Antonio Carlos
Egypto
A FORMA DA ÁGUA (The Shape of Water). Estados
Unidos, 2017. Direção: Guillermo del
Toro. Com Sally Hawkins, Octavia Spencer, Michael Shannon, Richard Jenkins,
Doug Jones, Michael Stuhlbarg. 123 min.
O MONSTRO DA LAGOA
NEGRA (Creature from the Black Lagoon). Estados Unidos, 1954. Direção: Jack Arnold. Com
Julie Adams, Richard Carlson, Richard Denning, Nestor Paiva. 80 min.
Reconheço que “A Forma da Água” é um título poético
para o filme de Guillermo del Toro, que conseguiu o maior número de indicações
para o Oscar 2018: 13. No entanto, sendo
mais concreto, o filme poderia se chamar A
Forma na Água ou A Criatura na Água
ou, ainda, O Monstro na Água, porque
é disso que se trata. Uma criatura
estranha, uma espécie de homem-anfíbio, que remete a “O Monstro da Lagoa
Negra”, o filme de Jack Arnold, de 1954, em que se falava de um homem-peixe,
algo que cientistas pesquisavam, em busca de encontrar um elo perdido na
evolução humana.
Em “A Forma da Água”, não é muito diferente. Aqui estamos num laboratório estadunidense,
em que se fazem experimentos secretos com o tal homem-anfíbio, que vive na água,
já não mais na romântica lagoa negra da Amazônia brasileira, mas num conteiner dentro do laboratório. Embora almejando as águas abertas que levem
ao mar.
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O MONSTRO DA LAGOA NEGRA |
Pois bem, as duas figuras se assemelham muito,
evidenciando que a inspiração de “A Forma da Água” foi o monstro da lagoa
negra. Essa figura humana-animal aparece
como um ser que assusta, aterroriza, ao mesmo tempo em que atrai o
interesse. O que é estranho, diferente,
é perigoso e, no limite, deve ser destruído.
Antes, porém, vamos explorá-lo, extrair dele o que nos interessa. No contexto da Guerra Fria dos anos 1960, é a
competição com a União Soviética, vista como inimiga, que move as ações. Suspeita-se do que é diferente, daquele que
traz perigo. Como sempre acontece.
Diferentes também se atraem e uma moça muito bonita
como Kay (Julie Adams), em “O Monstro da Lagoa Negra”, ou, pelo menos, muito
gentil e afetiva, como a Elisa (Sally Hawkins), de “A Forma da Água”, produzem
uma atração no tal monstro. Aí, a
referência à história de A Bela e a Fera é
óbvia. No filme de Guillermo del Toro,
com um elemento novo, talvez politicamente correto, a bela é uma moça portadora
de deficiência comunicativa, ou seja, é muda.
Isso introduz uma variável interessante, ao contar a história, porque
facilita que ela esconda seu segredo dos patrões. Não é da sua deficiência que o filme se
ocupa, ela é a heroína da situação, sua coragem e determinação são os elementos
que a destacam. Partindo de uma condição
bem modesta, a de funcionária de limpeza do laboratório. Um pouco de Cinderela vai bem, também.
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A FORMA DA ÁGUA |
Se, em “O Monstro da Lagoa Negra”, a aventura toma
o primeiro plano, em “A Forma da Água” é o conto de fadas que emerge do
substrato líquido da trama. O cineasta Guillermo del Toro busca o estranho, o
bizarro, para criar seu mundo e o relaciona com a realidade do que pode ser
visto nos telejornais diários, as notícias do mundo. Foi assim, também, em seu “O Labirinto do
Fauno”, de 2006, em que a fantasia interagia com a ditadura franquista
espanhola. O resultado é híbrido, como o
monstro humano aquático dos dois filmes, o de 1954 e o de 2017, mas tem seu
encanto, assim como eles.
Em “O Monstro da Lagoa Negra”, o vínculo com a
realidade se dá mais claramente pela ciência e pelo uso estratégico que pode
gerar, com menos vínculo político com a realidade imediata.
“A Forma da Água” é aposta quase certa para vários
Oscar. O filme atrai, agrada, mesmo a
quem não faz conjecturas ou associações e curte simplesmente a história de amor
e o suspense da narrativa. Ou se encanta
com a linda trilha sonora de Alexandre Desplat, já premiada, assim como o
diretor del Toro, com o Globo de Ouro 2018.
Uma gravação de Babalu, de
Margarita Lecuona, com Caterina Valente e Silvio Francesco, aparece na trilha e
nos faz lembrar da gravação magistral de Ângela Maria, que acompanhou toda sua
vida artística. Tem Carmen Miranda
aparecendo na TV cantando Chica Chica Boom
Chic.
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O MONSTRO DA LAGOA NEGRA |
O Brasil estava presente também no antigo monstro,
a ação toda supostamente se passava na distante Amazônia brasileira, uma
preservada zona do globo, que teria mantido elementos ancestrais da evolução
terrena. Talvez tivesse sentido em 1954,
hoje, certamente, não mais, com o desmatamento a todo vapor.
Bem, mas por que estou falando de “O Monstro da
Lagoa Negra”, um clássico do distante 1954, junto com “A Forma da Água”, de
2017? Não só pela influência de um sobre
o outro, mas porque é possível vê-los, a ambos, no cinema, agora mesmo, sendo
“O Monstro da Lagoa Negra” exibido em cópia restaurada em 3D. O filme foi realizado originalmente em 3D, quando
a moda apareceu, e depois sumiu. Está em
exibição no cinema do Instituto Moreira Salles, que também exibe, assim como
outras salas de espetáculo, “A Forma da Água”.
Um programa duplo que vale a pena.