Antonio Carlos Egypto
1982 (1982). Líbano, 2019.
Direção: Oualid Mouaness. Elenco:
Nadine Labaki, Mohamad Dalli, Rodrigue Sleiman, Aliya Khalidi. 100 min.
“1982”, que dá título ao filme de Oualid
Mouaness, foi um ano terrível para o Líbano, quando ocorreu a invasão
israelense, motivada pelo combate à OLP (Organização para a Libertação da
Palestina). As consequências políticas
da guerra e suas possíveis razões são o que menos importa aqui. O enfoque do
filme é o que acontece à população civil, às pessoas inocentes, especialmente
as crianças, que têm de viver em meio às agruras de uma guerra que não faz
nenhum sentido para elas. Até porque não
estão em condições de entender o que está ocorrendo.
O filme nos coloca numa escola de ensino fundamental, que assiste em seu entorno à chegada de caminhões de tropas e blindados, pode ver aviões em combate aéreo (israelenses versus sírios) e ainda avistar ao longe a chegada de navios de guerra. O caos se instala quando os pais tentam buscar seus filhos em meio à confusão e a um trânsito terrível, que deixa tudo paralisado. Até os telefones para contatos na escola param de funcionar, em determinado momento.
As crianças, impossibilitadas de
entender o que se passa, perguntam e não obtêm resposta, os adultos, com o
intuito de protegê-las, nada informam, tentam acalmá-las. Estão surpreendidos, como elas, com os fatos,
embora conhecessem os riscos e tivessem acesso ao quadro político.
De um lado, assiste-se à vida das
crianças, que continuam se relacionando, em especial, um garoto que, com seus
parcos recursos, tenta conquistar a menina que o encanta. As crianças estão em final de período, em junho,
fazendo provas antes do recesso escolar.
Provas em meio a estrondos, pais chegando, adultos tensos. Se a aflição das crianças nos toca, enquanto
a vida delas tenta seguir em frente, os adultos vivem o drama de, enquanto
educadores, proteger as crianças e tentar entregá-las a seus pais. Enquanto isso, aplicam as provas, conversam
veladamente, tentam se posicionar diante do que vivem.
O filme é muito feliz em retratar essa
realidade humana das crianças, dos educadores, dos pais, da extenuada
secretária da escola, do diretor, diante do imponderável, daquilo que não se
consegue controlar, nem mesmo entender.
E que nos atropela.
O menino que vive sua, provavelmente,
primeira paixão está no centro das ações.
Como desenha bem, pode nos providenciar um super-herói que, com a técnica
da animação, agirá em algum momento. Até
então, a narrativa era absolutamente realista.
A fantasia ficava por conta da ingenuidade infantil. A animação quebra o naturalismo. É uma ideia convencional, mas cabível, e
utilizada por pouco tempo, felizmente.
A grande atriz Nadine Labaki, que é
também diretora de filmes como “Cafarnaum”, “Para onde iremos agora?” e
“Caramelo”, é a protagonista, no papel de professora. Ela comanda um elenco muito bom, em que as
crianças estão muito convincentes na trama.
E os demais adultos, também.
“1982” nos mostra ainda, no fundo da
história, uma Beirute dividida, com passagens fechadas entre a parte Oriental e
a Ocidental, em função dos fatos. Enfim,
traz a dor, embora de uma forma sutil.
“1982” foi indicado pelo Líbano ao Oscar de filme internacional 2020. Tem
um brasileiro como produtor, Jorge Takla, do Teatro e da Ópera, que era criança
no Líbano nessa época. O filme será
exibido agora nos cinemas brasileiros.
Por aqui vivem, entre libaneses e seus descendentes, 10 milhões de
pessoas. Para efeito de comparação, o
Líbano tem uma população de 6 milhões e 800 mil habitantes. Acredito que não faltará gente para ir ver
nos nossos cinemas esse bom filme libanês.