Antonio Carlos Egypto
OS FALSÁRIOS (Die Fälscher). Áustria, 2007. Direção: Stefan Ruzowitzky.
Com: Karl Markovics, Augusto Diehl, Devid Striesow e Martin Brambach. 98 min.
O nazismo e o holocausto parecem um tema absolutamente inesgotável, tantos e tão variados filmes já foram feitos sobre o assunto, assim como toneladas de coisas foram escritas, que a sensação que a gente poderia ter é de que não há mais nada a dizer, documental ou ficcionalmente, que já não tenha sido dito.
No cinema, a guerra, e o holocausto em particular, chegam a se constituir num gênero, com a previsibilidade de personagens e situações que costumam caracterizar os gêneros cinematográficos. No entanto, parece que há sempre algo de novo ou original, ou pelo menos algum ângulo novo que ainda merece ser mostrado. Filmes como “O Leitor” e “O menino do pijama listrado” são exemplos de tramas criativas e que abordam o tema do holocausto sob aspectos incomuns, e justificam plenamente a sua existência como películas capazes de estimular o nosso espírito crítico e a nossa sensibilidade. Já a refacção de “Operação Valquíria” é um exemplo frágil da abordagem do assunto, sem acrescentar nada de novo,
Chega até nós, agora “Os Falsários”, filme austríaco de 2007 que venceu o Oscar de Filme Estrangeiro do ano. E novamente um aspecto inusitado, mas relevante do período nazista na Segunda Guerra Mundial, aparece. A história de um falsificador de dinheiro, judeu, que acaba num campo de concentração e lá concorda em participar de uma operação de falsificação que pretendia financiar esforços de guerra nazistas, além de minar as economias dos aliados. Isto em troca de ter sua vida preservada, além do acesso a alguns confortos inimagináveis naquelas circunstâncias, como camas com colchões macios.
A “Operação Bernhard”, como foi chamada a verdadeira oficina de falsificação montada com a ajuda de prisioneiros selecionados de outros campos para compor uma equipe técnica e tecnologicamente evoluída, sob o comando do personagem central Salomon Sorowitsch (Karl Markovics), é uma coisa espantosa, difícil de conceber, naquele momento e naquele lugar.
A história é muito boa, não importando até onde ela é fiel aos fatos reais que a teriam inspirado. Como ela coloca uma questão limite, dá margem a muitos questionamentos éticos. Por exemplo: Como posso me sentir protegido e tranquilo, quando tudo à minha volta é horror e morte? Até onde vale a pena colaborar para salvar a vida? Até onde se pode ir para preservar a própria vida? Qual o limite que, se ultrapassado, já não valeria mais a pena viver? O que pode ser heróico numa situação dessas? Ou como se sustenta uma postura de enfrentamento heróico, como a mostrada em um dos personagens? Nesse sentido, as questões que podemos nos colocar a partir do que o filme traz ultrapassam o contexto concreto em que estão inseridas.
A trama, porém, nos coloca novamente em contato com o nazismo e o holocausto. Não será um assunto muito batido, já esgotado? Vejamos o que diz o diretor Stefan Ruzowitzky, respondendo à questão: “Você tem um interesse especial pela Era Nazista?
A resposta: “Quando você vive num país como a Áustria, onde os partidos de direita FPÖ e BZÖ, com a sua aproximação intolerável com a ideologia nazista, que constantemente conseguem abocanhar 20% dos votos e ainda têm o direito de participar da administração do governo do país, o que já seria intolerável – você simplesmente tem necessidades urgentes de confrontar esses assuntos agora e sempre”.
Claro, é por aí mesmo. Que tudo isto tenha existido e possa voltar a existir, por mais remota que seja essa chance, credencia essa filmografia séria que trata do assunto. E que ele continue a ser abordado, para que ninguém possa se esquecer desses horrores. E, pelo jeito, ainda haverá muita trama criativa a ser engendrada a partir de tudo isso que a humanidade não deveria ter vivido, mas, infelizmente, viveu.