sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

BOAS FESTAS!


     


Desejo a todos que acompanharam minhas críticas de cinema ao longo do ano, aqui no cinema com recheio, Boas Festas. Ouso sonhar com um novo ano em que todos nós cultivemos atitudes civilizadas, superando o obscurantismo.  Que ofereçamos apoio à democracia e à liberdade, reconhecendo, respeitando e celebrando a diversidade humana.  Que tenhamos atenção e cuidado conosco, com os outros e com o planeta em perigo.  Que priorizemos a educação, a ciência e a cultura, em busca de sermos melhores como país e como povo.  E que cada um possa alimentar seus projetos e propósitos, alcançando bons momentos de felicidade.

Um grande abraço a todos,

Antonio Carlos Egypto



quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

E ENTÃO NÓS DANÇAMOS

Antonio Carlos Egypto






E ENTÃO NÓS DANÇAMOS (And Then We Danced).  Suécia/Geórgia, 2019.  Direção e roteiro: Levan Akin.  Com Levan Gelbakhiani, Bachi Valishvili, Ana Javakishvili.  106 min.


A Geórgia (ex-União Soviética) tem entre suas principais tradições a dança.  Uma dança tradicional, com marcações fortes, firmes e intensas, que remetem a uma ideia de masculinidade.  Ou a um conceito algo rígido e preconceituoso do que seja a masculinidade.  O fato é que gestos leves, trejeitos, sorrisos de alegria e encantamento, são solenemente repreendidos, nos ensaios com os bailarinos, como se vê em algumas sequências de “E Então Nós Dançamos”.  O filme, roteirizado e dirigido por Levan Akin, georgiano, radicado na Suécia há muito tempo, é uma retomada por parte dele da arte das tradições de seu país de origem.  E representou a Suécia na indicação ao Oscar de filme internacional.

Se é preciso respeitar e valorizar tradições, em especial expressões artísticas consagradas, também é preciso avançar e superar preconceitos.  Do embate entre essas questões se alimenta o filme de Levan Akin.  Na história, é pela ótica de um bailarino jovem, Merab, vivido por Levan Gelbakhiani, que temos acesso ao cotidiano de alguém que aspira a esse caminho artístico, enquanto faz trabalhos pesados e mal remunerados para tentar sobreviver.  Acompanhamos seu esforço diário, sua paixão pela dança, conhecemos a jovem bailarina Mary (Ana Javakishvili), que é sua parceira constante nessa atividade, percebemos o que ela sente por ele, sem ser correspondida para além da dança.  E o vemos conhecendo e se envolvendo com o bailarino Irakli (Bachi Valishvili), com quem aprende técnicas, rivaliza e acaba por desenvolver um desejo homoerótico.

Na família, com um irmão prestes a se casar ou na dança que cultiva, Merab percebe que não há espaço para o reconhecimento do seu desejo e torna-se bastante complicado compatibilizar as coisas.  Por aí vai o drama que o filme explora, enquanto nos brinda com um musical, em que a dança tradicional georgiana se destaca.



O diretor tem claramente a intenção de valorizar essa tradição da dança e outras mais.  Por exemplo, nos mostra os rituais do casamento no país.  Mas coloca em questão, também, a necessidade de questionar e superar os ranços autoritários e os preconceitos que ajudam a sustentar essas tradições.  Até onde vale a pena ir na preservação da cultura local e quando é preciso mudá-la ou mesmo implodi-la, se for o caso?  Como os jovens podem se inserir nesse contexto cultural pós-União Soviética, com os elementos da globalização, da cultura pop e das mudanças comportamentais que os distinguem da velha geração?

O diretor fala, numa entrevista, da situação frágil da Geórgia e dos antigos países soviéticos, com suas singularidades, em contato com os valores da situação atual.  Como preservar a identidade cultural, como a língua, o alfabeto, a cultura do vinho e da gastronomia, ao mesmo tempo em que é imperioso se abrir para o mundo novo, em constante transformação? E dá um exemplo importante.  Quando trabalhava na concepção do filme, buscou a ajuda do famoso Balé Nacional da Geórgia, inclusive querendo contar com a participação de alguns de seus bailarinos.  O que lhe foi negado peremptoriamente, alegando que não existia homossexualidade na dança, na Geórgia.  E teve de conviver com uma grande sabotagem contra o trabalho que estava realizando.

Uma atitude como essa é a demonstração mais cabal de que não se pode, simplesmente, ficar cultivando uma tradição cultural sem nunca colocá-la em questão ou em dúvida.  Se é preciso negar a realidade para mantê-la como está, chegou a hora de revisá-la, reformá-la ou revolucioná-la.  Assim como não faz sentido destruir tradições culturais importantes, também não faz sentido mantê-las a qualquer preço, gerando sofrimento inútil e desnecessário às pessoas.




LEMBRETE
Já entrou em cartaz nos cinemas O PARAÍSO DEVE SER AQUI, de Elia Suleiman, o filme que mais me agradou na 43ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e que, mesmo sendo exibido nos estertores do ano, está seguramente entre os melhores de 2019.  Espero que as festas de fim de ano e as férias escolares não impeçam as pessoas de usufruir desse belo trabalho cinematográfico.  Veja crítica e comentários sobre o filme aqui, no cinema com recheio, postados em 25 de outubro e em 08 de novembro de 2019.





quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

UMA MULHER ALTA

Antonio Carlos Egypto





UMA MULHER ALTA (Dylda).  Rússia, 2019.  Direção: Kantemir Balagov.  Com Viktoria Miroshnichenko, Vasiliva Perelygina, Andrey Bykov, Igor Shirokov.  137 min.


“Uma Mulher Alta” é um drama humano que remete a questões femininas, como a reprodução, num contexto de guerra, em que as mulheres estão mutiladas, abaladas psicologicamente, sofrendo as consequências do conflito que recém terminou.  No caso, trata-se de Leningrado (hoje, São Petersburgo), em 1945, com o final da Segunda Guerra Mundial, em que a cidade sofreu um dos piores cercos da história.

O olhar do filme, inspirado no livro “A Guerra não Tem Rosto de Mulher”, de Svetlana Aleksiévitch, é justamente sobre as consequências que a guerra deixa na vida e no corpo das mulheres.  Um enfoque de gênero muito apropriado, já que o que conhecemos mais é o efeito bélico que destrói os homens, sempre vistos como protagonistas, os principais atores da trama.

No evento abordado em “Uma Mulher Alta” reconhece-se também uma situação que envolveu mais intensamente as mulheres no contexto de guerra na resistência russa.




As personagens que representam essas mulheres são Iya (Viktoria Miroshnichenko), a grandona desajeitada que inspira o título brasileiro, e Masha (Vasilisa Perelygina).  Figuras heroicas pelo que fizeram e continuam fazendo pelos mutilados e mutiladas de guerra, como elas próprias.  Tentam reconstruir suas vidas, como todos, mas esbarram em barreiras pessoais que remetem de forma direta à guerra que tiveram de vivenciar.  E, ao tentarem se desvencilhar ou contornar suas limitações, acabam por gerar novos dramas e problemas, ao invés de superá-los ou vencê-los.

Tudo isso é mostrado numa narrativa que enfatiza os sentimentos, a frustração e o desespero, em especial, numa caracterização de época feita com muito cuidado e delicadeza. A paleta de cores em que dominam o verde e o ocre dá destaque a esse drama e o calor dos sentimentos.  Os veículos e os objetos de cena são em grande parte autênticos da época, cedidos por museus, como o dos transportes.  As recriações e o figurino procuram respeitar com fidelidade os ambientes e as pessoas, sem exagerar no sentido passadista.  Há uma intenção de tomar aquele momento e situação passados como fontes de reflexão para o presente, em sintonia com uma visão feminista atual.

Duas ótimas jovens atrizes protagonizam o trabalho, oferecendo força e consistência psicológica a suas personagens.  Os homens e as outras mulheres com quem elas contracenam complementam e valorizam esse bom desempenho de Viktoria Miroshnichenko e Vasilisa Perelygina.

O diretor, Kantemir Balagov, em seu segundo longa, após “Tesnota”, de 2017, realiza um trabalho com a câmera que produz envolvimento e tensão, enquadramentos que nos aproximam da personalidade daquelas mulheres e nos põem dentro do forte drama que elas vivem.

“Uma Mulher Alta” é a indicação russa para concorrer ao Oscar de filme internacional, já passou por vários festivais internacionais, tendo alcançado premiações em Cannes: melhor direção e prêmio da Crítica do Un Certain Regard, e também em Genebra, Montreal e Estocolmo




quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

O JUÍZO

Antonio Carlos Egypto


                                                                                     Suzana Tierie



O JUÍZO.  Brasil, 2019.  Direção: Andrucha Waddington.  Com Felipe Camargo, Carol Castro, Criolo, Joaquim Torres Waddington, Fernanda Montenegro, Lima Duarte.  90 min.


“O Juízo” é uma incursão do cinema brasileiro no gênero suspense, terror.  Assim como outras tentativas bem sucedidas realizadas anteriormente, ele contribui para ampliar o alcance do nosso cinema para além dos documentários, comédias e dramas que têm marcado nossa produção crescente.

Considerado um suspense sobrenatural, é, na verdade, um filme que crava na trama as marcas da nossa história, do extrativismo à escravidão, que deixaram uma dívida que remonta a séculos e está na construção da vergonhosa desigualdade, preconceito e racismo, que vivemos até hoje.  Mérito, claro, do talento de escritora da roteirista Fernanda Torres que, infelizmente, não participa do filme de seu marido, Andrucha Waddington, como atriz.  Em compensação, Fernanda Montenegro, sua mãe, está lá, brilhante, como sempre.  O filme tem mesmo uma característica familiar.  Joaquim Torres Waddington, filho do diretor e da roteirista, estreia no cinema como ator neste filme.  Para além das relações familiares, o elenco tem Felipe Camargo, Carol Castro e Criolo, em papeis centrais e o grande Lima Duarte em participação especial.




O que mais me entusiasmou em “O Juízo” nem foi a sua história, muito boa, ou seu superelenco, mas seu apuro visual.  Enquadramentos belíssimos, do alto, na água, nos caminhos molhados (o filme é quase todo passado na chuva), nos ambientes de uma fazenda, supostamente mineira, na verdade filmada no Estado do Rio.  Uma fotografia esmaecida, esfumaçada, escurecida, concretiza uma narrativa que remete a trevas, com grande beleza e explora também com eficiência a luminosidade do fogo.  Ótimo trabalho do diretor de fotografia Azul Serra.  Destaque também para a direção de arte de Rafael Targat.  Um trabalho de equipe muito bem coordenado por Andrucha Waddington.

O enredo remete a uma família, Augusto (Felipe Camargo), Tereza (Carol Castro) e o filho Marinho (Joaquim Torres Waddington), que vão em busca de colocar a vida em ordem, resolvendo problemas econômicos e do alcoolismo de Augusto, assumindo morar numa fazenda isolada e abandonada, herdada do avô.  A propriedade, porém, traz o carma de uma traição, envolvendo um homem escravizado, Couraça (Criolo) e sua filha, uma dívida ancestral.  Diamantes estão envolvidos na história, colocando a cobiça como parte integrante e trágica da narrativa.  Mais suspense que terror, fantasmagórico, mas realista e indutor de reflexão, um filme que se vê com prazer, com destaque para o esmero visual, que merece ser apreciado com atenção.

                                                                                                             Dan Behr


FESTIVAL DE CINEMA RUSSO
De 04 a 11 de dezembro, chega a São Paulo a 6ª. edição da Mostra Mosfilm, de filmes clássicos, russos e soviéticos, realização do CPC – UMES, Spcine e Itaú Cinemas.  12 longas serão exibidos nos cines Itaú Augusta e Olido, a preços bem populares.  Destaque para as cópias restauradas de “A Balada do Soldado”, de Grigori Chukhay, “Stalker”, de Tarkovsky, e “A Prisioneira do Cáucaso”, de Leonid Gayday.  Outra novidade é a exibição de "Spartacus", com o Balé Bolshoi, em filme de Yury Grigorovich, de 1975.  O filme mais recente a ser exibido é “Aluga-se uma casa com todos os inconvenientes”, de Vera Storozheva, de 2016.  No Olido, exposição de matryoskhas e comidas, bebidas e artesanato típico do Leste Europeu.

FESTIVAL DO RIO
Para quem está no Rio de Janeiro, a grande pedida é a nova edição do tradicional Festival do Rio, repleto de atrações, que neste ano ocorre em data não habitual, de 09 a 19 de dezembro, em 15 cinemas da cidade.  Foi uma batalha, mas o Festival saiu e com cerca de 100 filmes estrangeiros e uma enorme janela de produções brasileiras na seção Premiére Brasil.