Antonio Carlos
Egypto
LUMIÈRE! A
AVENTURA COMEÇA (Lumière!). França, 2016.
Direção: Composto e comentado por Thierry Frémaux. Documentário.
90 min.
Lumière! que, com exclamação, dá o título original ao
filme de Thierry Frémaux, recém-lançado, é um nome que todos os que gostam de
cinema reverenciam. Afinal, os irmãos
Louis e Auguste Lumière deram início à aventura do cinema, em 28 de dezembro de
1895, com a primeira projeção pública, e paga, de filmes realizados com o cinematógrafo,
no subsolo do Grand Café, Boulevard des Capucines, em Paris.
O cinematógrafo coroava os esforços de um grande
número de inventores e pesquisadores que buscaram o sonho de criar a fotografia
animada, ou em movimento. Entre eles,
estava Thomas Edison que, com seu cinetoscópio, associado ao fonógrafo, tentou
criar o cinema com imagem e som em paralelo, uma espécie de precursor do cinema
falado, em 1892. Só que isso se dirigia
a um espectador por vez, que precisava olhar num visor.
Antoine Lumière, o pai de Louis e Auguste,
proprietário de uma fábrica em Lyon, trabalhava com fotografia e película,
conheceu o equipamento e teria dito que era preciso libertar as imagens daquela
caixinha e pô-las para que todos as vissem simultaneamente. Estimulou seus filhos a encontrar a solução
técnica para isso. Estamos diante,
portanto, de uma família de criadores, inventores, técnicos. Com a patente do cinematógrafo, também
negociantes. Embora isso já seja uma
coisa fantástica, é muito mais do que isso.
Thierry Frémaux, com seu filme, nos mostra, de forma
inequívoca, que os irmãos foram grandes cineastas, responsáveis não só pela
difusão do cinema como pelo estabelecimento da linguagem cinematográfica. E com grande talento.
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Thierry Frémaux |
Thierry Frémaux, que é diretor do Festival de Cannes
e responsável pela seleção de filmes que vão concorrer à Palma de Ouro, tão
famosa, é também presidente do Instituto Lumière, em Lyon, e atua na
preservação e restauração do acervo da coleção Lumière, os primeiros filmes da
história do cinema.
Ele está no Brasil para divulgar o filme que dirigiu,
que, na verdade, é uma compilação do trabalho dos Lumière e de seus operadores,
de 1895 a 1905. No filme, composto e comentado
por ele, desfilam mais de 100 filmes, selecionados da coleção, cada um com 50
segundos de duração, que era o que era possível na época, restaurados em 4 K, a
partir dos originais. Parece um milagre,
foram encontrados mais de 1400 filmes deles, dos quais mais de 300 estão
restaurados e mais de 100 podem ser vistos em “Lumière!”, com uma qualidade
surpreendente.
Ao ver os filmes, um a um, fica claro que os irmãos
Lumière sabiam muito bem o que estavam fazendo, como colocar a câmera no lugar
certo, que enquadramento utilizar, como organizar o tempo exíguo dos filmetes
para contar pequenas histórias ou registrar um evento. E como encená-lo ou reencená-lo, antecipando
o que discutimos hoje, a fronteira entre documentário e ficção. Foram eles que produziram versões diferentes
da saída dos operários da fábrica ou da chegada do trem à estação, que assustou
os espectadores da época. Não foi por
acaso, este último foi concebido para
impressionar e dar a dimensão da força do trem.
A primeira ficção não foi criada por Meliès, que aperfeiçoou a história,
mas pelos Lumière, no filme “O Regador Regado”, uma ficção de humor, que também
tem várias versões.
A fotografia é esplêndida, de um preto e branco bem
contrastado, perfeito. A nitidez da
fotografia é uma surpresa. A
profundidade de campo já era explorada, é tão nítida na frente quanto no
fundo. Eles também produziram o travelling e a filmagem bem de perto, o
zoom.
Tudo isso com uma câmera sem visor, com os recursos técnicos dos primeiros
tempos. Limitadíssimos, portanto. O texto, em off, de Frémaux, é uma preciosidade. Ele aponta para tudo o que foi a criação dos
Lumiére, os detalhes e muitas coisas que a gente não veria, se não fosse
alertado para elas.
Dois pequenos exemplos. Num filme, um menino, pequeno ainda, dá bagos
de uva para duas meninas menores do que ele.
Irmãzinhas, provavelmente. Como
ele deve ter sido alertado para ser rápido,
porque o tempo do filme era pouco, ele distribui as uvas de forma
frenética, num ritmo completamente diferente daquele que crianças fariam, sem
uma câmera à frente. Em outros filmes,
para realçar o efeito de humor, os Lumiére colocam um ator gargalhando
intensamente, para mostrar que a cena é engraçada.
A experiência de ver esses filmes, muito bons, que
deram origem ao cinema, com os comentários de Thierry Frémaux, resulta numa
aula obrigatória, para quem quer entender um pouco mais de cinema. Feita de um jeito simples e didático por um
profissional renomado.
Tive a oportunidade de participar de uma entrevista
coletiva com Frémaux, no Reserva Cultural, onde ele se revelou uma figura
admirável no seu jeito de ser, nas suas reflexões profundas e bem humoradas e
até num certo bairrismo. Afinal, ele,
tanto quanto os Lumière, é da cidade de Lyon, na França, que leva o mérito de
ter criado o cinema. Segundo consta, em
22 de março de 1895, Louis e Auguste exibiram para uma pequena plateia o
primeiro filme da história, a saída dos operários da fábrica Lumière, filmada
em Lyon. Mas essa projeção se deu em
Paris.
E quanto ao fato de que os Lumière abandonaram o
cinema? Simples. Frémaux explicou que eles deixaram de fazer
filmes porque se dedicaram a criar a fotografia a cores. Viva Lumière!, com exclamação.