quinta-feira, 30 de março de 2017

O MUNDO FORA DO LUGAR


Antonio Carlos Egypto




O MUNDO FORA DO LUGAR (Die Abhandene Welt).  Alemanha, 2015.  Direção e roteiro: Margarethe von Trotta.  Com Barbara Sukowa, Katja Riemann, Mathias Habich, Robert Seeliger.  101 min.



“O Mundo Fora do Lugar” é o mais recente trabalho de Margarethe von Trotta.  A diretora e roteirista alemã já nos deu filmes importantes sobre grandes mulheres da história, como “Rosa de Luxemburgo”, de 1985, e “Hannah Arendt”, de 2012.  Foi casada e trabalhou como codiretora com Volker Schlöndorff, importante cineasta do novo cinema alemão.  Trabalhou como atriz em muitos filmes, inclusive de Rainer Werner Fassbinder, a grande figura de renovação do cinema alemão nos anos 1970.

Tem em Barbara Sukowa sua atriz favorita e foi ela quem encarnou tanto Rosa de Luxemburgo quanto Hannah Arendt.  Em “O Mundo Fora do Lugar”, Barbara Sukowa é novamente protagonista, mas não encarna uma figura histórica.  Aqui ela faz a diva da ópera, Caterina Fabiana, vivendo em Nova York, descoberta pela Internet por Paul Kromberger (Mathias Habich), por ser muito parecida com sua falecida esposa, Evelyn, o que acaba levando Sophie (Katja Riemann), filha de Paul, a uma viagem a partir da Alemanha, em busca de conhecer essa mulher.

É bom parar a informação sobre a trama do filme por aqui, para não prejudicar ou antecipar coisas a quem for assistir.  “O Mundo Fora do Lugar” segue uma narrativa linear, mas carregada de mistérios desde o primeiro momento.  É preciso se concentrar para não deixar passar informações sobre os personagens, quem são e que relação têm entre si.  E o que viveram no passado.




A história vai se formando, pouco a pouco.  O mistério vai sendo compreendido.  Mas, ainda assim, são muitas as surpresas que aparecem, em cada etapa da narrativa.  As coisas são bem mais complicadas do que podem parecer.  É preciso permanecer atento. O que se vê é a construção de uma trama muito bem engendrada, que o filme vai revelando.  Quem gosta de deslindar uma boa história vai certamente apreciar.

Destaca-se, além de Barbara Sukowa, sempre muito boa, Katja Riemann que, com muita competência, estrela o filme, estando em cena quase todo o tempo.  O restante do elenco também está muito bem, mesmo sem ter a importância dos dois papéis femininos principais.  A cena da briga física entre dois irmãos já anciões, muito bem construída e divertida, é uma prova disso.


O roteiro realmente coloca aquele mundo todo fora do lugar, mas a produção alemã tem tudo sob seu controle, funcionando muito bem.  Como seria de se esperar, por sinal.



segunda-feira, 27 de março de 2017

EU TE LEVO


Antonio Carlos Egypto




EU TE LEVO.  Brasil, 2014.  Direção: Marcelo Müller.  Com Anderson Di Rizzi, Rosi Campos, Giovanni Gallo, Gabriela Palombo.  80 min.


“Eu Te Levo”, filme de Marcelo Müller, que também trabalhou no roteiro, toma como ponto de partida a chamada  Geração Canguru,  a dos jovens que permanecem vivendo na casa dos pais até uma idade avançada, por não conseguirem encontrar seus caminhos na vida e não serem capazes de prover o próprio sustento.  Pesquisas indicam que cerca de 25% dos jovens entre 25 e 34 anos ainda moravam com os pais, em 2014-2015, no Brasil. 

Encontrar-se, fazer escolhas, decidir seu rumo na vida, pode se tornar algo complexo, quando não encaminhado devidamente no período da adolescência.  No filme  “Eu Te Levo”, o personagem Rogério (Anderson Di Rizzi), de 29 anos, se depara com a morte do pai e a herança de uma loja com a qual não se identifica, mas que representa muito, simbolicamente e como meio de vida, para sua mãe.  Ele tem um sonho de criança, como ser bombeiro, e uma experiência com uma banda de rock, como baterista, que ficou para trás. 

Na realidade, seus caminhos são nebulosos, ele não sabe o que quer.  E os espectadores do filme viverão esse dilema e essa angústia, embora não explicitada pelas ações do personagem, da indecisão, da perda de rumo, com ele, que é o centro da narrativa.  Isso se dá de modo abafado, já que Rogério é fechado, calado, prefere esconder mais do que compartilhar coisas.  Tudo assim fica ainda mais difícil.  Mas é interessante viver de dentro a indecisão do protagonista.  Embora o filme pudesse explorar melhor as motivações e bloqueios do personagem.





O jovem Cris (Giovanni Gallo), a quem Rogério dá carona regularmente, a pedido de um amigo, é outro exemplo da Geração Canguru, um pouco mais jovem, mas igualmente em busca de algo que não se sabe bem o que é, desviando-se também do rumo que lhe foi traçado (ou que ele mesmo teria traçado?).

Rosi Campos, grande atriz, faz a mãe Marta com a adequada intensidade, mas seu personagem não nos permite ir muito além do clichê da mãe sofredora.

Um detalhe importante da trama chama a atenção para o papel da ideologia nas escolhas profissionais.  Nas tratativas para chegar a se tornar bombeiro, Rogério é forçado a se posicionar frente ao comportamento da polícia militar do Estado de São Paulo, a quem pertence a corporação dos bombeiros.  O que complicará enormemente a sua escolha.  Ou seja, os dramas e conflitos não são só internos ao personagem.  Dão-se objetivamente nas instituições, na sociedade.


A produção “Eu Te Levo”, de Jundiaí, interior de São Paulo, em preto e branco, põe em discussão uma questão real dos jovens, sobretudo de classe média, que merece mesmo a nossa atenção, talvez ainda carecendo de personagens mais aprofundados.  Para um primeiro longa-metragem como diretor, Marcelo Müller se saiu muito bem.  Sua já larga experiência como roteirista certamente contribuiu para esse resultado.



segunda-feira, 20 de março de 2017

ERA O HOTEL CAMBRIDGE


Antonio Carlos Egypto




ERA O HOTEL CAMBRIDGE.  Brasil, 2016.  Direção e roteiro: Eliane Caffé.  Com José Dumont, Carmen Sílvia, Suely Franco, Isam Ahmad Issa, Guylain Mukendi.  99 min.


Documentário e ficção já não se concebem, atualmente, como coisas independentes ou separadas.  O que se vê, cada vez mais, é o diálogo, a fusão, o questionamento e a integração entre o documental e o ficcional.

“Era o Hotel Cambridge”, de Eliane Caffé, é um filme de ficção, porém, tão colado à realidade dos fatos e situações que representa, que, muitas vezes, é difícil distinguir a encenação do momento documentado.

A história que o filme conta é a da ocupação de um prédio abandonado no centro da cidade, na avenida 9 de julho, em São Paulo, que foi, era, o hotel Cambridge, pelo Movimento dos Sem-Teto do Centro.  O filme foi feito lá mesmo, com os ocupantes representando seus papéis, sua história e a de outros, ao lado de atores profissionais. 

A diretora, com sua equipe de filmagem, frequentou a ocupação por dois anos, conviveu e se envolveu com a vida dos moradores até criar sua ficção, que é uma interação entre personagens e situações daquele espaço e de relatos que vieram deles.  Eliane descobriu, ao lado dos chamados sem-teto, refugiados estrangeiros vindos do Congo, da Síria, da Palestina, recém chegados ao Brasil.  Buscou também registrar o convívio desses refugiados com os “refugiados” do próprio país, ou seja, os “refugiados da falta de direitos”.




Aqui, o cinema não observou a realidade, se envolveu com ela (e ainda se envolve, diga-se de passagem).  Mergulhou na situação vivida pelas pessoas que ocupam aquele prédio, mostrou fatos relativos a outras ocupações, à repressão policial, e se envolveu também com os aspectos psicológicos, humanos, daquelas pessoas sofridas, mas ativas e lutadoras.  Mostrou o comando e a força do gênero feminino nessa batalha diária e constante que é a ocupação.

Carmen Sílvia desponta como liderança popular, forte e decidida, e acaba se revelando como atriz.  José Dumont e Suely Franco estão muito integrados à situação, vivendo tudo aquilo junto com os ocupantes sem-teto, como se fossem eles próprios moradores e integrantes do movimento de moradia.




“Era o Hotel Cambridge” reflete o amálgama de fatos, situações, encenações, personagens, que se confundem no real e no imaginário, oriundos do mundo interno ou da dimensão sociológica, sem delimitações claras.  Toma o partido da FLM – Frente de Luta Pela Moradia – e dos demais movimentos a ela associados.  Realiza uma imersão comprometida com a questão social que retrata.  É um filme emocionante e envolvente.  Um filme de luta, eu diria.


“Era o Hotel Cambridge” recebeu muitos prêmios pelo Brasil.  O público da 40ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e o do Festival do Rio 2016 o elegeu como melhor longa brasileiro.  Venceu também o Festival Aruanda, de João Pessoa, PB, e foi premiado no Festival Cinema de Fronteira em Bagé, RS, além de se destacar em festivais internacionais, como os de San Sebastian e Roterdã.


sábado, 18 de março de 2017

A BELA E A FERA


Antonio Carlos Egypto


A BELA E A FERA (La Belle et La Bête).  França, 1946.  Direção: Jean Cocteau.  Com Jean Marais, Josette Day, Marcel André, Mila Parely, Nane Germon.  93 min.

A BELA E A FERA (Beauty and the Beast).  Estados Unidos, 2015.  Direção: Bill Condon.  Com Emma Watson, Dan Stevens, Luke Evans, Kevin Kline, Ewan McGregor, Ian McKellen, Emma Thompson.  92 min.



“A Bela e a Fera” é um tradicional conto de fadas francês, originalmente escrito por Gabrielle-Suzanne Barbot, em 1740.  Mas a versão mais conhecida da história é mais compacta e simplificada em número de personagens e situações.  Foi escrita por Jeanne-Marie Leprince de Beaumont, publicada em 1756.  A versão de Beaumont é a que serviu de base ao filme de Jean Cocteau (1889-1963), realizado em 1946, que se tornou um grande clássico do cinema fantástico. 




Cocteau foi um renovador da estética cinematográfica.  Seu filme contém imagens oníricas, surrealistas, e efeitos especiais.  Tem uma fotografia, em preto e branco, belíssima, que trabalha muito bem com a bruma, a neblina, a fumaça.  A direção de arte construiu um universo de mistério e riqueza, que explora o contraste entre feiúra e beleza interior.  A magia do conto está lá, numa dimensão dramática.  O cineasta nos convida a que deixemos fluir um pouco de nossa inocência infantil para acompanhar essa narrativa fantastica e acreditar na história.  Ou seja, ele se dirige ao público adulto, não às crianças.




Bem diferente da versão da Disney, em desenho animado, de 1991, dirigida ao público infantil, que transformou o conto trágico-romântico num bem-humorado musical.  A versão 2015 de “A Bela e a Fera”, também da Disney, que está agora nos cinemas, dirigida por Bill Condon, é uma live-action baseada naquela animação, muito popular e grande sucesso de público.  É o chamado filme-família.  As crianças provavelmente vão adorar.  Mas os adultos vão se divertir também.  É uma produção grandiosa, musical, com elenco forte e objetos que ganham vida e se destacam na narrativa, como o candelabro, o relógio, o bule, a xícara.  E o monstro é charmoso, quase tanto quanto a Bela. Leveza e humor tomam o lugar do drama, o romantismo vence o trágico, galhardamente.  Mas não sem antes uma boa luta, recheada de efeitos especiais.  Tem pouco a ver com o clássico de Jean Cocteau, embora a história seja basicamente a mesma.  Mas quanta diferença!

O Centro Cultural Banco do Brasil – SP está promovendo neste mês de março a Mostra “Jean Cocteau: O Testamento de um Poeta” e incluiu “A Bela e a Fera”, de 1946, entre as películas exibidas.  Esse filme também pode ser encontrado em DVD e em sites da Internet.


“A Bela e a Fera”, de Bill Condon, tem uma carreira promissora.  Está levando grande público às salas de exibição.  Não é novidade.  Afinal, marketing é o que não falta e o número de salas, como sempre acontece com os blockbusters, é arrasador.



quarta-feira, 15 de março de 2017

O FILHO DE JOSEPH


Antonio Carlos Egypto




O FILHO DE JOSEPH (Les Fils de Joseph).  França/Bélgica, 2016.  Direção e roteiro: Eugène Green.  Com Victor Ezenfis, Natacha Règnier, Fabrizio Rongione, Mathieu Amalric, Maria de Medeiros.  115 min.



A questão que move a narrativa de “O Filho de Joseph” é a da parternidade.  Ausência e rejeição pesam muito e o mínimo de equilíbrio e o bom humor parecem estar condicionados ao encontro de figura paterna substituta.

O personagem central é Vincent, um adolescente de 15 anos, vivendo bem com a mãe,   mas insatisfeito por desconhecer o pai.  Até que o descobre e a decepção só cresce.  Desejos de vingança tomam corpo, no entanto, uma afetividade inesperada pode pôr as coisas no lugar.

Dito assim, dá para imaginar um filme de fortes emoções.  Mas não é o que acontece.  Os diálogos soam cerebrais, artificiais.  Os tempos de reação são demorados, estranhos.  Evita-se o naturalismo e a expressão de grandes emoções.  Elas estão lá, mas represadas ou enquadradas por um certo formalismo.

Além de um tanto formal, o filme é todo erudito, se refere às diversas manifestações artísticas, como a pintura, a música, o cinema e a literatura.  Histórias bíblicas inspiram a trama.  Quem quiser buscar citações vai encontrá-las em todo lugar, o tempo todo.  O diretor Eugène Green vai na mesma linha que adotou em “La Sapienza”, seu filme de 2014.

O roteiro parte de uma temática bastante usual e conhecida, mas tem um refinamento artístico que lhe dá um ar sofisticado.  Seu maior mérito, porém, está na evolução das situações e na solução que surpreende, pelo menos da forma como foi conduzida.


Os desempenhos soam estranhos, pelos já citados racionalismo e formalismo que o filme adota.  Superado esse inconveniente, dá para curtir bem a proposta.


INSUBSTITUÍVEL


Antonio Carlos Egypto





INSUBSTITUÍVEL (Médicin de Campagne).  França, 2016.  Direção: Thomas Lilti.  Com François Cluzet, Marianne Denicourt, Isabelle Sadoyan, Christophe Odent.  102 min.



O Dr. Jean-Pierre Werner (François Cluzet)  é um médico dedicado, que trabalha numa comunidade rural da França, há 30 anos.   O que ele faz é o que no Brasil denominamos de saúde da família.  Ou seja, ele vai às casas dos pacientes, enfrenta caminhos difíceis, mau tempo, atende todo tipo de emergências e é muito querido na localidade.  O seu trabalho é muito eficaz, de modo que será muito difícil substituí-lo quando uma doença o incapacitar para uma atividade como essa, tão exigente e desgastante.  Só que ele se orgulha do que faz e atua com prazer.

Quando a situação se coloca, o conflito se estabelece.  Ninguém é insubstituível, mas Nathalie (Marianne Denicourt), a médica recém-formada que chegou, também vai mostrar seu talento, mas de outra forma.  Terá muito a aprender com ele, mas também terá o que ensinar a ele. Dessa relação e do trabalho que farão juntos, com  todas as dificuldades previsíveis, resultarão novas sínteses na vida deles e na da comunidade que atendem.


O filme é muito realista ao abordar o trabalho médico, suas exigências, sua dedicação, a importância que tem e o quanto gratifica o profissional que o exerce com seriedade.  Compreensível.  O cineasta Thomas Lilti já tinha dirigido três curtas-metragens, antes de se formar em medicina.  Dedica-se ao trabalho como diretor e roteirista, mas segue praticando a medicina.  Ele sabe do que está falando.  O cinema tem a ganhar com isso.  O filme exibe essa competência.  Mas tem, também, dois ótimos protagonistas, François Cluzet e Marianne Denicourt, que valorizam muito seus papéis.



quarta-feira, 8 de março de 2017

SILÊNCIO


Antonio Carlos Egypto





SILÊNCIO (Silence).  Estados Unidos, 2016.  Direção: Martin Scorsese.  Roteiro: Jay Cocks.  Com Andrew Garfield, Adam Driver, Liam Neeson, Tadanobu Asano, Yoshi Oida.  162 min.


Quem for ver “Silêncio”, de Martin Scorsese, no cinema, não pode deixar de se deleitar com a beleza da filmagem.  Cada plano encanta pelo enquadramento, colocação da câmera, elaboração da sequência, em locações magníficas, deslumbrantes.

O uso simbólico do fogo e da água, ao desenvolver a narrativa, é especialmente cativante.  Água e fogo produzem tanto a vida quanto a morte, em condições extremas.  De uma forma a um tempo grandiosa e assustadora.  Purificadora e destrutiva.  Avassaladora, sempre.

A fotografia de “Silêncio”, a cargo de Rodrigo Prieto, é espetacular.  Foi a única indicação ao Oscar que esse filme recebeu, e não levou.  Lamentável.  Não tinha concorrente à altura.  É difícil deixar de admirar o trabalho de fotografia, que é belo e perfeito para o clima da história e para o ambiente onde ela se passa.

A intensidade da trama está muito bem marcada por um elenco que transborda emoção até desembocar na frieza da apostasia.  Que, no caso, representa o abandono de convicções vitais para os personagens.






O assunto nos leva à expansão do catolicismo pelo mundo e à imposição dessa fé a todos os cantos, realizada pelas missões cristãs que aportaram por aqui desde o século XVI e buscavam conquistar também o Japão, sem sucesso.  A trama do filme “Silêncio”, do grande diretor Martin Scorsese, se inspira no romance do escritor Shusaku Endo (1923-1996), uma história ficcional baseada em fatos reais do fim da década de 1630, em que os padres portugueses Sebastião Rodrigues (Andrew Garfield) e Francisco Garupe (Adam Driver) vão à procura de seu mentor, o padre Ferreira (Liam Neeson), num Japão que proibia, perseguia e atuava com violência para coibir a fé cristã.  O próprio escritor Shusaku Endo, japonês e católico praticante, sempre encontrou dificuldades para conciliar a cultura nipônica com as características do cristianismo.

O filme põe em questão a ideia de que a cultura japonesa seria o lodo que traga qualquer inovação, resistente às interferências que modificariam suas crenças e tradições, nessa época histórica, com repercussão na própria contemporaneidade.  E põe em evidência a imperiosa necessidade de que qualquer fé, ou novo conceito, tem de respeitar cada cultura, sob pena de naufragar e produzir violência e guerras que poderiam ser evitadas.

De um lado, a ação dos dirigentes japoneses, os xóguns do século XVII, era de uma brutal opressão aos missionários portugueses, envolvendo crueldades inimagináveis, ao tentar isolar o Japão de interferências externas.  De outro, fica clara a tentativa de passar por cima de uma cultura milenar, como um autoritarismo também inaceitável.  E Buda pode ocupar o lugar de Cristo na abjuração da fé, em troca da sobrevivência.  Até Deus silencia.

O tema é muito caro ao diretor Scorsese, que alimentou o projeto da adaptação do livro de Endo por muito tempo, até conseguir realizá-lo.  Pode ser que algumas pessoas não tenham tanto interesse nesse tema histórico/religioso.  Mas não devem ficar indiferentes à qualidade cinematográfica do novo trabalho de Martin Scorsese.



segunda-feira, 6 de março de 2017

SOUVENIR

  
Antonio Carlos Egypto




SOUVENIR (Souvenir).  França, 2016.  Direção e roteiro: Bavo Defurne.  Com Isabelle Hupert, Kévin Azaïs, Johan Leysen, Carlo Ferrante.  90 min.


Em “Souvenir”, uma empregada numa fábrica de tortas passa seus dias botando enfeites em bolos, de forma mecânica e tediosa.  Leva uma vida simples e um tanto isolada.

Um novo colega de trabalho, no entanto, se convence de que ela é uma cantora que fez sucesso alguns anos atrás e se envolve amorosamente com ela.

Isabelle Hupert, no papel da operária/cantora, é brilhante.  Deixa em seu desempenho uma dúvida constante.  Trata-se, de fato, da mesma pessoa?  Como é possível?  Ela transmite a ambiguidade da situação com precisão e em uma atuação minimalista, sutil.  Digna de seu grande talento.

Que bom que os filmes em que ela atua são sempre lançados por aqui.  Hupert tem muitos fãs no Brasil.  Que devem ter torcido, como eu, para que ela ficasse com o Oscar por seu papel no filme “Elle”.  Mesmo sabendo que isso não aconteceria.

Deu Emma Stone, por “La La Land”.  Algo parecido com o que aconteceu , em 1999, quando Fernanda Montenegro, por “Central do Brasil”, perdeu para Gwyneth Paltrow, por “Shakespeare Apaixonado”.  Um absurdo!  De qualquer modo, as duas grandes atrizes, Isabelle e Fernanda, ganharam o reconhecimento em escala mundial, com a indicação.  É sempre bom lembrar: o Oscar é um prêmio da indústria, não da arte.



UM LIMITE ENTRE NÓS


Antonio Carlos Egypto




UM LIMITE ENTRE NÓS (Fences).  Estados Unidos, 2016.  Direção: Denzel Washington.  Com Denzel Washington, Viola Davis, Stephen Henderson, Russell Hornsby. 139 min.


“Fences”, a peça teatral de August Wilson, foi levada na Broadway com Denzel Washington e Viola Davis como protagonistas.  A versão cinematográfica, que recebeu o mesmo nome (aqui, “Um Limite Entre Nós”), teve August Wilson como roteirista, foi dirigida por Denzel Washington e protagonizada por ele e Viola.

É um drama familiar, um melodrama como muitos outros, bem construído, com bons diálogos, acrescentando a esses ingredientes uma realidade norte-americana de grande hostilidade aos negros, na década de 1950.

O filme não disfarça sua origem teatral, mas tem um bom ritmo e uma temática e personagens consistentes.  O seu maior triunfo, sem dúvida, são seus dois maravilhosos atores principais: Denzel Washington e Viola Davis.  Eles dão um show de interpretações, revivendo os papéis que já haviam desempenhado no teatro.  Viola ganhou o Oscar de atriz coadjuvante (por que coadjuvante?), o Globo de Ouro e o BAFTA britânico.  Prêmios merecidíssimos.  Denzel merecia outro tanto.  E o elenco de atores é todo muito bom, de primeira linha.