quarta-feira, 24 de novembro de 2021

DESERTO PARTICULAR

Antonio Carlos Egypto

 

 



DESERTO PARTICULAR.  Brasil, 2021.  Direção e roteiro: Aly Muritiba.  Elenco: Antonio Saboia, Pedro Fasanaro, Cynthia Senek, Thomas Aquino, Laila Garin, Zezita Matos.  120 min.

 

O Brasil oficial anda muito mal representado pelo mundo, como temos visto continuamente nos noticiários diários.  Nesse contexto, é muito bom saber que o Brasil que estará representado pelo cinema na disputa do Oscar 2022, de melhor filme internacional, é outra coisa. É um Brasil amoroso, de encontros, que celebra a diversidade, que ama a vida.

 

“Deserto Particular”, dirigido e corroteirizado por Aly Muritiba (em parceria com Henrique dos Santos), foi escolhido pela Academia Brasileira de Cinema para essa tarefa, depois de premiações em Veneza, Espanha, Israel, Los Angeles, Nova York, e de vencer o Festival Mix Brasil.

 

“Deserto Particular” é uma história de amor que envolve surpresas, mistério, decepções de lado a lado e reconstruções mediadas, naturalmente, pela sociedade.  Sujeitos a opressões diversas.  Religiosas, principalmente.  Parte de um desejo distante, intermediado pela onipresente internet.  Desejo que se torna forte o suficiente para estimular uma viagem de carro de Curitiba, no Paraná, a Sobradinho, no sertão da Bahia.  Um problema legal e funcional, aliado a uma interdição aparentemente incompreensível, acaba por ensejar essa ousada travessia.  O mistério permanecerá, mesmo lá, até conduzir a uma mudança de paradigma com transformações sofridas e muito importantes.

 




Os personagens apresentam camadas, níveis diversos de expressão e profundidade, sendo fundamentalmente falíveis, humanos.  Porém, regidos pela perspectiva do amor, de sua busca, ao menos.

 

O amor também se mostra forte quando, no filme, um filho cuida com carinho e paciência de seu pai, outrora uma figura de comando, reduzido à demência senil que borra a memória e cala a expressão.  Tudo isso mostrado com realismo e poesia. A vida cotidiana, convivendo com a fantasia, com a esperança, com a utopia.

 

O fato de personagens transitarem entre os gêneros, ou seja, sem se enquadrarem numa perspectiva binária, amplia o leque de possibilidades, de ambições e de problemas.  Torna, enfim, tudo mais complexo, tanto positiva quanto negativamente.

 

Interpretações magníficas de Pedro Fasanaro e de Antonio Saboia, destacando-se num bom elenco, põem em relevo a dimensão emocional da situação.  Um roteiro muito bem articulado imprime força e verdade à narrativa.  A trilha sonora é muito variada, vai do mais elaborado ao brega.  Combina com o filme, celebra também a diversidade musical.

 

Um excelente trabalho do diretor Aly Muritiba, que já nos deu “Para Minha Amada Morta” (2015), “Ferrugem” (2018) e “Jesus Kid” (2020), entre vários outros trabalhos também como roteirista.

 

 

 

sábado, 6 de novembro de 2021

MARIGHELLA

Antonio Carlos Egypto

 

 


MARIGHELLA.  Brasil, 2019.  Direção: Wagner Moura.  Elenco: Seu Jorge, Adriana Esteves, Bruno Gagliasso, Rafael Lozano, Bella Camero, Humberto Carrão, Herson Capri.  155 min.

 

Wagner Moura é um dos grandes atores brasileiros de sua geração, e com uma carreira internacional.  Com o filme “Marighella”, ele passou também à direção.  Para um primeiro projeto, ele fez uma escolha nada fácil.  Antes de tudo, porque o personagem é muito marcado, herói ou bandido, revolucionário ou terrorista, segundo o ponto de vista da esquerda ou da direita.  Considere-se também que a cinebiografia de Carlos Marighella (1911-1969) só comportaria uma produção de larga escala, com muitos atores, havia muito o que contar e só fazia sentido se fosse bem feita e, de preferência, com apelo popular.

 

De apelo popular Wagner Moura entende.  Basta lembrar seus papéis como Capitão Nascimento, Pablo Escobar, as novelas da TV Globo, entre muitos outros trabalhos.  Outra dificuldade estava na adaptação da biografia, escrita por Mário Magalhães, Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo.  Era preciso circunscrever um período de tempo para encontrar o foco do filme.

 

Um grande desafio que o filme encontrou foi o dos recursos, com um governo de extrema direita tentando impedir, a qualquer preço, o filme de ser lançado, colocando todos os entraves burocráticos possíveis, não liberando o dinheiro que seria devido.  Em outras palavras, exercendo censura em plena vigência do regime democrático e da Constituição de 1988 que a aboliu. Como se não bastasse, veio a pandemia.  O lançamento previsto para 2019 ficou impedido nos cinemas.  Streaming seria muito pouco para um filme dessa importância.

 

Montar o elenco com um protagonista de peso para viver Carlos Marighella não parecia tão complicado.  Mano Brown foi a escolha de Wagner desde o início.  Mas não foi possível, o projeto exigia do músico uma dedicação e um tempo de que ele não poderia dispor sem comprometer sua carreira.  Ele teria o tom de pele mulato ideal, já que Marighella era filho de uma mulher negra, filha de escravos, e de um homem branco, italiano.  Isso não preocupava o diretor, que logo encontrou um ator fantástico para assumir o papel: Seu Jorge.  A cor da pele preta enegrecia o personagem.  Mas e daí?  Ambos são negros.  Na verdade, ele diz que só veio a pensar nisso depois, quando ouviu comentários a respeito.

 


Enfim, todas essas dificuldades foram sendo resolvidas e o filme está aí, nos cinemas, causando impacto, sendo admirado e aplaudido, enquanto alguns tentam solapar o sucesso que já se delineia, dando notas baixas ao filme no site IMDb, para tentar prejudicá-lo internacionalmente.

 

“Marighella” é um filme poderoso, pela trama que conta, pelo resgate da história recente do país na ditadura militar e pela resposta ousada e corajosa da luta armada, que o guerrilheiro, um dos fundadores da ALN (Aliança Libertadora Nacional), escritor e ex-deputado pelo Partido Comunista Brasileiro, comandou.  O período adotado pela narrativa se concentra na vida e luta de Marighella de 1964, início do golpe militar, até sua morte, em 1969, no momento mais conturbado do país no período.

 

“Marighella” assume uma posição de respeito e valorização da figura do guerrilheiro, ao mesmo tempo em que constrói personagens complexos e multifacetados, humanos como todos nós.  Tanto o protagonista e suas relações quanto até mesmo seus algozes.  O filme tem posição, mas não é panfletário.  Procura fidelidade aos fatos e entender a figura humana de Carlos Marighella e sua dedicação à luta que ele julgava urgente e necessária naquele momento.

 

Além disso, o filme procura mesmo atingir o público, tem inclusive muita ação, um ritmo tenso e envolvente.  É político, mas também passa pelos sentimentos, pelos riscos pessoais, pelas limitações que a batalha impõe às relações familiares.  Tem tempo de mostrar uma figura doce e terna, em meio á dureza e à agressividade das ações e decisões.  Um elenco afiadíssimo, com atuações firmes e intensas, sustenta muito bem a narrativa, as situações de grande tensão e as cenas de ação.

 

É um filme com capacidade de dialogar com públicos diversos, não caiu na armadilha de dirigir-se apenas a uma bolha, como costuma acontecer nas redes sociais, no ambiente polarizado que estamos vivendo na sociedade brasileira atual.  A maioria dos que o estão atacando por lá o faz gratuitamente, nem sequer o viu.

 

  

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

BALANÇO DA # 45 MOSTRA

            Antonio Carlos Egypto

 

 


Antes de mais nada, é preciso comemorar a existência da 45ª.edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.  A Mostra já nasceu para inovar num mercado cinematográfico até então muito comprometido com o cinema de Hollywood e de alguns outros centros, como a França, com pouquíssimo espaço para o cinema mundial, em especial, o cinema mais artístico, melhor elaborado, ou que fosse capaz de questionar o mundo.  Trazer para São Paulo um leque de opções dos grandes festivais mundiais, filmes polêmicos, experimentais ou políticos, sujeitos à forte censura da ditadura militar da época.  Tudo isso a Mostra fez sob o comando de Leon Cakoff (1948-2011), com destaque para a luta contra a censura, pela democracia. 

 

Após sua morte, Renata de Almeida, sua mulher, assumiu o comando da Mostra, que ela então já dividia com Cakoff, e seguiu editando o mais importante evento de cinema do nosso país e da América Latina.  A Mostra segue sendo, até hoje, uma atuação artística de resistência.  Agora não temos uma ditadura militar, mas temos um governo que não só deixa de apoiar como combate a cultura.  Muito difícil.  E, para complicar ainda mais, veio a pandemia, uma cacetada na cabeça de todos nós.  Em 2020, a Mostra resistiu mais uma vez e brilhantemente funcionou toda on line.  Com sucesso.

 

Desta vez, foi preciso encontrar uma forma híbrida, presencial e on line ao mesmo tempo.  Um desafio.  Mais problemas operacionais, custos maiores, mas a Mostra 45 aconteceu.  Parabéns à Renata e a toda sua equipe, muito dedicada e competente, que fizeram de tudo para viabilizar o evento, da melhor forma possível.

 

A seleção de cerca de 260 filmes, entre eles, mais ou menos metade, também disponibilizada on line, mostrou a abrangência e a qualidade já conhecidas e valorizadas pelo público consumidor de cultura.

 

Os filmes, lançados em 2020 ou 2021, em grande parte, já estavam concluídos ou avançados na produção e edição antes da pandemia.  Não refletem nas suas narrativas o abalo que o mundo viveu . Alguns já o fizeram, de forma realística ou simbólica.




 

O que mais me chamou a atenção nesta seleção foi o grande número de mulheres cineastas, os temas femininos em destaque e as fortes protagonistas femininas que ocuparam a cena, exibindo um talento que tinha mesmo que se evidenciar.  Filmes como “A Noite do Fogo”, “Miruna”, “Olga”, “Aurora”, “Yuni”, “Lua Azul”, “A Garota e a Aranha”, “Assim como no Céu”, “A Taça Partida”, “Forte Clarão”, “A Felicidade das Coisas”, entre outros bons filmes exibidos, mostram isso.  Indicam que a conquista do espaço das mulheres é hoje um fato incontestável e, certamente, será daí para mais.

 

As mulheres adolescentes, mas os homens também, se destacaram como protagonistas em muitos filmes.  As incertezas do mundo que se abateram sobre os jovens, da questão ambiental ao estudo e ao emprego, complicadas, e muito, pela pandemia, talvez expliquem a adolescência como fonte de preocupação da arte, no momento.  Os que lutam para encontrar seus espaços e serem ouvidos estão representados em filmes como o brasileiro “Urubus”, dirigido por Cláudio Borrelli, sobre o mundo dos pichadores da cidade de São Paulo.  O filme foi premiado tanto pela crítica quanto pelo público como o melhor nacional do festival.  E merece.

 

De resto, filmes que por sua originalidade e profundidade ganharam, a meu ver, destaque, como o turco “O Compromisso de Hasan” (prêmio da crítica), o iraniano “Um Herói”, o francês “Bergman Island”, o português “Diários de Otsoga”, o japonês “Roda do Destino”, o israelense “Ahed’s Knee”, o romeno “Má sorte no sexo – Pornõ Acidental”  ou o espanhol “Armugan”, mostraram seus grandes méritos.

 

Por último, os documentários que merecem destaque: o francês “Regresso a Reims”, o alemão “Quem Fomos”, o estadunidense “Truman & Tennessee – Uma conversa pessoal”, o sueco “O Garoto Mais Bonito do Mundo”, o holandês “Lidando com a Morte” ou os portugueses “Visões do Império” e “Amor Fati”. 

 

Tratei de quase todos esses filmes nas matérias críticas sobre a Mostra 45.  Estão entre os pouco mais de 50 filmes que vi.  Uns tantos dentre esses decepcionaram, outros, não deu para ver.  O saldo, como sempre, é extremamente positivo.  Que venha a Mostra 46, esperando que com a pandemia inteiramente superada.  Oxalá!



quinta-feira, 4 de novembro de 2021

PREMIADOS da # 45 MOSTRA

 

 

 


 

Mostra divulga premiados da 45ª edição

 

 

A entrega dos prêmios da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo foi realizada durante a cerimônia de encerramento na noite desta quarta-feira, 03 de novembro, no Vale do Anhangabaú, embaixo do Viaduto do Chá. O Prêmio Leon Cakoff foi entregue à atriz, diretora e produtora baiana Helena Ignez. A solenidade foi apresentada por Renata de Almeida e por Serginho Groisman, e contou com a presença dos brasileiros premiados e de personalidades do meio cultural.

 

Veja abaixo a lista completa dos títulos premiados na 45ª Mostra:

 

TROFÉU BANDEIRA PAULISTA

PRÊMIO DO JÚRI INTERNACIONAL

Os filmes da seçãCompetição Novos Diretores mais votados pelo público foram submetidos ao Júri formado por Beatriz Seigner, Carla Caffé e Joel Zito Araújo, que escolheu Clara Sola como melhor filme, Wendy Chinchilla Araya (Clara Sola) como melhor atriz e Yuriy Borisov (Compartment nº 6) como melhor ator, além de premiarem com Menção Honrosa Pequena Palestina, Diário de um Cerco. Outras obras foram escolhidas pelo público e pela crítica brasileira. Os filmes receberam o Troféu Bandeira Paulista (uma criação da artista plástica Tomie Ohtake).

 

PRÊMIO PROJETO PARADISO

Todos os diretores que tiveram títulos selecionados para a Mostra Brasil poderiam inscrever um novo projeto para concorrer a um prêmio oferecido pelo Projeto Paradiso, uma iniciativa do Instituto Olga Rabinovich. A bolsa, no valor de R$ 30 mil, é destinada ao roteirista do projeto em fase de desenvolvimento e inclui ainda mentorias, coaching para o produtor, workshop de audiência e participação em mercados internacionais.

 

O projeto premiado neste ano foi Entre Espelhos, com produção de Ailton Franco e roteiro de João Braga.

 

PRÊMIO DO PÚBLICO

O público da 45ª Mostra escolheu, entre os estrangeiros, Onoda – 10 Mil Noites na Selva, como melhor filme de ficção, e Summer of Soul (...ou, Quando a Revolução Não Pôde ser Televisionada), como melhor documentário. Entre os brasileiros,O Melhor Lugar do Mundo É Agora foi o melhor documentário e Urubus recebeu o prêmio de melhor ficção.

 

A escolha do público é sempre feita por votação. A cada título assistido, o espectador vota em uma escala de 1 a 5, sempre ao final do filme. O resultado proporcional dos títulos com maiores pontuações determinou os vencedores.

 

PRÊMIO DA CRÍTICA

A imprensa especializada que cobre o evento e tradicionalmente confere o Prêmio da Crítica, também participou da premiação elegendo URUBUS como o melhor filme brasileiro e O Compromisso de Hasan como o melhor estrangeiro.

 

Dirigido por Cláudio Borelli, o longa Urubus foi escolhido pela crítica “porque conseguiu captar com suas lentes a urgência jovem que pode ser entendida como uma urgência do próprio cinema brasileiro nos dias de hoje. Se o outro diz que quanto mais alto maior a queda, neste filme, quanto mais alto o pixo, maior a letra de suas assinaturas, de seu rastro de arte, de vida e de resistência.”

 

Já o  longa estrangeiro foi O Compromisso de Hasan, de Semih Kaplanoglu, escolha assim justificada pelo júri da crítica: “Nesta quadra da história do cinema, parece desnecessário elogiar a perfeição técnica e a beleza visual de um filme, mas a fotografia do filme turco O Compromisso De Hasan, de Semih Kaplanoglu, é das mais belas do cinema. Esse rigor formal é colocado a serviço de um drama forte, o que parece ser a luta de Davi e Golias. Um agricultor luta contra o Estado em defesa de suas terras. A história fica ainda mais complexa quando entra o conflito familiar”.

 

 

PRÊMIO DA ABRACCINE

A Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema também realiza tradicionalmente uma premiação que escolheu o melhor filme brasileiro entre os realizados por diretores estreantes. Neste ano, o eleito foi o longa A Felicidade das Coisas, de Thais Fujinagua.

 

"O filme foi escolhido pela tessitura do cotidiano e do político no retrato de uma família de classe média brasileira que se revela em gestos, afetos, faltas e frustrações, sobretudo a aflição materna em um cenário - e país - à beira do abismo".

 

Júri – Prêmio Abraccine: Diego Benevides (CE), Lorenna Montenegro (PA), Raquel Gomes (MG)

 

 

PRÊMIO BRADA | Melhor Direção de Arte

O Prêmio BRADA de Direção de Arte ou Production Design como se credita a função internacionalmente, vai para o filme Clara Sola. Parabéns para Amparo Baeza, Agustin Moreaux e toda equipe que se dedicou a esse projeto.

 

 

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

REPESCAGEM NA # 45 MOSTRA

  Antonio Carlos Egypto

 

A 45ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo termina oficialmente hoje.  Porém, como de costume, uma leva de filmes permanece para a chamada repescagem.  No caso da Mostra on line ainda haverá 50 filmes para serem alugados até domingo, dia 07 de novembro de 2021, na plataforma Mostra Play: https://mostraplay.mostra.org

O custo de cada filme é de R$12,00.  Entre os filmes que estarão disponíveis, há vários já comentados aqui no Cinema com Recheio, nas postagens anteriores.  Comentarei agora alguns outros filmes a que assisti e gostei, que ainda podem ser vistos.

 

A Garota e a Aranha

A GAROTA E A ARANHA, da Suíça, dirigido por Ramon Zucher e Silvan Zucher, apresenta uma situação de mudança de apartamento da jovem Lisa.  Enquanto coisas vão sendo arrumadas e o local vai completando pequenas reformas, a amiga Mara vai ficando para trás.  O espaço é pequeno para o número de pessoas que circulam, incluindo vizinhos e visitantes inesperados, e Mara, parada ali, se torna um estorvo, trombando com os demais. O que representa essa mudança?  O que está fora da ordem?  Qual a alegoria principal dessa história?  Vale a pena ver e elocubrar com este simpático filme suíço.  99 min.

 

OLGA é outro belo filme suíço que está na Mostra.  Esse, em coprodução com a Ucrânia.  A jovem Olga é uma ginasta que está se desenvolvendo na profissão e que, para disputar um importante torneio europeu, tem de se naturalizar suíça, uma vez que a Ucrânia não aceita dupla cidadania.  Enquanto ela se classifica e disputa o torneio com a seleção suíça, seu país de origem, a Ucrânia, vive dias de grande tensão, com manifestações nacionalistas e agitação civil numa praça de Kiev.  A revolução ucraniana produz muitos mortos e fere a mãe da ginasta, uma jornalista atuante.  Acompanhamos com aflição, sempre sob a ótica de Olga, esses fatos que a deixam obviamente transtornada e confusa.  Imagens dos eventos políticos são mostradas em meio às apresentações esportivas.  Um filme que merece ser visto.  85 min.

 

Quem Fomos

QUEM FOMOS é um documentário alemão, dirigido por Marc Bauder, muito sintonizado com os problemas do mundo atual.  Vai das profundezas do oceano aos confins do espaço, refletindo sobre os limites humanos, a tecnologia dos robôs, as crises econômicas mundiais, e se propõe a especular sobre o nosso futuro em tempos de tamanha destruição planetária.  Pretensioso, claro, mas escorado em depoimentos de cientistas.  Dá muito o que pensar.  Será que já chegou o fim dos tempos para a humanidade?  115 min.

 

REGRESSO A REIMS é um documentário francês, dirigido por Jean-Gabriel Périot, que, por meio de texto de Didier Eribon, interpretado pela atriz Adèle Haenel, conta a história da classe trabalhadora francesa do início dos anos 1950 aos dias de hoje.  Realiza, ao lado da visão coletiva, um estudo das mudanças ocorridas nas relações íntimas e pessoais desse grupo de cidadãos, moldados pelas estruturas sociais com seus avanços e recuos.  Recheado de imagens e filmes de arquivo, o que torna muito concreto tudo o que é dito, visto e ouvido, de pessoas entrevistadas também.  80 min.

 

EU VEJO VOCÊ EM TODOS OS LUGARES, da Hungria, dirigido por Bence Filegauf, apresenta seis histórias distintas, envolvendo relacionamentos diversos e contemporâneos.  Engata uma após outra, sem interromper ou marcar divisão entre elas, formando uma espécie de caleidoscópio do momento atual, no âmbito psicológico.  Uma boa realização.  112 min.

 

Assim Como no Céu

ASSIM COMO NO CÉU, produção da Dinamarca, dirigido por Tea Lindeburg, foca o universo adolescente feminino, indo para o século XIX.  Vemos o mundo de então pelos olhos de Lise, supostamente aos 14 anos (a atriz tem mais idade), indo para a escola e tentando construir um futuro distinto das demais mulheres da localidade, presas à vida doméstica, com uma penca de filhos.  Porém, o novo parto de sua mãe pode complicar sua vida e suas esperanças.  Ela é a filha mais velha e sobre ela recairão responsabilidades que ela não deseja.  Além disso, o filme explora muito bem a visão de mundo pré-científica, em que a crença num Deus que interfere na vida das pessoas, quando provocado, opõe-se aos conhecimentos médicos.  Um absurdo, mesmo na época em que o desenvolvimento da medicina era bem limitado.  85 min.

@mostrasp

 

 

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

CINEMA MUNDIAL NA # 45 MOSTRA

Antonio Carlos Egypto

 

Filmes de todos os cantos do mundo são exibidos na Mostra 45.  Vamos a alguns deles.

 

Estrada para o Èden

ESTRADA PARA O ÉDEN, do Quirguistão, dirigido por Bakyt Mukul e Dastan Zhapar Uulu.  121 min., é um drama sobre um personagem envelhecido.  Kubat Aliev, escritor de sucesso popular aposentado, utiliza todos os seus recursos para tentar salvar um ex-aluno doente, que ele entende que pode dar continuidade a suas ideias literárias.  E encontra problemas entre seus familiares mais próximos, envolvendo dinheiro.  O filme, com uma bela fotografia em preto e branco, cria uma atmosfera calma, combinando com o tema tratado, ao mesmo tempo em que a situação é tensa e flui muito bem.  Há alguns senões de roteiro que perdem importância diante do conjunto da obra, um bom trabalho cinematográfico.

 

18 KHz, do Cazaquistão, dirigido por Farkhat Sharipov, trata de adolescentes transgressores que se envolvem com drogas pesadas, como a heroína.  Os dois rapazes, personagens principais, são os mais jovens do grupo, estudantes do ensino médio.  A filmagem explora as “viagens” das drogas psicoativas, misturando sonho e realidade, ao ponto de que o próprio personagem que vive a situação não consegue saber o que de fato está acontecendo e acredita estar enlouquecendo.  Tudo em nome da busca da liberdade numa frequência, segundo o filme, que os adultos não sintonizam.  Boa realização.

 

Murina

MURINA, da Croácia, trata também de adolescência, ao colocar toda a narrativa focada na jovem Julija.  Ela domina as profundezas do mar em mergulhos com o pai, mas se sente oprimida por ele e quer mergulhar num outro universo, o da liberdade.  A visita de um velho amigo do pai, interessado num negócio, abre a perspectiva de um caminho de saída para ela, já que a mãe nunca conseguiria ajudá-la nisso, pois também está presa nos cordões manejados pelo marido.  Machismo, emancipação feminina e rebeldia adolescente fazem parte do cardápio que, às vezes, inclui uma murina à mesa.  Belas filmagens aquáticas valorizam a realização de Antonieta Alamat Kusijanovic.  92 min.

 

AURORA, da Costa Rica, de Paz Fábrega, 90 min, mergulha na questão da gravidez na adolescência, na relação da jovem Yuli, de 17 anos, com Luísa, uma arquiteta de 40 anos, que ministra oficinas criativas para jovens.  Como é comum acontecer, Yuli tenta esconder a gravidez, até de sua mãe, e procura amparo em Luísa, que se perde ao se envolver com a adolescente, misturando os papéis de educadora, amiga e confidente, com a figura materna.  Realização sensível e delicada, que alerta para o fato de que o envolvimento pessoal no sentido de ajudar pode complicar as coisas, em que pesem as melhores intenções. 

 

Yuni

YUNI, da Indonésia, de Kamila Andini, 95 min., é mais um filme voltado para a adolescência feminina, na Mostra 45.  A personagem que dá nome ao filme, Yuni, é uma garota exuberante, obcecada por roxo e cheia de sonhos.  Quando recebe uma primeira proposta de casamento, um tanto precoce, isto se choca com as primeiras experiências de namoro e com o seu desejo de estudar, obtendo uma bolsa, já que é boa aluna – mas para isso tem que estar solteira.  No entanto, novas propostas de casamento surgirão, todas interessadas em tê-la enquanto é virgem.  E há uma crença de que recusar a partir da segunda proposta dá azar, traz muitos problemas.  Nesse contexto, decidir o que fazer será muito difícil.  Um filme muito interessante, com uma protagonista feminina muito viva e forte.

 

AO ORIENTE, do Equador, de José Maria Avilés, revisita uma história dos tempos coloniais, trazendo-a para os dias atuais.  Em    1532, quando Atahualpa foi capturado por Francisco Pizarro no Peru, os incas ofereceram um resgate em ouro aos espanhóis, por sua libertação.  O que não chegou a acontecer porque Atahualpa foi assassinado antes disso.  Consta que os incas teriam escondido esse tesouro, que ainda poderia estar lá, numa região longínqua, na entrada do Oriente, no Equador.  O filme põe aventureiros em busca desse suposto tesouro.  Atahualpa, cujo nome é o mesmo do imperador inca, perde a namorada, que está de mudança para outro lugar, e decide, então, largar o emprego e envolver-se com outros aventureiros, incluindo um estadunidense, em busca desse ouro.  O que pode render até um bang-bang.  A ideia é boa, mas a realização, mediana.  100 min.

@mostrasp