sexta-feira, 30 de maio de 2008

Bilheteria em tempo de blockbuster

Tatiana Babadobulos
Com a estréia mundial, na semana passada, de "Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal", a bilheteria brasileira mudou totalmente de figura. Há quatro semanas em cartaz, o longa-metragem "Homem de Ferro" assumia a liderança contra “Speed Racer”, por exemplo, que ocupa a quarta colocação nesta semana. O filme do super-herói, porem, acabou cedendo seu lugar para a produção dirigida por Steven Spielberg e protagonizada por Harrison Ford.
No feriado prolongado, a bilheteria brasileira ganhou R$ 9.171.256 pela produção. A soma só é menor, entre os 10 primeiros filmes da semana, que “Homem de Ferro”, que está três semanas a mais em cartaz, tendo acumulado R$ 20.886.237.
De acordo com o site Filme B, o quarto filme “Indiana Jones” somou US$ 126,000,000 nos Estados Unidos, assumindo, também, o primeiro lugar neste país. A segunda colocação fica para “As Crônicas de Nárnia: Príncipe Caspian”, com US$ 91,077,000, em sua segunda semana em cartaz; e a terceira colocação da semana fica para “Homem de Ferro”, com US$ 252,314,000, há um mês em cartaz.
As disputas continuam. Difícil é escolher ao que assistir quando se tem apenas grandes produções em cartaz, principalmente porque nesta semana estréia “As Crônicas de Nárnia: Príncipe Caspian”. Na semana que vem, dia 6 de junho, entra em cartaz “Sex and the City – O Filme” e “O Incrível Hulk” invade as telas dia 13. Ou seja, vai ser difícil correr atrás dos filmes independentes.
Em tempo: Embora a rede Cinemark (principal rede com a exibição de blockbusters) inaugure sete salas no novo Shopping Cidade Jardim, há uma luz no fim do túnel. Nesta sexta, 30, o Bourbon Shopping Pompéia abre dez salas do Espaço Unibanco. Ufa!

quinta-feira, 15 de maio de 2008

O ÔNIBUS DO PADILHA

Antonio Carlos Egypto


ÔNIBUS 174
ÔNIBUS 174, Brasil, 2002. Direção, Roteiro e Produção: José Padilha. Fotografia: Cézar Moraes. Montagem: Felipe Lacerda. Documentário, 133 min.

No documentário Ônibus 174, de 2002, José Padilha reconstrói um assalto frustrado que se transformou no seqüestro de um ônibus de passageiros no Rio de Janeiro, em 12 de junho de 2000. Um episódio chocante que ganhou grande dimensão, em função das mortes de uma passageira, a professora Geisa Gonçalves, e a do próprio seqüestrador, pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais (o BOPE) da Polícia Militar do Rio, que será em 2007 o tema de Tropa de Elite, uma espécie de “um outro lado da história”.

O episódio teve também grande repercussão porque as emissoras de televisão o transmitiram, quase que integralmente, em tempo real. Foram mais de quatro horas de agonia, deixando estupefatos os telespectadores. Medo, revolta, indignação contra as autoridades públicas e contra os “marginais” foram os ingredientes desse fato “policial” de relevo. Um dia, ou uma tarde, marcados pelo suspense, e um desfecho que alivia, mas não é feliz, pelas mortes, sobretudo da mulher inocente, já prenunciavam que também se tratava de coisa de cinema.

Enquanto reportagem televisiva, não havia como entender o que se passava. Quem era o seqüestrador? O que ele queria? Por que seqüestrou um ônibus de passageiros? Por que ele não fazia exigências? Por que anunciava que ia matar reféns? Por que mostrava a cara para as câmeras de TV? Afinal, o que é que estava acontecendo?

Sem as informações necessárias, não se pode concluir nada de relevante, não é possível compreender. Nem a mídia tem grande interesse nisso, nessas horas o que importa é espetacularizar a notícia para garantir a audiência e, quanto maior a exploração emocional do fato, melhor o resultado. Produz-se assim comoção social, não reflexão.

José Padilha, em seu brilhante documentário, foi às fontes de informação, realizou a pesquisa necessária para dissecar toda a história e trabalhou um colosso de imagens produzidas no momento dos fatos pela TV (cerca de 70 horas gravadas pelas TV Globo, Record e Bandeirantes), e fez um dos mais impressionantes e didáticos relatos para compreender as raízes da violência urbana.

Esse relato ganhou uma força muito grande pelo material visual bruto de que ele acabou dispondo, associado aos dados e depoimentos coletados e ao uso de imagens panorâmicas do Rio de Janeiro, seu mar, suas imagens de cartão postal, sua aglomeração urbana, ruas e favelas que denotam desde as primeiras cenas que é de uma situação coletiva que se trata, que esse caso é simbólico, sua particularidade revelando seu caráter geral, “universal”.

O seqüestrador do ônibus 174, soube-se depois, chamava-se Sandro do Nascimento. E quem era ele? As câmeras de José Padilha nos revelam sua trágica e representativa história pessoal. Aos 9 anos de idade, sem pai, vê sua mãe ser assassinada barbaramente, torna-se menino de rua, vive uma vida de invisibilidade, como bem define o antropólogo Luís Eduardo Soares, aprende a roubar e todos os macetes para sobreviver numa realidade que lhe é hostil, sem acesso nenhum à educação ou à saúde públicas.

Na marginalidade, ainda encontra seus parceiros de convivência, até que a chacina dos meninos de rua da Candelária, em 1993, o atinge em cheio. Sobrevive a ela e ao trabalho “sócio-educativo” das Febens da vida, onde os maus tratos e a violência fazem parte do cotidiano de todos. Já adulto, é preso e trancafiado em condições desumanas, até encontra algum apoio em uma tia e em uma mulher que ele “adota” como mãe, mas já não consegue mais mudar o seu destino.
O que se poderia esperar de Sandro do Nascimento? Ele mesmo explicita para as câmeras de TV que vai “matar geral” porque não tem nada a perder. Se naquele momento já se soubesse quem ele era seria muito fácil de entender. Mas já era perfeitamente possível intuir. O que o Ônibus 174 mostra claramente é que o que aconteceu é não só absolutamente previsível, mas esperado. A surpresa e a complexidade da situação que paralisou o país e emocionou a todos por horas naquele junho de 2000 se torna cristalina, evidente, por um trabalho cinematográfico que vai a fundo na questão.

Como diz Padilha em entrevista ao site do cineclick: “E não dá para entender nada de um dia para o outro, não dá para compreender algo tão complexo quanto o que aconteceu no ônibus 174, da noite para o dia. O universo tem uma maneira estranha de ser complexo em quase todos os seus aspectos”. Mas uma investigação bem feita revela que o que parecia misterioso estava lá muito evidente. Uma sociedade que produz, abandona e abomina os Sandros só pode gerar mais e mais violência, urbana especialmente, porque é nas grandes cidades que a invisibilidade, a batalha pela sobrevivência e a fome são mais cruéis e onde a solidariedade é mais escassa. De quem é a culpa? Da passividade e da pouca cobrança da sociedade, mas principalmente das pessoas que têm a caneta na mão, segundo Padilha.

Na mesma entrevista, ele diz ainda que não há correlação direta entre miséria e violência, porque os lugares mais miseráveis não são os mais violentos. O que importa mais, para ele, é a maneira como o Estado trata a questão dos meninos de rua e a maneira como lida com os presos. É assim que pequenos delinqüentes se tornam grandes criminosos. O caso de Sandro do Nascimento ilustra isso à perfeição, me parece. O descaso com os pobres e a má distribuição de renda são, porém, ingredientes importantíssimos, no sentido de detonar a crise da segurança pública e alimentá-la constantemente.

Segundo Neusa Barbosa, no cineweb, Padilha “assinou um filme que percorre sem meios tons as circunstâncias que conduziram ao final do episódio, olhando nos olhos de uma perversa estrutura social que fabrica incessantemente excluídos e vítimas”.

O desfecho trágico da situação naquele ônibus mostrou a pouca competência da elite da polícia militar carioca, o BOPE, para lidar com um seqüestro, que se tornou público. A partir daí o BOPE mudou seus rumos, incrementou e revisou treinamentos, criou novos métodos de negociação, abordagem, intimidação, invasão de locais e resgate de vítimas. Sofisticou seus métodos violentos de agir, enfim.

A respeito daquele desfecho, o major Ricardo Soares, oficial do BOPE que atuou na operação do ônibus 174, no Rio, declarou em uma palestra, em Porto Alegre, a outros policiais, segundo matéria da Folha de São Paulo de 10/11/2007, o seguinte, a respeito da morte de Sandro do Nascimento:

“Embarquei junto com o Sandro na viatura. Logicamente, eu vou ser sincero: entre ele e eu, vai ele, porque tenho muita vida pela frente, se Deus quiser. Então, de verdade, ele lutou muito conosco, dois camaradas, dois soldados estavam segurando as pernas dele, ele me mordeu, tentou se livrar do golpe e eu acabei apertando o pescoço dele, e aí ele desfaleceu. E eu não fiz questão realmente de ressuscitá-lo muito, não. Foi embora! A verdade é essa.”

A Anistia Internacional condenou as declarações, a assessoria do Governo do Estado do Rio diz ser frontalmente contra atos lesivos à lei e o próprio tenente-coronel Pinheiro Neto, comandante do BOPE, considerou a declaração infeliz, mas o policial foi julgado e inocentado por júri popular. Ações policiais violentas costumam ter respaldo popular.

Ônibus 174 traz depoimentos de um ex-capitão do BOPE, Rodrigo Pimentel, que havia sido de uma enorme lucidez no documentário Notícias de uma Guerra Particular, de João Moreira Salles. Ali ele mostrou como um policial se sente na guerra urbana travada contra o tráfico nas favelas dos morros cariocas. Aqui, suas análises sobre a ação da polícia, no caso do ônibus, ganham novamente espaço e ele será um dos roteiristas de Tropa de Elite. Luiz Eduardo Soares também colaborou no documentário de João Moreira Salles e escreveria depois, com André Batista, A Elite da Tropa, em trabalho paralelo à realização do filme com Padilha.

Assim, pode-se perceber a continuidade dos trabalhos de um grupo de realizadores preocupado em discutir a violência urbana que passa por Notícias de uma Guerra Particular, Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, para chegar ao Tropa de Elite, sem contar os subprodutos de menor relevância, ou feitos para a TV, como Cidade dos Homens.

Como se vê, José Padilha faz do cinema um meio de análise e reflexão sobre a realidade, e de provocação também, para colocar em evidência questões nacionais de grande relevo na atualidade, produzindo assim um cinema brasileiro fundamental e de urgência. Seus outros trabalhos como roteirista, produtor ou diretor de outros documentários, de valor similar, e a equipe que com ele atua nesse cinema de urgência, só confirmam que uma das vertentes mais sólidas do cinema brasileiro atual é a dos documentaristas. José Padilha e seu companheiro de trabalho, Marcos Prado, se inserem numa corrente que tem expoentes do calibre de um Eduardo Coutinho ou de João Moreira Salles, entre tantos outros.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Filmes ingleses de Woody Allen: de "Ponto Final – Match Point" a "O Sonho de Cassandra"

Embora este ensaio tenha sido escrito originalmente para falar de cada um dos três filmes ingleses do diretor Woody Allen, vou suprimir a parte que analisa os dois primeiros e focar no terceiro, "O Sonho de Cassandra", que estreou esta semana em São Paulo.

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Tatiana Babadobulos

Conhecido por seus filmes produzidos em Nova York e de teor geralmente cômico ou com pitadas de humor ácido, além de dramas contundentes, o cineasta Woody Allen tem fugido do esteriótipo nos últimos anos. Allen, que nasceu Allan Stewart Konigsberg no dia 1º de dezembro de 1935, em uma família de judeus que vivia no Brooklin, em Nova York, sempre filmou tendo a metrópole norte-americana como pano de fundo de suas produções. Sempre, até que descobriu a capital inglesa. Isso porque suas últimas produções, "Ponto Final – Match Point", "Scoop – O Grande Furo" e "O Sonho de Cassandra", lançadas de 2005 a 2007, tiveram Londres como cenário.

Foi na coletiva para a imprensa após a exibição de "Ponto Final – Match Point", no Festival de Cannes, em 2005, que Woody Allen explicou por que escolheu filmar na Inglaterra, com produção local. Segundo foi publicado por diferentes jornais na época, ele disse, com toda honestidade, que não encontra mais financiadores para seus filmes nos Estados Unidos. Ele tem sido rejeitado pela Academia de Ciências e Artes Cinematográficas de Hollywood por seus longas-metragens não visarem o lucro. Há anos, Allen ostenta fama de veneno de bilheteria, pelo menos no mercado americano.

Na ocasião, conforme está transcrito no site IMDB (The Internet Movie Database), ele disse que “nos Estados Unidos as coisas têm mudado muito”. “É difícil fazer bons pequenos filmes agora. Havia um tempo, nos anos 1950, quando eu queria ser roteirista, que os filmes que vinham de Hollywood eram estudos e não eram interessantes. Então, nós conseguíamos maravilhosos filmes europeus. Os filmes americanos começaram a crescer um pouco e a indústria tornou-se mais divertida para trabalhar que o teatro. Eu amei. Mas agora tudo tomou a direção contrária, pois os estúdios estão de volta ao comando e não estão interessados em filmes que fazem pouco dinheiro. Quando eu era mais jovem, toda semana pegávamos filmes de Federico Fellini, Ingmar Bergman, Jean-Luc Godard, François Truffaut, mas agora você quase nunca consegue nada disso. Os cineastas como eu têm um tempo duro. Os estúdios não se preocupam com filmes bons – se conseguem um filme bom, ficam duplamente felizes, mas a bilheteria e o dinheiro são seus objetivos. Eles querem esses filmes de 100 milhões de dólares para fazer 500 milhões de dólares. É por isso que estou feliz de trabalhar em Londres, porque estou de volta ao mesmo tipo de criatividade liberal e atitude que eu costumava ter.”

Seus filmes repercutem mais no mercado externo (leia-se Europa, principalmente França, Itália e Inglaterra) que nos Estados Unidos, mas até no Brasil a freqüência aos seus filmes vem diminuindo, segundo o jornal Folha de S. Paulo. O que é definitivamente uma pena. Se bem que com a janela existente entre o lançamento no exterior e no Brasil, que chega a ser de seis meses a um ano, fica difícil acompanhar a estréia com o mesmo entusiasmo.

Outro motivo da rejeição da Academia é a alegação de seus filmes serem autorais, à medida que expressam o sentimento do diretor, que escreve aquilo que vai filmar (e não filma o roteiro de outro autor) e dificilmente cede a pressões de produtores. Ao jornalista Laurent Tirard, autor do livro "Grandes Diretores de Cinema", Woody Allen disse que há dois tipos de diretores: aqueles que escrevem seu roteiro e aqueles que adaptam o roteiro de outra pessoa. “Quando um diretor também é autor, ele tem um estilo mais afirmado, ou ao menos mais constante.”

Então, como forma de não abrir mão de seu jeito de filmar, de escrever aquilo o que vai para a tela e ser a última palavra em tudo (desde a escolha do figurino até a contratação do ator, passando pela seleção das locações etc.), Woody Allen preferiu trocar de país e buscar outros financiadores para não ter de mudar a sua estética, que permanece a mesma. A exceção, porém, são pequenos detalhes que não foram possíveis de continuar, como está descrito nas próximas linhas, quando um dos seus produtores afirma que a mudança de planos-seqüências pelas ruas que eram comuns nos filmes em Nova York (por exemplo, em "Manhattan"), teve de ser transferida para um parque, como no filme "Scoop – O Grande Furo".
BREVE BIOGRAFIA
Foi durante a adolescência que Woody Allen resolveu tornar-se escritor cômico e suas frases eram publicadas pelos jornais de Nova York. Porém, ele achou que era melhor adotar um nome artístico, pois seu nome de batismo, Allan Stewart Konigsberg, não era engraçado, nem fácil de memorizar. Allan rapidamente virou Allen e Woody, ele garante, não tem nada a ver com o clarinetista Woody Hermann, nem com o personagem Woody Woodpecker (Pica-Pau). Woody foi escolhido pela sonoridade e por ele achar engraçado. O nome Woody Allen começou a ser adotado na primavera nova-iorquina de 1952.

Já escrevendo para jornais, Allen costumava cabular aulas para ir ao cinema, pois não gostava de estudar. No filme "Crimes e Pecados", ele aconselha a personagem que faz sua sobrinha a não ouvir nada do que os professores falam. “Apenas observe o professor e entenderá a vida.” Aos 25 anos, começou a se apresentar em comédias stand up (em pé), sozinho no palco. Mas foi o produtor cinematográfico Charles Feldman quem o levou para o cinema, quando os dois fizeram juntos "O Que É Que Há Gatinha?", em 1965. No filme, Woody Allen atua e assina o roteiro.

Seu longa-metragem "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" (1977) ganhou o Oscar de Melhor Diretor, além de Melhor Atriz (Diane Keaton), Melhor Fotografia e Melhor Roteiro (Woody Allen e Marshall Brickman). No dia da cerimônia, porém, Allen não foi receber o prêmio, pois preferiu tocar clarinete com sua banda, como faz toda segunda-feira, em Nova York, desde 1971. A partir de então, ele começou a ser rejeitado pela Academia. Sobre o episódio, ele apenas disse que poderia parecer estranho, “mas o Oscar não significa nada”.

Woody Allen se casou com Harlene Rosen, em 1956, mas se separou seis anos depois. Sua segunda esposa foi Louise Lasser e o casamento durou de 1966 a 1971. Em 1997, depois do escândalo envolvendo a atriz Mia Farrow, e a acusação de molestar o seu filho, ele se casou com Soon-yi, filha adotiva do casal.

SUAS OBRAS


Seus trabalhos atuais parecem que foram feitos para divertir o público, pois o cineasta sabe que o público espera dele entretenimento. Woody Allen, aliás, não almeja fazer produções como o sueco Ingmar Bergman, ou o espanhol Luis Buñuel e o japonês Akira Kurosawa. Ele cumpre a tese, mas aproveita as entrelinhas para fugir da mediocridade. E é fácil conferir que, em seus filmes, os diálogos incluem frases que falam sobre ele e sobre suas preferências. Em "Manhattan", por exemplo, ele cita que gosta muito de Bergman; em "Scoop – O Grande Furo", ele fala das dificuldades de lidar com filhos; e assim por diante.

Como uma forma de se manter ativo, o diretor realiza um filme por ano. Desde "O Que É Que Há Gatinha?", lançado em 1966, Allen filmou 41 produções, em 41 anos. As aberturas de seus filmes são sempre com o fundo preto, letras dos créditos brancas e música instrumental de fundo. Não muda.

Em janeiro de 2008, o crítico de cinema da Folha de S. Paulo, Sérgio Rizzo, publicou entrevista realizada com o escritor Eric Lax a respeito de novo livro sobre Woody Allen. Para se ter uma idéia da especialidade do escritor, a primeira entrevista realizada por Lax com o cineasta foi divulgada pela revista dominical do The New York Times, em 1971. A idéia da matéria era desenvolver um perfil de Allen, então com 35 anos, autor de duas peças de sucesso na Broadway ("Don't Drink the Water" e "Sonhos de um Sedutor") e diretor de dois filmes ("Um Assaltante Bem Trapalhão" e "Bananas"). Segundo Lax, a entrevista inicial foi um desastre. “Ele parecia desconfortável e tímido e eu, novato em jornalismo, estava nervoso por falar com alguém cujo trabalho admirava”, recorda-se Lax. Seis meses depois, eles se reencontraram em Los Angeles durante as filmagens de "Sonhos de um Sedutor".

Em seguida, Lax acompanhou a realização de "Tudo O Que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo, Mas Tinha Medo de Perguntar". Porém, quando o perfil estava pronto, a revista Time soltou matéria de capa sobre o cineasta primeiro e o Times derrubou a pauta. Para se desculpar, Lax enviou o texto não-publicado a Allen, que respondeu: “Sinta-se à vontade para passar pela minha sala de montagem quando quiser”. Desde então, é o que Lax tem feito. Suas entrevistas com Allen durante 36 anos deram origem aos livros "On Being Funny" (1975) e "Woody Allen: Conversations with Woody Allen" (2007).

Na entrevista a Sérgio Rizzo, Lax diz que, desde 1971, Woody Allen teve o objetivo de se mover entre comédias e filmes dramáticos. “Sua maneira de pensar a respeito de seus filmes e do cinema em geral não mudou muito. Ele prefere assistir a dramas que a comédias, a filmes europeus que a norte-americanos (em sua maioria) e continua, ano a ano, a realizar os filmes que sente serem aqueles que mais fortemente precisa fazer.” No livro, aliás, Woody Allen conta ao jornalista que, com exceção de "Cidadão Kane", de Orson Welles, nenhum outro filme americano consta de sua lista de preferências.

Sobre os trabalhos recentes, Lax diz que com "Ponto Final - Match Point" ele atingiu a meta de realizar um filme dramático que fosse satisfatório tanto para ele quanto para o público. “Seus diversos filmes longe de Nova York - três em Londres e, mais recentemente, um em Barcelona - deram outra aparência à sua obra. Ele gosta de trabalhar na Europa porque tem inteira liberdade para fazer o que quer. É agradável vê-lo ali. Depois de tantos filmes, ele usou virtualmente todos os atrativos visuais que Nova York tinha a oferecer.”

Woody Allen afirma que não tem uma especificidade quando vai dirigir, mas acredita que tem seus próprios clichês, conforme contou a Eric Lax, em 1987, enquanto filmava "A Outra". “Eu tenho uma orientação urbana. Em todos os meus filmes você verá pessoas andando e falando nas ruas e sentando em restaurantes, morando em apartamentos. Eu sinto que há edições e questões que se repetem nos filmes, talvez não em todo filme. Acho que desenvolvi um estilo fotográfico que, com exceção de 'Zelig', é marcada por longos planos e nunca filmo a cobertura de nada.”

O cineasta acrescenta que não acredita ter dado nenhuma contribuição para o cinema. “Comparando com os contemporâneos Martin Scorsese, Francis Ford Coppola ou Steven Spielberg, eu não influenciei ninguém, não de uma maneira significativa. Nunca tive uma grande audiência, nem fiz muito dinheiro ou filmei temas da moda. Meus filmes não estimularam a conversa entre países sobre social, política ou intelectual. São filmes modestos, para orçamentos modestos. Diretores novos não estão me imitando. Ironicamente, faço filmes escapistas, mas não é para o público, é para mim.”

A TROCA DE CENÁRIO


Em abril de 2005, o jornal britânico The Guardian noticiou que o cineasta norte-americano estava abandonando Manhattan, cenário de muitos dos seus filmes, para filmar em Londres. Após 30 anos usando Nova York como locação e inspiração para suas obras, Woody Allen acabou virando sinônimo da cidade, uma vez que nenhum outro diretor ou roteirista tirou tema e estilo tão fortes em um lugar particular, já que filmou 25 de seus 41 filmes e fez a arquitetura de Manhattan parecer impressionante e romântica ao mesmo tempo. Então, era surpresa para os seus fãs que seu filme seguinte seria inteiramente filmado em Londres.
Uma das razões que o fez filmar na capital inglesa se refere às questões financeiras. Mesmo assim, ele afirmou na ocasião que era “uma feliz escolha, porque a capital possui arquitetura suficiente” para combinar com o que o seu filme pede. A história de "Ponto Final – Match Point", no entanto, foi inicialmente escrita para Nova York, mas, como não conseguiu patrocínio, adaptá-la para Londres foi simples.

“É sempre divertido ver uma nova cidade, mas eu não estava fazendo o tipo de filme onde eu poderia explorar a cidade tanto quanto eu gostaria. Se eu tivesse fazendo um filme romântico, poderia explorar Londres da maneira como explorei Manhattan, em 'Manhattan'. Em 'Ponto Final - Match Point' eu tinha uma história para contar e não poderia favorecer muito a mim mesmo como turista.”

Ainda de acordo com o The Guardian, os diretores americanos, em geral, filmam em Londres como uma forma de turismo e por isso acabam mostrando locais previsíveis, como o Westminster, o palácio de Buckingham e a Trafalgar Square. Nenhum outro filme mostrou, segundo a matéria, a cidade “real”, de modo que "Ponto Final - Match Point" promoveria Londres quanto uma cidade moderna e internacional.

Um dos quesitos básicos para filmar na capital inglesa foi usar as pessoas certas. Como o desenhista de produção Santo Loquasto (contratado por Woody Allen durante 20 anos) não poderia ir a Londres, o trabalho foi realizado por Jim Clay, que disse ter gasto cinco semanas viajando com Woody Allen. “Para ele, que não conhece Londres muito bem, tudo era divertido, mas ele não me pressionou de nenhuma maneira.” Do ponto de vista de Clay, era essencial evitar as gafes que um diretor americano comete, por isso eles tiveram cuidado para não fazer o filme com olhar de turista. Por exemplo: “É preciso ter muito cuidado com a maneira como você mostra a Roda-Gigante do Milênio”. Em "Ponto Final – Match Point", aliás, ela aparece de relance, quando os atores estão saindo do museu localizado próximo ao rio Tâmisa. O Big Ben é mostrado apenas para situar a (ótima) localização do apartamento do casal que se forma no enredo.

Entre outras locações, o Tate Modern pareceu o prédio ideal para o filme. “Tem todas aquelas cores mornas, é vasto e tem uma fabulosa luz de qualidade, que muda durante todo o dia. Cedo, às oito da manhã, quando o sol está vindo através do salão da turbina, é um espaço mágico”, diz Clay. O desafio era fazer todos estes elementos da paisagem urbana de Londres coerentes no filme e no contexto de Allen.

Há também mais requisitos específicos quando se seleciona locações para o filme. Woody Allen freqüentemente inclui planos-seqüências com os personagens andando e falando de quarteirão após quarteirão, indo por ruas de Nova York ou, no caso de "Interiores", na praia. Esses tipos de ruas não existem em Londres, então o St. James’ Park era usado para acomodar extensos pedaços de diálogo. De qualquer maneira, Clay disse que Woody Allen o fez ver Londres diferentemente do seu ponto de vista habitual.

Assim como em outros de seus filmes, por exemplo "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa", em "Ponto Final - Match Point" há cenas com narrações em off e cenas nas quais o personagem que está falando está fora de quadro. Uma característica pouco usada no cinema norte-americano, mas marca registrada de Woody Allen.

Crítico de cinema da Folha de S. Paulo, Inácio Araújo escreveu, na ocasião do lançamento de "Ponto Final - Match Point", que “uma parte de Woody Allen gostaria de ser européia. Essa parte, que ocupa uns 75% de seu ser, nos últimos anos tem tido de se contentar com Nova York e o ‘nova-iorquismo’ do cineasta”.

Allen não faz storyboard, tal como fazia o diretor inglês Alfred Hitchcock. Segundo ele, é um cineasta preguiçoso, pois faz tudo rapidamente para voltar cedo para casa, tocar sua clarinete, comer, ver seus filhos e assistir aos Knicks, seu time preferido de basquetebol. “Então, faço o melhor filme que posso dentro dessas circunstâncias. Às vezes eu tenho sorte e o filme vai bem. Às vezes eu não tenho sorte e ele não vai bem. Mas eu certamente não terei sido irresponsável, mas preguiçoso”, completa. “Ninguém me diz se eu tenho que escrever um filme sobre este ou aquele assunto, ou que querem olhar o meu roteiro antes, ou que eu não podia escalar determinado ator, ou assistir à minha edição. Nada. Eu sempre tive carta branca e nunca fiz um grande filme.”

Woody Allen é um dos poucos diretores do cinema que se superam a cada longa-metragem. Depois de fazer sucesso e ganhar Oscar (Allen foi indicado seis vezes como Melhor Diretor), sempre vem a sensação de “melhor impossível”. "Ponto Final - Match Point" trata-se de um drama sobre a ascendência e as conseqüências da ambição de um irlandês na alta sociedade inglesa.


DUAS VEZES LONDRES
Um ano depois de "Ponto Final – Match Point", Woody Allen anunciou que faria outro filme em Londres. Desta vez uma comédia, na qual ele também atuaria. Ao Daily Variety, ele declarou: “É um desafio filmar novamente em Londres”. “O céu é nublado e o clima, chuvoso, ou seja, para mim é o paraíso”, contou. Em 23 de dezembro de 2005, Woody Allen falou à agência de notícias EFE: “Quero ter essa experiência [de rodar outro filme na Inglaterra] e, o que é ainda mais importante, a minha família gosta muito de viver aqui”, declarou o diretor, que disse não saber quando voltará para Nova York, já que tem “ofertas para filmar na França e na Espanha”.

Para o jornalista Eric Lax, Woody Allen disse que voltar a filmar em Londres “é um sentimento confortável, porque as pessoas são maravilhosas e é maravilhoso fazer um filme lá. E eu estou indo para o melhor clima que eu poderia esperar para filmar, o verão cinza e frio”. Ao mesmo Eric Lax, o diretor afirmou que “fazer filmes na Europa parece ter sido uma ótima coisa, porque nos Estados Unidos, por uma razão ou outra, eles [os estúdios] querem participar. Dizem: ‘olha, nós não somos apenas o banco, queremos estar no elenco, ler o roteiro, gostamos de saber o que estamos conseguindo’, e eu não posso trabalhar desta maneira”. E compara: “Na Europa, eles não usam o sistema do estúdio e ninguém lá se fantasia como um expert”.

Caso todos os projetos se confirmem, serão cinco os filmes que Allen rodará longe de Nova York: “Sim, vou me tornar um diretor de filmes estrangeiros. Eu sempre quis isso”. No entanto, como se sabe, ele não chegou a filmar na França, mas a Espanha já é cenário de seu quarto filme europeu.

Depois de ficar um tempo sem aparecer em seus próprios filmes, Allen acredita que era um bom papel para ele encenar, uma vez que sua última participação aconteceu em "Igual a Tudo na Vida", lançado em 2003, pulando as produções "Melinda e Melinda", em 2004, e "Ponto Final - Match Point", em 2005. “Aconteceu que no meu novo filme apareceu um papel excelente para mim e eu o farei”, disse o diretor.

Allen, aliás, é um cineasta igual aos seus personagens: ele atua do mesmo modo que dirige. Diferente de Charles Chaplin, que criou o personagem Carlitos com seu chapéu coco e bigodes, Allen usa sua calça de veludo cotelê, seus óculos de aros pretos e sua voz é a mesma, inclusive o leve gaguejo.

Nos dois filmes feitos em Londres e que já estrearam no Brasil, "Ponto Final - Match Point" e "Scoop – O Grande Furo", a diferença de estética se dá principalmente por conta do gênero: um é drama e o outro, comédia. Allen, aliás, disse a Laurent que, na comédia, “nada deve distrair o espectador daquilo que o fará rir”. É comum perceber que a movimentação de câmera se altera entre um filme e outro, mas há explicação do próprio Allen: “Se você move demais a câmera, se faz um plano muito fechado, você corre o risco de passar ao largo do efeito. A comédia não permite a execução de uma criação imaginária, ela exige a realidade”. Justamente para não se viciar nesta técnica, o diretor diz que é por isso que às vezes faz filmes dramáticos: “Para descarregar todas essas vontades de direção que são reprimidas na comédia”.

Woody Allen também explica que demorou muito tempo para começar a mover a câmera: “No início, me faltava experiência e em seguida trabalhava com [o diretor de fotografia] Gordon Willis (o mesmo de "O Poderoso Chefão 3"), que iluminava as cenas de modo que não permitiam deslocamentos. Desde que trabalho com Carlo di Palma, faço movimentações de câmera. Veio aos poucos e o ponto culminante foi em 'Maridos e Esposas'”. E isso é possível confirmar, por exemplo, que no drama "Interiores" há mais planos e contra-planos, cortes secos e a filmagem é feita em set, ao invés de locações. Nos dois filmes produzidos na Inglaterra, o diretor de fotografia é o inglês Remi Adefarasin.

INGLÊS MAIS UMA VEZ

Depois de filmar dois longas-metragens em Londres, Woody Allen rodou o terceiro, "O Sonho de Cassandra". O filmes estreou no Brasil em 30 de abril, cerca de seis meses depois de ser lançado efetivamente na Europa. As primeiras projeções, no entanto, foram feitas no Velho Mundo durante o Festival de Veneza, que aconteceu em julho de 2007.
"Sinto que posso fazer filmes dramáticos agora [depois de 'Ponto Final – Match Point'] com a mesma confiança que eu tenho quando fazia comédias. Sinto que as pessoas aceitarão. Digo isso porque 'Ponto Final – Match Point' fez mais dinheiro que qualquer outro filme que fiz em toda minha vida”, admitiu Woody Allen ao jornalista Eric Lax.

“O Sonho de Cassandra” conta a história de dois irmãos, vividos por Ewan McGregor e Colin Farrell, que precisam consertar os percalços de suas vidas. O primeiro é ambicioso, ajuda o pai no restaurante, quer abrir um hotel na Califórnia e é apaixonado pela atriz de teatro (a estreante Hayley Atwell), enquanto Farrell faz um rapaz casado, que adora torrar tudo o que tem em apostas (de pôquer a corrida de cães), e não vive sem whisky, cigarros e pílulas para dormir.
Cassandra não é uma mulher, é o barco que os dois compram, na primeira seqüência do filme, para velejar no mar da Inglaterra. Embora o enredo se passe em Londres, a única referência visual à cidade é a Tower Bridge, um dos cartões-postais da capital inglesa. O restante das cenas se passa dentro de casa (uma das características de Allen), nas ruas ao redor, no mar (na cidade de Brighton). Poderia ser em qualquer outro lugar do planeta, mas a atmosfera londrina está sempre lá.
No entanto, é o drama e o suspense em nome da ascensão social (leia-se dinheiro) que move a trama, pois eles convencem seu tio Howard (Tom Wilkinson) a lhes ajudar, mas existem condições preestabelecidas por ele.
Allen, mais uma vez, consegue extrair dos atores interpretações singulares (Colin Farrell é muito convincente como um dependente), e suas lentes mostram o ambiente e a densidade necessários (assim como a trilha sonora original assinada por Philip Glass, o mesmo de “Notas sobre um Escândalo”) que convencem o espectador. Destaque para os diálogos bem-construídos, nos quais o diretor, também autor do roteiro, insere críticas pessoais, como quando fala de Hollywood.
Mais uma vez, depois de “Crimes e Pecados” e “Ponto Final - Match Point”, Woody Allen também pode ser considerado um cineasta dramático e não apenas de piadas nova-iorquinas.