um filme honesto, que merece ser visto e debatido.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Zona Verde


Tatiana Babadobulos

Zona Verde (Green Zone). França, Estados Unidos, Espanha e Reino Unido, 2010. Direção: Paul Greengrass. Rotiero: Brian Helgeland. Com Matt Damon, Khalid Abdalla, Brendan Gleeson, Amy Ryan. 115 min.

Se o cinema nacional se cansou de mostrar filmes que tratam de sertão, violência, miséria, favela, vide “Cidade de Deus”, “Carandiru”, “Tropa de Elite”, “Central do Brasil”, o mundo não se cansa de fazer longas-metragens sobre as guerras, sejam elas no Iraque, no Vietnã, as duas mundiais e assim por diante. Entre os exemplos, “Dança com Lobos”, “Guerra ao Terror”, “A Fita Branca”, “Entre Irmãos”, “Leões e Cordeiros”, a sátira “Trovão Tropical”, além do documentário “Farenheit – 11 de Setembro”. Isso para ficar nos recentes.

Desta vez, Paul Greengrass, diretor consagrado por longas como “A Supremacia Bourne”, “O Ultimato Bourne”, “Voo United 93”, este último que trata, aliás, do ataque de 11 de Setembro sobre as Torres Gêmeas, em Nova York, volta aos cinemas nesta sexta-feira, dia 16 de abril, com “Zona Verde” (“Green Zone”). A fita é baseada no livro do ira­quiano Rajiv Chandrasekaran, ex-chefe da sucursal do Washington Post de Bagdá, e conta a his­tória da guerra no Iraque em 2003, quando o subtenente do exército americano, Roy Miller (Matt Damon), e sua equipe vão procurar armas de des­truição em massa que podem ter sido guardadas por Saddam Houssein naquele país.

No entanto, com tantas dispu­tas que existem dentro do exército, ou seja, um tenente querendo mandar mais que o outro, eles vão ter de lutar contra os próprios pro­blemas, além de tentar encontrar o que relatórios detalhados informam existir.

Outra descoberta que o subtenente fará é que, embora o Iraque esteja em guerra, há pessoas lá dentro tentando viver com um mí­nimo de dignidade. E isso é reco­nhe­cido quando conhece Freddy (Khalid Abdalla, de “O Caçador de Pipas”), um iraquiano que, vo­lun­tariamente, denuncia uma reu­nião dos inimigos e, então, se torna o intérprete dos soldados ame­ricanos. Freddy tem uma participação fundamental para o desenrolar da trama que mostra o outro lado da guerra, pois luta por seu bem-estar e pelo de sua família uma vez que, por conta da guerra, não têm água, eletricidade etc. E ele dispara: “Não é você que vai de­cidir o que acontecerá aqui!”

As lentes de Greengrass, sem­pre bem posicionadas, apontam para onde está o acontecimento. Com tantas explosões e ti­ros, ele consegue retratar que estão no meio de uma guerra. O diretor, que iniciou a carreira cobrindo conflitos globais para o canal inglês ITV, visitou, durante 10 anos, países arrasados por guerras. Agora, ele filma um projeto maior, que utiliza um pano de fundo real, e um roteiro escrito por Brian Helgeland (o mesmo de “Sobre Meninos e Lobos), com base no livro de Chandrasekaran.

Este é o terceiro filme que Green­grass e Damon fazem juntos. Sem dúvida, trata-se de um ponto positivo, pois a sincronia que existe entre o ator e o diretor traz ganhos à produção e o espectador pode ter a certeza que trata-se de um ótimo filme com interpretações equivalentes. O ponto negativo é que pode parecer repe­titivo.

No longa, também há parti­cipações de outros personagens, como o chefe da base da CIA (Brendan Gleeson, de “Harry Potter e a Ordem da Fênix”), a quem o subtenente confia, e a jornalista Law­rie Dayne (Amy Ryan), corres­pondente que passou a maior par­te da carreira escrevendo sobre armas de destruição em massa.

O thriller de Greengrass pren­de a atenção e faz um filme sobre a guerra fora do convencional. Se “Guerra ao Terror”, de Kathryn Bigelow, foi o ganhador de seis Oscars neste ano, saiba que “Zona Verde” está, no mínimo, a um passo a frente desta produção, pois consegue mostrar, de forma mais humanizada, os soldados americanos, que lutam porque foram obrigados, deixando para trás suas famílias para, quem sabe, um dia voltar. Mostra, também, os ira­quianos, que estão lá se defendendo e, nem sempre, concordam com o ponto de vista do ditador, mas precisam sobreviver e têm fi­lhos para criar.

Se “Guerra ao Terror” é calmo, “Zona Verde” é agitado. Em ambos, no entanto, há cenas com explosões, pessoas que morrem por conta dos ataques. É preciso estômago, mas o modo como a hi­­s­tória é contada é incrível.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

VIDAS QUE SE CRUZAM

Antonio Carlos Egypto

VIDAS QUE SE CRUZAM (The Burning Plain). Estados Unidos, 2009. Direção e roteiro: Guilhermo Arriaga. Com Charlize Theron, Kim Basinger, Jennifer Lawrence, José Maria Yazpik e Joaquim de Almeida. 111 min.

Guilhermo Arriaga é um talentoso escritor mexicano. Foi roteirista de filmes marcantes do cinema contemporâneo, como “Amores Brutos”, “21 Gramas” e “Babel”, todos dirigidos pelo também mexicano Alejandro González Iñarritu.

Nesses três filmes, diferentes personagens vivem suas histórias paralelamente, às vezes, em diferentes partes do globo, até que suas vidas se encontrem. E, nesse ponto, a trama vai revelando que, para além do universo de cada personagem, há complexas relações entre pessoas, grupos, nações. Há preconceitos, intransigência, intolerância, diferenças culturais, étnicas e os conflitos de caráter ético que assumem dimensões globalizadas. Arriaga é também bastante atento às novas questões e problemas trazidos pelos avanços da tecnologia no mundo atual.

Em “Vidas que se Cruzam”, Arriaga também responde pelo roteiro, mas agora é ele mesmo a dirigir, estreando em novo ofício. O resultado não chega a ter o impacto visual dos filmes de Iñarritu, mas continua sendo muito bom. O forte de Guilhermo Arriaga é mesmo a sua capacidade de engendrar histórias de personagens aparentemente distantes uns dos outros, mas que se relacionam de forma intensa e decisiva para suas vidas, a vida de outros e da coletividade.

É até curioso que o título do filme em português seja “Vidas que se Cruzam”, pois isso se aplica à perfeição a todos os roteiros citados, já que essa é a sua forma de contar histórias. Aqui há um elemento novo: não só as vidas se encontram, se cruzam em lugares geograficamente próximos ou distantes, como ele sempre fez, mas o tempo também se cruza com os personagens da trama.

O que algo vivido pelo mesmo personagem no passado traz para o que está acontecendo agora? Ou melhor, qual é o tempo presente da ação, já que o passado e a perspectiva do futuro sempre estão estabelecendo significados, nas ações, sentimentos e pensamentos de cada um?

Vidas que se cruzam, tempos que se cruzam, imagens que dialogam entre si no tempo e no espaço, ajudam a construir um cinema intrigante e atual, não só pela contemporaneidade da construção dramática, mas também pelas questões-problema tratadas, tendo a diversidade como principal foco de interesse.

Em “Vidas que se Cruzam”, filmado em região desértica do Novo México, os desafios da comunicação, as contradições humanas, os confrontos culturais e o isolamento característico da contemporaneidade, produzem conseqüências muito sérias, que colocam em risco a própria possibilidade e a liberdade de amar.

O elenco, que reúne atores e atrizes tarimbados, como Charlize Theron, Joaquim de Almeida e Kim Basinger, apresenta também jovens que dão conta bastante bem de seus personagens, formando um todo homogêneo, adequado, para que os espectadores possam se envolver na carpintaria dramática que Arriaga sabe construir tão bem.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

AS MELHORES COISAS DO MUNDO


Antonio Carlos Egypto


AS MELHORES COISAS DO MUNDO. Brasil, 2010. Direção: Laís Bodanzky. Roteiro: Luiz Bolognesi. Com Francisco Miguez, Felipe Galvão, Gabriela Rocha, Gabriel Illanes, Denise Fraga e Caio Blat. 100 min.


Filmes para adolescentes ou sobre a temática adolescente são oportunos, necessários e raros no cinema brasileiro. Quando tratam de temas e situações que ajudam os jovens e os educadores a compreender melhor e enfrentar questões, muitas vezes difíceis, que acompanham essa faixa de idade, isso é ótimo. Portanto, é muito bem-vinda a produção “As Melhores Coisas do Mundo”, filme dirigido por Laís Bodanzky, a partir de livros de Gilberto Dimenstein e Heloísa Prieto.

A fita procura abarcar grande parte do universo-problema do adolescente urbano de classe média. E trata de família, cidadania e coletividade, aprendizagem, paz, sexualidade, subjetividade, afeto e vida. E também trata de diversidade. Enfim, mais ou menos tudo que poderia caber num filme sério sobre adolescência está lá. Tem até um projeto educativo para que os educadores façam uso do material em sala de aula ou fora dela. Tudo muito louvável.

Por que será, então, que o filme não conseguiu me entusiasmar? Talvez por isso mesmo. Tudo parece um tanto planejado, sob medida para uma função pedagógica. Do que é preciso falar? O que é que faltou tratar? Como encaixar uma mensagem importante aqui? O que seria correto e necessário abordar? Parece que os autores dos textos de origem, mas também a diretora e o roteirista do filme, tinham coisas assim em mente. Muitas cenas me sugeriram isso. Daí uma certa artificialidade da história contada e da forma como a trama se desenvolve.

Além disso, o tratamento dramático de algumas situações me parece excessivo, desproporcional. A tentativa de suicídio, documentada via Internet, de um dos personagens, porque seu amor de criança partiu para outra, não convence. Passou do ponto. É demais.

A forma como tantos alunos da escola zombam e agridem o personagem Mano (Francisco Miguez), quando sabem que seu pai saiu de casa para viver uma relação homossexual, também é impressionante. A meninada de classe média é tão absurdamente preconceituosa a esse ponto, em pleno século XXI? E é assim tão geral esse comportamento tacanho? Custo a crer. Pelo menos não é o que registra a minha experiência de educador, trabalhando justamente com o tema da sexualidade. Preconceitos são comuns, nada excepcionais, mas a gente avança e isso é nítido nos últimos trinta anos em que testemunhei a discussão desses temas. Foi excessiva a reação do grupo de alunos porque era preciso abordar, também, a violência na escola, não é mesmo?

O professor, muito competente e adequado, vivido por Caio Blat, é demitido pela escola, a partir de rumores sem comprovação e de depoimento maldoso de um aluno enciumado. Voltará ao corpo docente, mediante abaixo-assinado dos alunos. Ora, isso mostra a fragilidade das decisões da escola. E soa um tanto inverossímil, também.

A reação da mãe de Mano, a que foi abandonada pelo marido, vivida pela ótima Denise Fraga, soa também estranha, irreal. Ela não fala, se contém, aguenta tudo, até agressões dos filhos, porque é compreensiva, inteligente, racional. E quando se emociona ou sai da linha, é na hora certa, pelas razões certas, pura cumplicidade e solidariedade com o filho sofrido.

Está tudo muito certinho. Politicamente correto . Esse é seu ponto fraco. As intenções são ótimas, os dados de pesquisa nos quais se basearam as escolhas do filme são perceptíveis e lidam com a vida real. Ou melhor, vão além, exageram. É onde o argumento perde um pouco da força. Mas, de qualquer modo, não são fantasia, escapismo ou mero entretenimento. Será que os jovens classe média das grandes cidades vão se identificar com os personagens e as vivências mostradas no filme? A conferir.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

A Riviera Não É Aqui


Tatianna Babadobulos

A RIVIERA NÃO É AQUI (Bienvenue chez les Ch'tis). França, 2008. Direção: Dany Boon. Com: Kad Merad, Dany Boon, Zoé Félix. 106 min.

Demorou um pouco para che­­­gar aqui. Filmado em 2007 e exibido na França (e na Europa, de maneira geral) em 2008 e 2009, o longa-metragem A Ri­viera Não É Aqui” chega ao Brasil em uma estreia tímida, em quatro praças. Em São Paulo, as exi­bições são ape­nas no circuito digital, ou se­ja, nos cinemas Arteplex Frei Ca­ne­ca, Es­pa­ço Unibanco Pom­péia (Shop­ping Bourbon), Cinema da Vila (rua Fradique Cou­tinho) e Cine Bombril (Cojunto Nacio­nal).

Se o Brasil não trata esta produção com entusiasmo, saiba que os franceses (por motivos óbvios, é claro) prestigiaram o filme so­bre um gerente dos Correios que é transferido para o norte do país. Isso porque a fita, que teve o or­ça­mento de 11 mi­lhões de euros, arrecadou, no fi­nal de semana de abertura, mais de 20 milhões de euros (segundo o IMDB – In­ter­net Movie Data­base). De acordo com o material de divulgação pa­ra a imprensa, o filme já rendeu na bi­lheteria mais de 180 milhões de euros naquele país e continua contabilizando. Esse foi, portanto, o filme francês de maior su­cesso de bilheteria. Talvez seja o equivalente ao nosso “Se Eu Fosse Você 2” que, embora não seja lá um gran­de filme, agradou ao pú­blico e rendeu na bilheteria.

O que mais se deve a este su­cesso é que o longa-metragem aborda as diferenças existentes den­tro do mesmo país (França), as questões culturais e, sobretudo, linguística. E em um território imenso como é a França, não po­deria ser diferente. Vide o caso do Brasil e as diferenças existentes entre as regiões Norte, Sul, Su­­deste, Centro-Oeste, Nordes­te.

Morador de Salon-de-Pro­ven­­­ce, uma cidade localizada no sul da França, Philippe Abrams (Kad Merad) é gerente dos Correios (va­le lembrar que “La Poste” também faz as ve­zes de banco), mas luta para ser transferido para a Riviera Fran­cesa, local banhado pelo mar Medi­terrâneo e considerado um dos mais belos do mundo. No entanto, sua esposa, Julie (Zoé Félix), vive em de­pressão e ele acredita que a mudança fará bem a ela e ao seu casamento. No entanto, ele mente em sua carta de transferência e coloca tudo a perder. Co­mo punição, é enviado para Ber­gues, cidade localizada ao norte da Fran­ça, em Nord-Pas-de-Ca­lais. Por conta do clima (e da fa­ma), ninguém que mora ao sul quer viver lá. A partir de então, sua vida começa a virar um inferno, pois sua esposa não pensa em ir junto.

Além do clima, existe o dialeto, o “picardo”, difícil de se en­tender e que será um dos motivos da graça. O nome original do fil­me, “Bienvenue Chez les Ch'tis”, tem a ver com a maneira como esse dialeto é conhecido lá (ch'tis).

A comédia “A Riviera Não É Aqui” é dirigida e escrita por Danny Boon, que também atua no longa-metragem. Ele é An­toine Bailleul, o carteiro que vai recepcionar o novo gerente, e in­cluí-lo no ambiente familiar. O roteiro, aliás, é bastante pessoal, uma vez que Boon é nativo da­quela região e sempre achou que as pessoas olham o local com preconceito e desdém por, principalmente, não conhecer o am­biente. O filme, então, é dedicado a sua mãe.

A câmera de Danny Boon faz um travelling, no início, pelas pelas paisagens do mediterrâneo e a abertura faz uma brincadeira pelo mapa: bem divertido.

Não bastassem as boas atuações dos atores (Kad Merad está impagável!), o público ri principalmente por conta dos trocadilhos do idioma, pelo trabalho que fazem e “enchem a cara” a convite dos moradores (principalmente para se aquecer do frio).

“A Riviera Não É Aqui” é um longa que apresenta uma evolução bem pontuada dos personagens, é humano, faz rir, mas sem ser uma comédia pastelão. Além de le­ve, sua maior virtude, po­rém, é não ser pretensioso, nem arrogante. E por isso o fil­me se torna belo e imperdível.

Em tempo: não saia do cinema antes dos créditos finais. Os erros de gravação são bem divertidos!

sábado, 10 de abril de 2010

PECADO DA CARNE




Antonio Carlos Egypto



PECADO DA CARNE (Einaym Pecauhot – Eyes Wide Open). Israel, 2009. Direção: Haim Tabakman. Com Zohar Shtrauss, Ran Danker e Isaac Sharry. 90 min.

O filme nos coloca num ambiente onde vivem judeus ortodoxos, em um bairro de Jerusalém. Os lugares são despojados, simples, os hábitos religiosos imperam, a tradição judaica reina firme e forte na sinagoga, nas casas, nas roupas, nas comidas, nas reuniões de estudos da Torah. Em tudo, afinal.

Aaron, casado, pai de quatro filhos, retoma o negócio de família, um açougue kosher, após a morte de seu pai. E, necessitando de ajuda, acaba por contratar um jovem judeu ortodoxo forasteiro, para tocar o açougue com ele. Tudo vai bem até que o envolvimento entre os dois conduz a um relacionamento homossexual. Impensável, como se pode de imediato perceber. Essa é a temática do filme de Haim Tabakman.

Habilmente, e sem pressa, ele nos põe no ambiente fundamentalista e ultraconservador onde se dará o inevitável conflito. Isso nos leva a perceber quanto uma vida regida por princípios, cheia de normas e regras, fixas e certeiras, pode ser impeditiva para uma vida livre ou prazerosa.

Tudo já está traçado, não há escolha possível, nem espaço para o desejo ou para a inovação. O peso da tradição mata a vida. As verdades absolutas aprisionam, e quanto mais detalhados forem os comportamentos por elas prescritos, tanto pior.

Mais do que um filme judaico, ou com temática gay, “Pecado da Carne” tem alcance maior, na medida em que todos os fundamentalismos religiosos se assemelham. E são fonte de opressão. É lamentável que eles estejam em alta em pleno século XXI, também entre muçulmanos, no Vaticano, entre os pentecostais, e por aí vai.

Já era tempo de se respirar ares mais limpos e libertários, dispensando dramas cinematográficos que ainda têm de se debruçar sobre pecados, intolerância, rigidez. Mas a verdade é que ainda precisamos muito desse tipo de filme. Infelizmente.