Antonio Carlos Egypto
MANGUEIRA EM 2 TEMPOS. Brasil, 2019.
Produção, direção e roteiro: Ana Maria Magalhães. Documentário.
90 min.
Com o documentário “Mangueira em 2
Tempos”, a produtora, diretora, roteirista e atriz Ana Maria Magalhães nos leva
ao mundo mágico da Estação Primeira de Mangueira, uma das mais importantes e
tradicionais Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Ela nos põe em contato com personagens que
nasceram naquele ambiente de samba, canto, dança, batucada, fantasias, e dos
portentosos desfiles. Um mundo
encantador para uma criança. Que ela
registrou num curta-metragem de 1993, “Mangueira do Amanhã”
Naquela oportunidade, ela filmou a Escola
de Samba Mirim da Mangueira, formada por amiguinhos de infância, nos anos 1990,
fascinados e alimentando sonhos de muito brilho, na bateria nota 10, na
porta-bandeira e sua glória, nas passistas de samba no pé, nas roupas
deslumbrantes (de preferência, não as mais pesadas).
Sequências desse curta são lembradas
aqui, e exibidas para os mesmos personagens, vinte anos depois. Eles se divertem com as imagens, as
lembranças, a ingenuidade infantil que demonstravam, mas também reconhecem que
aquele período foi muito feliz e marcante. Ana Maria irá retomar com eles o que
se passou depois disso, que sonhos vingaram, que óbices surgiram para
realizá-los ou desistir deles, o que a vida lhes trouxe e que construções eles
puderam concretizar.
A principal figura dessa história é
Wesley, atual mestre de bateria da Escola, um sonho que se realizou, da forma
mais ampla, para aquele menino talentoso, que aparece no curta com um ritmo
empolgante. Segundo Alcione, ele era tão
bom que não se viam suas mãos naquela atividade frenética. Outro garoto, o Buí do Tamborim, vejam só,
acabou arrumando trabalho como percussionista na China. Houve também quem, por
suas escolhas, não sobreviveu para poder contar sua história.
As mulheres, Érika, Danielle,
Michelle, Thathy, dividiram-se entre o mundo do samba, a gravidez, ainda na
adolescência, o cuidado dos filhos e o risco da marginalização pelo crime, e
houve quem se retraísse em público, por conta da religião que escolheu e que
acabou funcionando como um freio. Mas
todas amam, ou amaram, desfilar na avenida.
Quem pôde, lá ficou. Para as
mulheres, porém, é sempre mais difícil essa coisa de dupla, tripla, jornada de
trabalho. Se bobear, o prazer sucumbe,
até mesmo na passarela da alegria que é a Mangueira.
Nos últimos vinte anos, muita coisa
mudou para todos, com a violência, o narcotráfico, as milícias, atingindo o Rio
em cheio, complicando para todo mundo. A
Mangueira segue firme e vitoriosa, mas os tempos são mais difíceis e a Escola
de Samba reflete isso nos seus enredos.
“Mangueira em 2 Tempos” sugere os dois
tempos da filmagem. Que não foram só
dois, o das crianças e o atual, porque foram filmagens que aconteceram ao longo
de vários anos. Só que os dois tempos do
título se referem a uma outra questão, também. Aos 2 tempos de marcação do ritmo na música, comuns
ao samba, ao funk e ao jazz, o que permite a integração e viabilização de uma inovação rítmica.
Conhecer a história dessas pessoas e
da sua Escola do coração, explicada por eles mesmos, alguns já famosos, como
Wesley e o cantor Ivo Meirelles, além de Alcione, mangueirense por adoção, vendo
e ouvindo a beleza do que eles são capazes de produzir artisticamente, é muito
animador. Em meio aos problemas, a arte
popular aparece como esperança renovada de felicidade.