quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

CASTIGO e MILONGA

Antonio Carlos Egypto

 

 


O CASTIGO (El Castigo). Chile, Argentina, 2022.  Direção: Matías Bize.  Elenco: Antonia Zegers, Néstor Cantillana, Catalina Saavedra, Yair Juri.  88 min.

 

“O Castigo”, dirigido pelo cineasta chileno Matías Bize, é um drama psicológico que envolve suspense e mistério numa questão aparentemente prosaica.  Que casal não aplicou um castigo desproporcional a um filho de 7 anos de idade e não se arrependeu do que fez?  Mas parece que aqui não é bem o caso.  O menino foi abandonado na estrada, perto da floresta, pelos pais durante apenas alguns minutos, mas quando eles retornaram ele havia sumido.  No entanto, ambos admitem que o que a criança fez foi muito sério, muito grave e teria até justificado a ação.  A mãe acredita, o pai concorda em parte, acha que exageraram na dose, o que não foi legal.  Mas, afinal, o que de tão grave um menino poderia ter feito para que os pais pensassem assim?  O mistério vai se ampliando, quando ao chamarem a polícia mentem sobre o fato.  Estabelece-se um conflito muito forte dentro do casal, que também revela uma questão de gênero: as renúncias que às mulheres acabam sendo impostas socialmente.  E como os homens lidam com elas. O confronto que vive o casal com seus desdobramentos, mágoas e acontecimentos do passado, ocupa o centro da narrativa dramática.  O suspense se mantém, devido à insegurança da situação e à perda que se deu.  E, claro, à culpa que corrói pai e mãe.  Após essa experiência traumática, não se pode voltar ao que se era.  Tudo mudou e algo novo terá de surgir.  Por alguma razão, aconteceu e, pode-se dizer, talvez fosse mesmo inevitável que acontecesse.  O filme mantém a tensão psicológica e o suspense na ação por conta de sua narrativa enxuta, dos silêncios, das introspecções, do diálogo escasso e do turbilhão emocional que precisa ser contido.  O que nem sempre é possível.  Os dois atores chilenos que protagonizam o filme, Antonia Zegers e Néstor Cantillana, dão densidade aos seus personagens e mantêm a situação com brilho. 


 

 


MILONGA (Milonga).  Uruguai, Argentina, 2023.  Direção e roteiro: Laura González.  Elenco: Paulina García, César Trancoso, Laila Reys, Paolo Venditto, Jean Pierre Noher.  106 min.

 

“Milonga”, da diretora uruguaia Laura González em seu primeiro longa-metragem, é um drama psicológico centrado na personagem Rosa, interpretada pela ótima atriz chilena Paulina García.  Rosa é uma mulher aprisionada pela vida e por sua história familiar. É viúva, perdeu o marido, mas a sombra dele está presente em tudo o que ela pensa e faz.  Percebemos o que há de doentio nessa fixação no marido morto, mas o filme não dá pistas sobre isso.  Da mesma forma que não entendemos o que acontece na sua relação com a nora, de quem ela procura se aproximar e a rejeita, afastando o neto.  Sabemos também que seu filho está preso e ela não consegue vê-lo há tempos.  Tudo parece desmoronar à sua volta, mas ela não busca reconstruir sua vida, nem suas relações.  Está presa ao passado nostalgicamente.  No entanto, coisas começam a acontecer, quando ela recebe, com relutância, uma antiga amiga que mostra vigor e entusiasmo, frequentando uma academia de danças de tango.  E a estimula a buscar novos ares.  A venda de um carro que foi do marido também acaba pondo-a em contato com um homem ativo e produtivo, Juan, papel do grande ator uruguaio César Trancoso.  Ele vai pintar um muro da casa dela, aceita sua comida e se interessa pelo apelo do tango.  O que poderia representar um novo sopro em sua vida e nas relações afetivas e amorosas, no entanto, parece um estorvo, que ela rejeita.  E se refugia dentro de casa, como numa prisão.  A sequência em que ela assiste escondida Juan circular o jardim da residência cortando a grama é muito marcante para representar isso.  O que ela faz é olhar para trás e tentar restaurar as relações familiares, fazendo bolos e levando presentes que não reconstróem nada.  Os mistérios da história se revelarão de forma pouco sutil, com a evolução das situações.  Fundamentalmente, numa conversa em que os fatos e os sentimentos são explicados verbalmente.  O mais importante, porém, é o processo que vive Rosa, o labirinto sem saída em que ela se coloca.  E se o tango costuma ser a expressão da tragédia, sua dança também poderia ser uma porta de saída da depressão.



domingo, 7 de dezembro de 2025

LIVROS RESTANTES

                        

 Antonio Carlos Egypto

 



LIVROS RESTANTES.  Brasil, Portugal, 2025.  Direção: Marcia Paraiso. Elenco: Denise Fraga, Augusto Madeira, Renato Turnes, Wanderléia Will, Andrea Buzato.  104 min.

 

“Livros Restantes” é uma produção Brasil/Portugal, rodada no bairro da Lagoa, Florianópolis, e na cidade portuguesa de Aveiro, contando com atores e atrizes catarinenses e portugueses, protagonizado por Denise Fraga.

 

Denise representa Ana Catarina, uma mulher que decide fazer uma grande mudança de vida em torno dos 50 anos de idade, indo viver, trabalhar e desenvolver-se profissionalmente em Portugal.  Como a mudança, em princípio, será definitiva, ela tem de despedir-se dos familiares e amigos e dos bens materiais que deixará para trás.

 

Após doar seus livros, entre os demais pertences, cinco deles são retidos, referem-se a livros presenteados a ela, ou por ela a outro, que contêm dedicatórias que trazem memórias, lembranças.  Ana resolve, então, devolvê-los a seus amigos, amigas ou parentes, marcando um encontro para falar sobre eles, rever as pessoas e despedir-se de cada uma delas.

 

Aí é que muitas coisas inesperadas acontecem.  Há quem a receba de braços abertos e lisonjeado, há quem estranhe dada a distância que se criou, há quem mudou muito e não quer nem saber de lembrar de coisas que ficaram para trás.  O laço via literatura pesa, para o bem ou para o mal.  E até gera desentendidos ou falsas expectativas. Quem sabe aquela mulher que eu desejei finalmente vai me querer?

 

Enfim, o filme explora essas possibilidades que a mudança traz nas relações.  No caso da família, os reencontros para despedida reabrem contatos difíceis, problemáticos, velhas questões e preconceitos, como a homofobia, por exemplo.  E questões apagadas, tabus, como o abuso sexual em família, que seria preciso enfrentar um dia.  Torna-se indispensável revirar o passado para poder seguir em frente.  A perspectiva do futuro muda o presente, transforma as relações humanas e amorosas.

 

O que seria um encerramento de um ciclo marcado pela afetividade e proximidade aos livros, pode levar a conflitos complicados, doença e morte.  A vida vale a pena, mas também nos surpreende.

 

“Livros Restantes” segue uma narrativa clássica, linear, mas é bem realizado, explora bem as belezas de Floripa, em Santa Catarina, e também o charme de Aveiro, em Portugal, locações bem escolhidas e bem fotografadas, filmadas pela diretora e roteirista Marcia Paraiso, com um elenco muito bom e o destaque óbvio, e conhecido de todos nós, do talento de Denise Fraga, num papel dramático, mas que também lhe dá a chance de expressar sua simpatia, seu humor, sua alegria.  E viver seu ódio e sua indignação, além das surpresas que a situação lhe reserva a cada encontro humano dessa história.

 

A trilha sonora do filme destaca “Não Fique Só”, de Zininho, Cláudio Alvim Barbosa (1929–1988), considerado o maior compositor popular de Florianópolis e autor do hino da cidade, interpretada por diferentes cantoras e inclui “Fé”, de Iza, com Caetano Veloso e Maria Bethânia.


 


MOSTRA TRUFFAUT POR COMPLETO

Uma dica imperdível é acompanhar a “Mostra Truffaut Por Completo”, com 26 títulos de um dos maiores cineastas da história do cinema: François Truffaut (1932-1984), pioneiro da nouvelle vague francesa e um criador cinematográfico absolutamente extraordinário.  A mostra começa no dia 11 de dezembro de 2025 no Cinesesc, São Paulo, depois de ter sido exibida com grande sucesso no Rio de Janeiro.