sexta-feira, 30 de julho de 2010

Salt

Tatiana Babadobulos

Salt (Salt). Estados Unidos, 2010. Direção: Phillip Noyce. Roteiro: Kurt Wimmer. Com: Angelina Jolie, Liev Schreiber, Chiwetel Ejiofor , Daniel Olbrychski , August Diehl. 100 min.

Desde “Garota, Interrompida”, filme de 1999 que lhe rendeu o Oscar de Melhor Atriz, Angelina Jolie não saiu mais do foco, seja no assunto do cinema, seja em sua vida pessoal, uma vez que faz trabalhos huma­nitários principalmente na África.

Embora o papel tenha sido bastante dramático, dali pra frente é nos de ação que ela tem se destacado, como em “Lara Croft: Tomb Raider”, “Sr. & Sra. Smith” (no qual atuou ao lado do marido Brad Pitt), “O Procurado”. Sexta-feira, dia 30 de julho, ela chega aos cinemas em mais uma superprodução: “Salt”.

No thriller, ela é Evelyn Salt, uma agente da CIA que é acusada de ser uma espiã russa e que foi designada para matar o presi­dente daquele país durante sua visita em Nova York. A partir de então ela precisa proteger o marido, convencer os colegas da agência de que é inocente, mas, sobretudo, colocar em ação suas crenças e promessas sobre sempre proteger o seu país.

Depois das apresentações dos personagens, quando o espectador vai conhecer um pouco da rotina da protagonista, o diretor Phillip Noyce (“O Colecionador de Ossos”) aponta as suas lentes para a correria sem fim, explosões e o armamento para ne­nhum filme de ação botar defeito. Aliás, cenas capazes de fazer inveja a super-heróis como Ho­mem-Aranha, já que ela sobe em prédios, salta entre carros, se joga do helicóptero etc.

Escrito por Brian Helgeland (“Sobre Meninos e Lobos”), o longa-metragem leva a espio­nagem a sério, diferentemente, por exem­plo, de “Encontro Explosivo” (“Knight and Day”), no qual o astro Tom Cruise é um agente secreto e conta com ajuda de June (Cameron Diaz) para a missão. Cheio de trapalhadas, encontros românticos e bom-humor, “Encontro Explosivo” só se parece com “Salt” em uma questão: cenas forçadas, daquelas que o espectador percebe que, de fato, está na pol­trona do cinema e não envolvido com o filme. A trilha sonora alta e incessante durante os 100 minutos do longa também incomoda o espectador.

Uma curiosidade: o filme, na verdade, fora escrito para Tom Cruise, mas Angelina Jolie teve de substituí-lo pois ele teve pro­blemas na agenda e também ficou com medo de o protagonista ser muito parecido com Ethan Hunt, de “Missão Impossível”, série que deve ganhar, em breve, a quarta parte.

Se em “Encontro Explosivo” há apelo tanto para o público mas­culino quanto feminino (por conta, é claro, dos atores principais e por lembrar uma comédia romântica), “Salt” é muito mais um filme indicado aos rapazes, já que reúne ação, explosões e, claro, a bela e sexy Angelina Jolie.

Nas bilheterias norte-americanas, praça onde o filme estreou no último final de semana, porém, a abertura não foi tão bem assim. Isso porque ficou em segundo lugar, atrás de “A Origem” (“Inception”), longa que estreia dia 6 de agosto no país.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

UMA NOITE EM 67


Antonio Carlos Egypto

UMA NOITE EM 67. Brasil, 2010. Direção: Renato Terra e Ricardo Calil. Documentário. 85 min.

“Uma Noite em 67”, documentário dirigido por Renato Terra e pelo crítico de cinema Ricardo Calil , resgata um dos períodos históricos mais ricos e criativos da música popular brasileira.

O final dos anos 1950 e o início dos anos 1960 trouxeram à MPB a revolução musical capitaneada pelo gênio de Tom Jobim e suas surpreendentes harmonias que, aliadas à poética inovadora do grande Vinícius de Moraes e à voz e o violão absolutamente originais de João Gilberto, fizeram a bossa nova, uma transformação tão fundamental que mudaria tudo o que viria depois dela. Eram os tempos do desenvolvimentismo de JK e do otimismo de um Brasil grande que se construía, em que louvar “o amor, o sorriso, a flor” em “barquinhos pelo mar, que deslizam sem parar” era maravilhoso.

Foi o sopro de mudança da bossa nova que pôs muita gente a estudar, tocar e cantar aquela música espantosamente moderna e gerou grandes talentos de compositores, que desaguariam nos famosos festivais de música brasileira da TV Record, da TV Excelsior e também nos Festivais Internacionais da Canção, da TV Globo. Entre eles: Chico Buarque, Edu Lobo, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Geraldo Vandré, Sérgio Ricardo, Milton Nascimento. Por outro lado, a revolução no rock internacional que viria dos Beatles resultaria na Jovem Guarda, de Roberto Carlos, Erasmo e Vanderléa, de enorme sucesso e boa qualidade.

Mas os tempos já eram outros, a ditadura militar se instalara, as liberdades iam sendo suprimidas cada vez mais, a partir de 1964, até a chegada do golpe final do Ato Institucional n○ 5, em 1968, e o mergulho nas trevas. 1967 foi um ano de inflexão desse processo. Os novos compositores já enfrentavam o desafio de burlar a censura e lutar pelas liberdades democráticas e o Estado de Direito. Era preciso, ainda, olhar para o povo oprimido, resgatar as expressões culturais do nordeste brasileiro, promover a música dos morros cariocas e daí por diante. “O sol, o sal e o mar” já não bastavam.

Com tanta coisa em jogo, a música tinha uma importância enorme e um espaço na mídia que jamais voltaria a obter. Geralmente música sofisticada, de alta qualidade, não combina com programas populares de TV, regidos por pesquisas de audiência. Mas nessa época combinavam. Tanto que uma linha de shows comandados por Elis Regina e Jair Rodrigues, Elizeth Cardoso e Ciro Monteiro, Chico Buarque e Nara Leão, Wilson Simonal, Caetano, Gil e Gal figuravam entre as atrações televisivas de maior audiência no horário nobre. Os festivais eram os momentos geradores desses programas e das músicas que viravam grandes êxitos populares, repetidas à exaustão.

O festival de 1967 da Record, em sua noite final, que é o objeto do documentário, trouxe a música altamente elaborada do ”Ponteio”, de Edu Lobo, de raiz nordestina e confecção erudita, que venceu a competição. E trouxe Caetano Veloso, com “Alegria, Alegria”, e Gilberto Gil, com a cinematográfica “Domingo no Parque”, lançando as bases do tropicalismo, inundando a MPB com guitarras elétricas, introduzindo Os Mutantes com Rita Lee e os Beat Boys, num desafio às convenções que chacoalharia novamente a música popular brasileira. Aconteceria, então, a aproximação com o rock brasileiro da Jovem Guarda de então, e a síntese que Jorge Ben seria capaz de fazer. Haveria o resgate de clássicos da música popular brasileira e a retomada de belas canções que a bossa nova deixara para trás, ampliando o gosto crítico e popular.

Nesse festival, Chico Buarque também iria brilhar, com sua magnífica “Roda Viva”, em que o ritmo, a letra e o andamento realizam a idéia da canção de forma cada vez mais envolvente. E Roberto Carlos cantaria um samba (muito bem, por sinal), “Maria, Carnaval e Cinzas”, de Luiz Carlos Paraná, recebendo vaias.

Foi também nesse festival que Sérgio Ricardo, bossanovista que assumia uma música de resistência política declarada, após compor a trilha do filme “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha, tentava uma canção que falasse de futebol como expressão de cultura popular, até então pouco cantado na MPB. Seu “Beto Bom de Bola” foi mal recebido e muito vaiado. Sérgio Ricardo, descontrolado, quebra o violão e o joga para a platéia. Lembro-me até hoje da manchete do jornal “Notícias Populares” do dia seguinte, seguindo no seu estilo sensacionalista: VIOLADA NA PLATEIA.

Esse clima, essas músicas maravilhosas, essa paixão toda, está presente em “Uma Noite em 67”, contagiando o público como nos velhos tempos dos festivais. Os depoimentos colhidos contextualizam as questões envolvidas e o momento histórico. O resultado é digno do nosso melhor aplauso. Quem viveu, se emocionará em rever tudo isso. Quem não viveu, poderá entender o que era tudo aquilo e, certamente, vai curtir.

Foi uma festa bonita, inesquecível. Parabéns aos diretores, por nos trazê-la de volta em toda sua beleza e com todas suas urgências e contradições.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

À Prova de Morte


Tatiana Babadobulos

À Prova de Morte (Death Proof). Estados Unidos, 2007. Direção e roteiro: Quentin Tarantino. Com Kurt Russell, Zoe Bell, Rosario Dawson, Vanessa Ferlito, Rose McGowan. 114 min.

Apresentado aos cinéfilos de plantão que se acotovelaram para conseguir um ingresso durante a 30ª Mostra Internacional de São Paulo, realizada em 2007, o filme “À Prova de Morte” (“Death Proof”), de Quentin Tarantino, finalmente vai estrear nos cinemas brasileiros. Após tanto tempo, o filme até virou motivo de chacota, quando a referência era um filme que demorava (literalmente) anos para entrar em cartaz.

A princípio, sua estreia fora prometida para março de 2008, mas começou a ser postergado até o fim de 2009, quando o diretor havia anunciado a sua vinda ao Brasil para o lançamento do grande sucesso "Bastardos Inglórios" se sentir cansado, Tarantino não veio e seu filme foi, novamente, para a gaveta. Após a mudança de distribuidor, uma vez que o filme pertencia à Europa Filmes, a PlayArte vai colocá-lo no circuito a partir desta sexta-feira, 16 de julho.

Nos Estados Unidos, onde o filme foi produzido, por exemplo, foi exibido nos cinemas ao lado da obra de Robert Rodriguez, “Planeta Terror” (filme que estreou no Brasil ainda em 2007, após a Mostra). Os dois, juntos, formaram o projeto “Grindhouse”.

Mas vamos ao que interessa. Na fita, Stuntman Mike (Kurt Russell) é um ex-dublê de corridas de carros em Hollywood que persegue mulheres com seu carro “à prova de morte”. Mas é no Texas que ele começa a seguir um grupo de mulheres conhecidas: a DJ e modelo Jungle Julia (Sydney Tamiia Poitier), que está saindo com suas amigas para a balada, a modelo Arlene (Vanessa Ferlito), a bad-girl Shanna (Jordan Ladd) e a hippie Pam (Rose McGowan). Depois do Texas, ele segue para o Tennessee, onde escolhe outro grupo de mulheres, todas que atuam no cinema: a maquiadora e figurante Abernathy (Rosario Dawson), a atriz (Mary Elizabeth Winstead), a dublê Kim (Tracie Thoms) e a também dublê Zoe (Zöe Bell), que vive na Nova Zelândia.

Mais uma vez, Tarantino, que é autor do roteiro, brinca com a câmera, abusa dos planos-sequências que o consagraram como diretor, principalmente após "Pulp Fiction – Tempo de Violência" (1994). A violência também é outro fator marcante na fita, tal como em "Kill Bill", volumes um e dois, produzidos respectivamente em 2003 e 2004, e novamente em “Bastardos Inglórios”.

Destaque para a atuação de Kurt Russell, que usa, na mesma proporção, seu charme para convencimento e seu sarcasmo para conquistar, seduzir e provocar medo entre as mulheres escolhidas.

Uma das cenas mais marcantes da fita e que valem destaque é a sequência na qual uma das mulheres é ameaçada de morte enquanto está no capô do carro. Ainda que a história seja bastante violenta, só esta sequência já vale o ingresso do cinema, principalmente para os fãs do diretor. Imperdível!

sexta-feira, 2 de julho de 2010

15 ANOS E MEIO


Antonio Carlos Egypto

15 ANOS E MEIO (15 Ans e Demi). França, 2008. Direção: François Desagnat e Thomas Sorriaux. Com Daniel Auteil, Juliette Lamboley, François Damiens, Julie Ferrier. 97 min.

Um cientista de reconhecido talento na sua área de atividades ou, mais do que isso, famoso e reverenciado por seus pares, se afasta da família, em função de pesquisas no exterior, por cerca de dez anos.

Se a relação conjugal já não se sustenta, resta uma filha desse casamento. Ele deixou de conviver com ela, quando ela tinha entre 5 e 6 anos de idade, e determinadas circunstâncias do momento vão fazê-lo retomar a função de pai, quando a filha terá os 15 anos e meio do título da película. Essa volta é bastante forçada na trama do filme, mas o mote da história é, inegavelmente, muito bom.

Se já é difícil ser pai de uma adolescente acompanhando seu crescimento e desenvolvimento, que dirá se essa responsabilidade se colocar abruptamente? Quem é essa menina agora, o que faz, do que gosta? Como conversar e se relacionar com ela? E mais: cuidar dela, educá-la. Certamente muitas confusões podem ser esperadas dessa situação.

A escolha da comédia para retratar tal desafio também parece adequada. Afinal, por meio do humor, de situações engraçadas e inusitadas, pode-se perceber como seria possível lidar de maneira mais adequada com o que se apresenta nessa relação pai e filha. Colocar a mãe fora de cena ajuda a ressaltar os problemas e dificuldades. Portanto, até aí, tudo bem.

O que não funciona é que tudo é apresentado de forma caricata. Possível, mas improvável do modo que é apresentado. Não que não haja algumas boas ideias e alguns toques interessantes para os pais despreparados para “entender” as adolescências da atualidade (assim, no plural, mesmo).

Um cientista prima pelo rigor e racionalidade no seu trabalho, mas nem por isso ele precisa ser um sujeito emocionalmente ignorante e totalmente despreparado para os relacionamentos humanos. E, muito menos, ser um trapalhão, sem noção do que faz.

O espírito crítico do personagem do cientista parece ter tirado férias e sua capacidade de lidar com gente chegou ao ponto zero. Não só com a filha adolescente, mas com seus colegas de menor status, sua “cobaia”, uma mulher que o admira e lança todas as dicas de que deseja algo mais com ele. Ele nada enxerga e simplesmente não sabe como agir. A ponto de precisar da ajuda de um amigo, que faz workshops de autoajuda, que beiram o ridículo total. Aí, já é demais. O filme vai ”tirar sarro” da autoajuda. Mas, com isso, desqualifica ainda mais o personagem do cientista. Ninguém erra tanto, e tão grosseiramente, na vida real. Ainda que muitas das situações e conflitos apresentados façam muito sentido.

A caricatura, o exagero, o estereótipo, inviabilizam a reflexão. De clichê em clichê, o mote proposto e as ideias interessantes que ele contém se perdem num todo, que se torna raso. E que, nem por isso, produz boas risadas. Afinal, se o humor não consegue ser inteligente, acaba não tendo mesmo muita graça. Até no exagero é preciso haver sutileza. E isso, infelizmente, falta ao filme.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

A FLOR DO DESERTO



Antonio Carlos Egypto

A FLOR DO DESERTO (Desert Flower). Inglaterra, 2009. Direção e roteiro: Sherry Hormann. Com Liya Kebede, Sally Hawkins, Timothy Spall, Juliete Stevenson. 124 min.

Waris Dirie, nascida na Somália, se tornou uma belíssima top model de grande prestígio internacional, contrariando o que o destino parecia ter-lhe reservado. “A Flor do Deserto” é um filme é baseado na autobiografia da modelo, que conta uma história por um lado, fascinante, por outro, grotesca, revoltante.

Nascida numa família de criadores de gado nômades, na Somália, aos 13 anos, Waris foi comprada por um homem de posses, de meia idade, com quem estava destinada ao casamento arranjado. Para fugir a essa sina, a mirrada menina atravessa o deserto a pé, durante vários dias, até chegar à casa da avó, em Mogadishu, capital da Somália. De lá, vai a Londres, trabalhar como empregada na embaixada do país, ficando assim protegida da guerra que assolava sua pátria. E conseguindo escapar da sina que rejeitava.

Apesar das enormes dificuldades por que passou, a sorte acabou chegando quando, numa lanchonete em que veio a trabalhar, sua beleza encantou um famoso fotógrafo de moda. E a Gata Borralheira virou Cinderela. Se fosse só isso, já seria fascinante, mas nada de novo. Todo mundo conhece os contos de fadas.

É a coragem de Waris em revelar toda sua história que faz toda diferença. Estimulada pela mídia a contar sua trajetória, ela fala do dia em que sua vida mudou e, para surpresa de todos, revela que tinha pouco mais de 3 anos quando isso aconteceu. Ela estava se referindo à extirpação de seu clitóris e o corte dos pequenos e grandes lábios de sua vulva, costurada sem qualquer cuidado ou assepsia, num ritual tribal, à espera do marido que lhe coubesse. Uma marca definitiva e grotesca. O máximo da opressão à mulher que se possa imaginar. Um horror! Não há justificativa possível em qualquer traço cultural de nação ou etnia para que se possa aceitar uma barbaridade dessas.

Waris Dirie acabou se tornando uma militante do combate à prática da mutilação genital feminina, ocupando posição na ONU para essa atividade. Essa bárbara tradição ainda persiste em alguns rincões do globo, infelizmente. Por isso é importante o papel que o filme exerce, ao divulgar essa história, colaborando nessa causa humanitária.

Dizer que “A Flor do Deserto” é, por isso, uma grande obra de arte seria exagero. Não é. Mas é um trabalho que merece ser visto, conhecido, debatido. E, de quebra, tem uma mulher lindíssima e boa atriz, no papel da top model Waris: Liya Kebede. Só a presença dessa moça já ilumina o filme e encanta. Mas, mais do que tudo, o tema abordado é de vital importância e merece a atenção de todos.