domingo, 28 de abril de 2019

O ÚLTIMO LANCE

Antonio Carlos Egypto


O ÚLTIMO LANCE (Tunternaton Mestari).  Finlãndia, 2018.  Direção: Klaus Häro.  Com Heikki Nousiainen, Amos Brotherus, Pirjo Lonka.  95 min.





“O Último Lance” é uma das poucas possibilidades de assistir a filmes finlandeses na tela grande (ou em qualquer tela, na verdade).  É um bom trabalho, que dá chance para pensarmos em questões de relacionamento familiar e geracional e nas relações da arte com o mercado.

O personagem Olavi (Heikki Nousiainen), de 72 anos, é  marchand, dono de uma antiga loja de arte figurativa, em Helsinki.  Ele cuida da loja, como sempre fez há muitos anos, no estilo mais tradicional, mas com muito cuidado e carinho.  É um amante das artes, muito dedicado a elas.  Dedicação que falta em relação a sua própria família, filha e neto.

Pressionado a admitir seu neto de 15 anos, Otto (Amos Brotherus), como estagiário em seu negócio, ele aprenderá a conviver, mesmo que inicialmente a contragosto, com as novidades tecnológicas, o informalismo e o dinanismo do jovem.  O que acabará por lhe ser muito útil, quando ele resolver tentar um lance arriscado, que sua experiência lhe recomenda.  Mas que pode ser o fim de seu comércio, já cambaleante há tempos.




Será também uma oportunidade de rever erros passados e encontrar novos caminhos para o relacionamento familiar conturbado, especialmente com a filha Léa (Pirjo Lonka).  A injeção de sangue jovem de seu neto será reveladora de que sempre é preciso estar aberto ao mundo, superar preconceitos, aceitar e valorizar a ajuda, ao mesmo tempo em que também é necessário  defender–se da malandragem e da falta de ética que pululam no chamado mercado.  Bem turbinado nos dias atuais.

O valor da arte, no caso da pintura, no mercado tem muito de especulativo na venda de coisas como confiança, autenticidade, assinaturas legítimas ou ausentes.  Tal como ações na Bolsa, os leilões podem trazer grandes ganhos ou grandes prejuízos.  Enriquecimento ou ruína.

“O Último Lance” desenvolve uma narrativa tradicional, acompanhando seu protagonista.  Mas tem uma bela fotografia, em tons dourados e escuros, que remete à arte pictórica que é o centro da trama.  Tem um grande ator no papel central, um jovem ator que dá conta do recado, uma atriz intensa nas emoções.  Enfim, um elenco capaz de nos transmitir a importância e o significado do afeto nas vidas humanas.  Todo o suspense que o filme apresenta está escorado na questão afetiva, enquanto a pintura ocupa o primeiro plano, especialmente a de Llya Repin (1844-1930).




quinta-feira, 25 de abril de 2019

SOBIBOR

Antonio Carlos Egypto






SOBIBOR (Sobibor).  Rússia, 2018. Direção: Konstantin Khabenskiy.  Com Konstantin Khabenskiy, Christopher Lambert, Mariya Kozhevnikava, Philippe Reinhardt, Michalina Olszanska.  110 min.


Sobibor foi um campo de concentração conduzido pela Alemanha nazista na Polônia, nos anos de 1942 e 1943, que chegou a exterminar cerca de 250 mil prisioneiros judeus, de diversas nacionalidades.  Entre eles, os russos.  Foi um prisioneiro de guerra soviético, o oficial Alexander Pechersky, que conseguiu realizar o impensável: organizar um motim de detentos que assassinou os doze principais comandantes alemães do campo e resultou numa fuga em massa, de 300 pessoas, na única ação desse tipo bem sucedida durante toda a Segunda Guerra Mundial.

Ainda que muitos dos fugitivos tenham sido mais tarde capturados e mortos, foi um feito e tanto.  Os compatriotas de Pechersky que sobreviveram engrossaram as linhas defensivas russas na guerra.  Não surpreende que Alexander Pechersky tenha se tornado um grande herói russo, postumamente premiado com a Ordem de Bravura, e que hoje é celebrado nos livros escolares de História, dá nome a uma Fundação, teve um busto inaugurado em 2017, uma exposição no Museu da Vitória e vários livros já foram publicados sobre os fatos.  Um poema “Luca“ dedicado à rebelião deu origem a uma campanha internacional de resgate dessa memória e dos atos corajosos, heróicos, de todo o grupo comandado por Pechersky.  Uma ação que conseguiu  ser realizada apesar do estrito controle de uma prisão tenebrosa, envolvendo diferentes idiomas.

Neste filme russo “Sobibor”, de 2018,. dedicado ao 75º aniversário da rebelição no campo de concentração nazista, o elenco representa essa diversidade de línguas, os personagens falam russo, alemão, polonês, holandês e iídiche.  Um trabalho de peso, em busca da autenticidade, que exigiu bastante do diretor e também ator do filme, Konstantin Khabenskiy.




O processo de criação, reconstrução, desse episódio foi especialmente complicado, apesar da existência de objetos, fotos, informações escritas e outras. Sobibor foi inteiramente destruído, para que nada de sua estrutura física restasse, e o terreno recebeu o plantio de muitas árvores.  O filme consegue recuperar essa estrutura física histórica, o que é importante para que o espectador tenha a dimensão dos fatos nos espaços correspondentes.  Direção de arte, fotografia e um elenco de peso dão à produção grande sustentação.

“Sobibor” é eficiente, ao mostrar o cotidiano, a realidade do campo de extermínio, os sentimentos dos personagens, e alcança bom resultado em termos de ação e suspense, ao mostrar como a revolta se formou e se desenvolveu.

A questão do heroísmo numa luta para combater o mal escapa ao clichê, na medida em que o nazismo conseguiu ser pior do que a mais cruel das ficções poderia imaginar.  Assim, esse movimento político de extrema direita, variante requintada do fascismo, acabou virando a própria representação desse mal.  Os que conseguiram combatê-lo e vencê-lo, ainda que parcialmente, certamente merecem a designação de heróis.

O filme foi baseado no livro “Alexander Pechersky: Breakthrough to Imortality”, de Ilya Vasilyev, que inclui as memórias de Pechersky e o poema “Luca”, de Mark Geylikman.  O autor é chefe da Fundação Pechersky e produtor criativo do filme.  Apesar de o assunto ser pouco conhecido e difundido internacionalmente, “Sobibor” não é o primeiro filme sobre o tema.  Em 1987, Rutger Hauer protagonizou o filme britânico – iugoslavo, “Fuga de Sobibor”, que não alcançou grande repercussão. Agora, com “Sobibor” tendo representado a Rússia na disputa do Oscar de filme estrangeiro, é provável que o filme conquiste uma parcela de público mundial mais expressiva.




domingo, 21 de abril de 2019

EM CARTAZ

Antonio Carlos Egypto


Há bons filmes em cartaz nos cinemas.  Não falta qualidade ou relevância a grande parte dos títulos em exibição.  Vamos a alguns deles.

LOS SILENCIOS é uma coprodução da Colômbia e do Brasil, dirigida por Beatriz Seigner, que tem no elenco Marleyda Soto, María Paula Tabares Penã e o brasileiro Enrique Diaz.  A ação se passa numa pequena ilha situada na Amazônia, na região da tríplice fronteira Brasil, Colômbia e Peru.  Uma família que tenta escapar do conflito armado colombiano, que envolve o governo e as Farcs, reencontra o pai e outros personagens que julgavam mortos e convive com mistérios, que assombram o dia-a-dia daquela comunidade.  O filme se utiliza de elementos fantásticos para tratar da questão dos refugiados e dos problemas sociais daquela região, com um esmero estético admirável.  Exibida em Cannes, conta com premiações importantes em diversos festivais pelo mundo e no 51º. Festival de Brasília.  90 minutos.


LOS SILENCIOS


Em TRÊS FACES, o cineasta iraniano Jafar Panahi, que vinha sofrendo prisão domiciliar por razões políticas, está solto e participa do filme como ator, percorrendo uma região do país, uma aldeia nas montanhas, onde vive uma menina que enviou um vídeo desesperador, com um pedido de ajuda, antes de anunciar que vai se matar, pois sua família não permite que ela estude no Conservatório de Teatro de Teerã.  Quem é essa menina, sua família, quais são as tradições do lugar e o que de fato aconteceu, é o mote da pesquisa que ele faz com a famosa atriz Behnaz Jafari, que recebeu o vídeo.  A investigação revela o papel das gravações em vídeo, transmitidas instantaneamente, o que pode haver por trás delas, as manipulações e interesses a que estão sujeitas.  Tudo isso, a partir de uma situação pessoal, mas envolve uma reflexão muito mais ampla sobre o mundo digital e imagético dos nossos dias. 100 minutos.

VIDAS DUPLAS, do talentoso e experiente cineasta francês Olivier Assayas, é um filme sobre troca de infidelidades inesperadas e que surpreendem.  Sim, mas também é sobre as questões editoriais e literárias que se colocam diante da revolução digital.  É seu tema, também, até onde a ficção é criação ou está muito calcada na vida de seu criador, a ponto de se tornar indisfarçável.  E sobre o direito dos retratados “ficcionalmente”, que se veem expostos, de fazerem exigências, impedir a publicação e outras coisas mais.  Que papel tem o livro físico no presente e no futuro?  A leitura digital resistirá ao tempo, como o livro resiste?  Enfim, são muitas faces de uma trama afeita mais aos intelectuais do que ao público em geral.  Talvez nem tanto na França, que cultiva e discute os livros e a literatura muito mais do que nós.  O filme é bem feito e tem bom humor.  Destaque para uma cena divertida, metalinguística, que envolve a personagem de Juliette Binoche, onde ocorre uma especulação sobre a atriz Juliette Binoche. 107 min.


VIDAS DUPLAS


AMOR ATÉ AS CINZAS, de Jia Zhang-Ke, grande diretor chinês da atualidade, não está entre seus trabalhos mais elaborados ou empolgantes.  Mas a história de amor e conflito que atravessa décadas, em meio a disputas de gangues rivais, separação, prisão e retorno em outro momento e situação de vida, está longe de ser desinteressante. Até porque traz as contradições da China como pano de fundo.  Tem um elenco eficiente, é bem filmada e suscita algumas reflexões.  É que a gente acaba esperando mais dele, mas é um bom trabalho, não há dúvida.137 min.

O GÊNIO E O LOUCO, dirigido por Farhad Safinia, nascido no Irã, trabalhando nos Estados Unidos, conta uma história muito interessante e real, envolvendo o professor James Murray (Mel Gibson) e o doutor W. C. Minor (Sean Penn), esquizofrênico, que juntos tocaram um dos maiores projetos do mundo.  Foi o da criação do dicionário Oxford, o primeiro da língua inglesa, que incluiria todas as palavras do idioma, suas variantes e significados, a partir do uso coloquial e dos textos literários escritos até 1857, quando o trabalho começou.  Os dois personagens centrais têm seus próprios dramas e são bastante distintos entre si, interpretados por dois grandes atores.  Isso segura um filme que, a princípio, não teria apelo popular.  No entanto, funciona bem e interessa ao público.  Vale a pena conhecer essa história.  125 minutos.

O GÊNIO E O LOUCO


O ANJO, direção e roteiro de Luís Ortega, indicado pela Argentina para concorrer ao Oscar de filme estrangeiro, é uma ficção baseada em fatos reais.  Mostra que crimes bárbaros podem ser praticados não só por psicopatas estranhos, mas por gente jovem, bonita e capaz de expressões emocionais.  É o caso do adolescente Carlitos, o anjo loiro da morte, que revelou grande talento para cometer crimes.  O filme não vai muito além disso, mas é bem realizado.118 minutos.





segunda-feira, 15 de abril de 2019

O MAU EXEMPLO DE CAMERON POST


Antonio Carlos Egypto




O MAU EXEMPLO DE CAMERON POST (The Miseducation of Cameron Post).  Estados Unidos, 2018.  Direção: Desiree Akhavan.  Com Chloë Grace Moritz, Sasha Lane, Steven Hauck, Quinn Shepard.  91 min.


Quando a religião se opõe ao conhecimento científico e tem poder para agir neste sentido, muito sofrimento humano vem à tona.  Não estou pensando no que se passou na Idade Média, nem me referindo a Galileu Galilei.  Estou falando de hoje, do século XXI e da absurda ideia da chamada “cura gay”, assunto do filme “O Mau Exemplo de Cameron Post”.

Tratamento ou cura só podem se referir a uma doença que, no caso, não existe.  O desejo homossexual é legítimo e não constitui nenhum tipo de problema ou enfermidade.  Até alguns anos atrás, ainda havia dúvidas ou reticências.  Hoje, não. A medicina, a psicologia, as ciências humanas em geral, já se manifestaram de forma muito clara quanto a isso.  Cito a Organização Mundial de Saúde e as instituições médicas mundo afora.  Os órgãos normativos de psicologia no Brasil, os Conselhos Regionais e o Conselho Federal de Psicologia, condenam qualquer tipo de psicoterapia que tenha por objetivo transformar o desejo homossexual em heterossexual como charlatanismo e aplicam as devidas sanções aos profissionais que infringem a norma.

No entanto, existem instituições religiosas que persistem nessa ideia, falando em pecado, ações do demônio e coisas desse tipo, altamente opressivas, ainda que apresentadas de forma delicada e com aparente boa intenção. Acontece que é um grande equívoco – é algo inadequado, inútil e cruel, que só reforça o preconceito social e o sentimento de autorrejeição nos sujeitos elegíveis para esse gênero de tratamento.

O filme, dirigido por Desiree Akhavan, baseia-se no romance de inspiração autobiográfica, de Emily M. Danforth, que trata daquelas jornadas de descobertas da sexualidade das meninas adolescentes, numa pequena cidade interior dos Estados Unidos, em torno dos 12, 13 anos de idade.  A busca inocente de um beijo e de um toque em outra menina, sem muito clareza do que isso significa, acende um desejo ainda indefinido, mas capaz de carregar culpa, frente ao modo como a sociedade age nesse assunto.  Algo que ocorre para a jovem Cameron (Chloë Grace Moritz) em meio a uma grande tragédia familiar, a perda dos pais num acidente terrível na cidade.




O fato é que a tentativa de “solucionar o problema” da homossexualidade de Cameron acaba por levá-la ao centro de recuperação para jovens “Promessa de Deus”, em 1993, onde se pratica a tal da cura gay.

Na vulnerabilidade daquele momento de vida, e de um desejo que vai se moldando, a jovem vai viver uma experência opressiva, agressiva, totalitária, com luvas de pelica, disciplina e muitas orações.  Lá, ela acabará por encontrar parceiros com quem se identificar e poderá, finalmente, entender quem ela é e como deve se comportar no mundo.  À margem da farsa daquele tratamento, é claro.  O filme é importante por revelar as entranhas dessa história toda e focar nos sentimentos e desejos da garota.

É uma produção estadunidense independente, exibida no Festival de Sundance, com ótima acolhida crítica e prêmios em outros festivais.  A distribuição brasileira é da Pandora Filmes, que acertou uma parceria com a rede Cinépolis, presente em cinemas de shopping de todo o Brasil, para lançar quinzenalmente filmes independentes, de boa qualidade artística, na rede.  Isso é importante porque abre uma janela de exibição nacional para filmes que não costumam chegar ao grande público.

BOY ERASED




Já que estamos falando de filme que aborda a polêmica cura gay, “Boy Erased – A Verdade Anulada”, dirigido por Joel Edgerton, com Lucas Hedges e Nicole Kidman, que também trata do tema e vem bem recomendado, sai em DVD no Brasil, a partir de 17 de abril.

Esse foi o caminho adotado pela Universal Pictures, que desistiu de lançá-lo nos cinemas, alegando uma decisão mercadológica, após fraco desempenho do filme nos Estados Unidos.  Segundo ela, o custo da campanha para promover o filme aqui não compensaria o provável baixo desempenho nas bilheterias.  É estranho.  O resultado foi modesto, mas o filme não fracassou lá.  Muito tem se falado de que essa decisão refletiria o clima atual da política brasileira, com ideias muito conservadoras e homofóbicas em alta.  O autor do livro que deu origem ao filme, Garrard Conley, lamentou que esse tipo de coisa aconteça num país tão incrível como Brasil.  O ator, Kevin McHale, protestou no  twitter, indicando que o presidente Jair Bolsonaro estaria envolvido nessa censura.  Bolsonaro, também pelo twitter, negou qualquer participação nisso.  Disse que tem mais o que fazer.





sábado, 13 de abril de 2019

DOCUMENTÁRIOS NACIONAIS


Antonio Carlos Egypto

Como eu já esperava, a 24ª. edição do Festival “É Tudo Verdade”, em 2019, tem apresentado uma leva de documentários nacionais muito atraente.  Essa é uma área em que o cinema brasileiro tem mostrado muita competência e sintonia com o nosso tempo e com a nossa cultura, avançando sempre.

Dos 7 documentários que vi nessa edição, 5 em competição e 2, em programação especial de lançamento, gostei de todos.  O que mais me empolgou tem a ver com preferências artísticas pessoais e com marcas que vêm da infância: DORIVAL CAYMMI – UM HOMEM DE AFETOS, de Daniela Broitman.  Basta dizer que “Maracangalha” foi talvez a música mais importante da minha infância.  Desde antes de a bossa nova surgir e me arrebatar, eu já me encantava com o talento do velho Dorival, um dos poucos a quem se pode chamar de gênio, sem qualquer exagero.  Ele, Villa-Lobos, Tom Jobim, Pixinguinha, para falar só dos que já se foram.  E o filme emociona porque traz a figura humana de Caymmi, marcada por seus afetos, como diz o título, exibindo também suas fraquezas e contradições.  Mas destacando o melhor, a sua música.  Uma entrevista inédita do compositor e cantor, gravada em 1998, é o fio condutor, mas lá estão também seus três filhos, Danilo, Dori e Nana, e ótimas falas, contribuições de Gilberto Gil e Caetano Veloso, para a compreensão da grande importância de Caymmi para a cultura brasileira.  90 minutos.


DORIVAL CAYMMI


Um outro belo trabalho fez o crítico  Ricardo Calil em CINE MARROCOS.  A partir do famoso e luxuoso cinema paulistano, que acabou abandonado e foi ocupado num determinado período pelo pessoal do Movimento Social dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), ele introduz a arte, que era a própria razão de ser do prédio.  Resgata projeções de filmes antigos e oficinas de representação, estimuladas pelas sequências cinematográficas, enquanto, a partir dos integrantes da ação, nos mostra o que é e como funciona a ocupação, para além dos preconceitos habituais.  Dos 25 membros iniciais até chegar aos 3 mil que moravam lá, quando da desocupação, há toda uma história que é possível conceber, a partir do documentário, de apenas 76 minutos.

Belíssimo também é NIÈDE, o documentário sobre a arqueóloga brasileira Niède Guidon, responsável pela revelação das pinturas rupestres do sul do Piauí, que deram origem a um parque importantíssimo e a pesquisas que contestam teorias sobre a chegada do homem à América.  As pinturas, de exuberante beleza e complexidade, jogam por terra ideias de um primitivismo simplório que teria havido por aqui, em contraste com o que se via na Europa.  E muitas perguntas ainda estão no ar.  O documentário de Tiago Tambelli só peca pelo excesso de tempo.  Uma edição um pouco mais enxuta do que os 135 minutos apresentados valorizaria ainda mais o trabalho realizado, evitando repetições.


NIÈDE


O documentário RUMO, combinando entrevistas, animações e imagens de arquivo, conta a história do criativo e inovador grupo Rumo, que reuniu integrantes como Paulo e Luiz Tatit, Ná Ozzetti, Hélio Ziskind, Ákira Ueno e Zécarlos Ribeiro, e se destacou pela originalidade, especialmente na década de 1980.  Mas eles ainda estão por aí, celebrando essa história, resgatada pelo documentário de Flávio Frederico e Mariana Pamplona, de 77 minutos.

Ainda entre os documentários brasileiros em competição, vi SOLDADO ESTRANGEIRO, de José Joffily e Pedro Rossi, que focaliza três brasileiros que integram, ou integraram, exércitos estrangeiros.  Um, na França, outro, em Israel, e outro que é veterano nos Estados Unidos.  O que faz com que alguém vá participar de uma guerra que, a princípio, não lhe diz respeito?  Há questões pessoais muito interessantes, fantasias, frustrações, identificação ideológica.  O filme reforça uma visão antibélica.  83 minutos.

Fora de competição, gostei muito do trabalho de Lauro Escorel, FOTOGRAFAÇÃO, que aborda um pouco da história da fotografia e dos registros de imagens do Brasil, até chegar à profusão da fotografação digital dos nossos dias.  Uma imagem do nosso país que vai se constituindo e se modificando traduz a nossa identidade coletiva e nos mostra quem somos e a solidez do que somos.  76 minutos.

Vi, ainda, o filme MILÚ, de Tarso Araújo e Raphael Erichsen, sobre a figura de Milú Villela, da alta sociedade, que se reinventa num ativismo surpreendente, na educação, nas artes e na solidariedade filantrópica.  E mostra que seu trabalho tem peso e importância bem maior do que pode se supor à primeira vista.  Fez e faz diferença.  88 minutos.





terça-feira, 9 de abril de 2019

45º FESTIVAL SESC MELHORES FILMES

  
Antonio Carlos Egypto


Pelo 45º. ano consecutivo, acontece o Festival Sesc Melhores Filmes.  De 11 de abril a 01 de maio de 2019, no Cinesesc, em São Paulo, poderão ser vistos, ou revistos, os melhores filmes que foram lançados nos cinemas, no ano de 2018.  A lista dos escolhidos foi feita por duas votações paralelas.  De um lado, o público, de outro, a crítica.  Aqueles que se destacaram nas duas votações, tanto do cinema brasileiro quanto do cinema internacional, estarão na telona outra vez com a esmerada qualidade de projeção e som do Cinesesc.

Serão exibidos 48 filmes, sendo 19, estrangeiros, 20, nacionais, 06, clássicos restaurados e 03, da sessão Cineclubinho.  As categorias consideradas nas votações são: melhor filme, direção, fotografia, roteiro, atriz e ator, documentário, no caso do cinema nacional, e melhor filme, direção, ator e atriz, para os filmes estrangeiros.  Todas as sessões contarão com audiodescrição e legendas  open caption, recursos que incluem as pessoas com deficiência visual ou auditiva na experiência do cinema.  E a preços altamente convidativos: R$12,00 a inteira, R$6,00, a meia, e R$3,50, para comerciários.  Haverá também debates, exposição e seminários da crítica.

Tudo isso com o charme de um cinema de rua, que inclui um espaço de leitura e de alimentação.  É possível também utilizar o bar-lanchonete, instalado dentro da sala de cinema, que conta com uma janela de vidro temperado, transparente, superclaro, que permite consumir bebida, salgados e doces, e continuar assistindo ao filme sem incomodar os espectadores que estão na plateia. Tem loja com produtos exclusivos das edições Sesc e bicicletário, para uso exclusivo dos frequentadores.  Enfim, o Cinesesc é uma maravilha que todo cinéfilo paulistano conhece de longa data.




A cada dia do Festival, 4 filmes diferentes serão exibidos, de modo que quem quiser pode emendar um filme no outro e passar muitas horas apreciando o que de melhor o cinema atual tem para mostrar.  E, desse modo, resgatar o que perdeu, ao longo de 2018.  Afinal, foram tantos os filmes lançados durante todo o ano que mesmo alguns dos melhores filmes podem ter sido perdidos.  É uma grande oportunidade para recuperá-los.

Para quem ainda não sabe, o Cinesesc fica na rua Augusta, 2075, e a programação do Festival pode ser consultada no site sescsp.org.br.

Ainda não tenho o resultado final colhido pelo Festival, mas posso compartilhar com vocês o meu voto de crítico, enviado ao Cinesesc.

FILMES NACIONAIS
1) ARÁBIA
2) ALGUMA COISA ASSIM
3) O BEIJO NO ASFALTO
4) QUASE MEMÓRIA
5) FERRUGEM

Atriz: KARINE TELES

Ator: MARCO RICCA

Diretor: AFFONSO UCHOA e JOÃO DUMANS

Fotografia : AS BOAS MANEIRAS

Roteiro: O BEIJO NO ASFALTO

Documentário: DEDO NA FERIDA


FILMES ESTRANGEIROS
1) ROMA
2) CULPA
3) INFILTRADO NA KLAN
4) CUSTÓDIA
5) EM CHAMAS

Atriz: VIOLA DAVIS

Ator: BRUNO GANZ

Diretor: ALFONSO CUARÓN



terça-feira, 2 de abril de 2019

SHAZAM

Antonio Carlos Egypto


SHAZAM (Shazam).  Estados Unidos, 2018.  Direção: David F. Sandberg.  Com Zachari Levi, Asher Angel, Mark Strong, Jack Dylan Grazer, Faithe Herman.  132 min.




Se, neste momento, o seu negócio é um cineminha descompromissado, só para se divertir e nada mais, sem esquentar a cabeça, a opção pode ser “Shazam”.

O que é “Shazam”?  Mais uma história de super-heróis, como tantas outras, com muita ação, efeitos especiais, humor e brincadeira.  Com direito a um vilão tão invencível como o próprio herói, o doutor Sivana (Mark Strong).  Com agravantes: ele é um cara mais vivido, mais maduro.  E tem a acompanhá-lo um bando daquelas figuras horrendas de computador, que vêm a ser os pecados capitais.  Conclusão, para enfrentar um bando desses não basta um, é preciso um bando de super-heróis adolescentes e crianças.

Aí está a chave desse super-herói.  Ele é apenas um garoto esperto e meio malandro, de 14 anos de idade, Billy Batson, vivido por Asher Angel.  Ele vai descobrindo superpoderes, ajudado por um amigo, papel de Jack Dylan Grazer.  Os poderes são múltiplos, variados, espantosos.  Mas um garoto com essa idade vai fazer o que com esses poderes?  Vocês podem imaginar, muitas bobagens, futilidades, que acabam se tornando brincadeiras perigosas.  Principalmente porque basta dizer a palavra mágica, que ele se transforma em Shazam (Zachari Levi), um adulto encorpado e forte.  A mentalidade, porém, não muda, o que muda é só o corpo.

A alternância de ambiente, do mais cotidiano, como a escola ou o vagão do metrô, para o mundo mágico é imediata.  A fantasia, nos dias de hoje, não precisa mais de preparo, poções especiais, túneis, nem mesmo esfregar lâmpadas.  De lá para cá e daqui para lá, tudo se dá instantaneamente.  Tudo é muito ágil, sem perda de tempo.  Já encontrar uma missão digna dos superpoderes entregues por meio de um bastão por um velho mágico pode ser complicada para quem ainda não tem experiência de vida suficiente para saber o que fazer com isso.  Ser grande, forte e poderoso, com uma cabeça imatura e preocupações banais e imediatas, é a graça do personagem.




Já quando outros personagens, mirins e juvenis, se transformam e se acoplam para a luta final, todo mundo se dá muito bem.  Apanhando, aprende-se a bater, em busca de sobreviver aos monstros.  E quem não sabe de antemão qual será o fim dessa história?

A produção, como de costume nos  blockbusters  estadunidenses, é caprichada, vistosa, cheia de efeitos, com muita movimentação, constituindo-se num bom passatempo.  A diversão resume-se às pouco mais de duas horas de projeção.

Ao sair do cinema, não fica nada, nenhuma reflexão, nenhuma cena memorável, nenhuma inventividade.  É só e exclusivamente para passar o tempo, mesmo, divertindo-se com um super-herói adolescente, como o perfil do público mais visado pelo espetáculo.