sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

ESPETACULOSOS NO OSCAR

Antonio Carlos Egypto

 

 

O cinema que visa ao entretenimento e ao sucesso comercial costuma cultivar o chamado cinema-espetáculo.  Filmes que exploram os recursos tecnológicos, os efeitos especiais, em narrativas grandiosas, focadas principalmente na ação, nos heróis, com uma dimensão fantástica.  É um cinema de grandes custos, grandes orçamentos, o que torna imprescindível alcançar altíssimo faturamento, para que se possam compensar os esforços de suas realizações.  São os tais blockbusters. Alguns alcançam sucesso retumbante, faturam muito dinheiro.  Outros, fracassam redondamente. Alguns conseguem ser mesmo espetaculares.  Mas isso é muito raro. Mais comum é classificá-los como espetaculosos.  Ou seja, fazem de tudo para criar o grande espetáculo, mas costumam derrapar no próprio excesso e pretensão.

 

Três produtos indicados ao Oscar de melhor filme em 2023 penso que possam ser entendidos mais como espetaculosos do que qualquer outra coisa.

 

Babilônia

A começar por BABILÔNIA, de Damien Chazelle (que dirigiu também “La La Land”, em 2016).  Ele focaliza momentos importantes da história do cinema, do mudo (ou silencioso) ao falado, mostra os estúdios, as grandes produções, os astros e estrelas, a grana que ergue e destrói coisas belas, como diria o Caetano.  Com seu elenco de peso, que inclui Brad Pitt, Tobey Maguire, Margot Robbie, Diego Calva e muitos outros, em prolongadíssimos 189 minutos de projeção, é a própria exibição do exagero, em qualquer sentido que se tome.  É tudo histriônico, espalhafatoso, grandiloquente.  As filmagens do cinema mudo carregadas de gritarias, correrias, canto e dança em profusão,  sem falar em elefante e escatologia, tudo em excesso.  Tanto que, quando chega o cinema falado, o silêncio para gravar é o maior tormento.  Mas num instante o excesso e o escândalo se recompõem.  É dificílimo encontrar uma única sequência que não seja assim.  Claro, é cansativo, desgastante, embora atraente.  Se fosse mais sutil e muito mais curto, o filme poderia funcionar.  Como está, francamente, é só espetaculoso.

 


AVATAR: O CAMINHO DA ÁGUA, de James Cameron (diretor de “Titanic”, 1997), retoma os estranhos, alongados e azulados personagens do povo da floresta e os une ao povo do mar, com mensagens de que a água é tudo, está dentro e fora de nós, na nossa origem e no nosso destino.  Enfim, valoriza o papel da água na vida de todos. Até aí, tudo bem e muito apropriado.  Mas será preciso retomar a ideia de guerra para salvar Pandora contra os humanos destruidores e o que o filme acaba fazendo é produzir uma violência na água, dentro dela, no fundo do mar, e que chega a tal ponto que o mar é tomado pelas chamas, se transforma em chamas.  A elegia da água termina em guerra.  Termina, não, se torna uma guerra interminável.  O filme é ainda mais longo do que “Babilônia”: 192 minutos.

No elenco, Sam Worthington, Zoë Saldaña, Sigourney Weaver, Kate Winslet, Stephen Lang.  Muita criatividade visual, alta tecnologia e o resultado: espetaculoso, nada mais.  No entanto, o sucesso comercial já foi garantido pelas bilheterias mundiais.

 

Top Gun : Maverick

TOP GUN: MAVERICK alcança um resultado melhor no quesito espetáculo. Pelo menos, para quem gosta de aviões.  Afinal, eles são a verdadeira atração do filme.  Suas exibições, peripécias, experimentações, combates, batalhas aéreas são muito bem feitas e agradam a muita gente.  Não importa que a história seja sempre a mesma, com decepções, conflitos, substrato romântico, que todo mundo sempre soube que vai acabar bem.  O que vale é a aventura a bordo dos aviões, sua ostentação e suas tresloucadas manobras e combates. O filme é dirigido por Joseph Kosinski. Tem o astro Tom Cruise, além de Miles Teller, Val Kilmer, Jennifer Connely, Glen Powel, no elenco.  É mais um filme longo, mas nem tanto: 131 minutos de duração, que passam sem sacrifícios.

 
Por que esses três filmes estão indicados entre os 10 melhores, segundo os critérios da Academia de Hollywood?  São produtos comerciais espetaculosos, não espetaculares.  Essa busca pelo grande espetáculo é sempre ingrata e absolutamente imprevisível.  Se um desses filmes vencer a categoria principal de melhor filme será uma grande surpresa e uma decepção.  Nem só de espetáculo pode viver o cinema.  Fica tudo tão repetitivo e previsível que ninguém aguenta mais.  Pelo menos, os mais velhos, acho que não, mesmo.

 

E para que produzir filmes de tão longa duração, sem a menor necessidade disso?  É muito tempo perdido para tão pouco resultado. O espalhafatoso estéril. Não é nos pequenos frascos que estão os melhores perfumes?



 

 

domingo, 19 de fevereiro de 2023

A BALEIA

  Antonio Carlos Egypto

 

 



A BALEIA (The Whale).  Estados Unidos, 2022.  Direção: Daren Aronofsky. Elenco: Brendan Fraser, Hung Chau, Sadie Sink, Samantha Norton, Ty Simpkis.  117 min.

 

A questão da obesidade mórbida que o personagem Charlie (Brendan Fraser) de “A Baleia” nos apresenta é muito importante e muito séria.  Quando uma pessoa pesa acima de 200 quilos e se torna incapaz de sair do sofá ou fica dependente de andar com andador e mesmo assim com muita dificuldade, ela fica presa em casa, paralisa sua vida, torna-se vítima de preconceito, silencia e se torna invisível à sociedade.  Uma espécie de morte em vida, de gravíssimas consequências.  E que, geralmente, envolve muito sentimento de culpa, ainda que outros fatores além da alimentação desmedida contribuam para isso.  O aspecto emocional é, via de regra, o detonador do excesso alimentar e a persistência nele revela uma dificuldade que tem diversas origens, mas, de qualquer modo, demonstra uma incapacidade que é dolorida.

 

Charlie foi – é – professor de literatura inglesa e ainda trabalha on line com os alunos, porém, com a câmera desligada, supostamente quebrada ad eternum.  De outro modo, poderia ser difícil continuar a realizar esse trabalho.

 

Charlie depende de uma enfermeira, que o acompanha na maior parte do tempo e garante sua subsistência.  Ela é Liz, belo desempenho de Hung Chau, indicada ao Oscar de atriz coadjuvante.  Outra personagem da história de Charlie é sua filha Elie (Sadie Sink), de quem ele descuidou e agora tenta resgatar, que é uma adolescente irritante, que age com crueldade, mas tem lá seus motivos para ser assim.  Ainda aparece a ex-mulher dele, Mary (Samantha Norton).  Circula pela casa, também, Thomas (Ty Simpkis), um militante religioso, digamos, pouco convencional.

 



A dramaturgia que aqui se desenrola é fruto da peça teatral homônima, de Samuel D. Hunter, que é também roteirista do filme.  Aqui não há a preocupação de disfarçar essa origem nem de ampliá-la.  O filme se passa todo no apartamento mal iluminado, de onde Charlie não sai.  No mesmo ambiente escuro, que é uma marca dominante da fotografia, experimentamos o mal-estar dessa vida sufocante, claustrofóbica.

 

O diretor Daren Aronofsky já é conhecido pelo seu pendor para o dramalhão pesado, carregado emocionalmente, como vimos em “Cisne Negro”, de 2010, e em “Réquiem para um sonho”, de 2000.  Aqui não é diferente, o que só carrega nas tintas de um filme que seria pesado, de qualquer modo.  Aronofsky acentua esse peso.  Em contrapartida, Brendan Fraser, ótimo ator, com boa chance no Oscar, atua com comedimento e humildade, humanizando o seu personagem, sem excessos, o que torna o filme mais palatável.  De qualquer maneira, não é uma obra a que se assista sem alguma dose de sofrimento.



 

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

TRIÂNGULO DA TRISTEZA

 Antonio Carlos Egypto




TRIÂNGULO DA TRISTEZA (Triangle of Sadness), filme sueco vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes, indicado para o Oscar principal de melhor filme e também melhor diretor, traz o cineasta Ruben Östlund em boa forma.  Quem viu “Força Maior”, em 2014 e “The Square”, em 2017, sabe que seu trabalho é forte e polêmico.  Mexe nas feridas da sociedade capitalista dos tempos contemporâneos.

Em TRIÂNGULO DA TRISTEZA ele aumenta o tom de comédia corrosivo, em que nada fica de pé nos pilares desse sistema, que emula o charme da moda, mas no final tudo se resume ao dinheiro, literalmente falando.

 Um cruzeiro de luxo para os muito ricos se sustenta em frivolidade, exibicionismo e aparência, como, por exemplo, a gastronomia, enganosa e cara, solenemente ignorada pelo comandante do navio.  Esse comandante é pouco disposto ao trabalho, alcoolista e intelectual de inclinação marxista.  Já viram aonde isso pode levar.

 A terceira parte desse triângulo, que envolve uma grande tempestade e o abandono numa ilha deserta, evidenciará o terrível jogo de poder entre as diferentes classes sociais.

 A luta de classes assume um caráter literal e não alivia para nenhum dos lados da contenda.  Dá para se divertir bem e não é possível deixar de pensar nisso tudo que está mostrando o sueco  Ruben Östlund, com um elenco muito bom nas mãos. Mas será preciso tolerar alguns excessos dispensáveis para usufruir dessas reflexões.

Com Harris Dickinson, Charlbi Dean, Woody Harrelson, Vicki Berlim, Henrik Dorsin, Zlatko Burié.  142 min.

 

 

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

2 FILMES DE OSCAR

  Antonio Carlos Egypto

 



TUDO EM TODO O LUGAR AO MESMO TEMPO (Everything everywhere all at once).  Estados Unidos, 2022.  Direção e roteiro: Daniel Qwan e Daniel Scheinert.  Elenco: Michelle Yeoh, Jamie Lee Curtis, Ke Hung Quan, Stephanie Hsu, James Hong.  139 min.

 

A ubiquidade não é uma capacidade humana.  Afinal, como se diz, só Deus está em todo o lugar, a toda hora.  E disso ninguém pode dar prova.  Cada um de nós só tem o seu tempo e lugar, mesmo no mundo virtual, em que se vai e se volta de um lugar a outro instantaneamente.  Tudo bem, mas e o tal conceito do multiverso, que abrangeria universos paralelos, todos os universos possíveis, incluindo aquele em que estamos?  Esses universos incluem tudo: espaço, tempo, matéria, energia, etc..  Poderíamos nos comunicar e interagir com nossos universos paralelos, indo e voltando, no tempo e no espaço?  A heroína Evelyn (Michelle Yeoh) de “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” sim, consegue entrar e sair de seus universos paralelos, voltar, alterar configurações e até se perder nessa confusão toda.  No universo ficcional do cinema, isso possibilita um filme de ação constante -- e cansativo, diga-se –, aventura, ficção científica, comédia e até drama, tudo isso junto e misturado.  O que não deixa de ser bem original.  Mas haja paciência para suportar as mais de 2 horas de duração dessa epopeia.  A Academia do Oscar gostou tanto que indicou o filme em 11 categorias, o que o coloca acima dos outros concorrentes.  Por enquanto.  Vamos ver se o entusiasmo inicial se confirmará.  Para mim, o filme agradou bastante até um certo ponto, depois o tempo custava a passar e tudo aquilo já não fazia sentido nenhum.  Aliás, sentido o filme não tem, mesmo.  A não ser mostrar que, se podemos ser tudo o tempo todo, na verdade não somos nada e nada tem importância.

 



OS BANSHEES DE INISHERIN (The Banshees of Inisherin). Irlanda, 2022.  Direção: Martin McDonagh.  Elenco: Colin Farrell, Brendan Gleeson, Kerry Condon, Barry Keoghan, Sheila Flitton.  114 min.

 

O que deu nas distribuidoras desse filme, no Brasil, de lançá–lo como “Os Banshees de Inisherin”?  O que é isso?  O filme já é estranho, com esse título, então...  Bem, em Portugal, o filme foi lançado como “Os Espíritos de Inisherin”.  Melhor, mas tem a ver com uma mulher idosa que é mensageira da morte, antevê a morte, algo parecido com as nossas carpideiras, embora estas chorem e cantem a morte, mais do que a prevejam.  Inisherin não significa nada para nós, mas, como é uma ilha e fica na Irlanda, bastaria substituir esse nome pela característica geográfica ou pelo nome do país, para nos comunicar algo que fizesse algum sentido.  Títulos à parte, o filme nos remete à pequenez e às limitações da vida na ilha, nos anos 1920, onde a única coisa a fazer, além do trabalho rural, é ir ao bar, ritualmente frequentado por dois amigos, sempre nos mesmos horários e condições.  Quando um deles resolve romper com isso, ou seja, romper com a amizade que sempre os uniu, isso vai produzir problemas de toda a ordem, na vida de ambos.  O clima das relações mostrado na narrativa tem a ver com estranheza do papo óbvio e primitivo do personagem Pádraic (Colin Farrell), que esconde um mal aparentemente ingênuo.  Colm (Brendan Gleeson) expressa uma insatisfação com o decorrer da existência, investe na música  em busca de alguma transcendência, ao mesmo tempo em que se revela de forma abrupta e produz uma maldade autodestrutiva, que mergulha no terror. No pano de fundo, a guerra civil na Irlanda mostra que está por ali também. A morte ronda por lá. Tudo isso sem perder o ar de comédia, um humor negro que se nutre dessa estranheza a que estou me referindo.  O filme é agradável de se ver, até um certo ponto.  No momento em que o horror se precipita, começa a prevalecer um clima desagradável, em que se fica na expectativa do que efetivamente vai suceder e de como se resolverá a questão.  Aí, em sua parte final, o filme decepciona, a meu juízo.  Quanto aos dois atores principais: Colin Farrell está ótimo, encarnando com precisão seu personagem, e Brendan Gleeson faz um bom complemento da dupla, o que segura o filme. Kerry Condon, como Slobhan, a irmã de Pádraic, também tem ótimo desempenho. “Os Banshees de Inisherin” têm 9 indicações para o Oscar.




sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

PRÊMIO ABRACCINE 2022

 


Prêmio Abraccine 2022, com votos da crítica brasileira, escolhe “Marte Um e “Aftersun” como melhores longas;

“Fantasma Neon”é o melhor curta

Num ano marcado pelo retorno definitivo às sessões presenciais e mais uma quantidade enorme de lançamentos em streaming, associados e associadas da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) votaram, definiram e elegeram seus lançamentos favoritos para o Prêmio Abraccine 2022.

 

O resultado foi anunciado numa transmissão ao vivo, na noite de quarta-feira, 8 de fevereiro, no canal da entidade no YouTube. Com mediação do presidente da Abraccine, Marcelo Miranda, participaram Cecília Barroso e Francisco Carbone, integrantes das comissões que trabalharam na metodologia e organização da votação esse ano.

 

Confira o vídeo na íntegra clicando aqui.

Os resultados chamam atenção para a cartela variada de escolhas dos associados. Na categoria de longa estrangeiro, por exemplo, apenas dois, entre dez títulos mais votados, são produções dos EUA, líder inconteste em número de filmes em cartaz ao longo do ano. Os outros oito filmes são cada um de um país diferente.

 

Pelo terceiro ano consecutivo, o longa-metragem estrangeiro mais votado por integrantes da Abraccine tem direção de uma mulher: venceu o britânico “Aftersun”, da estreante no formato Charlotte Wells. Nos brasileiros, o mineiro “Marte Um”, de Gabriel Martins, confirmou o natural favoritismo depois de um ano bastante influente na crítica e no público, incluindo a pré-indicação ao Oscar e as várias semanas em cartaz nos cinemas.

 

No curta-metragem, o carioca “Fantasma Neon”, de Leonardo Martinelli, também repetiu a boa acolhida em festivais ao longo de 2022 e foi o mais votado no formato, sempre muito disputado.

Além dos três premiados, a Abraccine divulga ainda seu TOP 10 de melhores filmes em cada uma das três categorias, a partir da mesma votação e em ordem alfabética de título.

LONGA-METRAGEM BRASILEIRO

Vencedor: “Marte Um” (Minas Gerais), de Gabriel Martins

Top 10 em ordem alfabética

“5 Casas”, de Bruno Gularte Barreto

“A Felicidade das Coisas”, de Thais Fujinaga

“A Mãe”, de Cristiano Burlan

“Carro Rei”, de Renata Pinheiro

“Carvão”, de Carolina Markowicz

“Eduardo e Mônica”, de René Sampaio

“Marte Um”, de Gabriel Martins

“Os Primeiros Soldados”, de Rodrigo de Oliveira

“Paloma”, de Marcelo Gomes

“Seguindo Todos os Protocolos”, de Fábio Leal

 

LONGA-METRAGEM ESTRANGEIRO

Vencedor: “Aftersun” (Reino Unido/EUA), de Charlotte Wells

Top 10 em ordem alfabética

“A Pior Pessoa do Mundo”, de Joachim Trier (Noruega)

“Aftersun”, de Charlotte Wells (Reino Unido)

“Dias”, de Tsai Ming-Liang (Taiwan)

“Drive my Car”, de Ryusuke Hamaguchi (Japão)

“Licorice Pizza”, de Paul Thomas Anderson (EUA)

“Memoria”, de Apichatpong Weerasethakul (Colômbia/Tailândia)

“Não! Não Olhe!”, de Jordan Peele (EUA)

“O Acontecimento”, de Audrey Diwan (França)

“RRR”, de SS Rajamouli (Índia)

“Vitalina Varela”, de Pedro Costa (Portugal)

 

CURTA-METRAGEM BRASILEIRO

Vencedor: “Fantasma Neon” (Rio de Janeiro), de Leonardo Martinelli

Top 10 em ordem alfabética

“Ainda Restarão Robôs nas Ruas do Interior Profundo”, de Guilherme Xavier Ribeiro

“Big Bang”, de Carlos Segundo

“Curupira e a Máquina do Destino”, de Janaína Wagner

“Escasso”, de Clara Anastácia e Gabriela Gaia Meirelles

“Fantasma Neon”, de Leonardo Martinelli

“Garotos Ingleses”, de Marcus Curvelo

“Infantaria”, de Laís Santos Araujo

“Mutirão: O Filme”, de Lincoln Péricles

“Solmatalua”, de Rodrigo Ribeiro-Andrade

“Tekoha”, de Carlos Adriano

 

Abraccine - Associação Brasileira de Críticos de Cinema
abraccine.org

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Como membro da Abraccine participei desta escolha e gostei do resultado alcançado, que reflete bem o que de melhor se viu, em 2022,  em matéria de cinema. Minhas escolhas diferiram pouco dos TOP 10, embora eu tenha votado em outros títulos para os vencedores.

Confira a seguir meu comentário sobre o longa AFTERSUN e a crítica de MARTE UM publicados no CINEMA COM RECHEIO.

 

Antonio Carlos Egypto

AFTERSUN, do Reino Unido, primeiro longa da cineasta escocesa Charlotte Wells,  foi destaque e venceu o prêmio do Júri de novos diretores, da  46.a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Apresenta uma narrativa inteiramente centrada na relação de um pai de 30 anos com a filha de 11, que acontece num pacote de férias na Turquia. Por meio de pequenos momentos, rotinas de lazer, contatos que surgem, detalhes de todo tipo, com inteligência e perspicácia, vamos percebendo o que está em jogo nessa relação não habitual, já que eles não vivem juntos. Há muito afeto e frustração no ar. E muita fluidez numa trama ao mesmo tempo simples e complexa.

Elenco: Paul Mescal, Frankie Corio, Celia Rowlson Hall. 98 min.

  

 



 

MARTE UM.  Brasil, 2021.  Direção e roteiro: Gabriel Martins.  Elenco: Carlos Francisco, Rejane Faria, Camila Damião, Cícero Lucas.  114 min.

 

Uma família negra periférica, de classe média baixa, vivendo em Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte, é a protagonista do filme “Marte Um”, de Gabriel Martins.

 

A família é formada por Wellington (Carlos Francisco), o pai, porteiro de prédio que adora futebol, seu time o Cruzeiro, e que há quatro anos se afastou do alcoolismo.  Tércia, a mãe (Rejane Faria), que, após um incidente, crê estar presa a uma maldição e experimenta uma depressão por conta disso.  Eunice (Camila Damião), uma jovem que encontra o amor e o sexo na relação com outra mulher e deseja se mudar, sair de casa, embora se dê bem com o pai, a mãe e o irmão menor.  Mas o centro das ações e da narrativa é o menino Deivinho (Cícero Lucas), estimulado pelo pai para abraçar o futebol profissional, mas que na verdade deseja ser astrofísico, para participar da missão Marte Um que, em 2030, deve iniciar a colonização do planeta Marte.

 

Esses personagens, com seus conflitos e problemas, formam uma família unida, com relações afetivas sólidas.  O que permite que as questões que eventualmente incomodem não se tornem motivos de rejeição para ninguém, nem de desagregação familiar.  Faz parte disso a ideia de que o que move cada um é diferente.  O que entusiasma um não vai entusiasmar o outro.  Pelo menos, não da mesma forma.  Que os sofrimentos de um tenham que ser respeitados pelos outros, ainda que seja difícil entender.  Bem, e os sonhos estão acima de tudo, por mais estranhos ou impossíveis que nos  pareçam.

  

As ideias de aceitação e de pertencimento é que funcionam como amálgama entre as pessoas dessa família e aqueles que se aproximam dela.  A força do afeto que os une é o que conta e o que vale mais.

 

Toda a trama de “Marte Um” reflete esse clima afetivo, positivo, otimista, apesar dos dramas que, inevitavelmente, se colocam: o medo de se expor, de deixar claro suas opções e preferências, o desencanto com a vida, uma injustiça, um desemprego, o dinheiro que falta no fim do mês.  Um golpe de sorte também pode nos livrar de uma tragédia muito maior do que a que estávamos supostamente vivendo.  Tudo isso pode ser equacionado e resolvido, pelo menos em parte, em função desse afeto.  É uma crença no ser humano, no fim das contas, o que está na base desse otimismo, que não é ingênuo.

 

Um elenco muito bom sustenta a história com muita veracidade.  Algumas sequências embelezam o filme, ainda que existam também algumas cenas descartáveis, que não acrescentam à trama central.  O resultado é um filme que se comunica bem com o público, como atesta a escolha do júri popular do Festival de Gramado 2022 recém encerrado.  Em Gramado também o filme foi agraciado com um prêmio especial do júri, além do de roteiro, para Gabriel Martins, e da trilha musical.  Antes de Gramado, o filme já passou por outros festivais pelo mundo, a partir de sua estreia mundial no Festival de Sundance.

 

 

 

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

ANDANÇA...OS ENCONTROS E AS MEMÓRIAS DE BETH CARVALHO

  Antonio Carlos Egypto

 

 



ANDANÇA... OS ENCONTROS E AS MEMÓRIAS DE BETH CARVALHO.

Brasil, 2022.  Direção de Pedro Bronz.  Documentário.  110 min.

 

Quem gosta de samba e da música popular brasileira certamente conhece a obra da “Madrinha do Samba”, Beth Carvalho (1946-2019).  Grande cantora, além de instrumentista e compositora, Beth sempre esteve muito ligada às escolas de samba e aos compositores populares que atuam nelas.  Ou os descobrira nas rodas de samba, pagode, batucadas pela vida.  Mesmo tendo começado, assim como tantos outros, pela bossa-nova, influenciada pelo som de João Gilberto.  Só que o sambão falava mais alto ao seu coração.  E lá ela dominava o espaço e encantava a todos.

 

Beth tinha uma outra coisa muito boa, que acompanhava a sua vida.  Ela gostava de registrar o seu trabalho, seus encontros, seus espetáculos, em vídeo e fotos.  Fosse em Super 8, VHS, mini-dv ou outra mídia disponível na época, ela guardava as gravações.  Chegou a ter um volume enorme de registros que exigiram um espaço especial para serem guardados.  Isso começou nos anos 1970.  Um material absolutamente precioso.

 

Foi esse acervo que deu origem ao documentário que rememora sua incrível trajetória artística, de onde são pinçados encontros com Nelson Cavaquinho, Cartola, Eliseth Cardoso, Clementina de Jesus, dona Ivone Lara, Zeca Pagodinho, Luiz Carlos da Vila, Jorge Aragão, Almir Guineto, Arlindo Cruz, Grupo Fundo de Quintal, Quinteto em Preto e Branco, Nelson Sargento, Noca da Portela e sua querida Estação Primeira de Mangueira, etc., etc..]


Com Nelson Cavaquinho


“Andança”, que dá título ao filme, foi uma música de muito sucesso, que alcançou o terceiro lugar no Festival Internacional da Canção de 1968, composição de Edmundo Souto, Paulinho Tapajós e Danilo Caymmi.  Uma entre as muitas lançadas por Beth, como “As Rosas Não Falam”, “Folhas Secas”, “Vou Festejar”, “Coisinha do Pai”, entre tantas outras que compunham LPs ou CDs, lançados ano a ano e em shows eletrizantes.

 

As gravações do filme são amadoras, Beth não era cineasta, e refletem as possibilidades tecnológicas do momento em que foram gravadas.  Constituem, no entanto, um acervo precioso e absolutamente encantador, que nos envolve todo o tempo, não importando os riscos e chuviscos que apareçam.  Que maravilha que Beth preservou o seu trabalho, para nós, para depois de ter partido desta terra.  Ficará para sempre na nossa memória.

 

À grande artista que foi Beth Carvalho se soma a cidadã, e sua participação política na sociedade brasileira, pela democracia, com sua visão progressista e popular, como era sua própria vida no meio do povo que batuca, canta, dança, desfila, discute e questiona, se alegra e ama.  Vale a pena revisitar Beth em suas andanças.