quarta-feira, 29 de agosto de 2018

FERRUGEM


Antonio Carlos Egypto




FERRUGEM.  Brasil, 2018.  Direção: Aly Muritiba.  Com Tiffany Dopke, Giovanni di Lorenzi, Nathalia Garcia, Enrique Diaz, Dudah Azevedo.  100 min.


O mundo virtual ficou tão forte na vida de todos, que a questão da intimidade está claramente posta em jogo.  As pessoas utilizam as redes sociais para compartilhar de tudo, desde bobagens sem nenhuma importância a sentimentos e vivências pessoais relevantes.  É verdade que o que é mais compartilhado é aquilo que está idealizado: os prazeres, as coisas boas, os sucessos, as viagens sempre maravilhosas, etc..  Mas, de qualquer modo, as pessoas se expõem, e muito, todo o tempo, mostrando o que querem e até o que não querem.  Muitas vezes sem ter condição de avaliar o que isso pode lhes trazer como consequência.

Se acontece com o público em geral, ou seja, de todas as idades, de modo mais grave e intenso atingirá os jovens, os adolescentes, em especial.  Por quê?  Primeiro, porque é a fase por excelência do agrupamento, do pertencimento à turma, da necessidade de ser aceito, querido, valorizado.  Segundo, porque nessas circunstâncias é difícil avaliar os riscos de uma superexposição.  Pode faltar malícia para se proteger de ciladas.  Pode faltar compreensão da dimensão humana e da importância da preservação da intimidade.




O filme brasileiro “Ferrugem”, de Aly Muritiba, se debruça sobre essa questão, ao mostrar o que acontece com uma jovem que tem um vídeo íntimo vazado, ao perder seu celular.  O que era para ser revisto apenas por ela mesma alcança toda a escola e todo o grupo de colegas e ganha o espaço cibernético de forma incontrolada.  Que isso resulte em drama e tragédia é muito previsível.  O relato dessa situação vivida por uma adolescente é o que ocupa a primeira parte do filme.

A parte dois de “Ferrugem” se presta a algo mais contemplativo e reflexivo.  E agora?  Como ficam as pessoas envolvidas na história, como lidam com as responsabilidades, o despreparo, a omissão, a culpa, enfim.  E mostra as consequências muitas vezes ignoradas ou nem mesmo imaginadas por quem viveu aquilo tudo.  Não é brincadeira, é muito grave, nos obriga a pensar, tomar posição.

Importante que esse filme seja assistido pelos adolescentes que, com frequência, transformam em brincadeira, zoação, como se nada fossem os sentimentos dos colegas.  Se o ser humano é capaz de ser cruel, a adolescência é um momento de vida em que isso fica muito evidente.  Por isso mesmo pode ser tão difícil passar por esse período sem uma razoável dose de sofrimento.  Que pode ser ampliada, multiplicada, pela Internet que ocupa a vida dos jovens de modo preocupante, avassalador.  Trazendo muitas vantagens também, por suposto.  Mas é preciso estar bem preparado para usufruir dessas vantagens, sem ser enredado por seus riscos.  E quem está preparado para isso na adolescência?  Daí o papel que podem ter os adultos e a escola como balizadores e orientadores.  O domínio da tecnologia que assusta os mais velhos é o de menos.  O que falta é a experiência de vida.

“Ferrugem” nos faz mergulhar no universo do adolescente e do mundo on line  e o faz com muita competência.  Seu estilo narrativo em duas partes possibilita expor essa dupla dimensão do mundo: a de quando se age e a de quando se têm de enfrentar, interna e externamente, as consequências que resultam dos fatos.  Um elenco jovem muito empenhado nos coloca no centro das ações e, depois, das reflexões que se seguem.




Se os jovens terão muito o que pensar, assistindo ao filme, os adultos terão muito a ganhar, entendendo melhor esse contexto tecnológico assustador em que todos estamos metidos.  Para o bem e para o mal.  Compreendendo, também, que a tecnologia não é boa nem má, o uso que fazemos dela é que pode ter tal conotação.  E que o verdadeiro problema não está nela, mas na dimensão humana que a acompanha.

“Ferrugem” foi o principal vencedor do Festival de Gramado recém-findo, recebeu três prêmios: melhor filme, melhor roteiro e desenho de som.  Curiosamente, na sessão do cine Itaú Augusta, anexo, em que vi o filme, tivemos problemas com diversas falas dos atores, em que não se conseguia compreender o que era dito.  “Ferrugem” também é um dos pré-selecionados para a vaga brasileira no Oscar 2019.




domingo, 26 de agosto de 2018

ONDE ESTÁ VOCÊ, JOÃO GILBERTO?


Antonio Carlos Egypto




ONDE ESTÁ VOCÊ, JOÃO GILBERTO?  (Wo Bist Du, João Gilberto).  Alemanha/Suíça, 2017.  Direção: Georges Gachot.  Documentário.  107 min.


Considero João Gilberto um gênio musical absoluto.  Como todo o Brasil e o mundo, eu acho.  A bossa nova, que nasceu da batida daquele violão fantástico, associado a um jeito de entoar único e desencontrado, é uma coisa sensacional, que eu nunca deixei de ouvir, ao longo desses últimos 60 anos.

Não surpreende, portanto, que o documentarista franco-suíço Georges Gachot viesse atrás dele no Brasil, inspirado no livro “HO-BA-LA-LÁ – À Procura de João Gilberto”, do escritor alemão Marc Fischer.  Os sonhos do escritor e os do cineasta se mesclam nessa incansável procura do recluso e estranho personagem em que João se transformou, ao longo do tempo.

O filme é sobre esse caminho, essa procura, e os fiapos de história que a preenchem.  Aparecem figuras como Miúcha, a ex-mulher, e João Donato, parceiro e amigo.  Mas, afinal, onde está você, João Gilberto, que ninguém sabe, nem viu, mas conviveu às vezes intensamente, até.  Pergunte ao mestre do restaurante que entrega comida para ele, há tantos e tantos anos.




Um filme que foca na procura pode ser tão interessante quanto o que foca no resultado obtido.  Por que não?  Tudo depende da expectativa de cada um.

O diretor e roteirista Georges Gachot é um velho admirador da música brasileira.  Fez em 2005 um admirável documentário sobre o trabalho de Maria Bethânia: “Música É Perfume”.  Em 2010, outro belo documentário, amoroso e de grande profissionalismo, foi “Rio Sonata”, que se debruçava sobre o trabalho da cantora Nana Caymmi.  Em 2014, foi a vez de “O Samba”, pôr em evidência Martinho da Vila e a Escola de Samba Unidos de Vila Isabel.  Temos muito a agradecer a esse competente documentarista, que registrou em cinema de alta categoria a obra de alguns dos nossos grandes nomes da MPB.  Escolhidos a dedo e com muito bom gosto.

E quanto à figura mítica do nosso talento maior, João Gilberto, terá ele conseguido resultado semelhante?  Deixo a pergunta no ar.



sábado, 25 de agosto de 2018

ESCOBAR : A TRAIÇÃO


Antonio Carlos Egypto



ESCOBAR: A TRAIÇÃO ( Loving Pablo ).  Espanha, 2018.  Direção: Fernando León de Aranoa.  Com Javier Bardem, Penélope Cruz, Peter Sarsgaard.  83 min.


Um filme espanhol que tem como protagonistas o ator Javier Bardem e a atriz Penélope Cruz não pode passar em branco.  Só pelo desempenho deles, costumeiramente brilhante, vale a atenção.  O diretor Fernando León de Aranoa já tem uma filmografia relevante.  Eu destacaria “Segredos em Família”, de 1996, e “Um Dia Perfeito”, de 2015, como bons trabalhos dele.

Nesta produção bem recente, falada em inglês, o tema já parece um tanto gasto.  O personagem Pablo Escobar (Javier Bardem), o famoso chefão do cartel de Medellín, Colômbia, já foi bastante abordado pelo jornalismo, pela literatura, pelo cinema, pela televisão.  Um bandido que fascina pelo seu poder, pela ousadia, pela violência e por suas excentricidades.

Em “Escobar: A Traição”, a ótica é a de sua amante Virgínia Vallejo (Penélope Cruz), uma popular apresentadora de TV que o amou e se interessou pela forma como Escobar usava o dinheiro que tinha.  Ela não se preocupava com a origem do dinheiro, mas com sua destinação.  E com isso tinha acesso a bens luxuosos, mas também admirava as benesses que o grande traficante oferecia à população local.




 O jeito arrojado de Pablo Escobar enfrentar os poderosos, entrar na própria política colombiana, pela via eleitoral, para encarar a caçada estadunidense, promovida por Reagan, tinha um charme todo especial.  Mas quando o perigo ronda forte e a vida está mesmo em risco iminente, a traição pode ser um caminho de sobrevivência.

Virgínia Vallejo escreveu Amando Pablo, Odiando Escobar  sobre o que viveu ao lado dele, sua perspectiva, suas lembranças, o que entendeu e avaliou daquela aventura extraordinária.  É a sua história com ele que o filme nos mostra.

É uma trama cheia de lances surpreendentes, perigosos, inusitados.  Dá margem a um filme que mescla ação, suspense, violência, política e um drama amoroso.  Não acrescenta muita coisa ao que já se conhece daquele que foi um dos maiores traficantes de cocaína da história.  Dá para ver o ângulo da amante traidora e curtir a atuação, sempre segura, de Penélope Cruz e Javier Bardem.




terça-feira, 14 de agosto de 2018

A OUTRA MULHER


Antonio Carlos Egypto


A OUTRA MULHER (Amoureux de Ma Femme).  França, 2017.  Direção: Daniel Auteil.  Com Daniel Auteil, Sandrine Kiberlain, Adriana Ugarte, Gérard Depardieu.  84 min.


O ator e diretor Daniel Auteil explora, em “A Outra Mulher”, o filão daquilo que acontece quando uma atração bate forte e de forma inesperada.  Daniel (Daniel Auteil) vive bem com a esposa Isabelle (Sandrine Kiberlain) e tudo segue tranquilo até que o grande amigo Patrick (Gérard Depardieu), que se separou da esposa, aparece com a nova namorada.  A esposa de Patrick é amiga de Isabelle, de modo que a separação não foi bem vista.  Patrick, porém, insiste em ir jantar na casa de Daniel, para apresentar ao casal seu novo amor, Emma (Adriana Ugarte).  Parece justo.  Afinal, ele tinha o direito de reconstruir sua vida amorosa.




Ocorre que Emma é uma daquelas mulheres jovens, lindíssimas, de corpo escultural, e Daniel simplesmente não resiste.  Impulsionado pelo desejo, passa a imaginar coisas, sonhar acordado, e se entrega da forma mais óbvia.  O filme explora seu comportamento bizarro, seus atos falhos, sua sem-graceza e os estragos que tudo isso causa.  A maior atingida será a própria Emma, que terá seu vestido emporcalhado pelas trapalhadas do novo amigo desejante.

A comédia vai bem, é divertida, ao expor a vulnerabilidade de quem deseja, sem conseguir se controlar.  Mostra como a atração sexual pode atropelar princípios, planos e comportamentos, quando é avassaladora.  E que isso pode acabar pondo a vida de cabeça para baixo.  Ou não.  Haverá tempo de reconstruir as coisas, se desfazendo dos equívocos?  Ou terá sido só coisa da cabeça, da imaginação, do sonho? 

Um time de atores e atrizes charmoso e competente contribui para fazer o filme fluir com leveza e graça.  Despretensioso, mas bom entretenimento.



A FESTA


Antonio Carlos Egypto


A FESTA (The Party).  Inglaterra, 2017.  Direção e roteiro: Sally Potter.  Com Timothy Spall, Kristin Scott Thomas, Patricia Clarkson, Bruno Ganz, Emily Mortimer, Cillian Murphy.  71 min.


“A Festa” é uma comédia irônica, de sorrisos, não de gargalhadas.  Ao revelar-nos um universo perverso, que escamoteia todas as questões, o que fica é só aparência e vazio.  O que é objeto de reflexão sobre o mundo dos bem-sucedidos e poderosos.

Um encontro íntimo reúne sete amigos, com a intenção de celebrar a ida de Janet (Kristin Scott Thomas) para o prestigioso ministério da saúde.  É bom lembrar que o atual atendimento britânico de saúde é referência mundial .  Pois bem, o filme tratará de pôr em cheque isso também.

O mais importante é que uma doença terminal, revelações sobre uma gravidez inesperada, infidelidades várias, lesbianismo e dependência de drogas, serão elementos detonadores dessa celebração.




O desnudamento da burguesia que o filme apresenta faz lembrar o mestre espanhol Luís Buñuel e seu estilo corrosivo.  No entanto, aqui não há propriamente surrealismo ou non sense.  Tudo se dá numa dimensão que cabe no terreno racional.  Com dificuldade, é verdade, mas cabe.  O mais próximo do surreal é o ótimo personagem de Bruno Ganz, Gottfried, com sua energia positiva descolada da realidade, sua atitude de autoajuda e suas crenças alternativas.

Já a militante do partido que vai virar ministra nos é bastante familiar, no seu cinismo e descrença do seu papel republicano no governo.  A intelectualidade real, ou simulada, dos demais não resiste ao crivo da razão e do equilíbrio. Jogam pesadamente na deslealdade, no que está encoberto ou omisso.  Detonam a si mesmos e aos outros.

O título original “The Party” refere-se tanto à festa quanto ao partido.  Um bom roteiro, diálogos atraentes, um elenco de peso e uma interessante opção pelo preto e branco, que reforça a ligação com o Buñuel dos primeiros tempos, faz do filme da cineasta Sally Potter uma ótima atração do presente ano cinematográfico.



domingo, 12 de agosto de 2018

CINEMA ITALIANO ATUAL


Antonio Carlos Egypto




O cinema italiano tem de enfrentar, queira ou não, o fantasma de um passado tão glorioso que jamais conseguirá igualar.  Mas, a julgar por alguns filmes exibidos na mostra 8½. Festa do Cinema Italiano, que entrarão em cartaz nos cinemas brevemente, o nível da produção atual é bem bom.  São realizações de muito bom nível, com alta qualidade de produção, cineastas competentes, elencos em que abundam talentos e histórias que exploram o mistério e o ambíguo em diferentes gêneros cinematográficos.

UMA QUESTÃO PESSOAL (Una questione privata), dos irmãos Paolo e Vittorio Taviani, de 2017, é um filme simples e bonito.  Passa-se no Piemonte, em 1943, envolvendo dois participantes da Resistência Italiana, na Segunda Guerra Mundial.  Eles se alistam e lutam contra os fascistas, mas têm em comum, além disso, o desejo por uma mulher, Fúlvia.  Estamos no clima de guerra, porém, o filme não destaca o lado político dela.  Milton, em meio à guerra, procura por seu amigo e rival, Giorgio, que caiu nas mãos dos fascistas, mas suas razões são de ordem pessoal, como diz o título do filme. É um trabalho para se curtir com calma, apreciando a beleza do lugar, a filmagem elegante, o desempenho do elenco. Tem a chancela desses fabulosos irmãos cineastas, que sempre trabalharam juntos e assim continuaram, Paolo, com 86 anos, e Vittorio, falecido em abril de 2018, aos 88 anos. Com Luca Marinelli, Valentina Bellè, Lorenzo Richelmy. 84 minutos.

FORTUNATA (Fortunata), de Sergio Castellitto, de 2017, é um filme intenso, que foca na vida atormentada da personagem central, Fortunata, cabeleireira a domicílio, em busca de conquistar sua independência, abrindo seu próprio salão.  Nisso está muito antenada com os tempos atuais do capitalismo, que enxerga no empreendedorismo a solução para os seus males: as perdas de direitos trabalhistas, de emprego e de renda.  A luta da personagem passa tanto pelas dificuldades concretas do dia-a-dia, que incluem uma filha de 8 anos e um casamento fracassado, numa vida difícil, bastante representativa do nosso tempo, quanto por questões existenciais. Um processo psicoterápico que entra na trama acentua ainda mais o drama. Jasmine Trinca, que vive Fortunata, venceu o prêmio de melhor atriz em Cannes.  Com Jasmine Trinca, Stefano Accorsi, Alessandro Borghi, Edoardo Pesce. 103 min.




A GAROTA NA NÉVOA (La Ragazza Nella Nebbia), de Donato Carrisi, de 2016, é um suspense policial muito bem realizado, em locações belíssimas e com um grande e competente elenco.  O diretor é o próprio escritor do romance policial que deu origem ao filme, o que garante um roteiro intrigante e que prende o espectador do início ao fim. Explorando o mistério do desaparecimento de uma adolescente, recatada e religiosa, em um povoado do norte da Itália, o filme caminha no sentido de produzir um culpado, a partir dos métodos incriminatórios nada convencionais do investigador policial.  Ele está mais interessado em atender à mídia e em se projetar do que investigar, de fato.  Em seu passado, já incriminou um inocente, sem ter qualquer remorso na consciência.  A névoa pontua e acentua o clima de mistério, num filme pictoricamente muito atraente.  Com Toni Servillo, Jean Reno, Alessio Boni, Galatea Ranzi.  127 min.

POBRES, MAS RICOS (Poveri ma Ricchi), de Fausto Brizzi, de 2016, é uma comédia rasgada, de fato muito engraçada.  Explora um tema banal, o de uma família humilde, de um pequeno povoado, da região de Lazio, que ganha na loteria e se torna bilionária da noite para o dia.  Para escapar do possível assédio local vai viver em Milão uma vida de luxo, tentando ficar incógnita em relação à sua comunidade.  E, como seria de se esperar, não têm ideia de como se comportar enquanto ricos.  Ou melhor, a ideia que têm está ultrapassada.  Os ricos atuais são diferentes dos do passado, mudaram seus comportamentos.  O que torna tudo ainda mais difícil.  Comédia que explora os costumes e comportamentos típicos do povo, com diálogos espirituosos e escorada num ótimo elenco de atores cômicos.  Sem apelações nem grossura. Brinca com os clichês de um jeito inteligente, evitando o desrespeito e o preconceito.  Humor de qualidade que faz jus à grande tradição da comédia italiana.  Sucesso de público, que já gerou uma continuação na Itália: Poveri Ma Ricchissimi.  Com Christian De Sica, Enrico Brignano, Lucia Ocone.  90 min.





terça-feira, 7 de agosto de 2018

TESNOTA


Antonio Carlos Egypto





TESNOTA (Tesnota).  Rússia, 2017.  Direção: Kantemir Balagov.  Com Darya Zhovner, Olga Dragunova, Artem Tsypin, Nazir Zhukov.  118 min.


“Tesnota”, que está entrando em cartaz nos cinemas nesta semana, é o primeiro longa-metragem do diretor russo Kantemir Balagov, que também responde pela montagem e pelo roteiro do filme, este em parceria com Anton Yarush.  Indícios claros de um trabalho autoral, que se confirma desde as primeiras imagens, nada convencionais.  Apresenta uma fotografia que enfatiza tons escuros e cores fortes ao mesmo tempo, fazendo sobressair as tensões do ambiente.

O foco do filme é uma comunidade judaica, fechada e marginalizada, na localidade de Nalchik, norte do Cáucaso, cidade natal do diretor.  O ano: 1998.  A personagem central Ilana, de 24 anos, trabalha na oficina do pai como mecânica e ama um personagem cabardino, num  relacionamento algo clandestino, não aceito pela família.  Trata-se do que na própria trama do filme é referido como sendo as tribos, que são discriminadas pelos russos.




O evento central da narrativa é o sequestro de um casal de noivos, logo após a cerimônia de compromisso deles.  David, o noivo, é o irmão mais novo de Ilana.  E a questão que se colocará é a de como pagar o resgate pedido sem mexer com a polícia, para evitar maiores complicações.

O dinheiro servirá para mostrar, de um lado, um espírito de coletividade e solidariedade, mas, de outro, o ressentimento de alguns, a chantagem e também a tentativa de se aproveitar da situação para conseguir algum objetivo, difícil de ser alcançado por outro meio.

A família de Ilana e David não tem posses suficientes e a própria oficina mecânica, que é sua fonte de sustento, estará em questão.  Assim como o casamento de Ilana. Passaram  a vida se mudando de um lado para o outro, para tentar sobreviver e escapar dos preconceitos.  O sequestro parece levá-los de volta para a estrada.  Inevitável será enfrentar  questões éticas, que poderão complicar ou arruinar a vida de cada um deles: pai, mãe, irmãos e parceiros amorosos.  As decisões que todos têm de tomar são vitais, decisivas e urgentes.




Todo esse clima de angústia e tensão é muito bem trabalhado ao longo do filme, em ritmo lento e seguro.  Pouco é explicitado verbalmente, o que importa é o que está por trás do não dito.  Está muito presente nos semblantes, gestos, posturas, silêncios.  Elementos fundamentais em “Tesnota”, que dependem do bom desempenho do elenco.

O cineasta tem uma referência e fonte de influência muito fortes.  Estudou e atuou no departamento de cinema da Universidade de Stravropol, com Alexander Sokurov, um grande cineasta russo da atualidade que, por sinal, é um dos produtores de “Tesnota”.  O filme foi exibido nos festivais de Munique e Cannes, em que recebeu o prêmio FIPRESCI (Un Certain Regard).