quinta-feira, 16 de julho de 2009

AGNÈS JAOUI e “ENQUANTO O SOL NÃO VEM”

Antonio Carlos Egypto


ENQUANTO O SOL NÃO VEM (Parlez-moi de la Pluie), França. 2008. Direção. Agnès Jauoi. Com Agnès Jaoui, Jean-Pierre Bacri e Jamel Dabbouze. 110 min.


Quando vi o primeiro filme de Agnès Jaoui, “O gosto dos outros”, senti que estava diante do cinema contemporâneo mais interessante e expressivo. Num clima onde tudo flui e nada pesa muito, as relações estão em primeiro plano: idiossincrasias, preconceitos, análises pretensiosas da vida e da arte versus simplicidade, humanidade, falibilidade. Era, sem dúvida, um filme leve, que tinha densidade. E a questão mais intrigante: que critérios podem nos nortear para compreender e analisar a arte, seu papel, finalidade e relação com o público. Nada de esnobismo, muito de humanismo e sem julgamentos morais. Me cativou.

Depois veio “Questão de imagem”, colocando em cena uma garota gordinha, infeliz por não corresponder aos estereótipos do culto à beleza física da atualidade, um escritor em conflito com sua velhice, uma mulher que se deprime por não confiar no próprio talento, alguém que tem de se confrontar com o que a fama significa, e por aí vai. Vidas que se constroem e conflitos que são vividos, onde se está permanentemente aprendendo, revendo conceitos e atitudes. Mais uma vez, questões contemporâneas trabalhadas num clima de experiências cotidianas, sem grande dramaticidade, sem preocupação em seguir modelos ou gêneros. O foco é, como sempre, os relacionamentos humanos e as verdades provisórias de cada um. Sobra sempre muito espaço à reflexão.

Com seu novo filme em cartaz nos cinemas, “Enquanto o Sol não Vem”, se dá o confronto entre a metrópole e a província. Uma jovem feminista de sucesso se dispõe a uma homenagem tosca de um documentarista mais do que doméstico e seu hostil parceiro. Nada dá certo, as trapalhadas se sucedem. O processo de construção do filme é o avesso do profissionalismo e do glamour associados ao cinema. As coisas não são como parecem, não têm a importância que pretendemos que possam ter. Além disso, o tempo não ajuda, chove muito e estamos todos à espera do sol. Mas não imaginem que a comédia vai se instalar com tudo. Não, para Agnès Jaoui, menos é sempre mais. O espectador tem tempo de pensar, observar com calma, sorrir, se identificar com as pequenas besteiras que se fazem a toda hora.

Uma vez mais, o clima de leveza é que dá o tom, identificando o cinema de Jaoui inexoravelmente com os tempos atuais. Não simplesmente pela narrativa frouxa e pouco preocupada em amarrar fios, mas principalmente pelo olhar arguto sobre as relações humanas contemporâneas e as preocupações que as envolvem, pelo menos no ambiente europeu de classe média. Agnès Jaoui é, como diretora, uma boa cronista desse momento e de seu contexto de vida. E é atriz de seus filmes, emprestando-lhes uma dimensão muito verdadeira no seu desempenho, tão leve e seguro, quanto a sua mão de diretora.

Só para registrar: “O gosto dos outros” foi indicado ao Oscar de filme estrangeiro (2001). “Questão de imagem” recebeu prêmio de roteiro em Cannes (2004), e dois de seus roteiros, “Smoking/No smoking” e “Amores Parisienses” foram filmados por ninguém menos do que Alain Resnais. Não é pouca coisa.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Duas vezes Juliette Binoche


Tatiana Babadobulos

Estão em cartaz em São Paulo dois filmes franceses que trazem a atriz Juliette Binoche no elenco. Ambos, aliás, estrearam no mesmo dia. Um deles é "Paris" ("Paris") e, como não poderia deixar de ser, o cenário é a própria capital francesa. Mas a cidade mais conhecida do mundo como pano de fundo não é o único atrativo do longa-metragem dirigido por Cédric Klapisch ("Bonecas Russas").

O filme conta a história de Pierre (Romain Duris, de "As Aventuras de Molière") que, segundo seu médico, está em estado terminal, pois precisa de um transplante de coração. A primeira pessoa para quem ele conta a triste novidade é sua irmã Élise (Juliette), mas a primeira mudança que faz em sua vida é começar a observar o mundo ao seu redor e os diferentes personagens que vivem na cidade.

Assim, a história se constrói na medida em que Klapisch aponta suas lentes para os feirantes que disputam a freguesia, para a moça que começa a trabalhar na padaria cuja dona é uma insuportável racista e mandona (Karin Viard), o arquiteto Philippe (François Cluzet), seu irmão, o professor de história Roland (Fabrice Luchini), que se apaixona pela aluna Laetitia (Mélanie Laurent) e fica lhe enviando poemas anônimos por mensagens do celular. O filme também mostra personagens que tratam de problemas com a imigração (tema tratado também em “Bem-Vindo”, de Philippe Lioret).

E é a partir desse mosaico que Cédric Klapisch mostra o cotidiano de Pierre que, como professor de dança, junta seu grupo e mostra coreografias intensas, bem-construídas, embora não tenha fôlego para executar todos os saltos que são propostos. Romain Duris, aliás, é capaz de transmitir ao espectador a dor que sente e mostra que é possível superar esse momento de tensão e esperar, curtindo a vida, brincando com as sobrinhas, sendo feliz.

"Paris" teve três indicações ao César (o Oscar francês), nas categorias Edição, Filme e Atriz Coadjuvante (Karin Viard). Trata-se de um filme belo, capaz de fazer com que o espectador contemple o cenário em que a história se passa e, por que não?, olhe para si e veja que ao seu redor a vida pode ser mais bonita do que lhe parece. Sim, o cinema tem essa capacidade e não se pode perder a chance.

O outro longa é o drama francês "Horas de Verão" (“L'Heure d'Été”), que foi apresentado no ano passado durante a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Escrito e dirigido por Oliver Assayas, o filme conta a história da matriarca, Hélène Berthier (de "A Questão Humana"), que reúne na casa de campo da família seus filhos e netos para celebrar seu 75º aniversário.

Então, os irmãos, que vivem distantes, se encontram e logo depois a mãe morre. A partir de então eles terão de fazer as divisões que incluem obra de arte de seu tio, um pintor do século 19. Começam pra valer as diferenças entre a designer que vive em Nova York, Adrienne (Juliette), o economista e professor Frédéric (Charles Berling) e o empresário Jérémie (Jérémie Renier), que atualmente vive na China e um dos que não pensam nem em discutir o assunto. No entanto, é preciso enfrentar a discussão, uma vez que Frédéric não quer ter de decidir tudo sozinho já que os outros dois irão embora e darão as costas a essas questões.

“Horas de Verão” se passa praticamente dentro da casa de campo da família e é dentro do imóvel que também fará parte do inventário que acontece o drama familiar que discute o valor da herança e da família, entendimento entre irmãos que têm pouco em comum, principalmente porque cada um quer cuidar da própria vida e não daquela que foi deixada pela mãe deles que muito fala sobre as origens e os valores que objetos têm e que dizem sobre a família em que nasceram.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

BEM-VINDO


Antonio Carlos Egypto

BEM-VINDO (Welcome). França, 2008. Direção: Philippe Lioret. Com: Vincent Lindon, Firat Ayverdi, Audrey Dana e Derya Ayverdi. 105 min.

A questão dos imigrantes na Europa, e na América do Norte, tem alimentado posturas políticas de direita que procuram atribuir a eles a culpa pelas crises e problemas econômicos que vivem, gerando um ódio e uma intolerância que alimentam fanatismos e violência. Os grupos neonazistas representam o extremo dessas posturas, mas elas alimentam também mentes teoricamente mais abertas e civilizadas que as deles. O que assusta é a que ponto podem chegar essas teses.

O filme francês “Bem-vindo” é mais uma das produções artísticas européias a se preocupar com a questão humana dos imigrantes ilegais, sujeitos a todo tipo de exclusão e humilhações, só porque estão em busca de sobreviver, trabalhando com dignidade em outro país. Claro que a lei não está do lado deles, e as condições de vida não lhes permitem enquadrar-se nas leis estabelecidas sobre o assunto.

O filme, dirigido por Philippe Lioret, é extremamente sensível à questão humana que é colocada para os imigrantes, ao focalizar um jovem refugiado curdo, vivendo na França, que só vê uma saída para ir ao encontro de sua amada na Inglaterra: atravessar o Canal da Mancha a nado. Para isso, ele procura a ajuda de um professor de natação, que, buscando impressionar e reconquistar sua mulher, que advoga o tratamento humanitário dos imigrantes, resolve ajudá-lo.

É aí que o filme ganha importância, ao mostrar que uma simples ajuda humanitária pode colocar na cadeia quem a pratica. Está na lei. Veja bem que estamos falando das leis francesas, e a França foi tradicionalmente um país que sempre acolheu democraticamente exilados e dissidentes de seus países de origem, inclusive brasileiros, na época da ditadura militar.

A cena mais chocante do filme se passa num supermercado, onde os imigrantes são reconhecidos e impedidos de comprar itens absolutamente banais que povoam o cotidiano de todas as pessoas. É inacreditável que alguém possa ser impedido até de gastar o seu próprio dinheiro num supermercado, apenas por ter cara e jeito de imigrante, provavelmente ilegal. Se na França está acontecendo isso, o que esperar do resto do mundo?

O alerta que as cenas de “Bem-vindo” nos trazem é que estamos atravessando um terreno perigosíssimo de intolerância e desumanidade, que pode ser altamente destrutivo para nossa pretendida civilização democrática, que antes de mais nada teria de aprender a cultivar a diversidade e a pluralidade, cultural e pessoal.

O cinema contemporâneo de qualidade tem revelado preocupação com essas questões e, no caso de “Bem-vindo”, focalizando de perto os sentimentos das pessoas envolvidas. Isso nos leva a compreender o sofrimento humano que essas políticas equivocadas e truculentas podem produzir nas pessoas. Não só do lado dos imigrantes, mas de todos que participam do convívio social.

Felizmente, ares novos parecem soprar da América de Obama, para nos mostrar que o equilíbrio nas políticas e nas relações humanas, de todos os tipos, é perfeitamente possível. “Bem-vindo” dá a sua contribuição para isso, com uma boa história, uma direção competente e atores e atrizes que convencem, ao viver o drama humanitário que acompanha a imigração nos dias de hoje.