Antonio Carlos Egypto
UTOPIA E BARBÁRIE. Brasil, 2009. Roteiro e direção: Sílvio Tendler. Narração: Amir Haddad, Chico Diaz e Letícia Spiller. 120 min.
Sílvio Tendler tem em seu currículo de realizações documentários como “Os Anos JK, uma trajetória política” (1980) e “Jango – como quando e porque se depõe um Presidente da República” (1984).
Desta vez, com “Utopia e Barbárie”, o seu projeto foi muito maior e muito mais ambicioso. Ele procurou montar um painel com os eventos que tiveram maior destaque e relevo desde a Segunda Guerra Mundial, quando a perspectiva de democracia para todos parecia ter enterrado a barbárie do holocausto nazista. O confronto de ideologias, como o comunismo, o socialismo, o anarquismo e o nazi-fascismo representaram grandes ideais utópicos que, por sua vez, produziram barbáries inesperadas e inusitadas.
Basta lembrar da opressão stalinista (vide “Katyn”, o filme de Andrzej Wajda), o massacre da praça da Paz Celestial, em Pequim, o racismo da América do Norte e o apoio da grande nação pretensamente democrática às ditaduras militares da América Latina, dos anos 1970. Os exemplos são inúmeros. Assim como da tragédia da guerra podem-se reencontrar novas utopias, como os hippies e suas propostas de paz e amor, confrontando a guerra do Vietnã.
No mosaico de Tendler, a dialética está presente. Tese, antítese e síntese se alternam, mostrando ideais e valores em constante mutação, a desafiar nossas verdades. Mas o documentarista tem a sua e, não só não a esconde, como se coloca na história, tomando posição. A realidade política brasileira, evidentemente, se destaca e tem espaço privilegiado nesse painel.
É um trabalho de fôlego, que levou longos anos para ser concluído, com depoimentos de muitos personagens que viveram, testemunharam, foram protagonistas ou vítimas dessa conturbada e, ao mesmo tempo, generosa época em que vivemos. Estão lá figuras como Augusto Boal, Eduardo Galeano, o general Giap, do exército vietnamita, Fernando Solanas, Ferreira Gullar, Zé Celso Martinez, Denys Arcand, Amos Gitai, Gillo Pontecorvo, Ivan Izquierdo, Jacob Gorender, Nahum Mandel, dos kibutz israelenses, Shin Pei, Shizuo Ozawa, Yael Lerer, Leonardo Boff, Macarena Gelman, Jair Krischke, Franklin Martins, Dilma Rousseff. A lista é enorme, inclui muito mais gente do que os que citei aqui. E, evidentemente, é incompleta. Mas serve bem aos propósitos de mapear a relação entre utopia e barbárie, que se enxerga nos fatos, mas está mais nas repercussões e consequências que eles são capazes de gerar.
Quem já passou dos 50 anos e viveu atentamente este nosso tempo, da Segunda Guerra até aqui, se farta com o banquete. Mas a avalanche de imagens, informações e reflexões, ainda assim, é muito grande. Lembra um pouco aquelas retrospectivas das notícias do ano que os telejornais mostram no início do ano seguinte, só que com uma costura consistente, muito diferente deles. O que eu quero dizer é que aquilo faz sentido para quem viveu e acompanhou os fatos. Senão, você será engolido pela profusão de imagens e acabará perdendo o fio da meada.
Uma bela aula de história para os mais jovens, porém, muito difícil de processar. Talvez quando estiver em DVD, em se vendo e debatendo o material em partes, seja mesmo precioso para uso pedagógico. Vale vê-lo uma vez no cinema e voltar a vê-lo depois, detendo-se aqui e ali. É um trabalho digno de respeito e admiração, traz a história viva e nos relembra de coisas de que não podemos esquecer jamais.