segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

JÁ QUE TODO MUNDO FALA DO OSCAR...


Antonio Carlos Egypto

O Oscar 2019 reconheceu que ROMA foi o melhor filme do ano.  Mas não passou recibo.  Ganhou as estatuetas de melhor filme estrangeiro, melhor diretor e melhor fotografia.  E Alfonso Cuarón subiu ao palco três vezes, para desfrutar dessa premiação.  Se desse a ele também o que seria o justo prêmio de melhor filme, estaria tendo de reconhecer o primeiro vencedor em língua não inglesa da história (o filme é falado em espanhol) e, pior, daria à Netlix um destaque exagerado.  Cinema em casa também é cinema.  Pero, no es lo mismo!


ROMA


Eu esperava que o melhor filme fosse, então, INFILTRADO NA KLAN, de Spike Lee, que já havia recebido a estatueta por roteiro adaptado.  Mas não, coube a GREEN BOOK: O GUIA a escolha.  Um filme que aborda a questão racial no sul dos Estados Unidos, nos anos 1960, e que trata de uma amizade que se constrói superando o preconceito.  Mas é um trabalho convencional e bem menos criativo ou incisivo do que INFILTRADO NA KLAN.  Este, sim, um filme mais forte na abordagem da questão racial.  E mais atual, também.  Notícias dão conta de que Spike Lee ficou contrariado e manifestou isso.  Ele tem razão, ficou um prêmio morno, sem a necessária audácia.  GREEN BOOK: O GUIA ainda levou os prêmios de roteiro original e ator coadjuvante, merecidamente destinado a Mahershala Ali. 


GREEN BOOK


BOHEMIAN RAPSODY conquistou os prêmios de melhor ator para Rami Malek e os ligados à edição e ao som.  A melhor canção, “Shallow”, foi para Lady Gaga, de NASCE UMA ESTRELA e a trilha sonora original, para PANTERA NEGRA, que faturou também figurino e direção de arte.

A FAVORITA levou melhor atriz para a muito boa Olivia Colman, que surpreendeu passando à frente de Glenn Close.  Mas o filme ficou por aí.  E VICE ganhou só maquiagem e penteado.

A atriz coadjuvante Regina King, de SE A RUA BEALE FALASSE, ganhou a estatueta, mesmo não estando entre os oito indicados de melhor filme.  Willem Dafoe também concorria por um filme não indicado, NO PORTAL DA ETERNIDADE, muito bom, por sinal, e um grande desempenho, mas não foi agraciado.

Há que se valorizar a força negra do Oscar neste ano e a presença firme das mulheres, ainda que nos prêmios principais, vinculados a melhor filme, não tenham sido indicadas como diretoras.  Elas levaram 15 prêmios, entre eles, direção de documentários e curtas.





quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

DE MENINO E DE CORVOS

Antonio Carlos Egypto



QUERIDO MENINO (Beautiful Boy).  Estados Unidos, 2018.  Direção: Felix Van Groeningen.  Com Steve Carell, Timothée Chalamet, Maura Tierney, Amy Ryan.  111 min.




Se há um adjetivo que cabe para o filme “Querido Menino”, dirigido por Felix Van Groeningen, é honesto.  É um trabalho que foca na dependência química de drogas na adolescência, a partir do livro de memórias de um pai, que viveu esse drama, e também do livro do filho, que foi o protagonista da situação. O fato de combinar duas narrativas complementares, a do pai, David Sheff, e a do filho, Nic Sheff, cria algum ruído na comunicação.  No entanto, a combinação das duas visões torna o problema exposto muito autêntico, verdadeiro.

A trajetória do pai, sempre muito presente na vida do filho, que acaba por desconhecê-lo e de não ser mais capaz de ajudá-lo, gerando uma angústia brutal, é algo vivido intensamente pelos familiares do dependente.  No filme, a mãe e os irmãos sofrem igualmente.  Não há quem possa ficar ileso à situação.  Pode contribuir, porém, entender a droga, o prazer que ela traz e a consequente busca permanente por maiores doses, tentando desfrutar de novo daquele prazer inicial.

Entender de que droga se está falando é igualmente importante.  No caso, o que dominava era a metanfetamina, que acabou sendo a responsável pelos maiores estragos na vida do jovem.  Mas ele passou por quase todas as drogas disponíveis, na busca desse prazer.  E depois, para não ter de viver a dor, o desprazer da síndrome de abstinência, na ausência da droga.  É isso que acaba produzindo uma ciranda interminável de consumo de psicoativos, indo de um a outro, dependendo das circunstâncias de vida, das necessidades do momento e da disponibilidade dos produtos.




Percebe-se como tudo isso é misterioso, tanto para o consumidor, quanto para os que o veem de fora.  Como é possível a um pai esclarecido, de ótimo nível educacional e intelectual, desconhecer essa ciranda toda, a ponto de só agir quando a coisa já passou dos limites?  Como é possível que um jovem experimente de tudo, no impulso, sem nunca usar sua inteligência e capacidade de discernimento para tentar algum controle sobre a situação?  Como é difícil ajudar assim, e mais: como é difícil que o dependente admita que precisa de apoio, tanto das pessoas próximas quanto de especialistas.

Todas essas questões “Querido Menino” suscita e, nesse sentido, é um filme que colabora bastante para que se conheça melhor o problema.  O que ajuda, também, é o tom adotado na trama.  Optou-se pela intensidade dramática baixa, apesar da gravidade do assunto. Isso produz reflexão.  Há momentos em que o envolvimento emocional nubla a possibilidade de compreensão.  Dois ótimos atores, Steve Carell, o pai, e Timothée Chalamet, o filho, com seus desempenhos precisos e contidos, trazem para o espectador a verdadeira dimensão do problema.

Sem desespero, escândalo ou apelo melodramático, tudo fica mais claro e a porta de saída parece finalmente se abrir.  Essa é a realidade da maioria dos casos dos que não sucumbiram diante da vida e sobreviveram a esse pesadelo.  É dificílimo e demorado.  Mas é possível.  “Querido Menino” trilha esse caminho mais equilibrado enquanto cinema e faz um trabalho relevante.  E honesto.

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LEMBRO MAIS DOS CORVOS. Brasil, 2018.  Direção: Gustavo Vinagre.  Com Júlia Katharine. Documentário.  82 min.

“Lembro Mais dos Corvos” é um documentário em forma de monólogo, estimulado por perguntas, realizado da forma mais simples possível.  Uma conversa filmada no apartamento de uma pessoa trans.  No caso, a atriz e diretora Júlia Katharine.  Ela vai falando de si, dirigida por Gustavo Vinagre, num roteiro construido pelos dois.  Conta as suas experiências, suas histórias, e como ela preenche suas noites de insônia.  O que resulta daí é um retrato corajoso da vida difícil dos transexuais, dos transgêneros, a partir de uma situação particular.  Que deve ter muito a ver com a de grande parte de seus pares. 




O filme é uma oportunidade de penetrar no mundo íntimo de alguém que se apresenta ao espectador com uma experiência de vida bem diferente da habitual, da esperada.  Sem medo de parecer ridícula, superficial ou esquisita.  Ou melhor, driblando esse medo de modo muito competente, Júlia se expõe e conquista o respeito dos que a assistem.

Na mesma sessão que exibe “Lembro Mais dos Corvos”, de 82 minutos de duração, é exibido o curta de 25 minutos “Tea for Two”.  Realizado por Júlia Katharine, com Gilda Nomacce, a própria Júlia e Amanda Lyra.  Uma ficção concebida e dirigida por uma pessoa trans não deixa de ser uma boa novidade no cinema brasileiro.  Merece ser conferida.



terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

DOGMAN

Antonio Carlos Egypto





DOGMAN (Dogman).  Itália, 2018.  Direção: Matteo Garrone.  Com Marcello Fonte, Edoardo Pesce, Nunzia Schiano, Adamo Dionisi, Francesco Acquaroli.  102 min.


“Dogman”, o novo filme de Matteo Garrone (de “Gomorra”, 2008), não é fácil de se ver.  É tenso, sofrido, violento, passa-se numa ambientação feia, suja.  As escolhas estéticas não visam a produzir belezas, embora haja belas tomadas cinematográficas.  A intenção é nos colocar numa vida dos infernos, em que predominam a opressão e a impotência.

Como o filme é contado do ponto de vista de Marcelo (Marcello Fonte), o Dogman do título, e ele é o homem pequeno e gentil que é oprimido, o que vivemos junto com ele é a impotência.  E por mais pacíficos que sejamos, torcemos pela vingança.  Nas condições apresentadas, aparentemente não há outro caminho possível.  O que é complicado e, até certo ponto, assustador.  Quem quer que se coloque a favor da justiça pelas próprias mãos está rejeitando o caminho da democracia e da lei.  Convalidando a barbárie, portanto.

Em “Dogman”, estamos na periferia suspensa entre a metrópole e o deserto, em que a lei do mais forte predomina.  Marcelo tem uma oficina de higiene e beleza para cães e está em contato harmônico com sua comunidade pobre e sem perspectivas naquele beco do mundo.  A opressão que ele sofre se expressa por meio do personagem Simoncino (Edoardo Pesce), um brutamontes, ex-boxeador, que aterroriza todo o bairro, mas coloca Marcelo nas piores situações à base da intimidação e da força.  Marcelo está acomodado nessa situação absurda, a ponto de até proteger ou cuidar dos ferimentos de seu algoz.  Mas tudo só se agrava, a explosão da bestialidade humana acontece.  E, consequentemente, a vingança inspirada nos cães presos nas gaiolas.




Em um contexto em que a simples sobrevivência envolve riscos tão altos e escolhas muito complicadas de se fazer, realmente o que fica é a sensação de impotência. Quando tal sentimento prevalece, é fácil aprovar o caminho da violência como solução, quando, na verdade, ela é sempre um problema a mais.

O diretor Matteo Garrone tem firmeza e intensidade nesse trabalho, que conta com um ator excepcional, como Marcello Fonte, merecidamente premiado em festivais.  Seu desempenho nos faz ficar em suspenso durante toda a projeção, atentos aos menores movimentos e expressões do personagem, sofrendo com ele e torcendo por ele.

“Dogman” exige muito do espectador, mas tem muito a dar, também.  Encarar uma realidade tão dura, insuportável, nos obriga a refletir sobre ela e a ter um posicionamento consistente diante do que a vida pode nos apresentar, gostemos disso ou não.




domingo, 17 de fevereiro de 2019

MINHA FAMA DE MAU

Antonio Carlos Egypto





MINHA FAMA DE MAU.  Brasil, 2017.  Direção: Lui Farias.  Com Chay Suede, Gabriel Leone, Malu Rodrigues, Bruno Luca, Bianca Comparato.  116 min.


Erasmo Carlos, roqueiro e romântico, cantor e compositor, foi um dos pilares da Jovem Guarda, um megasucesso televisivo dos anos 1960, que se tornou um movimento de música jovem brasileira, sempre relembrado desde então.  Roberto Carlos, o amigo e parceiro de Erasmo, manteve-se em alta sempre, mudando estilo, prioridades e público.  Wanderléa, o terceiro pilar da Jovem Guarda, e Erasmo Carlos não conseguiram o mesmo resultado, mas são lembrados por seu pioneirismo que conseguiu incorporar o  rock, então nascente, à música brasileira, compondo, vertendo e cantando em português (antes deles houve Celly Campello).  Eles comandaram um time de artistas jovens, que se tornaram ídolos da brotolândia, como se dizia na época.

Erasmo manteve uma carreira mais discreta como cantor, ao longo do tempo, mas dividindo com Roberto a grande maioria das composições que este lançava ao sucesso.  Como acontece até hoje.

“Minha Fama de Mau”, o filme de Lui Farias, é uma adaptação do livro escrito por Erasmo Carlos, contando parte de sua vida e carreira, da juventude pobre na Tijuca, vivendo em casa de cômodos, o popular cortiço, ao sucesso retumbante da Jovem Guarda e o posterior declínio.  Passa pelo tempo do conjunto The Snakes  e pelo conhecimento de Tião, depois Tim Maia, que lhe ensinou três acordes no violão, que lhe valeram muito, e também pelo período de afastamento de Roberto Carlos e a retomada da amizade e da parceria.

Lá estão as muitas mulheres que passaram pela vida dele, inclusive a esposa Narinha.  O filme optou por escolher uma única atriz para representar todas elas, Bianca Comparato.  Uma opção interessante que, na prática, nivela as parceiras amorosas e sexuais por baixo.  Todas valem pouco, pelo menos, até o aparecimento de Narinha.  É o que deve ter sido captado pelos roteiristas Lui Farias, L. G. Bayão e Letícia Mey, do texto original, suponho.

O filme é contado na primeira pessoa, é a visão de Erasmo Carlos sobre sua vida e carreira.  O personagem chega a falar diretamente para a câmera, ou seja, contar para o público o que se passava ou o que era sentido por ele.




O ator protagonista é Chay Suede, que não se parece fisicamente com Erasmo, mas convence pela entrega ao papel e porque canta bem as canções que marcaram o Tremendão.  Gabriel Leone, que faz Roberto, e Malu Rodrigues, que faz Wanderléa, também cantam bem e compõem um bom elenco, assim como Bruno Luca, que faz Carlos Imperial, o empresário pilantra e pretensioso que, de qualquer modo, abriu muitas portas para Erasmo.

O filme tem uma boa caracterização de época, incluindo signos muito claros da Jovem Guarda, como ambientes, vestuário, cartazes, instrumentos.  Tem também achados interessantes, como a interação entre a interpretação de hoje e as imagens da plateia da época.  Os elementos políticos da ditadura militar estão ausentes, mas estavam também ausentes na visão dos brotos e desses ídolos, no período.

Algum tempo atrás, vi uma entrevista com Erasmo Carlos, em que ele dizia que estava na hora de se mostrar novamente.  E contava que sua neta, na escola, informava as amiguinhas que Erasmo era amigo e parceiro de Roberto Carlos e muito famoso, mas elas relutavam em acreditar.  As gerações passam e a história pode se perder.  Daí a importância de filmes como “Minha Fama de Mau”.


A MORTE NÃO DÁ TRÉGUA EM 2019

Começou por tragédias evitáveis, vinculadas ao lucro desmedido, que vitimaram centenas de vidas em Brumadinho, jovens talentos futebolísticos no Flamengo e o brilhante jornalista Ricardo Boechat.  Sem falar da mortandade diária que acomete o Rio, Fortaleza e todo o país.

De modo mais natural e tranquilo, a morte nos levou a magnífica Bibi Ferreira, dama dos palcos, aos 96 anos.  No cinema, perde-se um músico espetacular, como Michel Legrand, autor de algumas das mais belas trilhas cinematográficas, e o grande ator suíço, Bruno Ganz, que participou de um grande número de produções europeias de qualidade, ao longo de uma carreira notável.  Perdas irreparáveis.


terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

NO PORTAL DA ETERNIDADE

Antonio Carlos Egypto





NO PORTAL DA ETERNIDADE (At Eternity Gate).  Reino Unido/França, 2018.  Direção: Julian Schnabel.  Com Willem Dafoe, Mads Mikkelsen, Emmanuelle Seigner, Rupert Friend, Oscar Isaac, Mathieu Amalric.  111 min.


A obra pictórica de Vincent Van Gogh (1853-1890) é impressionante, revolucionou a pintura, se tornou uma quase unanimidade ao longo do tempo.  Foi praticamente ignorada, porém, enquanto ele estava vivo.  Recebeu algum reconhecimento crítico, mas nenhum êxito econômico.  Consta que, apesar dos esforços do dedicado irmão Theo, nem um único quadro foi vendido até sua morte.

Isso já é suficiente para despertar o interesse pelo personagem, mas sua vida solitária, desencontrada, com lances de loucura, como o corte da orelha, dificuldades no convívio, rejeição da comunidade, sombras sobre a sua morte, tornam tudo mais misterioso e sedutor.




Não por acaso, o cinema dedicou vários filmes importantes a Van Gogh, começando por um curta de Alain Resnais, de 1948, passando por “Sede de Viver”, de Vincent Minnelli, de 1956, com Kirk Douglas vivendo o pintor.  Mais dois filmes praticamente simultâneos, “Vincent & Theo”, de Robert Altman, protagonizado por Tim Roth, em 1990, e o ótimo “Van Gogh”, de Maurice Pialat, com Jacques Dutronc, no papel principal, em 1991.  Em 2017, uma animação adulta com as obras e o final da vida do pintor, fez sucesso nos cinemas: “Com Amor, Van Gogh”, de Dorota Kobiela e Hugh Weichman. 

Agora, é o diretor estadunidense, e também pintor, Julian Schnabel quem volta ao personagem, em outro belo filme sobre o período final da vida de Van Gogh, “No Portal da Eternidade”.  O mistério dessa vida aqui vai ser explorado não só na beleza de suas obras, mas na natureza, tão essencial à sua pintura, mostrada com exuberância e sofisticação visual.




Buscará também uma reflexão sobre a relação da obra com o criador, o significado da arte, a determinação quase impositiva do talento criativo.  Algo que tem de se expressar de forma borbulhante, explosiva, que não tem como ser contido.  Que seria isso, afinal?  Dom, destino, missão, loucura?

Willem Dafoe faz o personagem com grande força interpretativa e alcançando uma similaridade com a figura conhecida do pintor, que impressiona.  Tanto que concorre, uma vez mais, ao Oscar de ator.  Tem chance de levar.

O elenco é todo cheio de talentos conhecidos.  São intérpretes experientes, que dão suporte consistente à narrativa de Schnabel, que já dirigiu “O Escafandro e a Borboleta”, um êxito de 2007, e outro filme sobre um pintor, “Basquiat – Traços de uma Vida”, de 1996. 







quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

VICE + OSCAR 2019

Antonio Carlos Egypto


VICE (Vice).  Estados Unidos, 2018.  Direção e roteiro: Adam McKay.  Com Christian Bale, Emy Adams, Steve Carrel, Sam Rockwell.  132 min.

Após os ataques terroristas sofridos pelos Estados Unidos, em 11 de setembro de 2001, o país entrou em estado de guerra.  Mas guerra contra quem?  Pesquisas indicavam que grande parte da população só entendia a  guerra contra algum país.  Era preciso nomear o inimigo.  Simples.  O vice Dick Cheney teria decidido eleger o Iraque de Saddam Hussein para invadir, criando a mentira das armas de destruição químicas que lá existiriam.  Uma escolha fácil de ser aprovada pelo presidente George W. Bush, ainda mais com a cobiça por tanto petróleo.  Ninguém se importando com a democracia, muito menos com o respeito aos princípios de não-intervenção, nem com as vidas humanas aí envolvidas.


VICE

Essa é uma das muitas sequências de “Vice”, escrito e dirigido por Adam McKay.  Por meio dela, pode-se sentir por onde andará o filme que pretendeu fazer uma cinebiografia de um político abominável, poderoso e controverso, como Dick Cheney.  O tom é satírico, irônico, às vezes dramático, às vezes cômico.  Mas, na verdade, trágico, porque o que estava envolvido na política norte-americana e mundial daquele período não era outra coisa.  E não melhorou nada, diga-se de passagem.

Sabemos nós muito bem da importância que pode ter um vice-presidente na história da República.  É só lembrar de João Goulart, José Sarney, Itamar Franco, Michel Temer.  E Dick Cheney jamais se queixaria de ser um vice decorativo.  Ele negociou sua entrada na chapa de Bush, desde o primeiro momento, garantindo amplos poderes.  E, segundo o filme, dominou o governo e o presidente, deixando um legado lamentável.  Lembra os seus dias de fracasso e alcoolismo, antes de encontrar seu caminho na política.  O que foi feito de forma fortuita e pragmática, nem de leve sustentado por eventuais bandeiras ideológicas do Partido Republicano.  Não lhe faltaram mestres nessa cultura do cinismo e do interesse próprio.  Mas, muitas vezes, os alunos superam seus mestres.

Christian Bale está muito bem, quase irreconhecível, como Dick Cheney, em diferentes épocas da vida do personagem.  Já levou o Globo de Ouro como melhor ator (comédia ou musical) e está cotado para o Oscar 2019.  O filme tem, no total, 8 indicações.  Não é o meu favorito.  “Roma”, de Alfonso Cuarón, e “Infiltrado na Klan”, de Spike Lee, têm muito mais méritos, mas quem disse que o Oscar se mede pelo mérito?

A FAVORITA
A FAVORITA, (The Favourite), direção do cineasta grego Yorgos Lanthimos, com Emma Stone, Olivia Colman, Raquel Weisz, Nicholas Hoult, é uma produção de época com filmagem sofisticada, hiperbólica, mas visualmente muito bonita e que adentra o terreno do reino inglês em guerra com a França, mostrando não só ambientes, comportamentos, roupas, mas sobretudo o perverso jogo amoroso e de poder.  Uma rainha, sua dama favorita e uma serva que decaiu da condição que já teve de dama, travam uma disputa de luxúria e destruição, que escancara as entranhas da monarquia britânica do início do século XVIII.  Passa longe das edulcoradas narrativas que glamourizam uma vida que, segundo o filme, tem sordidez de sobra.  Boa trilha musical e um trabalho de som que, por sua precisão e intensidade, ao longo da projeção, chamam muito a atenção.  A produção envolve Reino Unido, Irlanda e Estados Unidos. Agradou a Academia de Hollywood, está concorrendo a 10 Oscar.  120 min.


Glenn Close em A ESPOSA

A ESPOSA
A ESPOSA (The Wife), dirigido pelo sueco Björn Runge, também coloca a mulher em primeiro plano, mostrando como, quando ela fica por trás do homem famoso, no caso, um escritor que vai receber o Prêmio Nobel de Literatura, tudo pode não passar de uma farsa.  Desempenho absolutamente notável de Glenn Close, que tem tudo para levar o Oscar de atriz.  O filme é bom, mas não chega a empolgar. 101 min.

GREEN BOOK – O GUIA
GREEN BOOK – O GUIA (Green Book), dirigido por Peter Farrely, trata da questão racial no sul dos Estados Unidos, em 1962.  Naquele tempo, o preconceito e as restrições contra os negros eram escancarados e as leis vigentes corroboravam isso.  Um absurdo, que merece ser lembrado.  No mais, o vínculo que se cria entre um motorista branco pobre e um pianista negro, rico e sofisticado, vai na linha de filmes como “Os Intocáveis”, “Conduzindo Miss Daisy”, de relações improváveis, que acabam por vingar.  O que vale é o contexto, embora os dois protagonistas sejam muito bons: Viggo Mortensen e Mahershala Ali.  Tem 5 indicações ao Oscar 2019.  130 min.


GREEN BOOK

PODERIA ME PERDOAR?
PODERIA ME PERDOAR? (Can You Ever Forgive Me?), da diretora estadunidense Marielle Heller, tem no elenco  Melissa McCarthy, Richard Grant e Dolly Wells.  Relata, de uma forma clássica, uma história composta de fatos reais que são surpreendentes.  Uma ótima escritora de biografias, que já foi famosa, enfrenta as consequências das novas expectativas de mercado que, na prática, a excluem.  Escrever bem ela sabe, e em diferentes estilos, porém, para sobreviver, ela usa esse talento de forma criminosa, ganha um bom dinheiro e acaba se saindo bem, computando-se tudo o que aconteceu com ela.  Vale porque é uma boa história, com um elenco muito bom.  Concorre a 3 Oscar (atriz, ator e roteiro).  107 min.