Antonio Carlos Egypto
A
GRANDE FUGA. (The Great Scape). Reino Unido, 2023. Direção: Oliver Parker. Elenco: Michael Caine, Glenda Jackson, John
Standing, Danielle Vitalis, Will Fletcher, Laura Marcus. 96 min.
Um
ator e uma atriz ingleses, ícones do teatro e do cinema britânicos, são os
protagonistas de “A Grande Fuga”, filme dirigido por Oliver Parker. São Michael Caine, que realizou esse trabalho
aos 90 anos, e Glenda Jackson (1936-2023), que também foi política, deputada
pelo Labour Party, fez aqui sua última performance fílmica. Com protagonistas desse quilate, nem é
preciso dizer que todas as atenções se dirigem às suas respectivas atuações,
que são magníficas, é o que o filme tem de melhor a oferecer.
Além
disso, a história é muito boa e baseada num personagem real, Bernard Jordon
(Michael Caine), que, aos 89 anos de idade, viajou sozinho, partindo de
Londres, até a Normandia, na França, para participar das cerimônias de
comemoração da vitória na Segunda Guerra Mundial, no chamado Dia D, que, em
2014, completava 70 anos. O espetáculo
foi grandioso, mas o feito de Bernard (ou Bernie) também repercutiu amplamente. Gerou matérias de jornais, da TV e de outras
mídias.
Ele
saiu incógnito de uma casa de repouso de alto padrão, onde vivia com sua mulher
Irene, papel de Glenda Jackson aos 87 anos, e com quem convivia há mais de 70
anos. Enfrentou a aventura com o apoio,
a convivência e a cumplicidade de Irene, que só não foi junto porque tinha uma
situação de saúde bem mais frágil do que a dele.
Uma
bela história de amor revela-se ao longo do filme, ao mesmo tempo em que fica
evidente que os desejos e os sonhos não têm idade e sempre podem ser perseguidos,
mesmo diante das limitações da velhice.
Aliás, essas limitações são muito claramente mostradas, assim como fica
claro que uma mente preservada pode muito e sustenta a vida, ainda que o corpo,
geralmente, não tenha mais condições de acompanhá-la.
O final
da vida também parece gerar a necessidade e a urgência de realizar algo
importante, ainda que com isso o restante da vida fique mais comprometido ou
seja abreviado. Afinal, quem viveu muito
pode se dar ao luxo de correr esse risco.
Outro aspecto enfatizado pelo filme são as memórias, as lembranças
recorrentes, os prazeres, dores e culpas que o passado deixou como marcas
permanentes.
Como
se pode ver, “A Grande Fuga” enfrenta a complexidade das coisas, não é
negacionista, nem se pretende servir de autoajuda ou conceber o final feliz da
existência, que não existe. Sim,
valoriza e celebra a vida, mas como ela é, sem idealizá-la. A própria
celebridade alcançada por Bernie passa pelo crivo da crítica. Não há qualquer deslumbramento nisso. Pessoas inteligentes conseguem analisar essas
coisas e não deixam de fazê-lo na velhice.
Boa parte dos profissionais que cuidam de pessoas idosas tendem a
tratá-las de forma infantilizada, sem se dar conta disso.
“A
Grande Fuga” é um mergulho na personalidade de dois personagens fascinantes,
Bernie e Irene, vividos por um ator e uma atriz soberbos, impecáveis, que nos
conquistam a cada plano, a cada sequência.
Evidentemente, o filme produzirá uma reflexão mais profunda naqueles que
já estão numa idade mais avançada e, provavelmente, menos nos jovens. Para os que fazem empatia com pais ou avós,
não faltará oportunidade de ampliar a compreensão da velhice como um estado de
vida limitador e rico ao mesmo tempo.
Pelo peso da experiência e da maturidade que compensa as agruras
inevitáveis da decrepitude física. O
papel de Glenda Jackson é especialmente relevante nesse aspecto.
“A
Grande Fuga” tem também uma série de sequências que remetem ao passado dos
personagens, seu amor na juventude (papéis de Will Fletcher e Laura Marcus) e
ainda as lembranças da batalha do Dia D na Normandia, o que dá margem a cenas
de ação, bombardeio e explosões, relacionadas à experiência pregressa do
personagem de Michael Caine. Não como um
filme de guerra, mas de uma forma mais intimista, com o que a guerra deixa na
vida das pessoas, mesmo as que sobreviveram sem perdas aparentes.
O mar
também dá margem a imagens bonitas e evocativas de uma vivência, muito intensa,
que ressurge diante de suas águas. Na
velhice, passado e presente se fundem e, às vezes, se confundem.