Antonio Carlos Egypto
ERVAS DANINHAS (Les Herbes Folles). França, 2009. Direção: Alain Resnais. Com: Sabrine Azéma, André Dussollier, Anne Consigny, Emmanuelle Devos e Mathieu Almaric. 104 min.
Alain Resnais será para sempre lembrado como o criador de “O Ano Passado em Marienbad” e “Hiroshima, Meu Amor”, filmes que contribuíram para mudar o próprio cinema, liberando-o das amarras do classicismo.
Em São Paulo, Alain Resnais também tem conseguido um grande feito: seu filme “Medos privados em lugares públicos” permanece nada menos do que três anos ininterruptos em cartaz. Ainda que se trate de um único horário em um único cinema, não deixa de ser entusiasmante concluir que há vida inteligente no circuito exibidor e cinéfilos dispostos a usufruir do que o cinema tem de melhor.
Pois esse brilhante cineasta, já com 87 anos de idade, não se aposentou e continuou nos brindando com verdadeiras obras-primas. É o caso de “Ervas Daninhas”.
O filme aborda questões cotidianas que podem ser vividas por qualquer pessoa e o faz com absoluta maestria. Tudo começa numa bolsa de mulher sendo levada por um ladrão (que não se vê), uma carteira abandonada num estacionamento, sem dinheiro dentro, e um homem que a acha, identifica sua dona e fica pensando em como agir. Resnais filma os seus pensamentos, hesitações, o seu preparo do que e como falar. Para isso se vale da divisão da tela e das aberturas e fechamentos da lente, em imagens arredondadas, como se fazia no cinema mudo. As falas incompletas, hesitantes, transmitem com precisão o que se passa na mente do personagem Georges. E logo entendemos que se trata de uma figura complicada. No entanto, nada do que ele vive nos é estranho. Quantas vezes nos perdemos no jeito de agir, no que falar ou não falar. Enfim, é uma experiência cotidiana.
Algo similar vai acontecer com Marguerite. Ela também se confunde com aquele homem algo raro. E com a polícia que entra no meio, por ação dele, inicialmente, e depois dela. Os policiais são igualmente familiares, têm preocupações banais, fazem festinhas, não sabem como agir em algumas situações. Ou seja, tudo é absolutamente simples. humano e, portanto, profundamente verdadeiro.
Usufruir do desenrolar da película é um ato de grande prazer. Observar a mão de um mestre, sua leveza e humanidade transbordantes a nos mostrar como a vida se move pelas pequenas coisas, aquelas banais, para as quais frequentemente não damos maior importância ou, pelo menos, nos acostumamos a elas, ainda que nos desagradem. O que pode surgir de encontros casuais, descobertas fortuitas, aproximações improváveis? O que uma simples e coloquial ida ao banheiro e um zíper que emperra podem acabar provocando?
O humor em “Ervas Daninhas” também é o do nosso dia-a-dia, não o dos modelos tradicionais da comédia. Assim como os encontros e desencontros de Georges e Marguerite não seguem os padrões esperados e nos surpreendem a cada passo. Como todas as pessoas, algo eles terão em comum para compartilhar: no caso, um interesse por aviões, o que soa um tanto inusitado em suas vidas. Mas perfeitamente possível. Por que não? No fim das contas, são os nossos gostos, é o prazer que move as nossas vidas. E acaba por compensar os aborrecimentos, os incômodos, o mal-estar a que estamos sujeitos o tempo todo.
Alain Resnais encanta, ao filmar com tamanha competência e com seu timing perfeito, essa singeleza da vida cotidiana e o estranhamento que encontramos nos outros e em nós mesmos. Um filme maravilhoso, com ótima atuação dos protagonistas, atores conhecidos do cinema francês e de outros trabalhos do diretor. Quem gosta de cinema não pode perder.