Alguns filmes passam tão meteoricamente pelo
circuito comercial que mal dá tempo de se comentar algo antes de que saiam de
cartaz. Há os que até, surpreendentemente,
seguem em exibição, mas num só cinema ou num só horário. E são bons filmes, que mereceriam ser
conhecidos. Por isso, me arrisco a
comentar alguma coisa aqui, contando com que a indicação de seus países ao
Oscar lhes dê maior sobrevida.
RETABLO |
RETABLO,
filme peruano de 2017, está indicado ao Oscar de filme internacional e foi
exibido na 42ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a do ano de
2018. Dirigido pelo cineasta e psicólogo
Álvaro Delgado-Aparício, seu primeiro longa, é um filme que lida com tradições,
folclore, e um ambiente conservador, que torna tudo mais complicado e
dramático. Aborda, por meio do personagem Noé, a
tradição artística dos retablos, que
são caixas artesanais, portáteis, de madeira, com porta, que contém figuras de
massa pintadas, que representam cenas religiosas ou cotidianas de famílias
abastadas da elite local, como, por exemplo, dos políticos. É um belo trabalho que o reconhecido artesão
Noé desenvolve e capacita seu filho adolescente de 14 anos, Segundo, para
sucedê-lo. A narrativa se baseia na
visão do adolescente. E foca na relação pai e filho. Essa bela arte tradicional
será posta em xeque quando uma cena homoerótica é flagrada e não consegue ser
assimilada pela sociedade conservadora e religiosa da localidade. Mais do que isso: é fortemente rejeitada e
perseguida, sem abrir nenhuma possibilidade de assimilação. Como Segundo vai lidar com isso? Que caminho vai tomar? É por aí que o filme se coloca, questionando
a visão conservadora, e explorando as manifestações artísticas e folclóricas
que merecem ser preservadas. 101 min.
A CAMAREIRA |
A
CAMAREIRA (La
Camarista), de Lila Avilés, de 2018, é a indicação mexicana para concorrer
ao Oscar de filme internacional. Sua
narrativa concentra-se na vida penosa e frustrante de Eve, a jovem mãe solteira
que trabalha como camareira num hotel de luxo, na cidade do México, sem tempo
para nada, nem mesmo para ver com regularidade seu bebê, cuidado por outra
pessoa. Acompanhamos sua rotina e, como
espectadores, vamos percebendo pouco a pouco o que a move, que expectativas tem,
por onde passa seu desejo, que planos alimenta para o futuro e que ações faz,
com base nisso. Vemos que o trabalho
pesado e cansativo até promete, mas não cumpre.
O que resulta disso é angustiante, especialmente quando uma esperança
que parecia tão concreta não se realiza.
Aí é que o filme ensaia caminhos e possibilidades, mas acaba não
encontrando propriamente um rumo para a personagem. Ou preferindo deixar em aberto, só sugerindo,
esse rumo. As soluções individuais são
mesmo muito complicadas, ou virtualmente inexistentes, quando um sistema
explorador não oferece saídas reais, apenas doura a pílula, sendo até acolhedor
ou afetivo sob alguns aspectos, mas sem resolver o cerne da questão. É como aquela história do gerente do banco
que não resolve o que você precisa, mas o trata bem, oferece cafezinho e
tal. De que adianta? “A Camareira” é um filme de clima, que nos
põe no centro da vida de uma trabalhadora modesta, sem preparo, mas dedicada à
função que ocupa, que ousa ter esperança.
Em certos contextos, no entanto, até sonhar é difícil. 102 min.
ADAM,
produção do Marrocos de 2018, indicada para concorrer pelo país ao Oscar de
filme internacional, dirigida por Maryam Touzani, é um filme sobre mulheres
desamparadas, cada qual à sua maneira.
Põe em contato duas mulheres, uma, viúva com uma filha ainda pequena,
que tenta sobreviver de forma estóica e a muito custo. Que se enrijece, endurece, mas não
verga. É sua defesa, indispensável. Pelo menos até que encontre e acolha uma
jovem grávida, fora do casamento, o que é um problema moral no Marrocos,
vagando pelas ruas sem casa ou trabalho.
Do encontro das duas novas perspectivas virão. Uma modificará a outra, abrindo espaços para
novas possibilidades e esperanças, num contexto muito difícil para ambas. Na verdade, para o trio, já que a menina que
vive na casa, onde elas acabarão convivendo, servirá de elemento catalizador da
relação, com a indispensável perspectiva do futuro que as crianças trazem. A maternidade está no centro dessa trama, em
que as relações ocupam o lugar principal.
A sempre possível perspectiva de mudança e o encontro consigo mesmas
servindo de elementos de base para uma melhor relação com a vida. Uma história contada com sensibilidade e
respeito pelos sentimentos, desejos e idiossincrasias de cada uma. 96 min.
Para
encerrar
1º. de dezembro, dia mundial de luta contra a
Aids. O cinema tem participado dessa
batalha já há muitos anos. Alguns dos
filmes produzidos sobre o tema estão em cartaz na Mostra Prevenção, no Cinesesc,
até o dia 04 de dezembro.