Antonio Carlos
Egypto
A FÁBRICA DE NADA. Portugal, 2017. Direção: Pedro Pinho. Com José Vargas, Carla Galvão, Dinis Gomes,
Américo Silva. 177 min.
Condição necessária para a existência da
produção e, consequentemente, do lucro, no sistema capitalista, é a mão de obra
geral e especializada, que vem dos trabalhadores. Em tempos de tecnologia avançada, robótica e
que tais, o próprio trabalhador começa a ser dispensável. Máquinas podem ser eliminadas ou substituídas
por equipamentos mais recentes, que chegam a tornar obsoletos a própria
estrutura física das fábricas e seu maquinário tradicional. Ou esse maquinário pode ser deslocado para
onde a tecnologia não se sofisticou e que mantém custos de mão de obra tão
baixos que se aproximam da escravidão.
Esse é o pano de fundo da história do filme
português “A Fábrica de Nada”, dirigido por Pedro Pinho, a partir de ideia
original de Jorge Silva Melo, com base na peça The Nothing Factory, da escritora holandesa Judith Herzberg.
A referência literária não impede que o
realizador trabalhe o material fílmico de forma documental, inclusive dedicando
o filme aos trabalhadores da Fateleva,
que, entre 1975 e 2016, levaram a cabo uma experiência de autogestão na fábrica
de elevadores Otis portuguesa. Experiência
que, certamente, inspirou “A Fábrica de Nada”, tanto quanto a peça original
holandesa. Trata-se, de qualquer modo,
de uma ficção.
Quando equipamentos da fábrica vão
desaparecendo, ou são roubados, à noite, esvaziando as condições de trabalho e
produção, seus operários decidem fazer vigílias para impedir que isso continue
a acontecer. A fábrica, porém, para de
produzir. Eles não têm o que fazer e
agora são os seus empregos que estão em jogo.
Há um plano evidente de desativar a fábrica e dispensar os
trabalhadores. Eles partem para a greve,
recurso histórico e legítimo dos operários.
Mas greve numa fábrica que já parou?
A ideia do roteiro é ótima, muito bem
desenvolvida e com um elenco convincente, que nos põe no mundo dessa fábrica
estranha que, no entanto, é tão representativa dos dias econômicos atuais. E, de quebra, reflexões teóricas sobre a
presente etapa do capitalismo, que se caracteriza pelo desemprego, vão sendo
lançadas ao longo do filme, ilustrando as encenações, ou melhor, dando a elas
um caráter mais geral, extrapolando o caso concreto que está sendo mostrado.
Apesar das quase três horas de projeção, o
filme flui bem, cria uma situação de expectativa e de suspense que mantém o
espectador interessado no que vai ocorrer em seguida.