Antonio
Carlos Egypto
É fato sabido que as crises
econômicas, os regimes políticos totalitários, a censura, as guerras, estimulam
a criatividade artística. Grandes
expressões da arte resultaram de momentos de crise, em sentido coletivo, mas,
também, individual. Crises existenciais
são geradoras de grandes obras.
Já que a crise é também
oportunidade de rever, repensar, ressignificar, buscar alternativas, o que se
poderia esperar da produção cinematográfica do país que foi mais abalado, na
comunidade europeia, pela crise do euro?
Miss Violence |
A Grécia, para começo de
conversa, veio para a 37ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo com um
número expressivo de títulos, colhidos nos festivais pelo mundo. Uma presença bem mais significativa do que
habitualmente acontecia no evento paulistano.
E, a julgar pelos cinco filmes que vi, veio com força e qualidade.
O melhor deles, para mim, foi
“Miss Violence”, segundo longa-metragem dirigido por Alexandros Avranas,
vencedor do Leão de Prata de direção e melhor ator em Veneza. O filme, corajosamente, expõe a violência, o
abuso e a prostituição forçada das mulheres de uma família, em suas várias
gerações, e todas as consequências trágicas que daí resultam, com total
realismo e procurando produzir suspense.
A crise está presente no desemprego e na dificuldade de sobreviver que
agravam o quadro ou, por outro lado, servem para tentar justificar ou validar a
monstruosidade apresentada.
A outra leitura é possível, esta
alegórica da situação, se olharmos para a família como representante da
sociedade como um todo. A carência
alimenta a opressão, o estupro, a exploração das pessoas e da mãe-pátria. Também faz sentido. E uma coisa não exclui a outra. Ao tratar do tema da exploração sexual da
mulher, o contexto subjacente é o da crise social e moral em que se vive na
sociedade grega atual. Mais difícil de
aceitar é a visão de uma patologia individual determinando os fatos. Há um eloquente sentido de opressão coletiva,
que se evidencia no desenrolar da trama e nas interpretações do elenco.
Todos os Gatos São Brilhantes |
A crise da sociedade grega é
muito mais evidente no filme “Todos os Gatos São Brilhantes”, da cineasta
novata Constantina Voulgaris. Ali, uma
artista tenta ganhar a vida como baby
sitter, seu namorado ativista, convicto e radical, vai preso e se recusa a
compactuar com o regime que ele sente que oprime o povo. Há black
blocs pelas ruas e todo um clima político em que os jovens têm dificuldade
para encontrar seu lugar no país, e se puderem saem dele. Mas para onde, se a crise está por todos os
lados, pelo menos para qualquer lado das fronteiras que se olhe? Em tempo: no filme não há gatos nem
brilho. Mas a fita flui bem, é
expressiva desses tempos difíceis.
O Garoto que Come Alpiste |
“O Garoto que Come Alpiste”,
outro primeiro longa, desta vez do diretor Ektoras Lygizos, é uma experiência
mais radical. É um filme sobre a fome, a
impossibilidade de trabalhar e obter dinheiro, ainda que seja pouco, vividos
por um jovem de 22 anos, cantor lírico, em Atenas. Embora baseado em texto literário antigo, a
experiência do jovem remete, em tudo, à crise atual. Mostrado em situação limite, e fechada, sem
saídas, com direito a cenas de grande impacto e tudo o mais, o filme é um soco
no estômago. Vazio, ainda por cima.
“Patos Selvagens”, mais um
primeiro longa, desta vez de Yannis Sakardis, trata de um tema mais específico.
A ganância capitalista na área das telecomunicações, mesmo sabendo que pode
produzir doenças graves nas pessoas, mantém seus comportamentos e abafa
qualquer denúncia para garantir seus lucros.
A solução, segundo o filme, é uma só: as pessoas se unirem para
resistir. Nisto está sintonizado com o
sentimento coletivo do país. Resistir a
isso, e a tudo o que coloca a cidadania de quatro, nessa crise.
Patos Selvagens |
O quinto e último filme grego que
pude ver nesta Mostra refere-se a uma outra dimensão. “Meteora” vai em busca de monastérios
ortodoxos situados acima de pilares de arenito, suspensos entre o céu e a
terra, conforme explica a sinopse que consta do catálogo da Mostra. Aqui, o que se vai viver é a relação entre a
fé, o afeto e o desejo sexual humanos, presentes nas figuras de um casal de
religiosos. Mesmo separados em duas
montanhas de pedras diferentes, uma para cada sexo, e uma escadaria
interminável para galgá-las, haverá modos de se encontrar e viver essa história
de amor.
Meteora |
“Meteora” é o segundo longa do
diretor Spiros Stathoupoulos. É o filme
mais bonito visualmente dessa leva de gregos.
Tem locações belíssimas, um clima que o situa fora do mundo real e uma
muito eficiente atuação do desenho de animação, que se insere ao longo de toda
a trama, pontuando o imaginário, o temido e o desejado. O fato de se distanciar
tanto da realidade atual da Grécia não significa, no entanto, que não dialogue
com ela. A busca da beleza, do amor e da
fé, não deixa de ser um caminho alternativo, idealizado, quando o mundo real
parece tão duro de enfrentar.
Vistos no conjunto, esses filmes
gregos de novos diretores mostram que está germinando um novo cinema por
lá. Ninguém espere a sofisticação e a
estética maravilhosa do mestre grego do cinema, Theo Angelopoulos (1936—2012),
é claro. Mas nem é possível, mesmo,
exigir tanto de jovens cineastas. Que o
cinema grego atual mostra talento, não há dúvida. Isso é muito promissor.