Grande destaque entre as estreias desta semana nos cinemas é TABU, o filme do cineasta português Miguel Gomes. TABU já foi exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e teve crítica publicada aqui no Cinema com Recheio em outubro de 2012.
domingo, 30 de junho de 2013
sábado, 29 de junho de 2013
OS AMANTES PASSAGEIROS
Antonio
Carlos Egypto
OS AMANTES PASSAGEIROS (Los amantes pasajeros). Espanha, 2013. Roteiro e direção: Pedro Almodóvar. Com Javier Cámara, Carlos Areces, Raúl
Arévalo, Lola Dueñas, Cecília Roth, Antonio de la Torre, Penélope Cruz, Antonio
Banderas. 91 min.
Um novo filme de Pedro Almodóvar está em cartaz: “Os
amantes passageiros”. A importância do
cineasta espanhol que tem uma obra autoral muito prestigiada é motivo
suficiente para que qualquer novo trabalho dele mereça a nossa atenção. Especialmente se levarmos em conta que seu
filme anterior, “A pele que habito”, de 2011, é uma obra-prima. O problema é que se você for com essas
expectativas ao cinema vai se frustrar.
“Os amantes passageiros” é uma comédia amalucada, sem
maiores pretensões artísticas, tem um jeitão provocador que faz lembrar os
primeiros longas do diretor. Naquela
altura, anos 1980, a Espanha havia, finalmente, se livrado da ditadura de
Francisco Franco e seu moralismo ultracatólico.
Almodóvar detonava esses valores, validando com suas histórias e
personagens o sexo livre, sem obrigações ou compromissos, e a diversidade
sexual. Seu mundo transgressivo também
mostrava a presença das drogas psicoativas no cotidiano de todos , até mesmo de
um convento de freiras. Vamos parar de
ser hipócritas e encarar o mundo como ele é, era uma de suas principais
mensagens. E vamos nos libertar das
amarras que nos prendem.
Tudo isso fazia muito sentido àquela altura. Hoje, que a Espanha já virou de cabeça para
baixo tudo aquilo, o sentido é outro.
Se, naqueles tempos, era hora de festejar a liberdade, agora talvez o escracho sirva para aguentar a
crise que se abate sobre a Europa e mais diretamente sobre seu país.
A história gira em torno de um avião com problemas
num trem de pouso, que precisa ficar dando voltas sem saber aonde poderá
parar. Terá de fazer um pouso
forçado. O avião é da empresa aérea
fictícia Península. Qualquer semelhança
com os rumos, ou a falta deles, que atinge a Espanha, e também Portugal, não
será mera coincidência.
A partir daí, os personagens bizarros que voam na
classe executiva e os comissários de bordo que os atendem, mais piloto e
copiloto, revelam tudo e mais um pouco.
Com a perspectiva e possibilidade da morte, tudo pode ser dito e feito. Aí, sexo se resume a excitação sexual e cada um,
embalado por água valenciana mesclada a mescalina, vai dando um jeito de
satisfazer seus desejos sexuais mais imediatos.
Do casal em lua de mel a uma atriz pornô, passando por um homem
mulherengo que faz as mulheres enlouquecerem por sua causa e por uma virgem,
que precisa resolver o seu problema ainda nesse voo, vale tudo. Mas o que mais se destaca é a cena gay.
Os comissários são homossexuais muito afetados, caricatos. O piloto é caso de um deles e o copiloto se
diz heterossexual, mas já fez sexo oral com o piloto, supostamente, para se
testar.
.
Enquanto isso, na classe turística, todos foram
postos a dormir, inclusive as aeromoças, ao poder de um sonífero, relaxante
muscular. O povo é conduzido, não
conduz, mas pode ser usado como objeto de desejo sexual, como no caso da virgem
que, enfim, consegue o que queria.
Assim, os desejos se expressam e as situações cômicas
se sucedem. Porém, o clima já não é de
festa, remete mais ao desencanto com o rumo que as coisas tomaram. A produção barata pode ter sido uma escolha,
mas provavelmente é muito mais reflexo
da crise econômica e de suas consequências para o cinema espanhol.
O elenco almodovariano está lá: Javier Cámara,
Cecília Roth, Lola Dueñas, Carlos Areces, Raúl Arévalo e outros. Tem até Antonio Banderas e Penélope Cruz, mas
em participações especiais. Ambos atuam
apenas nos primeiros minutos, nas primeiras cenas do filme, depois
desaparecem. Há cenas inusitadas, divertidas,
estranhas. O conjunto, no entanto, é
frágil, em se tratando de um filme de Pedro Almodóvar.
quarta-feira, 26 de junho de 2013
AUGUSTINE
Antonio Carlos Egypto
AUGUSTINE
(Augustine). França, 2012.
Direção: Alice Winocour. Com
Vincent Lindon, Soko, Chiara Mastroianni.
102 min.
Jean
Martin Charcot (1825-1893), médico francês que pode ser considerado um dos
fundadores da neurologia moderna, estudava as doenças nervosas, especialmente a
histeria, no seu trabalho em Paris, em 1885, no hospital Salpêtrière, quando
apareceu o caso da jovem Augustine, de 19 anos, retratado no filme da diretora
estreante Alice Winocour.
No
final do século XIX, a histeria ainda era uma doença cujos sintomas desafiavam
a medicina, sem recursos suficientes para entendê-la ou explicá-la. O trabalho de Charcot é, por isso, muito
importante. A compreensão mais profunda
do fenômeno psíquico que dá origem à histeria só aconteceu com o trabalho
desenvolvido por Sigmund Freud (1856-1939), que foi discípulo de Charcot.
O
médico francês aplicou a hipnose na abordagem clínica da histeria, com resultados
notáveis. Por meio dela, conseguia
produzir a crise histérica e seus estranhos sintomas em pacientes, diante de
uma plateia médica. Freud acompanhou as
famosas conferências e estudos clínicos de Charcot, em que a ideia de um ou
mais eventos traumáticos estaria na origem dos sintomas. Estava preparado o terreno para a emergência
do conceito de inconsciente, que revolucionou o conhecimento médico e deu
origem à psicologia moderna.
Tudo
isso me parece importante saber para apreciar a história do caso de Augustine e
situá-la em seu contexto apropriado. Mas
o filme não se preocupa em passar essas informações. Só o que fica claro é a época, pelo que
mostram as imagens. “Augustine” se
centra no caso tratado e na relação do médico com a paciente, além de suas
repercussões na vida de um e de outra.
Uma
característica desagradável que o filme tem é a de ser escuro todo o
tempo. Podemos interpretar que isso
corresponde à situação vivida por Charcot, na época. Todos andavam tateando no escuro, em busca de
entender o fenômeno da histeria, entre outros.
Tudo ainda estava indefinido, obscuro, nesse assunto. Isso justificaria um filme tão escuro? Não acho.
O espectador comum que for ao cinema sem se informar previamente também
vai caminhar no escuro, sem entender direito o que está acontecendo. Vai faltar claridade, duplamente.
quarta-feira, 19 de junho de 2013
Um Golpe Perfeito
Tatiana Babadobulos
Um Golpe Perfeito (Gambit). Estados Unidos, 2012. Direção: Michael Hoffman. Roteiro: Ethan e Joel Coen. Com: Cameron Diaz, Colin Firth, Alan Rickman. 89 minutos
Um plano infalível: falsificar um quadro de famoso pintor francês e vendê-lo a preço de original a um colecionador. Este é o mote do longa-metragem “Um Golpe Perfeito” (“Gambit”), com direção de Michael Hoffman.
Aos olhos do falido curador de arte Harry Deane (Colin Firth), este é o caminho mais rápido para ganhar dinheiro, ou melhor, muito dinheiro. Para isso, porém, ele conta com a ajuda do falsificador, que copia as obras de pintores renomados, e com a rainha dos rodeios (Cameron Diaz, com um forte sotaque interiorano), que vive no Texas, para inventar uma história sobre a origem do tal quadro. É lá que os ingleses vão buscar a moça e fazer um teatro furado ao colecionador, aqui vivido pelo mal-humorado Lionel Shabandar (Alan Rickman).
Claude Monet, no século 19, pintou a obra “Impressão, nascer do sol”, que deu nome ao movimento que ficou conhecido como “Impressionismo”. Ao lado de outros pintores consagrados, como Edgar Degas, Édouard Manet, Vincent van Gogh, Monet costumava pintar paisagens vistas sob os mesmos ângulos, mas em horários diferentes, como início da manhã e fim da tarde, de modo que a luz incidente sobre a paisagem a torna diferente. E foi sob esse ponto de vista que ele pintou “Monte de Feno”, uma de suas séries.
Na trama, o tal colecionador possui um desses quadros e daria muito dinheiro para ter o segundo da série. Sabendo desse ponto fraco, o curador, cheio de trejeitos e bastante trapalhão, acredita que tem o plano perfeito para dar o tal golpe.
Entre piadas sem graça e muitos clichês, o espectador vai acompanhar atores brilhantes desfilando em Londres, em restaurantes chiques e hotéis de luxo, para enganar um comprador que tem muito dinheiro e nenhuma simpatia.
Com roteiro escrito pelos irmãos Joel e Ethan Coen (“Onde os Fracos Não Têm Vez”), “Um Golpe Perfeito” pode até ter a sacada para “pegar” um comprador sem noção, mas ainda ficou faltando um motivo mais surpreendente para conquistar a plateia. Um Monet pode fazer com que enormes filas se formem em frente a um museu impressionista ou até mesmo em frente a uma tela, mas não é suficiente para garantir público nesta comédia.
terça-feira, 18 de junho de 2013
A Filha do Meu Melhor Amigo
Tatiana Babadobulos
A Filha do Meu Melhor Amigo (The Oranges). Estados Unidos, 2011. Direção: Julian Farino. Roteiro:
Ian Helfer e Jay Reiss. Com: Hugh Laurie, Allison Janney, Catherine Keener, Leighton Meester e Oliver Platt. 90 minutos
Não seria novidade nenhuma uma garota de 24 anos se apaixonar por um homem que tem o dobro de sua idade. A questão é que, no caso de Nina (Leighton Meester), no filme “A Filha do Meu Melhor Amigo” (“The Oranges”), o tal homem de 50 anos é o melhor amigo do seu pai e de sua família.
Na trama, dirigida por Julian Farino em sua estreia com longas-metragens, as famílias Walling e Ostroff são vizinhas de frente na rua Oranges (daí o nome original) e compartilham da amizade há vários anos. Os homens, David (Hugh Laurie) e Terry (Oliver Platt), gostam de correr pelas ruas do bairro calmo, cujas casas não possuem muros ou portões, onde vivem em Nova Jérsei. Suas filhas, Nina e Vanessa (Alia Shawkat), já foram amigas no colégio – mas seus caminhos se tornaram diferentes com o passar dos anos.
O longa-metragem é contado sob o ponto de vista de Vanessa, filha de David. A moça é designer de móveis e, enquanto junta dinheiro para alugar um apartamento em Manhattan, trabalha em uma loja de móveis na cidade. Ela conta a história de seu pai com sua ex-amiga ao mesmo tempo que desenha incansavelmente em suas folhas os sofás e luminárias que poderiam enfeitar as vitrines das lojas mais descoladas da ilha.
Depois de cinco anos longe, Nina viaja de São Francisco para a casa dos pais a fim de comemorar o Dia de Ação de Graças – data que antecede o Natal – depois de tomar um pé na bunda do namorado. Em meio à confraternização, uma paixão desperta entre o experiente David e a sedutora Nina, já que seu casamento com a organizadora do coral da cidade já não está lá grande coisa.
O desenrolar da história é previsível e não poderia ser diferente, quando se sabe do que se trata a trama. De qualquer maneira, o jeitão sarcástico e irônico de Hugh Laurie, características que o tornaram famoso como Dr. House, na série de televisão, reforça o possível interesse para o desenrolar do filme.
Lançado em 2011, a fita estreia nesta sexta-feira, 21, no Brasil. Com tema natalino, a distribuidora perdeu o timing e resolve colocá-lo no circuito em meio aos blockbusters do verão norte-americano, como “Além da Escuridão – Star Trek”, “Universidade Monstros”, “Se Beber, Não Case! Parte III”, “Velozes e Furiosos 6”. Esse é o tipo de filme que dá pra esperar passar na “Sessão da Tarde” e ver se não tiver nada melhor que fazer.
A Filha do Meu Melhor Amigo (The Oranges). Estados Unidos, 2011. Direção: Julian Farino. Roteiro:
Ian Helfer e Jay Reiss. Com: Hugh Laurie, Allison Janney, Catherine Keener, Leighton Meester e Oliver Platt. 90 minutos
Não seria novidade nenhuma uma garota de 24 anos se apaixonar por um homem que tem o dobro de sua idade. A questão é que, no caso de Nina (Leighton Meester), no filme “A Filha do Meu Melhor Amigo” (“The Oranges”), o tal homem de 50 anos é o melhor amigo do seu pai e de sua família.
Na trama, dirigida por Julian Farino em sua estreia com longas-metragens, as famílias Walling e Ostroff são vizinhas de frente na rua Oranges (daí o nome original) e compartilham da amizade há vários anos. Os homens, David (Hugh Laurie) e Terry (Oliver Platt), gostam de correr pelas ruas do bairro calmo, cujas casas não possuem muros ou portões, onde vivem em Nova Jérsei. Suas filhas, Nina e Vanessa (Alia Shawkat), já foram amigas no colégio – mas seus caminhos se tornaram diferentes com o passar dos anos.
O longa-metragem é contado sob o ponto de vista de Vanessa, filha de David. A moça é designer de móveis e, enquanto junta dinheiro para alugar um apartamento em Manhattan, trabalha em uma loja de móveis na cidade. Ela conta a história de seu pai com sua ex-amiga ao mesmo tempo que desenha incansavelmente em suas folhas os sofás e luminárias que poderiam enfeitar as vitrines das lojas mais descoladas da ilha.
Depois de cinco anos longe, Nina viaja de São Francisco para a casa dos pais a fim de comemorar o Dia de Ação de Graças – data que antecede o Natal – depois de tomar um pé na bunda do namorado. Em meio à confraternização, uma paixão desperta entre o experiente David e a sedutora Nina, já que seu casamento com a organizadora do coral da cidade já não está lá grande coisa.
O desenrolar da história é previsível e não poderia ser diferente, quando se sabe do que se trata a trama. De qualquer maneira, o jeitão sarcástico e irônico de Hugh Laurie, características que o tornaram famoso como Dr. House, na série de televisão, reforça o possível interesse para o desenrolar do filme.
Lançado em 2011, a fita estreia nesta sexta-feira, 21, no Brasil. Com tema natalino, a distribuidora perdeu o timing e resolve colocá-lo no circuito em meio aos blockbusters do verão norte-americano, como “Além da Escuridão – Star Trek”, “Universidade Monstros”, “Se Beber, Não Case! Parte III”, “Velozes e Furiosos 6”. Esse é o tipo de filme que dá pra esperar passar na “Sessão da Tarde” e ver se não tiver nada melhor que fazer.
domingo, 16 de junho de 2013
ALÉM DO ARCO-ÍRIS
- Antonio Carlos Egypto
ALÉM DO ARCO-ÍRIS (Au Bout du Conte). França, 1012. Direção: Agnès Jaoui. Com
Agathe Bonitzer, Arthur Dupont, Valérie Crouzet, Jean-Pierre Bacri, Agnès
Jaoui. 112 min.
“Além do Arco-Íris” é uma comédia
fabular. Para começar, porque Laura
(Agathe Bonitzer), aos 24 anos de idade, ainda está em busca de seu príncipe
encantado. Ela acredita que o encontrou,
quando, numa festa, o nota à frente de uma estátua de um anjo apontando para
ele, o que liga a situação a um sonho que ela teve. Ela acredita nos sinais e no destino.
Ele é Sandro (Arthur Dupont),
músico e compositor de música erudita, muito inseguro a respeito de si
mesmo. Toda noite ele vai buscar a mãe
de moto. Ela sai tarde do trabalho e tem
medo de ser assaltada. Nessa festa, em
que se envolve com Laura, ele atrasa esse compromisso e sai correndo, à
meia-noite. No caminho, perde um sapato.
O pai de Sandro é Pierre
(Jean-Pierre Bacri), um homem cético, que não crê em nada. Porém, há quarenta anos, uma vidente
vaticinou que ele morreria no dia 14 de março do ano em que estamos agora. Como esquecer esse vaticínio e lidar com
ele? Haja cetismo! Ele também não aguenta crianças. Acha que elas são um estorvo, incomodam.
Marianne (Agnès Jaoui) trabalha
com crianças, monta peças infantis com base em fábulas. Entra em contato com Pierre porque, apesar de
ter carro e carta, não tem coragem de dirigir.
Assim, questões cotidianas do nosso século XXI se mesclam a contextos de fábulas que fazem parte do nosso inconsciente coletivo. O tom do filme lembra as pequenas surpresas da vida de todos e as excentricidades que marcam os personagens de filmes recentes de Alain Resnais. A atriz e diretora Agnès Jaoui trabalhou com ele, teve roteiros filmados pelo grande diretor do cinema francês. E aprendeu. O filme tem uma leveza encantadora. Não tem a mesma profundidade, mas aí já seria pedir demais.
No cinema de Agnès Jaoui, há
sempre espaço para refletir em meio aos sorrisos e risadas a que as situações
colocadas nos impelem. Nada parece ter gravidade,
aparentemente. Mas também nada é bobo ou
gratuito. Nessa narrativa, a fábula se
insere no realismo e dialoga com ele. Na
realidade, o realismo leva a melhor. A
fábula até poderia ter mais força. De
qualquer modo, ela dá um colorido interessante às situações.
Sobre o cinema da diretora,
Jaoui, veja também o texto postado no cinema
com recheio, em julho de 2009:
“Agnès Jaoui e Enquanto o Sol Não Vem”.
Desde o seu início auspicioso, em “O Gosto dos Outros”, de 2001, ela tem
dialogado consistentemente com os relacionamentos contemporâneos do pessoal da
classe média, mais ou menos sofisticada ou culturalmente refinada. Continua focada por aí. Fala do que sabe, vive e observa, nesse
estrato social. Faz um bom trabalho.
segunda-feira, 10 de junho de 2013
O COMANDANTE E A CEGONHA
Antonio Carlos Egypto
O
COMANDANTE E A CEGONHA (Il Comandante e
la Cicogna). Suíça/Itália, 2012.
Direção: Silvio Soldini. Com Valerio
Mastandrea, Alba Rohrwacher, Giuseppe Battiston, Claudia Gerini, Luca
Zingaretti. 108 min.
Do
alto da praça que o homenageia, o comandante Giuseppe Garibaldi (1807-1882), na
forma de estátua equestre, observa o que se passa e pensa sobre a Itália de
hoje, a perda de valores, se questiona sobre o patriotismo e se valeu a pena a
unificação do país. Outras estátuas
importantes, como as de Verdi e Leopardi, também vão entrar na história.
Um
garoto de 13 anos faz perguntas desconcertantes e vive arrumando cabeças de
peixe e rãs para oferecer a uma cegonha, que é sua amiga. Ou, seria melhor dizer, sua propriedade? O fato é que ele fala com ela, a chama por
meio de um apito e ela obedece.
Acostumado a contar sempre com ela, um belo dia, quando a cegonha some
em direção à Suíça, ele terá de ir atrás dela.
Pelo
que contei até aqui, já dá para entender o título do filme “O Comandante e a
Cegonha”. E por que a cegonha vai em
direção à Suíça? É curioso que um cineasta como Silvio Soldini, que nasceu em
Milão e é reconhecido por filmes marcadamente italianos, seja uma das atrações
da Mostra de Cinema Suíço que acontece em São Paulo. A história desse filme, como se vê, é
igualmente italiana, já a produção é também suíça. Daí o destino da cegonha. Aliás, Soldini tem dupla cidadania, é suíço
também.
“O
Comandante e a Cegonha” é uma comédia surrealista que tem vários outros
personagens e situações estranhos. Mas
se vale do surreal para refletir o real.
No caso, a crise europeia e, sobretudo, uma decadência que coloca a
Itália virtualmente fora do pretendido Primeiro Mundo a que ela pensava
pertencer.
O
que parece estranho acaba sendo, na verdade, muito conhecido. Trata-se de fraudes, falcatruas, jogadas
suspeitas, corrupção. Além disso,
virações que lembram o jeitinho brasileiro de acomodar as coisas.
Há
a adolescente, cujo vídeo postado on line
mostra uma felação com o namorado. O
pai, mecânico, tem de lidar com isso, com o filho e sua cegonha e com um
advogado que, em troca de livrar a jovem do pesadelo na Internet, quer que ele
assine a compra de um imóvel em seu lugar.
Há
também uma artista que não recebeu pelo trabalho realizado e vai atrás do mesmo
advogado, já que não consegue pagar o aluguel.
O dono da casa que ela aluga não trabalha e é amigo do menino e,
portanto, também da cegonha. Como se vê, no meio de toda essa parafernália de
personagens improváveis, há uma realidade bem concreta que está sendo exposta.
Silvio
Soldini, como de costume, realiza um bom trabalho nessa comédia um tanto
bizarra, que flui bem e tem criatividade e originalidade. Tem também um elenco muito adequado, tanto
pelos tipos físicos, quanto pelas interpretações. Não espere rir às gargalhadas, não é o
caso. Essa é uma daquelas comédias em
que os sorrisos e as risadas trazem consigo a necessidade de pensar sobre um
assunto, que é sério. Diverte, é claro,
mas vai além disso.
sexta-feira, 7 de junho de 2013
O GRANDE GATSBY
Antonio Carlos Egypto
O
GRANDE GATSBY (The Great Gatsby). Estados Unidos, 2012. Direção: Baz Luhrmann. Com Leonardo DiCaprio, Tobey Maguire, Carey
Mulligan, Joel Edgerton, Isla Fisher.
142 min.
A nova versão cinematográfica de “O Grande Gatsby”,
com base no romance de F. Scott Fitzgerald, tem alguns apelos importantes para
o grande público. É uma superprodução
que recria os anos 1920 nos Estados Unidos da América, com muito charme. É um filme animado, agitado,
movimentado. Tem versão em 3D, para
ampliar o impacto da produção. Tem o
astro Leonardo DiCaprio encabeçando um bom elenco. Será lançado em grande número de salas, com
uma propaganda em larga escala, como acontece com os blockbusters em geral. Sucesso previsível, portanto.
A trama, que é muito boa, envolve o jovem escritor e
agente da Bolsa de Valores Nick (Tobey Maguire), de vida modesta, num
relacionamento com o milionário Gatsby (Leonardo DiCaprio), por estar na sua
vizinhança, em busca de êxito, e porque sua prima Daisy (Carey Mulligan) é o
amor obsessivo e complicado de Gatsby.
Tudo isso, no entanto, não chega a fazer dele um bom
filme, a meu ver. A direção de Baz
Luhrmann é excessivamente agitada e exagerada, para uma narrativa que prioriza
os relacionamentos humanos, os amores, a força e as ilusões do poder e trata de
questões sensíveis e profundas nos sentimentos dos personagens. O cineasta está
mais interessado em destacar as festas na mansão de Gatsby, que parecem um
autêntico evento midiático dos nossos dias, e congregam multidões. As danças, as roupas, o jazz resplandescente,
o mundo dos milionários e o clima de esplendor da época que antecedeu à crise
de 1929, aparecem mais do que os desejos humanos que movem a trama. A câmera frenética do diretor movimenta a
cena, mas não destaca o que é mais importante na história. É inevitável a sensação de vazio. É bonito, mas não tem substância.
A espetacularização é uma característica inapropriada
para o romance retratado. Não chega a
surpreender, porém, que este tenha sido o caminho adotado pelo cineasta
australiano Baz Luhrmann, já que essa é uma característica do seu trabalho. Se em 1992, o seu “Vem Dançar Comigo”
(“Strictly Ballroom”) entusiasmou, foi porque o tema da competição na dança de
salão, com muita coreografia e exibicionismo, combinava com seu jeito de
filmar. Já o seu “Romeu + Julieta”, de
1996, naufragou no exagero e na completa inadequação do texto shakespeariano
aos tiroteios contemporâneos. Era um
equívoco, mas fez sucesso com a garotada.
“Moulin Rouge – Amor em vermelho”, de 2001, também não decola, apesar de
musical. Agitação nunca falta,
sensibilidade, sim.
Há muita gente que curte como diversão e não se
incomoda com esse tipo de cinema raso, embora pomposamente elegante. Na minha opinião, é muita onda para pouco
resultado.
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quinta-feira, 6 de junho de 2013
O Grande Gatsby
Tatiana Babadobulos
O Grande Gatsby (The Great Gatsby). Estados Unidos, 2013. Direção: Baz Luhrmann. Roteiro: Baz Luhrmann e Craig Pearce baseado no livro de F. Scott Fitzgerald.Com: Leonardo DiCaprio, Joel Edgerton, Tobey Maguire, Carey Mulligan. 142 minutos
Ambientado nos anos 1920, "O Grande Gatsby" ("The Great Gatsby") chega aos cinemas cheio de pompas para contar a história escrita por F. Scott Fitzgerald em 1925. Lustres gigantes de cristais enfeitam a sala onde são realizadas as festas memoráveis do ricaço que dá nome ao filme, aqui vivido por Leonardo DiCaprio ("Django Livre"). Há ainda as roupas assinadas por estilistas famosos e joias de grife. Tudo perfeito para encher os olhos do espectador que pode escolher a sessão em 2D e 3D.
Na trama, contada a maior parte sob o olhar do aspirante a escritor Nick Carraway (Tobey Maguire, de "Homem-Aranha 3"), Jay Gatsby é um excêntrico homem de negócios que muda de casa para admirar de perto sua amada Daisy (Carey Mulligan, de "Educação"). Para tanto, compra uma casa na mesma direção onde ela vive com o marido, o ex-jogador de polo Tom Buchanan (Joel Edgerton). E realiza festas, muitas festas para a high society, mas quase nunca aparece. Quer apenas a casa cheia. Com segundas intenções, convida o vizinho Nick para a festa.
As músicas escolhidas para a trilha sonora misturam temas atuais e jazz da época, tal como fez Sofia Coppola em "Maria Antonieta". Misturar Beyoncé, Fergie e Florence + The Machine com o jazz da época mostra à plateia a visão do diretor australiano Baz Luhrmann ("Moulin Rouge" e "Austrália") sobre o que era a balada dos anos 1920 e isso enriquece.
"O Grande Gatsby" desperdiça a chance de aproveitar o excelente elenco para contar uma boa história, quando apresenta um roteiro cheio de narrações em off. O recurso dispersa o espectador em meio a tanta ladainha. Aqui não vale nem comparar o romance original, já que ele próprio tinha problemas cronológicos, por exemplo. É de boa história bem contada que o cinema precisa. Verniz e inovações tecnológicas há em números a perder de vista a cada semana nos cinemas do mundo todo.
domingo, 2 de junho de 2013
ERA UMA VEZ EM ANATÓLIA
Antonio Carlos Egypto
ERA UMA VEZ EM ANATÓLIA (Bir ZamanlarAnadalu’da). Turquia, 2011. Direção: Nuri Bilge Ceylan. Com Muhammet Uzuner, Ylmaz Endogan, Taner Birsel. 150 min.
Um homem foi assassinado e
enterrado em algum ponto das estepes da região de Anatólia, na Turquia. Autoridades percorrem esse amplo espaço ao
lado de dois suspeitos do crime, com vistas a resgatar o corpo. Um deles, Kenan, parece ser o criminoso confesso,
pelo que revelam suas atitudes e as exigências das autoridades em relação a
ele. Policiais, coveiros, um promotor
público e o médico legista, ao lado dos criminosos, em três carros, circulam
pela região, chegando a varar a noite e a madrugada com o objetivo desse
resgate.
O problema é que o sítio
geográfico percorrido é monotonamente repetitivo e as referências do local em
que o corpo foi enterrado são apenas a proximidade de uma fonte e de uma árvore
redonda. Fontes e árvores há muitas por
lá e a paisagem bege amarelada dá o tom de um vasto e quase interminável
caminho, cortado por longas estradas de terra. Além disso, o suspeito estava
alcoolizado e não se lembra bem do ocorrido.
Esse é o fio condutor da
história, que deverá revelar um enigma e, como descobriremos depois, um outro
enigma tão importante quanto esse. As
revelações mostram realidades incômodas de serem encaradas e, para chegarmos
até elas, muito tempo passará.
Ceylan mostra, por meio de belos planos gerais, a
geografia da Anatólia e faz das luzes dos carros andando à noite um espetáculo
visual muito caprichado. E, sem pressa,
vai nos mostrando os comportamentos dos personagens na sua humanidade cotidiana
e nas suas necessidades mais básicas, como ter de parar para urinar ou comer em
plena madrugada, por exemplo.
Mas não fique esperando pelo desfecho da
história. Ele virá a seu tempo. Enquanto isso, vale a pena desfrutar, tanto
da beleza plástica do filme, quanto dos diálogos e atitudes aparentemente
banais, que vão revelando as figuras envolvidas no desvelar do crime.
É um belo filme, que dividiu com o excelente “O
Garoto da Bicicleta”, dos irmãos Dardenne, os louros do Festival de Cannes de
2011. E que só agora é lançado nos
cinemas. Em São Paulo, apenas no
Cinesesc. Claro que é um filme para
poucos, já que ele subverte a narrativa clássica e as expectativas. Mas é justamente esse um dos maiores méritos
da película. Quando o público tem a
oportunidade de conferir produções como essa, com o tempo necessário para
descobri-la, alguns filmes se consagram ou se tornam cults. Mas o mercado
exibidor tende a ignorá-los ou lançá-los de modo tímido ou inadequado. E assim muitos acabam simplesmente
desconhecidos do público que poderia apreciá-los.
O diretor turco Nuri Bilge Ceylan já é conhecido
pelos frequentadores de cinemas por filmes como “Três Macacos”, de 2008, e
“Climas”, de 2006. “Distante”, de 2002,
só foi exibido em mostras especiais. É
um filme com muito apuro visual. Gosto
muito de “Climas”, um filme que remete ao cinema de Antonioni, mas creio que
“Era Uma Vez na Anatólia” seja um trabalho superior, tanto pela consistência,
quanto pela elaboração visual.
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