Antonio Carlos Egypto
FAUSTO (Faust). Rússia, 2011. Direção: Alexander Sokurov. Com Johannes Zeiler, Anton Adasinskiy, Isolda Dychauk, Georg Friedrich, Hanna Schygulla. 135 min.
Fausto, de Johann Wolfgang von Göethe (1749-1832), é uma incontestada obra-prima da literatura mundial. Poema filosófico e drama em duas partes, do qual o autor se ocupou de 1770 a 1831, conta a lenda do homem, supostamente inspirado em um personagem real, que se dedicou aos saberes do mundo, mas, desiludido, fez um pacto e vendeu sua alma ao demônio. O personagem já existia na literatura, desde um escrito anônimo de 1587, mas foi Göethe quem lhe deu forma definitiva e o consagrou como um mito universal.
Inspirado em Göethe, o grande cineasta russo Alexander Sokurov realiza seu “Fausto”, procurando reconstruir, por meio da fotografia de Bruno Delbonnel, um mundo e um mito daquela época, situado historicamente e com detalhes impressionantes. Os planos e os enquadramentos formam verdadeiros quadros. O filme é de grande riqueza visual. Segundo o diretor, inspirado em pintores alemães, como Albrecht Altdorfer e Carl Spitzweg, captando suas cores acinzentadas e esmaecidas, seus climas e o caráter claustrofóbico da vida do personagem. Os espaços se encurtam, os tetos são baixos, as ruas de circulação, estreitíssimas. E assim se mergulha num universo visual a um tempo estranho e belo.
Lá estão retratados saberes da época, como na cena inicial da dissecação de um cadáver, as inexistentes noções de higiene, as moradias, os animais, a falta de dinheiro e a fome e as doenças endêmicas. Até os cheiros são incessantemente descritos, já que os recursos do cinema não nos permitem senti-los. Tudo para revelar um personagem e seu mundo. Fausto vagueia por esse mundo com Mefistófeles, uma figura repulsiva, mas sedutora, como convém ao diabo. Dessas andanças e desse relacionamento vai-se compondo uma narrativa cinematográfica de rara beleza – apesar de tudo – e que, segundo Sokurov, tem como um de seus objetivos estimular as pessoas a se interessarem por ler o Fausto de Göethe.
O filme tem uma dimensão artística que realmente põe em relevo a importância da obra literária. E recria cinematograficamente o mito, dialogando com obra análoga de F. W. Murnau (1888-1931), grande diretor do expressionismo alemão da época do cinema mudo: o Fausto de 1926.
A grande parábola do poder que Fausto representa está muito bem apresentada neste filme, que é uma produção russa, falada em alemão, que levou o Leão de Ouro no Festival de Veneza de 2011.