Antonio Carlos Egypto
DIAS
PERFEITOS (Perfect Days). Japão, 2023.
Direção: Wim Wenders. Elenco:
Koji Yakusho, Tokio Emoto, Arisa Nakano, Aoi Yamada. 123 min.
O
grande cineasta alemão Wim Wenders declarou publicamente que o cineasta japonês
clássico Yasujiro Ozu (1903-1963) é um mestre muito admirado por ele. Em 1985, Wenders foi a Tokio fazer um
documentário, “Tokyo-Ga”, sobre a cidade de seu mestre no cinema e as mudanças
que se operaram 20 anos após a morte de Ozu.
Não
surpreende, portanto, que “Dias Perfeitos”, que concorre ao Oscar,
representando o Japão na disputa de filme internacional, seja dirigido por Wim
Wenders, numa produção nipo-alemã, com roteiro de Wenders e de Takuma
Takasaki.
E qual
é a temática de “Dias Perfeitos”? Eu
diria que é viver em harmonia consigo mesmo e com a natureza, mesmo diante das
adversidades e de questões não resolvidas no passado. Parece que mais do que isso: viver feliz, com
um sorriso no rosto e um otimismo que parece estar em desacordo com os fatos.
Senão,
vejamos. Hirayama (Koji Yakusho) é um
senhor (de meia-idade? Esta expressão é estranha) que vive só e cumpre uma
rotina de trabalho que ele faz cuidadosa e esmeradamente. Qual seja, a de limpar banheiros públicos,
envergando um macacão da The Tokyo
Toilet, com um jovem ajudante pouco interessado nesse serviço: Takashi
(Tokio Emoto).
Vemos
que, na rotina de Hirayama, cabem a leitura de bons livros, a fotografia das
árvores, o cuidado com as plantas e a música, que ele ouve por meio de fitas
cassetes no veículo que usa para o trabalho.
Não, não estamos no passado, nem nos anos 1980. As músicas ouvidas, sim. Mas aprendemos que, com a revalorização do
analógico, as fitas cassetes de som podem ser vendidas num sebo, por 80 a 120
dólares. Ele nem está interessado
nisso. Esse emprego não deve lhe render
um alto salário, claro, mas ele coleciona não só fitas, como livros, fotos
tiradas com uma máquina antiga, que revela regularmente. Seu assistente reclama
da falta de dinheiro até para namorar, mas ele não se queixa de nada. Aliás, fala muito pouco, quase nada.
Acompanhar
o dia-a-dia desse personagem e o que, eventualmente, acontece com ele é o que
importa ao filme. O personagem é, na sua
vida simples, bastante interessante e muito bem interpretado pelo ator Koji
Yakusho, que sustenta o filme quase sem falar.
Sua rotina é sua segurança, seu meio de vida, seu porto seguro. E, como dizia o título em português do último
filme de Yasujiro Ozu, “A Rotina tem seu Encanto” (Sanma No Aji).
O
filme flui muito bem e nos desafia a pensar o que é que vale nessa vida,
afinal? O conformismo do personagem,
evidentemente, provoca estranheza. Mas
faz sentido para ele e é certamente útil para a comunidade. Quem é que não aprecia um banheiro público
limpo, bem higienizado, na hora em que precisa usá-lo?
Uma
curiosidade: nunca tinha visto o banheiro público envidraçado que se torna
opaco e colorido ao ser trancado por dentro.
Coisas da tecnologia, coisas do Japão.