A programação da repescagem da Mostra, de 31 de outubro a 6 de novembro, inclui quase todos os vencedores, e ocorre no Cinesesc e no cine Satyros Bijou. Consulte em mostrasp.org
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A programação da repescagem da Mostra, de 31 de outubro a 6 de novembro, inclui quase todos os vencedores, e ocorre no Cinesesc e no cine Satyros Bijou. Consulte em mostrasp.org
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Antonio Carlos Egypto
LEVADOS PELAS MARÉS (Feng Liu Yi Dai),
China, 2024, é o novo trabalho do grande diretor chinês, de Fenyang, Jia Zhang Ke. A cinematografia desse diretor tem sido a de
mostrar o lado B da China, essa potência atual do mundo, que cresce e se
desenvolve econômica e tecnologicamente.
Ocorre que as mudanças que vão se concretizando a todo vapor têm um
caráter autoritário, com consequências para a população mais pobre e
desprotegida do país. O povo tem de
tolerar os efeitos de políticas públicas que demolem verdadeiras cidades, a
constituição de uma represa gigantesca que desloca a população e tantas outras
questões que aparecem documentalmente em seus filmes, como a pandemia e as máscaras onipesentes. Aliás, neste, ele reaproveita muitas cenas de
seus outros filmes, ao colocar seus personagens viajando, em busca de se
reencontrar, por várias partes da China.
Alguém precisa se lembrar de se preocupar com o povo quando manobras
expansionistas não respeitam seus direitos e seus interesses. O cinema de Jia Zhang Ke tem essa
sensibilidade. 111 min.
+
SOL DE INVERNO (Boku No Ohisama), Japão, 2024, tem
direção de Hiroshi Okuyama, Competição Novos Diretores. O filme se debruça sobre um menino que se
encanta com uma garota que brilha na patinação artística no gelo. No inverno, ele joga hóquei no gelo, mas vê
com muito mais interesse a ginástica artística e a possibilidade de se aproximar
da menina talentosa. O treinador dela
percebe esse interesse e ajuda o garoto a adquirir técnica para atuar junto com
ela numa competição. Alguns problemas
vão complicar essa história, tanto pelo envolvimento afetivo, quanto pelos
preconceitos que emergirão daí. Na
verdade, o grande interesse do filme é mostrar a dança, a patinação artística
no gelo, o empenho para aprender e realizar os movimentos corretos, já que a
maior parte do tempo é isso que o filme mostra.
90 min.
ATRAVÉS DO FLUXO (Suyoocheon),
Coreia do Sul, 2024, é o mais novo trabalho do prolífico diretor Hong
Sang-soo. Esse cineasta faz muitos
filmes, todos marcados pela simplicidade, pela conversa ao redor da mesa, com
comida e bebida. Por meio desse recurso
constante, ele traz questões de relacionamento humano verdadeiras e
tocantes. Às vezes, também ingênuas,
revelando os desapontamentos e frustrações das pessoas, as escolhas difíceis,
mas sempre questões humanas psicologicamente relevantes. Aqui, uma jovem professora pede ao tio,
encenador teatral, que dirija uma dramatização com alunas da universidade. Ele,
surpreendentemente, aceita, porque se remete a algo semelhante que ele fez lá
mesmo, quarenta anos atrás. Ocorre que a experiência anterior não tinha sido
muito bem sucedida. Quem conhece o
estilo do diretor vai adorar. Quem não
conhece, pode estranhar. Mas vale a pena
tentar. É só se preparar para o estilo
oriental das ações e comportamentos, onde tudo flui mais devagar e
cerimoniosamente. 111 min.
PERMANÊNCIA EM LUGAR NENHUM (Wu Suo Zhu), Taiwan, 2024, dirigido pelo malaio Tsai Ming-Liang. É muito bom constatar que, ao contrário do que anunciou o cineasta, ele não parou de fazer filmes. Seria uma pena o cinema perder o seu talento e estilo tão característicos. O filme, de caráter documental, focaliza Xuanzang, o monge da dinastia Tang, que vagou a pé pelo mundo. Papel do ator Lee Kang-Sheng, colaborador habitual do diretor. A proposta do filme é radical, o monge caminha lenta e firmemente, passando por ruas, igrejas, pradaria, museus, monumentos, sem diálogos, com som ambiente e música só ao final. Em paralelo, outro personagem cozinha um macarrão (chop suey?) e depois o vemos comendo na mesma panela. Um filme zen, belo, mas exigente para o espectador. 79 min.
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Antonio Carlos Egypto
VERMIGLIO,
dirigido
por Maura Delpero, indicado pela Itália ao Oscar de Filme Internacional 2024, é
uma joia fílmica que será certamente reconhecida pelo público. Trata de uma região rural, uma aldeia nos
Alpes italianos, Vermiglio, em 1944, quando a Segunda Guerra Mundial caminhava
para o seu final. A região não chegara a
ser atingida diretamente pela guerra, embora ela estivesse lá. O filme mergulha nas relações familiares e na
dinâmica da sociedade local com a chegada de um soldado desertor. O que encanta no filme é seu clima acolhedor,
afetivo, sua simplicidade aparente, os diálogos, gestos, atitudes. Sua humanidade transbordante, enfim. Belas
sequências e uma fotografia esplendorosa compõem a obra. 119 min.
A
REDAÇÃO (Redaktsiya), dirigido por Roman
Bondarchuk, da Ucrânia, 2024, conta uma história que remete aos nossos tempos
de pós-verdade, explorando todo o cinismo aí envolvido. Sabemos como é, estamos vivendo isso por
aqui. No filme, o personagem central é
um jovem cientista à procura de uma espécie de marmota ameaçada de extinção que
flagra e fotografa gente botando fogo na floresta, intencional e
criminosamente. Acha que, com essas provas, levando a uma redação de jornal, a
denúncia surtirá efeito. Ledo
engano. Aprende que, no jornalismo
atual, isso se perde numa montanha de mentiras, notícias falsas, e que se pode
vender fotos e textos para obter dinheiro e criar a narrativa que interessa aos
pagadores. Conviverá com uma
impressionante eleição municipal inteiramente fraudulenta, outras coisas mais,
e descobrirá que sua ingenuidade não cabe nesses novos tempos. Não adianta mais
divulgar nem provar verdade alguma. Mas,
cinicamente, a gente pode aproveitar a terra arrasada para forjar uma campanha
pelo meio ambiente, plantando árvores para exibir na TV. Ótimo trabalho. 126 min.
DYING
– A ÚLTIMA SINFONIA (Dying), produção alemã de
2024, direção de Mathias Glasner, é uma saga de desagregação familiar, música e
morte. A família Lunies vive ao longo de
seu tempo experiências de rejeição, conflito aberto, separação, declínio físico
e emocional, evidências de que a morte está à espreita. Tom, o filho do casal
septuagenário, é maestro e trabalha numa composição sobre a morte. De algum
modo, é a morte que poderá aproximá-los.
Longo e dolorido, mas bom cinema.
180 min.
PRÊMIO LEON CAKOFF
Francis Ford Coppola
estará em São Paulo no dia 30 de outubro, quando receberá o prêmio Leon Cakoff
da 48ª. Mostra. E lançará seu novo
filme, “Megalópolis”.
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Antonio Carlos Egypto
O
cinema francês tem estado bem presente no circuito comercial, mas é sempre bom
conferir o que veio da França para a Mostra.
Começando
por GAROTA POR UM DIA (Um Jour Fille), de Jean-Claude Monod,
cineasta e filósofo, da Competição Novos Diretores. O filme aborda um tema
poucas vezes tratado no cinema: um caso de intersexo. Chamamos de intersexo aquelas situações em
que há, biologicamente, elementos dos dois sexos, obviamente não plenamente
desenvolvidos. É uma forma de
hermafroditismo com prevalência masculina ou feminina, a critério médico. Pois bem, o filme aborda um caso real,
registrado nos anais jurídicos da França do século XVIII, em que a jovem Anne
adquire nome, postura e vestimentas masculinas, tornando-se Jean-Pierre, e se
casa com uma mulher. O julgamento foi
pelo casamento, considerado uma afronta às instituições. O filme mostra como isso se deu numa época
em que o padre, o médico e o juiz, com os recursos de que dispunham, limitados,
decidiam pela vida da pessoa sem sequer consultá-la, o que só complica e
prolonga o sofrimento, gerando injustiça.
O filme é bem realizado, numa narrativa clássica adequada a um assunto
que demanda algumas explicações para ser bem entendido. Com Marie Toscan muito bem como protagonista.
93 min.
AS
PESSOAS DO LADO (Les Gens D’a Côté),
dirigido por André Téchiné, brilhante cineasta com uma vasta obra
cinematográfica, tem Isabelle Huppert como protagonista. Ela faz Lucie, uma policial já em declínio de
carreira, que vê sua vida solitária mudar quando os vizinhos da casa ao lado se
aproximam e desenvolve-se uma amizade.
Um casal e uma criança muito simpáticos.
Ocorre que o homem, Yann, é nada menos do que um blackbloc, um
ativista contra a polícia, com longo histórico criminal. O filme explora o
conflito, mostrando que convicções políticas, concepções de mundo e afetividade
ocupam lugares diferentes e que certezas sempre podem ser abaladas, de parte a
parte. O filme é envolvente, inteligente, tem ritmo e uma boa história, além de
um elenco muito bom. 85 min.
A
PRISIONEIRA DE BORDEAUX (La Prisionnière de Bordeaux),
dirigido por Patricia Mazuy, tem também Isabelle Huppert como
protagonista. E mais uma vez em grande
atuação, compartilhada com Hafsia Herzi.
A história gira em torno de Alma e Mina, que têm os respectivos maridos
na prisão, e aproximam-se a partir do encontro delas em dia de visita à cadeia.
Elas pertencem a mundos muito distintos, do ponto de vista econômico. Alma, esposa de um médico famoso, vivendo
sozinha num casarão sofisticado. Mina mora num modesto conjunto habitacional,
muito longe da prisão. É a partir daí
que Alma generosamente recebe Mina e seus filhos para morarem com ela, pelo
menos até que seu marido seja solto. O
relacionamento que resulta dessa amizade improvável traz novos elementos para
todos e consequências que resultarão complicadas, de parte a parte, com
implicações policiais. Ou quase. A história está bem desenvolvida. O filme conquista atenção, tem bom ritmo e,
novamente, o elenco se destaca. 108 min.
QUE
DEUS ESTEJA COM ELES (Ainsi Soient-Ils),
direção Riss. Documentário. Riss, cartunista e diretor da revista
satírica Charles Hebdo, que sofreu atentado em Paris há alguns anos, sai a
campo para dialogar e tentar entender a visão das três grandes religiões
monoteístas. Para isso, vai a Jerusalém
e conversa com representantes cristãos, judeus e muçulmanos para perguntar,
tentar entender e questionar a respeito de assuntos como intolerância
religiosa, humor, dúvidas, dogmas, crenças e seus limites e aberturas a
mudanças. Faz um excelente trabalho de problematização que realmente traz muita
luz a esse debate tão relevante. E ele o faz por conta própria, não em nome da
revista e sem qualquer sentido revanchista.
Com tranquilidade e espírito aberto.
Um belo documentário. 90 min.
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Antonio Carlos Egypto
Vi 3
filmes recentes da Índia que estão na Mostra, além da retrospectiva de Satyajit
Ray.
TUDO
QUE IMAGINAMOS COMO LUZ (All We Imagine as Light), Índia,
2024, competição Novos Diretores.
O
filme, dirigido por Payal Kapadia, tem duas etapas distintas, ao apresentar uma
trama centrada na figura da enfermeira Prabha.
Na primeira, o destaque é para Mumbai, cidade grande, de oportunidades
ou de ilusões, com muita agitação, problemas, desgastes, que se refletem na
rotina do hospital. Uma cidade que tem
muito a oferecer, mas que se tem de suportar.
Na segunda parte, há o oposto, a ida a um pacato lugarejo litorâneo, onde
se pode obter mais liberdade ou intimidade, ainda que o controle venha a ser
maior, após a expressão inicial dos desejos.
Mas aqui está se falando também de fantasias, imaginação, elementos
mágicos e destino. Isso dá um sabor
diferente à trama, embora também a disperse um tanto. O filme foi o vencedor do prêmio do júri, no
Festival de Cannes. 115 min.
SEGUNDA
CHANCE (Second Chance). Índia, 2024.
Competição Novos Diretores. Filme dirigido por Subhadra Mahajan.
O
filme se passa numa casa de veraneio, no Himalaia, na verdade, na neve, em
pleno frio. A jovem Nia, que há muito não
ia lá, passa um bom tempo sem que possamos saber de que se trata. Mas o assunto
central acaba aparecendo e, se eu não falar dele, não tenho nada a dizer. Por
isso, se não quiser saber, pare a leitura aqui e também não leia a sinopse
oficial do filme.
Bem, o
que se passa é uma gravidez não planejada, não desejada, e a busca por uma
pílula que possa impedi-la, depois do que já aconteceu. Não fica claro se seria
a opção da chamada pílula do dia seguinte ou, mais provável, de uma medicação com
efeito abortivo. O fato é que algo não
deu certo. E o filme, em magnífico preto
e branco, nos leva aos sentimentos que daí surgem, colocando em cena um menino,
cuja mãe morreu no parto, para interagir com ela num momento desses. É a infância ocupando o espaço. Por outro lado, ela está muito bem cuidada
pela sabedoria de Bheni, uma mulher calejada que também tem conhecimentos
ancestrais de povos originários e suas deusas das montanhas. Há ainda a questão das diferenças de classes
e castas entre os personagens principais.
Um trabalho digno de atenção. 104
min.
O
CATADOR DE SONHOS (The Scavenger of Dreams),
Índia, 2023, dirigido pelo experiente cineasta Suman Ghosh, mostra de forma
ultrarrealista o que é uma sociedade desigual, separada por distâncias abissais
dos pontos de vista econômico e social.
Um casal de lixeiros vive com sua filha de 6 anos numa favela de
Calcutá, em situação de miséria absoluta.
E, pelo jeito, não há uma Bolsa Família para lhes assegurar as condições
mínimas de uma vida digna. Isso, apesar
do trabalho remunerado do dia-a-dia, sem qualquer garantia. Mas eles são seres humanos que não só lutam
para sobreviver como têm esperanças e sonhos, como todo mundo. Mudanças na estrutura do trabalho podem
afetar o pouco que resta a essa família, já que não é possível reclamar,
questionar, lutar por direitos, impunemente.
A sequência em que a catadora de lixo precisa subir a uma casa grande
para fazer a coleta escancara de forma escandalosa a desigualdade existente na
Índia. Não só na Índia, claro. A Índia também é aqui. O filme é muito
competente em abordar essa temática de forma emocionante, envolvente, em
econômicos 83 minutos de duração.
Mas
quem quiser aproveitar o embalo do foco na Índia deste ano não pode deixar de
ver ao menos 2 ou 3 filmes de um dos maiores cineastas da história do cinema: o
indiano Satyajit Ray (1921-1992).
“Canção da Estrada” (1955), “O Invencível” (1956), “O Mundo de Apu”
(1959), “A Grande Cidade” (1963) e “O Herói” (1966) são verdadeiras
obras-primas.
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Antonio Carlos Egypto
AINDA ESTOU AQUI, o
filme de Walter Salles, que está sendo muito valorizado e reconhecido em
festivais internacionais e que está indicado a representar o Brasil na corrida
pelo Oscar de filme internacional, teve sua primeira exibição no Brasil na
Mostra 48, com entusiasmo e sessões cheias e disputadas. Não é para menos. O filme é excelente, ao retratar um dos casos
mais emblemáticos da ditadura militar no Brasil: o caso Rubens Paiva,
engenheiro e deputado cassado na época, que foi torturado, morto, e cujo corpo
desapareceu nas mãos do Estado totalitário.
O escritor Marcelo Rubens Paiva, filho de Rubens e Eunice, contou a
história da família vivendo esse drama no livro homônimo, que serviu de base e
deu título ao filme. No centro da
narrativa, a figura de Eunice Paiva, uma mulher corajosa, lutadora,
determinada. Que foi capaz de enfrentar
tudo isso, incluindo a sua própria prisão e a de sua filha mais velha, por um
tempo, educando cinco filhos. Marcelo,
então, um garotinho. O papel de Eunice é
vivido com brilhantismo por Fernanda Torres, num desempenho que deve lhe render
muitos prêmios. No elenco, Selton Mello
no papel de Rubens e uma participação especial de Fernanda Montenegro. Importantíssimo conhecer, por meio da
revoltante história vivida pela família Paiva, os meandros cruéis e ilegais do
regime ditatorial que foi imposto ao país por um golpe cívil-militar em 1964 e
que durou 21 anos. Para que não se
repita. Apesar do tema pesado e difícil, o filme tem respiro, alguma leveza e
humor, o que torna a experiência de assisti-lo muito gratificante. 135 min.
MARIA CALLAS (Maria), produção
internacional que envolve Itália, Alemanha e Estados Unidos, dirigido pelo
conceituado diretor chileno Pablo Larraín, é um espetáculo
cinematográfico/musical de peso. Dá o
devido e merecido destaque ao canto daquela que foi a maior na ópera em todo o
mundo: Maria Callas (1923-1977). O foco
do filme, porém, é o período de decadência, de perda progressiva da voz de
Callas, associado a seus problemas de saúde, em grande parte decorrentes do uso
abusivo de remédios e, claro, dos excessos da profissão. O brilhantismo vem dos flash-backs e das gravações.
Angelina Jolie vive muito convincentemente a diva do canto lírico, ao
lado de outros colegas do elenco, como Pierfrancesco Favino e Alba
Rohrwacher. Foi o filme de abertura da
Mostra 48. 123 min.
Gostaria
de destacar também dois filmes cujas narrativas dialogam com questões
comportamentais da modernidade.
SEX, da Noruega, dirigido por Dag
Johan Hangerud, põe em questão a masculinidade e suas relações com sexualidade,
gênero e identidade. Mostra o
relacionamento de dois amigos e colegas de trabalho que trocam suas
experiências e se surpreendem com o que lhes acontece. Ambos homens em casamentos
heterossexuais. Um tem um encontro
sexual fortuito com outro homem, sem considerar que isso tenha qualquer
importância na vida dele. Tanto que
comenta naturalmente o fato com a mulher.
O outro se sente confuso ao se ver como mulher em seus próprios
sonhos. E por aí o filme levanta
questões muito interessantes para os dias de hoje. Os atores protagonistas são muito bons,
entram no clima com talento. 125 min.
PAUL E PAULETTE TOMAM UM BANHO (Paul and Paulette take a bath),
filme de Jethro Massey, do Reino Unido, da competição Novos Diretores, mostra
um encontro bizarro entre os personagens do título em Paris. Paul, um jovem fotógrafo norte-americano, e
Paulette, uma garota francesa que curte excentricidades, crimes e outros fatos
sombrios em seus lugares de origem. Ela,
vivendo a dolorosa separação de sua namorada Marguerita. Ele, entrando na aventura bizarra, em busca
de conquistar Paulette. Além do jogo
curioso entre fantasia e realidade que o filme explora, são as relações da
sexualidade na modernidade o que se evidencia também. No elenco, os jovens Marie Benati e Jérémie
Galiana têm bons desempenhos. 109 min.
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Antonio Carlos Egypto
ANORA |
ANORA, produção
estadunidense, dirigida por Sean Baker, chega à Mostra 48 com a chancela da
Palma de Ouro no Festival de Cannes. Mas
a gente se surpreende com essa escolha.
A história envolve uma prostituta do Brooklin que vê a chance de mudar
de vida ao se casar em Las Vegas com o filho de um oligarca russo, totalmente
sem noção, que queima dinheiro nos Estados Unidos em sua temporada por lá, e se
comporta como um tresloucado, obcecado pelos prazeres do sexo, recém
descobertos. Claro que seu “casamento”
será posto à prova pela família do “noivo”.
E a profissional do sexo, naturalmente, lutará para mantê-lo. O filme é uma comédia amalucada, em
que os excessos estão visíveis:
quebradeiras, gritarias, xingamentos, vômitos, destruições. Há que se reconhecer que a comédia funciona,
produz risadas, tem sacadas interessantes aqui e ali, mas, no conjunto, beira o
nada. O que terá acontecido com o
Festival de Cannes? Não tinha nada
melhor para premiar? 138 min.
O PIOR HOMEM DE LONDRES é uma
produção portuguesa, dirigida por Rodrigo Areias, que tem outros filmes na
Mostra, falada em inglês e também em francês, italiano e até português. Passa-se na Londres vitoriana, ao tempo de
Napoleão III, e retrata o que poderíamos chamar de um vilão perfeito. Charles Augustus Howell, português radicado
em Londres, agenciador de artistas, negociante de arte, agente secreto,
chantagista, escroque, trapaceiro.
Merece muitos adjetivos na sua arte de envolver, manipular, roubar com
sagacidade, mentir, destruir pessoas e reputações. Enfim, o tipo é tão
execrável que Arthur Conan Doyle o chamou conforme o título do filme e fez dele
personagem nas histórias de Sherlock Holmes.
Quanto ao filme, demora para engrenar, ao mostrar as aparências, as
filigranas, mesuras e falsidades do comportamento das elites, até chegar à
essência do vilão. A direção de arte fez
uma boa caracterização de época e o filme vai ganhando interesse aos
poucos. Por vezes, perde o foco,
mereceria uma edição mais enxuta. A
narrativa é linear, clássica. 130 min.
O PIOR HOMEM DE LONDRES |
VOCÊ ME QUEIMA (Tú Me Abrasas),
dirigido por Matias Piñero, da Argentina, é um filme pretensioso e
intelectualizado. A antiga poeta grega Safo e a ninfa Britomartis conversam à
beira-mar sobre amor e morte, a partir da adaptação de um capítulo do livro
“Diálogo com Leucó”, de Cesare Pavese.
São citadas inúmeras vezes frases com fragmentos dos poemas de Safo, que
foram recuperados, para além da única poesia que se conhece dela. O filme trabalha manipulando o livro e
fazendo anotações nele, reproduzindo também imagens, com destaque para o mar,
alternando com o texto. Literário
demais, acadêmico, sem ritmo. Vai
interessar a muito pouca gente, creio eu.
64 min.
HANAMI é também uma produção
portuguesa (e de Cabo Verde), dirigida por Denise Fernandes. Leva-nos a uma ilha vulcânica distante, de
onde todos querem partir, como Nia, a mãe de Nana, o fez, por exemplo. Quando ela retorna, vários anos depois, com
Nana já adolescente, esta prefere ficar, demonstrando ter aprendido a amar a
ilha, mesmo sem conseguir expressar isso emocionalmente. O filme vai mostrando o ambiente, as características,
objetos e elementos culturais do lugar,
sem se deter muito no foco principal da história. Que, na verdade, é apenas um
fio de história. A locação de natureza é
bonita, atraente, já o filme flui vagarosamente, sem conseguir envolver muito o
espectador. Competição Novos Diretores. 96 min.
QUANDO A LUZ ARREBENTA |
QUANDO A LUZ ARREBENTA (When the Light Breaks),
produção da Islândia, dirigida por Rúnar Rúnarsson, focaliza os sentimentos
profundos que não podem ser expressos por circunstâncias que estão acima de uma
decisão pessoal. Os jovens Una e Diddi
estão secretamente apaixonados e se encontram sem que Klara, a namorada dele e
amiga de ambos, saiba disso. Diddi está
disposto a resolver esta questão, rompendo com Klara, e promete isso a
Una. Mas um acidente terrível impedirá
que isso aconteça, tirando-lhe a vida.
Para Una, as consequências irão muito além da dor e do luto, alcançando
todo o grupo de amigos com quem ela convive, sem permissão para expressar o que
sente, consolar e ser consolada, na dimensão do que seria necessário. O filme expõe essa condição de opressão
interior de Una o tempo todo, sem nunca perder o foco. Talvez pudesse ampliar a compreensão do
problema, superando a questão individual, relacionando-o à sociedade e à vida
dos jovens, num sentido mas geral. Mas é
um trabalho honesto e envolvente. 82
min.
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Antonio Carlos Egypto
É
sempre uma grande notícia o anúncio de que chegou mais uma edição da Mostra
Internacional de Cinema de São Paulo, a 48ª.
Que beleza!
De 17
a 30 de outubro, mais a repescagem no Cinesesc logo após o período normal, ela
vai acontecer em 29 salas da cidade.
Entre elas, o Espaço Augusta de Cinema, a Cinemateca Brasileira, o
Reserva Cultural, os Cinesystem Frei Caneca e Morumbi, o Kinoplex Itaim, o
Instituto Moreira Salles, o Satyros Bijou, o Sato Cinema, o Olido, o Circuito
Spcine e diversos CEUs da cidade, além do Cinesesc.
Estão
previstas exibições de 415 filmes de 82 países.
E desta vez uma novidade: a 1ª. Mostrinha, com filmes para o público
infanto-juvenil.
A
Mostra, em 2024, destaca o cinema da Índia, que é nada menos do que o país que
mais produz cinema no mundo. Que, assim
como tem um cinema altamente popular, tem também produções mais elaboradas, de
maior teor artístico. 30 longas-metragem
comporão o Foco Índia, com destaque para uma retrospectiva do genial cineasta
Satyajit Ray (1921-1992). Ele, que foi
roteirista, artista gráfico, compositor, publicitário, diretor de arte,
fotografia, som e editor, tem um de seus storyboards
ilustrando o pôster da Mostra 48.
Tem
também uma mostra do cineasta palestino Michel Khliefi e outros filmes do
Oriente Médio, como o do israelense Amos Gitai, que há muito tempo tem seus
filmes exibidos por aqui. Alguns filmes
estrelados por Marcello Mastroianni, em vários países do mundo, serão exibidos
para comemorar o centenário do grande ator italiano.
E,
claro, como sempre, filmes premiados nos principais festivais mundiais,
indicados ao Oscar de filme internacional, produções de todo o mundo, 83 filmes
brasileiros e uma competição de novos cineastas, que estejam apresentando seu
primeiro ou segundo longa-metragem.
Eventos
ligados ao cinema, como o IV Encontro de Ideias Audiovisuais, também ocorrem na
Cinemateca. Para se informar de tudo
isso e consultar a programação, acesse mostrasp.org
Permanentes
e ingressos: pacotes de 20 ou 40 filmes, Especial Vespertina ou Credencial Completa, podem ser
adquiridos no Conjunto Nacional, na av. Paulista, a partir de sábado, 12 de
outubro.
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Antonio Carlos Egypto
INVERNO
EM PARIS (Le Lycéen). França, 2022.
Direção e roteiro: Christophe Honoré.
Elenco: Paul Kircher, Juliette Binoche, Vincent Lacoste, Erwan Kepoa
Falé. 123 min.
Lucas
(Paul Kircher), jovem gay de 17 anos, estudante do ensino médio (Lycéen), no
interior da França, vive o chamado turbilhão emocional da adolescência. Desde o início do filme, ouvimos os seus
pensamentos e, por meio deles, ele expressa seus temores, dúvidas, motivos para
autodepreciação, seus impulsos caóticos e imprevisíveis, suas frustrações, seus
desejos, nem sempre claros. Enfim, é
dessa forma que o filme nos introduz no universo de Lucas. Um universo que comporta uma mãe amorosa,
vivendo as emoções com muita intensidade: Isabelle (Juliette Binoche), um pai
próximo, presente, vivido pelo próprio diretor, e um irmão mais velho, Quentin
(Vincent Lacoste), já radicado em Paris.
No
último ano de internato, Lucas tem de enfrentar a morte, por acidente, do pai,
o que desmorona sua vida. No entanto,
ele vai experimentá-la com intensidade, hospedando-se com o irmão, no inverno
em Paris, logo após o luto, onde descobre que o amor e o desejo podem emergir
dos contextos mais sombrios. Mas que
tudo tem seu preço, seus limites, seus riscos, suas consequências.
O
jovem Paul Kircher entrega-se no papel de Lucas com uma dedicação e uma
expressividade que já lhe valeram prêmios de ator em festivais, como o de San
San Sebastián e Veneza.
Juliette
Binoche esbanja vibração emocional, humanidade e sofrimento, com uma
intensidade e profundidade só possíveis para atrizes muito tarimbadas. A força do seu desempenho é admirável. Vincent Lacoste e Erwan Kepoa Falé integram
um elenco que apresenta atuações consistentes, brilhantes. É um dos grandes trunfos do filme de
Christophe Honoré.
Outro
é a verdade da história, a sensibilidade para apresentar sentimentos e
conflitos humanos verdadeiros. É um
filme que trata de amor, afeto e desejo, sem clichês, sem se valer da forma
melodramática. Por isso mesmo, o filme
nos leva pela empatia diante de questões, como a depressão, o mutismo ou a
expressão exacerbada da sexualidade como respostas frente a um sofrimento sem
tamanho.
Chistophe
Honoré reafirma, uma vez mais, sua capacidade de lidar com questões emocionais
intensas, que têm marcado sua produção cinematográfica. Basta lembrar de filmes como “Canções de
Amor” (2007), “A Bela Junie” (2008) ou “Conquistar, Amar e Viver Intensamente”
(2018), entre tantos outros trabalhos dele como diretor e roteirista de cinema.