quinta-feira, 31 de outubro de 2024

VENCEDORES DA MOSTRA 48

 


Mostra divulga lista dos filmes premiados nesta edição


Cerimônia de encerramento com a premiação ocorreu no Espaço Petrobras, na Cinemateca Brasileira


A 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo realizou na noite desta quarta-feira, 30 de outubro, a cerimônia de encerramento do evento no Espaço Petrobras, na Cinemateca Brasileira. 


Com apresentação de Renata de Almeida e Serginho Groisman, a solenidade realizou a entrega dos prêmios desta edição, entre eles o Prêmio Leon Cakoff para o cineasta Francis Ford Coppola, que estava presente no evento. A premiação foi seguida da exibição do filme mais recente do diretor americano, Metrópolis.


Veja abaixo a lista completa dos títulos premiados:


PRÊMIO DO JÚRI
Os filmes da seção Competição Novos Diretores mais votados pelo público foram submetidos ao Júri, formado nesta edição pela atriz brasileira Camila Pitanga, pelo ator e cineasta português Gonçalo Waddington, pela curadora e produtora Hebe Tabachnik, pelo produtor Kyle Stroud, pelo diretor e escritor iraniano Mohsen Makhmalbaf e pelo crítico de cinema francês Thierry Meranger.
Os jurados escolheram Familiar Touch, de Sarah Friedland, e Hanami, de Denise Fernandes, como os melhores filmes de ficção. Como melhor documentário, premiaram No Other Land, de Basel Adra, Rachel Szor, Hamdan Ballal e Yuval Abraham, e Sinfonia da Sobrevivência, de Michel Coeli. Também concederam o prêmio de melhor direção para Adam Elliot, do filme Memórias de um Caracol.



PRÊMIO DO PÚBLICO
O público da 48ª Mostra escolheu, entre os longas internacionais, O Caso dos Estrangeiros, de Brandt Andersen, como melhor filme de ficção, e Balomania, de Sissel Morell Dargis, como melhor documentário. Entre os brasileiros, Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, recebe o prêmio de melhor ficção, e 3 Obás de Xangô, de Sérgio Machado, o de melhor documentário.
A escolha do público é feita por votação. A cada sessão assistida, o espectador recebe uma cédula para votar com uma escala de 1 a 5, entregue sempre ao final do filme. O resultado proporcional dos filmes com maiores pontuações determina os vencedores.


PRÊMIO DA CRÍTICA
A imprensa especializada que cobre o evento e tradicionalmente confere o Prêmio da Crítica também participou da premiação elegendo Manas, de Marianna Brennand, como melhor filme brasileiro, e Levados Pelas Marés, de Jia Zhangke, como o melhor longa entre os estrangeiros.



PRÊMIO DA ABRACCINE
A Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema também realiza tradicionalmente uma premiação que escolhe o melhor filme brasileiro. Neste ano, o eleito foi Intervenção, de Gustavo Ribeiro



PRÊMIO NETFLIX
Pela segunda vez, a Netflix vai entregar um prêmio no festival, que será concedido a um filme brasileiro participante da Mostra deste ano que ainda não tenha contrato com um serviço de streaming.   
O longa premiado nesta 48ª edição foi Serra das Almas, de Lírio Ferreira.



PRÊMIO PARADISO
O prêmio do Projeto Paradiso Mostra dá apoio à distribuição nos cinemas a um dos filmes da seção Mostra Brasil que recebeu maior votação do público. O aporte serve para complementar a distribuição da obra nas salas de cinema brasileiras e ajudar a sua estreia nas telas nacionais. Neste ano, o Prêmio Paradiso foi concedido ao filme Malu, do diretor Pedro Freire.



PRÊMIO BRADA - Prêmio de Melhor Direção de Arte
O Coletivo de Diretoras de Arte do Brasil premia pela terceira vez na Mostra o trabalho de um diretor de arte que tenha se destacado no festival. Neste ano, Mathé recebe o prêmio pela Direção de Arte pelo seu trabalho no filme Hanami, de Denise Fernandes.



A programação da repescagem da Mostra, de 31 de outubro a 6 de novembro, inclui quase todos os vencedores, e ocorre no Cinesesc e no cine Satyros Bijou. Consulte em mostrasp.org


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segunda-feira, 28 de outubro de 2024

ORIENTAIS NA MOSTRA 48

Antonio Carlos Egypto

 



LEVADOS PELAS MARÉS (Feng Liu Yi Dai), China, 2024, é o novo trabalho do grande diretor chinês, de Fenyang, Jia Zhang Ke.  A cinematografia desse diretor tem sido a de mostrar o lado B da China, essa potência atual do mundo, que cresce e se desenvolve econômica e tecnologicamente.  Ocorre que as mudanças que vão se concretizando a todo vapor têm um caráter autoritário, com consequências para a população mais pobre e desprotegida do país.  O povo tem de tolerar os efeitos de políticas públicas que demolem verdadeiras cidades, a constituição de uma represa gigantesca que desloca a população e tantas outras questões que aparecem documentalmente em seus filmes, como a pandemia e as máscaras onipesentes. Aliás, neste, ele reaproveita muitas cenas de seus outros filmes, ao colocar seus personagens viajando, em busca de se reencontrar, por várias partes da China.  Alguém precisa se lembrar de se preocupar com o povo quando manobras expansionistas não respeitam seus direitos e seus interesses.  O cinema de Jia Zhang Ke tem essa sensibilidade.  111 min.

 

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SOL DE INVERNO (Boku No Ohisama), Japão, 2024, tem direção de Hiroshi Okuyama, Competição Novos Diretores.  O filme se debruça sobre um menino que se encanta com uma garota que brilha na patinação artística no gelo.  No inverno, ele joga hóquei no gelo, mas vê com muito mais interesse a ginástica artística e a possibilidade de se aproximar da menina talentosa.  O treinador dela percebe esse interesse e ajuda o garoto a adquirir técnica para atuar junto com ela numa competição.  Alguns problemas vão complicar essa história, tanto pelo envolvimento afetivo, quanto pelos preconceitos que emergirão daí.  Na verdade, o grande interesse do filme é mostrar a dança, a patinação artística no gelo, o empenho para aprender e realizar os movimentos corretos, já que a maior parte do tempo é isso que o filme mostra.  90 min.

 



ATRAVÉS DO FLUXO (Suyoocheon), Coreia do Sul, 2024, é o mais novo trabalho do prolífico diretor Hong Sang-soo.  Esse cineasta faz muitos filmes, todos marcados pela simplicidade, pela conversa ao redor da mesa, com comida e bebida.  Por meio desse recurso constante, ele traz questões de relacionamento humano verdadeiras e tocantes.  Às vezes, também ingênuas, revelando os desapontamentos e frustrações das pessoas, as escolhas difíceis, mas sempre questões humanas psicologicamente relevantes.  Aqui, uma jovem professora pede ao tio, encenador teatral, que dirija uma dramatização com alunas da universidade. Ele, surpreendentemente, aceita, porque se remete a algo semelhante que ele fez lá mesmo, quarenta anos atrás. Ocorre que a experiência anterior não tinha sido muito bem sucedida.  Quem conhece o estilo do diretor vai adorar.  Quem não conhece, pode estranhar.  Mas vale a pena tentar.  É só se preparar para o estilo oriental das ações e comportamentos, onde tudo flui mais devagar e cerimoniosamente.  111 min.

 



PERMANÊNCIA EM LUGAR NENHUM (Wu Suo Zhu), Taiwan, 2024, dirigido pelo malaio Tsai Ming-Liang.  É muito bom constatar que, ao contrário do que anunciou o cineasta, ele não parou de fazer filmes.  Seria uma pena o cinema perder o seu talento e estilo tão característicos.  O filme, de caráter documental, focaliza Xuanzang, o monge da dinastia Tang, que vagou a pé pelo mundo.  Papel do ator Lee Kang-Sheng, colaborador habitual do diretor.  A proposta do filme é radical, o monge caminha lenta e firmemente, passando por ruas, igrejas, pradaria, museus, monumentos, sem diálogos, com som ambiente e música só ao final. Em paralelo, outro personagem cozinha um macarrão (chop suey?) e depois o vemos comendo na mesma panela.  Um filme zen, belo, mas exigente para o espectador.  79 min.


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sábado, 26 de outubro de 2024

MAIS DESTAQUES DA MOSTRA 48

Antonio Carlos Egypto

 



VERMIGLIO, dirigido por Maura Delpero, indicado pela Itália ao Oscar de Filme Internacional 2024, é uma joia fílmica que será certamente reconhecida pelo público.  Trata de uma região rural, uma aldeia nos Alpes italianos, Vermiglio, em 1944, quando a Segunda Guerra Mundial caminhava para o seu final.  A região não chegara a ser atingida diretamente pela guerra, embora ela estivesse lá.  O filme mergulha nas relações familiares e na dinâmica da sociedade local com a chegada de um soldado desertor.  O que encanta no filme é seu clima acolhedor, afetivo, sua simplicidade aparente, os diálogos, gestos, atitudes.  Sua humanidade transbordante, enfim. Belas sequências e uma fotografia esplendorosa compõem a obra.  119 min.

 



ERNEST COLE: ACHADOS E PERDIDOS
(Ernest Cole: Lost and Found).  Estados Unidos, 2024, de Raoul Peck, de “Eu Não Sou Seu Negro” (2016) e “O Jovem Karl Marx” (2017), é um belíssimo documentário.  Aborda o trabalho do fotógrafo da África do Sul, Ernest Cole (1940-1990), que registrou de forma contundente e pela primeira vez os horrores do apartheid.  Consequentemente, amargou um exílio nos Estados Unidos e na Europa e continuou registrando em fotos magníficas a sociedade e, em especial, o racismo. Pelo tempo em que ele passou na Suécia é redescoberto um vasto material fotográfico guardado surpreendentemente por anos num banco sueco. O filme é todo composto das fotos de Cole, as que já estavam em circulação e as que agora vieram à tona.  O cineasta Raoul Peck está sendo homenageado pela 48ª.Mostra com o Prêmio Humanidade. 106 min.

 




A REDAÇÃO (Redaktsiya), dirigido por Roman Bondarchuk, da Ucrânia, 2024, conta uma história que remete aos nossos tempos de pós-verdade, explorando todo o cinismo aí envolvido.  Sabemos como é, estamos vivendo isso por aqui.  No filme, o personagem central é um jovem cientista à procura de uma espécie de marmota ameaçada de extinção que flagra e fotografa gente botando fogo na floresta, intencional e criminosamente. Acha que, com essas provas, levando a uma redação de jornal, a denúncia surtirá efeito.  Ledo engano.  Aprende que, no jornalismo atual, isso se perde numa montanha de mentiras, notícias falsas, e que se pode vender fotos e textos para obter dinheiro e criar a narrativa que interessa aos pagadores.  Conviverá com uma impressionante eleição municipal inteiramente fraudulenta, outras coisas mais, e descobrirá que sua ingenuidade não cabe nesses novos tempos. Não adianta mais divulgar nem provar verdade alguma.  Mas, cinicamente, a gente pode aproveitar a terra arrasada para forjar uma campanha pelo meio ambiente, plantando árvores para exibir na TV.  Ótimo trabalho. 126 min.

 




DYING – A ÚLTIMA SINFONIA (Dying), produção alemã de 2024, direção de Mathias Glasner, é uma saga de desagregação familiar, música e morte.  A família Lunies vive ao longo de seu tempo experiências de rejeição, conflito aberto, separação, declínio físico e emocional, evidências de que a morte está à espreita. Tom, o filho do casal septuagenário, é maestro e trabalha numa composição sobre a morte. De algum modo, é a morte que poderá aproximá-los.  Longo e dolorido, mas bom cinema.  180 min.

 

                                     PRÊMIO LEON CAKOFF

Francis Ford Coppola estará em São Paulo no dia 30 de outubro, quando receberá o prêmio Leon Cakoff da 48ª. Mostra.  E lançará seu novo filme, “Megalópolis”.

 

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quarta-feira, 23 de outubro de 2024

FRANCESES NA MOSTRA 48

Antonio Carlos Egypto


O cinema francês tem estado bem presente no circuito comercial, mas é sempre bom conferir o que veio da França para a Mostra.

 


Começando por GAROTA POR UM DIA (Um Jour Fille), de Jean-Claude Monod, cineasta e filósofo, da Competição Novos Diretores. O filme aborda um tema poucas vezes tratado no cinema: um caso de intersexo.  Chamamos de intersexo aquelas situações em que há, biologicamente, elementos dos dois sexos, obviamente não plenamente desenvolvidos.  É uma forma de hermafroditismo com prevalência masculina ou feminina, a critério médico.  Pois bem, o filme aborda um caso real, registrado nos anais jurídicos da França do século XVIII, em que a jovem Anne adquire nome, postura e vestimentas masculinas, tornando-se Jean-Pierre, e se casa com uma mulher.  O julgamento foi pelo casamento, considerado uma afronta às instituições.   O filme mostra como isso se deu numa época em que o padre, o médico e o juiz, com os recursos de que dispunham, limitados, decidiam pela vida da pessoa sem sequer consultá-la, o que só complica e prolonga o sofrimento, gerando injustiça.  O filme é bem realizado, numa narrativa clássica adequada a um assunto que demanda algumas explicações para ser bem entendido.  Com Marie Toscan muito bem como protagonista. 93 min.


 


AS PESSOAS DO LADO (Les Gens D’a Côté), dirigido por André Téchiné, brilhante cineasta com uma vasta obra cinematográfica, tem Isabelle Huppert como protagonista.  Ela faz Lucie, uma policial já em declínio de carreira, que vê sua vida solitária mudar quando os vizinhos da casa ao lado se aproximam e desenvolve-se uma amizade.  Um casal e uma criança muito simpáticos.  Ocorre que o homem, Yann, é nada menos do que um blackbloc, um ativista contra a polícia, com longo histórico criminal. O filme explora o conflito, mostrando que convicções políticas, concepções de mundo e afetividade ocupam lugares diferentes e que certezas sempre podem ser abaladas, de parte a parte. O filme é envolvente, inteligente, tem ritmo e uma boa história, além de um elenco muito bom.  85 min.

 



A PRISIONEIRA DE BORDEAUX (La Prisionnière de Bordeaux), dirigido por Patricia Mazuy, tem também Isabelle Huppert como protagonista.  E mais uma vez em grande atuação, compartilhada com Hafsia Herzi.  A história gira em torno de Alma e Mina, que têm os respectivos maridos na prisão, e aproximam-se a partir do encontro delas em dia de visita à cadeia. Elas pertencem a mundos muito distintos, do ponto de vista econômico.  Alma, esposa de um médico famoso, vivendo sozinha num casarão sofisticado. Mina mora num modesto conjunto habitacional, muito longe da prisão.  É a partir daí que Alma generosamente recebe Mina e seus filhos para morarem com ela, pelo menos até que seu marido seja solto.  O relacionamento que resulta dessa amizade improvável traz novos elementos para todos e consequências que resultarão complicadas, de parte a parte, com implicações policiais.  Ou quase.  A história está bem desenvolvida.  O filme conquista atenção, tem bom ritmo e, novamente, o elenco se destaca. 108 min.


 


QUE DEUS ESTEJA COM ELES (Ainsi Soient-Ils), direção Riss.  Documentário.  Riss, cartunista e diretor da revista satírica Charles Hebdo, que sofreu atentado em Paris há alguns anos, sai a campo para dialogar e tentar entender a visão das três grandes religiões monoteístas.  Para isso, vai a Jerusalém e conversa com representantes cristãos, judeus e muçulmanos para perguntar, tentar entender e questionar a respeito de assuntos como intolerância religiosa, humor, dúvidas, dogmas, crenças e seus limites e aberturas a mudanças. Faz um excelente trabalho de problematização que realmente traz muita luz a esse debate tão relevante. E ele o faz por conta própria, não em nome da revista e sem qualquer sentido revanchista.  Com tranquilidade e espírito aberto.  Um belo documentário.  90 min.

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terça-feira, 22 de outubro de 2024

FOCO ÍNDIA NA MOSTRA 48

Antonio Carlos Egypto

 

Vi 3 filmes recentes da Índia que estão na Mostra, além da retrospectiva de Satyajit Ray.

 


TUDO QUE IMAGINAMOS COMO LUZ (All We Imagine as Light), Índia, 2024, competição Novos Diretores. 

O filme, dirigido por Payal Kapadia, tem duas etapas distintas, ao apresentar uma trama centrada na figura da enfermeira Prabha.  Na primeira, o destaque é para Mumbai, cidade grande, de oportunidades ou de ilusões, com muita agitação, problemas, desgastes, que se refletem na rotina do hospital.  Uma cidade que tem muito a oferecer, mas que se tem de suportar.  Na segunda parte, há o oposto, a ida a um pacato lugarejo litorâneo, onde se pode obter mais liberdade ou intimidade, ainda que o controle venha a ser maior, após a expressão inicial dos desejos.  Mas aqui está se falando também de fantasias, imaginação, elementos mágicos e destino.  Isso dá um sabor diferente à trama, embora também a disperse um tanto.  O filme foi o vencedor do prêmio do júri, no Festival de Cannes.  115 min.

 


SEGUNDA CHANCE (Second Chance).  Índia, 2024.  Competição Novos Diretores. Filme dirigido por Subhadra Mahajan.

O filme se passa numa casa de veraneio, no Himalaia, na verdade, na neve, em pleno frio.  A jovem Nia, que há muito não ia lá, passa um bom tempo sem que possamos saber de que se trata. Mas o assunto central acaba aparecendo e, se eu não falar dele, não tenho nada a dizer. Por isso, se não quiser saber, pare a leitura aqui e também não leia a sinopse oficial do filme.

Bem, o que se passa é uma gravidez não planejada, não desejada, e a busca por uma pílula que possa impedi-la, depois do que já aconteceu. Não fica claro se seria a opção da chamada pílula do dia seguinte ou, mais provável, de uma medicação com efeito abortivo.  O fato é que algo não deu certo.  E o filme, em magnífico preto e branco, nos leva aos sentimentos que daí surgem, colocando em cena um menino, cuja mãe morreu no parto, para interagir com ela num momento desses.  É a infância ocupando o espaço.  Por outro lado, ela está muito bem cuidada pela sabedoria de Bheni, uma mulher calejada que também tem conhecimentos ancestrais de povos originários e suas deusas das montanhas.  Há ainda a questão das diferenças de classes e castas entre os personagens principais.  Um trabalho digno de atenção.  104 min.

 


O CATADOR DE SONHOS (The Scavenger of Dreams), Índia, 2023, dirigido pelo experiente cineasta Suman Ghosh, mostra de forma ultrarrealista o que é uma sociedade desigual, separada por distâncias abissais dos pontos de vista econômico e social.  Um casal de lixeiros vive com sua filha de 6 anos numa favela de Calcutá, em situação de miséria absoluta.  E, pelo jeito, não há uma Bolsa Família para lhes assegurar as condições mínimas de uma vida digna.  Isso, apesar do trabalho remunerado do dia-a-dia, sem qualquer garantia.  Mas eles são seres humanos que não só lutam para sobreviver como têm esperanças e sonhos, como todo mundo.  Mudanças na estrutura do trabalho podem afetar o pouco que resta a essa família, já que não é possível reclamar, questionar, lutar por direitos, impunemente.  A sequência em que a catadora de lixo precisa subir a uma casa grande para fazer a coleta escancara de forma escandalosa a desigualdade existente na Índia. Não só na Índia, claro. A Índia também é aqui. O filme é muito competente em abordar essa temática de forma emocionante, envolvente, em econômicos 83 minutos de duração.

 

Mas quem quiser aproveitar o embalo do foco na Índia deste ano não pode deixar de ver ao menos 2 ou 3 filmes de um dos maiores cineastas da história do cinema: o indiano Satyajit Ray (1921-1992).  “Canção da Estrada” (1955), “O Invencível” (1956), “O Mundo de Apu” (1959), “A Grande Cidade” (1963) e “O Herói” (1966) são verdadeiras obras-primas.

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sábado, 19 de outubro de 2024

DESTAQUES DA MOSTRA 48

Antonio Carlos Egypto

 


AINDA ESTOU AQUI, o filme de Walter Salles, que está sendo muito valorizado e reconhecido em festivais internacionais e que está indicado a representar o Brasil na corrida pelo Oscar de filme internacional, teve sua primeira exibição no Brasil na Mostra 48, com entusiasmo e sessões cheias e disputadas.  Não é para menos.  O filme é excelente, ao retratar um dos casos mais emblemáticos da ditadura militar no Brasil: o caso Rubens Paiva, engenheiro e deputado cassado na época, que foi torturado, morto, e cujo corpo desapareceu nas mãos do Estado totalitário.  O escritor Marcelo Rubens Paiva, filho de Rubens e Eunice, contou a história da família vivendo esse drama no livro homônimo, que serviu de base e deu título ao filme.  No centro da narrativa, a figura de Eunice Paiva, uma mulher corajosa, lutadora, determinada.  Que foi capaz de enfrentar tudo isso, incluindo a sua própria prisão e a de sua filha mais velha, por um tempo, educando cinco filhos.  Marcelo, então, um garotinho.  O papel de Eunice é vivido com brilhantismo por Fernanda Torres, num desempenho que deve lhe render muitos prêmios.  No elenco, Selton Mello no papel de Rubens e uma participação especial de Fernanda Montenegro.  Importantíssimo conhecer, por meio da revoltante história vivida pela família Paiva, os meandros cruéis e ilegais do regime ditatorial que foi imposto ao país por um golpe cívil-militar em 1964 e que durou 21 anos.  Para que não se repita. Apesar do tema pesado e difícil, o filme tem respiro, alguma leveza e humor, o que torna a experiência de assisti-lo muito gratificante.  135 min.

 


MARIA CALLAS (Maria), produção internacional que envolve Itália, Alemanha e Estados Unidos, dirigido pelo conceituado diretor chileno Pablo Larraín, é um espetáculo cinematográfico/musical de peso.  Dá o devido e merecido destaque ao canto daquela que foi a maior na ópera em todo o mundo: Maria Callas (1923-1977).  O foco do filme, porém, é o período de decadência, de perda progressiva da voz de Callas, associado a seus problemas de saúde, em grande parte decorrentes do uso abusivo de remédios e, claro, dos excessos da profissão.  O brilhantismo vem dos flash-backs e das gravações.  Angelina Jolie vive muito convincentemente a diva do canto lírico, ao lado de outros colegas do elenco, como Pierfrancesco Favino e Alba Rohrwacher.  Foi o filme de abertura da Mostra 48.  123 min.

 

Gostaria de destacar também dois filmes cujas narrativas dialogam com questões comportamentais da modernidade.

 


SEX, da Noruega, dirigido por Dag Johan Hangerud, põe em questão a masculinidade e suas relações com sexualidade, gênero e identidade.  Mostra o relacionamento de dois amigos e colegas de trabalho que trocam suas experiências e se surpreendem com o que lhes acontece.  Ambos homens em casamentos heterossexuais.  Um tem um encontro sexual fortuito com outro homem, sem considerar que isso tenha qualquer importância na vida dele.  Tanto que comenta naturalmente o fato com a mulher.  O outro se sente confuso ao se ver como mulher em seus próprios sonhos.  E por aí o filme levanta questões muito interessantes para os dias de hoje.  Os atores protagonistas são muito bons, entram no clima com talento.  125 min.

 


PAUL E PAULETTE TOMAM UM BANHO (Paul and Paulette take a bath), filme de Jethro Massey, do Reino Unido, da competição Novos Diretores, mostra um encontro bizarro entre os personagens do título em Paris.  Paul, um jovem fotógrafo norte-americano, e Paulette, uma garota francesa que curte excentricidades, crimes e outros fatos sombrios em seus lugares de origem.  Ela, vivendo a dolorosa separação de sua namorada Marguerita.  Ele, entrando na aventura bizarra, em busca de conquistar Paulette.  Além do jogo curioso entre fantasia e realidade que o filme explora, são as relações da sexualidade na modernidade o que se evidencia também.  No elenco, os jovens Marie Benati e Jérémie Galiana têm bons desempenhos.  109 min.

 

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terça-feira, 15 de outubro de 2024

PRIMEIROS FILMES DA MOSTRA 48

Antonio Carlos Egypto

 

ANORA

ANORA, produção estadunidense, dirigida por Sean Baker, chega à Mostra 48 com a chancela da Palma de Ouro no Festival de Cannes.  Mas a gente se surpreende com essa escolha.  A história envolve uma prostituta do Brooklin que vê a chance de mudar de vida ao se casar em Las Vegas com o filho de um oligarca russo, totalmente sem noção, que queima dinheiro nos Estados Unidos em sua temporada por lá, e se comporta como um tresloucado, obcecado pelos prazeres do sexo, recém descobertos.  Claro que seu “casamento” será posto à prova pela família do “noivo”.  E a profissional do sexo, naturalmente, lutará para mantê-lo.  O filme é uma comédia amalucada, em que os excessos estão visíveis: quebradeiras, gritarias, xingamentos, vômitos, destruições.  Há que se reconhecer que a comédia funciona, produz risadas, tem sacadas interessantes aqui e ali, mas, no conjunto, beira o nada.  O que terá acontecido com o Festival de Cannes?  Não tinha nada melhor para premiar?   138 min.

 

O PIOR HOMEM DE LONDRES é uma produção portuguesa, dirigida por Rodrigo Areias, que tem outros filmes na Mostra, falada em inglês e também em francês, italiano e até português.  Passa-se na Londres vitoriana, ao tempo de Napoleão III, e retrata o que poderíamos chamar de um vilão perfeito.  Charles Augustus Howell, português radicado em Londres, agenciador de artistas, negociante de arte, agente secreto, chantagista, escroque, trapaceiro.  Merece muitos adjetivos na sua arte de envolver, manipular, roubar com sagacidade, mentir, destruir pessoas e reputações. Enfim, o tipo é tão execrável que Arthur Conan Doyle o chamou conforme o título do filme e fez dele personagem nas histórias de Sherlock Holmes.  Quanto ao filme, demora para engrenar, ao mostrar as aparências, as filigranas, mesuras e falsidades do comportamento das elites, até chegar à essência do vilão.  A direção de arte fez uma boa caracterização de época e o filme vai ganhando interesse aos poucos.   Por vezes, perde o foco, mereceria uma edição mais enxuta.  A narrativa é linear, clássica.  130 min.

 

O PIOR HOMEM DE LONDRES

VOCÊ ME QUEIMA (Tú Me Abrasas), dirigido por Matias Piñero, da Argentina, é um filme pretensioso e intelectualizado. A antiga poeta grega Safo e a ninfa Britomartis conversam à beira-mar sobre amor e morte, a partir da adaptação de um capítulo do livro “Diálogo com Leucó”, de Cesare Pavese.  São citadas inúmeras vezes frases com fragmentos dos poemas de Safo, que foram recuperados, para além da única poesia que se conhece dela.  O filme trabalha manipulando o livro e fazendo anotações nele, reproduzindo também imagens, com destaque para o mar, alternando com o texto.  Literário demais, acadêmico, sem ritmo.  Vai interessar a muito pouca gente, creio eu.  64 min.

 

HANAMI é também uma produção portuguesa (e de Cabo Verde), dirigida por Denise Fernandes.  Leva-nos a uma ilha vulcânica distante, de onde todos querem partir, como Nia, a mãe de Nana, o fez, por exemplo.  Quando ela retorna, vários anos depois, com Nana já adolescente, esta prefere ficar, demonstrando ter aprendido a amar a ilha, mesmo sem conseguir expressar isso emocionalmente.  O filme vai mostrando o ambiente, as características,   objetos e elementos culturais do lugar, sem se deter muito no foco principal da história. Que, na verdade, é apenas um fio de história.  A locação de natureza é bonita, atraente, já o filme flui vagarosamente, sem conseguir envolver muito o espectador.  Competição Novos Diretores.  96 min.

 

QUANDO A LUZ ARREBENTA

QUANDO A LUZ ARREBENTA (When the Light Breaks), produção da Islândia, dirigida por Rúnar Rúnarsson, focaliza os sentimentos profundos que não podem ser expressos por circunstâncias que estão acima de uma decisão pessoal.  Os jovens Una e Diddi estão secretamente apaixonados e se encontram sem que Klara, a namorada dele e amiga de ambos, saiba disso.  Diddi está disposto a resolver esta questão, rompendo com Klara, e promete isso a Una.  Mas um acidente terrível impedirá que isso aconteça, tirando-lhe a vida.  Para Una, as consequências irão muito além da dor e do luto, alcançando todo o grupo de amigos com quem ela convive, sem permissão para expressar o que sente, consolar e ser consolada, na dimensão do que seria necessário.  O filme expõe essa condição de opressão interior de Una o tempo todo, sem nunca perder o foco.  Talvez pudesse ampliar a compreensão do problema, superando a questão individual, relacionando-o à sociedade e à vida dos jovens, num sentido mas geral.  Mas é um trabalho honesto e envolvente.  82 min.


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quinta-feira, 10 de outubro de 2024

E HORA DA MOSTRA 48

Antonio Carlos Egypto

 

É sempre uma grande notícia o anúncio de que chegou mais uma edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a 48ª.  Que beleza! 

 


De 17 a 30 de outubro, mais a repescagem no Cinesesc logo após o período normal, ela vai acontecer em 29 salas da cidade.  Entre elas, o Espaço Augusta de Cinema, a Cinemateca Brasileira, o Reserva Cultural, os Cinesystem Frei Caneca e Morumbi, o Kinoplex Itaim, o Instituto Moreira Salles, o Satyros Bijou, o Sato Cinema, o Olido, o Circuito Spcine e diversos CEUs da cidade, além do Cinesesc.

 

Estão previstas exibições de 415 filmes de 82 países.  E desta vez uma novidade: a 1ª. Mostrinha, com filmes para o público infanto-juvenil.

 

A Mostra, em 2024, destaca o cinema da Índia, que é nada menos do que o país que mais produz cinema no mundo.  Que, assim como tem um cinema altamente popular, tem também produções mais elaboradas, de maior teor artístico.  30 longas-metragem comporão o Foco Índia, com destaque para uma retrospectiva do genial cineasta Satyajit Ray (1921-1992).  Ele, que foi roteirista, artista gráfico, compositor, publicitário, diretor de arte, fotografia, som e editor, tem um de seus storyboards ilustrando o pôster da Mostra 48.

 

Tem também uma mostra do cineasta palestino Michel Khliefi e outros filmes do Oriente Médio, como o do israelense Amos Gitai, que há muito tempo tem seus filmes exibidos por aqui.  Alguns filmes estrelados por Marcello Mastroianni, em vários países do mundo, serão exibidos para comemorar o centenário do grande ator italiano.

 

E, claro, como sempre, filmes premiados nos principais festivais mundiais, indicados ao Oscar de filme internacional, produções de todo o mundo, 83 filmes brasileiros e uma competição de novos cineastas, que estejam apresentando seu primeiro ou segundo longa-metragem.

 

Eventos ligados ao cinema, como o IV Encontro de Ideias Audiovisuais, também ocorrem na Cinemateca.  Para se informar de tudo isso e consultar a programação, acesse mostrasp.org

 

Permanentes e ingressos: pacotes de 20 ou 40 filmes, Especial  Vespertina ou Credencial Completa, podem ser adquiridos no Conjunto Nacional, na av. Paulista, a partir de sábado, 12 de outubro.

 

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quarta-feira, 9 de outubro de 2024

INVERNO EM PARIS

Antonio Carlos Egypto

 

 


INVERNO EM PARIS (Le Lycéen).  França, 2022.  Direção e roteiro: Christophe Honoré.  Elenco: Paul Kircher, Juliette Binoche, Vincent Lacoste, Erwan Kepoa Falé.  123 min.

 

Lucas (Paul Kircher), jovem gay de 17 anos, estudante do ensino médio (Lycéen), no interior da França, vive o chamado turbilhão emocional da adolescência.  Desde o início do filme, ouvimos os seus pensamentos e, por meio deles, ele expressa seus temores, dúvidas, motivos para autodepreciação, seus impulsos caóticos e imprevisíveis, suas frustrações, seus desejos, nem sempre claros.  Enfim, é dessa forma que o filme nos introduz no universo de Lucas.  Um universo que comporta uma mãe amorosa, vivendo as emoções com muita intensidade: Isabelle (Juliette Binoche), um pai próximo, presente, vivido pelo próprio diretor, e um irmão mais velho, Quentin (Vincent Lacoste), já radicado em Paris.

 

No último ano de internato, Lucas tem de enfrentar a morte, por acidente, do pai, o que desmorona sua vida.  No entanto, ele vai experimentá-la com intensidade, hospedando-se com o irmão, no inverno em Paris, logo após o luto, onde descobre que o amor e o desejo podem emergir dos contextos mais sombrios.  Mas que tudo tem seu preço, seus limites, seus riscos, suas consequências.

 

O jovem Paul Kircher entrega-se no papel de Lucas com uma dedicação e uma expressividade que já lhe valeram prêmios de ator em festivais, como o de San San Sebastián e Veneza. 

 


Juliette Binoche esbanja vibração emocional, humanidade e sofrimento, com uma intensidade e profundidade só possíveis para atrizes muito tarimbadas.  A força do seu desempenho é admirável.  Vincent Lacoste e Erwan Kepoa Falé integram um elenco que apresenta atuações consistentes, brilhantes.  É um dos grandes trunfos do filme de Christophe Honoré. 

 

Outro é a verdade da história, a sensibilidade para apresentar sentimentos e conflitos humanos verdadeiros.  É um filme que trata de amor, afeto e desejo, sem clichês, sem se valer da forma melodramática.  Por isso mesmo, o filme nos leva pela empatia diante de questões, como a depressão, o mutismo ou a expressão exacerbada da sexualidade como respostas frente a um sofrimento sem tamanho.

 

Chistophe Honoré reafirma, uma vez mais, sua capacidade de lidar com questões emocionais intensas, que têm marcado sua produção cinematográfica.  Basta lembrar de filmes como “Canções de Amor” (2007), “A Bela Junie” (2008) ou “Conquistar, Amar e Viver Intensamente” (2018), entre tantos outros trabalhos dele como diretor e roteirista de cinema.