segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

PEQUENA GRANDE VIDA


Antonio Carlos Egypto





PEQUENA GRANDE VIDA (Downsizing). Estados Unidos, 2017.  Direção: Alexander Payne.  Com Matt Damon, Kristen Wiig, Christoph Waltz, Hong Chau.  136 min.


Desde, pelo menos, “O Incrível Homem que Encolheu”, de Jack Arnold, de 1957, o cinema tem gostado de brincar com a ideia de encolher as pessoas.  Dentro do filme “Fale com Ela”, de 2001, Pedro Almodóvar inclui um curta chamado “O Amante Minguante”, inspirado no conto de Bukowski, 15 Centímetros.  E há muitos outros exemplos explorados pelo cinema.

Com “Pequena Grande Vida”, dirigido por Alexander Payne, volta-se ao tema da miniaturização das pessoas.  Agora, a média de altura seria de 13 centímetros.  Só que aqui a brincadeira toma um ar de seriedade que, apesar da ironia e da crítica, reflete as preocupações da atualidade.

A miniaturização definitiva das pessoas, a partir de uma descoberta norueguesa, que não produz efeitos colaterais, parece se constituir numa solução para a humanidade, que está destruindo o planeta e poluindo tudo.  É só criar comunidades em miniatura, onde será possível viver em casas maravilhosas, sem trabalhar, já que o dinheiro existente se multiplicará, devido à redução brutal dos gastos.  É a lazerlândia, a cidade dos sonhos, a vida ideal se todos aderirem à ideia.

De esmola demais o santo desconfia, lembram-se desse provérbio?  Pois é, assim é.  Toda idealização desmorona porque fincada na ilusão de uma utopia que, por mais bem intencionada que seja, não resiste ao confronto com o real da vida.




Até aí muito bem, mas o filme vai se perdendo em detalhes e situações irrelevantes e acaba buscando abrigo na questão social, na opressão da desigualdade de classes e coletividades e na questão ecológica.

Faz uma mistura que não funciona muito bem e que acaba por anular qualquer viés cômico que a ideia da miniaturização ainda possuísse. Além disso, o filme é desnecessariamente longo.  O resultado não corresponde à intenção.  A sensação é de uma boa proposta que se perdeu no caminho, mesmo contando com uma boa produção e um bom elenco.  Destaque para o desempenho brilhante da atriz tailandesa Hong Chau.





quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

SEM AMOR


Antonio Carlos Egypto




SEM AMOR (Loveless).  Rússia, 2017.  Direção e roteiro: Andrey Zvyagintsev.  Com Maryana Spivak, Alexey Rozin, Matvey Novikov, Marina Vasilyeva, Andris Keishs.  126 min.



Quem viu “Leviatã”, o filme de Andrey Zvyagintsev, de 2014, já percebeu que o estilo do diretor é duro, seco, realista.  E que, por meio de uma narrativa forte e firme, ele diz muita coisa ao mundo de hoje.

“Sem Amor”, o novo filme desse cineasta russo, traz à tona a impactante questão da rejeição. Em tese, quem resolve ter filhos teria de assumir não só responsabilidades materiais sobre eles, mas responsabilidades afetivas que têm tanto peso quanto aquelas.  Aqui, um garoto de 12 anos que nunca foi desejado, nem aceito, nem incorporado à família, mesmo que a contragosto, pelo pai ou pela mãe, chega a uma situação-limite, quando eles resolvem se separar.  E com muitas brigas no caminho.  Alyosha (Matvey Novikov), o garoto, é um dos motivos de briga, pois nem o pai e nem a mãe querem ficar com ele.  Com tanta rejeição à vista, ainda lhe restaria um quarto confortável em casa e alguns equipamentos tecnológicos para sobreviver.  Restaria, no condicional, já que, com a separação, a casa será vendida. 




O que sente e como se comporta uma criança numa situação assim?  Só fugindo, seja lá para onde for, mesmo sem rumo ou condição de sobrevivência.  E aí começa uma nova fase na vida de todos.  Dele próprio, de cada um dos genitores e de seus novos parceiros amorosos.  O que sentem eles, como lidam com a nova situação?  Que clima, então, vai se estabelecendo na vida de cada um e de todos?  É por aí que Andrey Zvyagintsev foca sua trama.  Produz uma situação de suspense, em que a incerteza e a dúvida dominam a cena o tempo todo e prioriza o clima psicológico que tudo isso gera.

Sua forma de narrar se dirige, mais do que tudo, aos efeitos que são produzidos por essa rejeição e fuga.  É grave isso, pode ser demolidor.  E permanecer pela vida afora.  Inútil esperar por soluções salvadoras.  A vida não é fácil e o ser humano é capaz de muita crueldade e egocentrismo. Até para tentar encobrir ou aplacar o ressentimento, a frustração e o desespero.





Andrey Zvyagintsev consegue obter do elenco um desempenho preciso para o clima que quer criar.  Há muita aridez afetiva nas atuações do casal Boris (Alexey Rozin) e Zhenya (Maryana Spivak), assim como dos policiais que cuidarão do caso e até da ONG que investigará, de fato, o desaparecimento do garoto.  Há exceções, mas, no geral, vive-se um deserto afetivo que os atores e atrizes acentuam em seus papéis, inclusive Novikov, o ator mirim, que mostra bem a impotência que vive.

A fotografia contribui com suas cores frias e toda a ambientação anuncia uma tragédia: com aquele tempo terrível, frio, chuvoso, com neve, sobreviver é um desafio, virtualmente impossível para um garoto desprotegido.


No conjunto, um trabalho cinematográfico de alto nível, que se destaca na disputa pelo Oscar de filme estrangeiro.  Tem muita chance e muito mérito para isso.  Venceu o prêmio do Júri do Festival de Cannes.



segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

O INSULTO

   
Antonio Carlos Egypto





O INSULTO (L’Insulte).  Líbano, 2017.  Direção: Ziad Doueiri.  Com Adel Karam, Rita Hayek, Kamel El Basha.  112 min.


O filme libanês O Insulto” é um dos cinco finalistas na disputa pelo Oscar de filme estrangeiro.  É a primeira produção do Líbano que chega a tanto.  Compete com “Sem Amor”, “The Square – A Arte da Discórdia”, “Corpo e Alma”, “Uma Mulher Fantástica”.  É uma proeza estar entre esses títulos de peso.  Não que ao tema com que lida falte apelo.  Ao contrário, é assunto de todos os dias no noticiário internacional.

 Uma divergência absolutamente banal, uma calha que verte água por onde não podia, molhando as pessoas, opõe dois homens.  Um, é o mecânico cristão-libanês Tony (Adel Karam).  O outro, é o refugiado palestino Yasser (Kamel El Basha).  Um desentendimento, um insulto, e tudo vai parar nos tribunais.  A partir daí, o conflito não só se estabelece como vai progressivamente se ampliando, para acabar abarcando toda a questão judaico-palestina que envolve o Oriente Médio.

Tema espinhoso, sem solução, tratado com uma certa ingenuiade política.  Vamos descobrindo, ao longo das discussões que o filme mostra, que, afinal, os dois contendores em conflito, sofreram ambos violências atrozes.  São, portanto, vítimas.  O que abre espaço para o discurso da conciliação, como se nessa história toda as coisas simplesmente se equiparassem.

O que falta é o quê?  Boa vontade, disposição política?  Não é tão fácil assim.  Há questões históricas complexas aí envolvidas, fanatismos de todos os tipos: políticos, religiosos, culturais, étnicos.  Boas intenções não bastam.  Aliás, o próprio filme apresenta esses impasses quando mostra as reações dos grupos envolvidos e representados nas ações dos tribunais, suas repercussões midiáticas e tudo o mais.

As pessoas, individualmente, podem se pacificar, tornarem-se tolerantes, praticar a empatia.  Ainda assim, o impasse coletivo continuará lá.  O social e o político não são a soma das ações individuais.  Assumem outra dimensão que tem de ser encarada e a verdade é que ninguém mais sabe encontrar o tal caminho da conciliação, nem mesmo sabe se, neste caso, ele ainda existe.


“O Insulto” é bem produzido, mas é um filme absolutamente convencional.  Já alcançou uma evidência e um sucesso de público pelo mundo surpreendentes, pelo que oferece.



quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME


Antonio Carlos Egypto




TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME (Three Billboards Outside.  Ebbing, Missouri).  Estados Unidos, 2017.  Direção e roteiro: Martin McDonagh.  Com Frances McDormand, Woody Warrelson, Sam Rockwell, Abbie Cornish.  115 min.


“Três Anúncios Para um Crime”, o filme estadunidense de Martin McDonagh, tem uma história fascinante e uma personagem forte e decidida.  Mildred Hayes (Frances McDormand) é uma mulher do interior, de luto pelo estupro e assassinato da filha, que já ocorreu há sete meses, que não se conforma que nada tenha sido descoberto e que os culpados não sejam punidos.

Resolve, então, cobrar das autoridades policiais locais e o faz de um modo competente e original.  Para isso se vale do aluguel de outdoors disponíveis, o que transforma sua cobrança em algo público e põe em cheque o respeitável delegado policial da localidade.  Daí surgirão muitos conflitos, capazes de gerar violência e produzir desarranjos nas relações da comunidade.




Se isso que eu contei até aqui lhe sugere um confronto previsível em busca de vingança pelas próprias mãos, só que agora envolvendo o gênero feminino, e essa seja a novidade, você se engana.  Não vou contar mais nada, para não estragar o prazer da sua descoberta, mas o roteiro vai caminhar por rotas surpreendentes, que transformarão essa história em algo bem peculiar.

Se Mildred é uma figura incrível de tirocínio e coragem, o delegado Bill Willoughby (Woody Warrelson), o responsável pela investigação ineficiente, é também uma figura humana bem estruturada, que merece toda a atenção, assim como o relacionamento que se estabelece entre os dois.  Os outros personagens que entram na história compõem um conjunto psicologicamente consistente e atraente.  “Três Anúncios Para um Crime” flui muito bem e mantém o suspense a que se propõe.  Digamos que estamos diante de um faroeste pós-moderno.  Ou uma comédia sombria, quem sabe. 


Os dois atores centrais estão excelentes, levam o filme a um ponto alto, valorizando a boa história que têm em mãos.  O filme tem boas chances no Oscar.  Está indicado em 7 categorias: melhor filme, melhor roteiro original, melhor montagem, melhor trilha sonora, melhor atriz (Francis McDormand) e duas indicações para melhor ator coadjuvante (Woody Warrelson e Sam Rockwell).  Indicações que atestam a qualidade do trabalho, não são só técnicas ou específicas, tratam do essencial do fazer cinematográfico.



sábado, 10 de fevereiro de 2018

PELAS TELAS DE SAMPA

  
Antonio Carlos Egypto

Tem bloco na rua, desfile de Escola de Samba, baile à fantasia, muita gente viajando.  Mas São Paulo comporta muito mais coisa além disso.  Tem bom cinema, antes, durante e depois do carnaval.  E o ano todo.

Nessa época, o Oscar costuma galvanizar as atenções, ainda que muitas vezes os filmes selecionados decepcionem.  O marketing é forte e a tradição ajuda a levar mais gente aos cinemas, o que é muito bom.  Mas nem só de Oscar vive o cinema por aqui.




Na Cinemateca Brasileira já começaram os Dias de Cine Esloveno.  Até dia 18 de fevereiro, estão sendo exibidos 7 longas produzidos na Eslovênia, alguns em parceria com outros países.  O único filme esloveno que eu me lembro de ter visto foi “Slovenian Girl”, produção de 2009, que foi exibida nos cinemas por pouco tempo e era um bom trabalho sobre o tema da prostituição.  Nessa mostra de agora vai ser possível conhecer um pouco mais desse cinema e do próprio país, ambos pouco presentes na vida brasileira.

Há lugar para os clássicos, também.  O Instituto Moreira Salles, da avenida Paulista, programou para os meses de fevereiro e março o ciclo Kenji Mizoguchi, com 18 longas do famoso diretor japonês, nascido em 1898 e falecido em 1956.  Mizoguchi forma, ao lado de Yasugiro Ozu (1903-1963) e Akira Kurosawa (1910-1998), a trinca de ouro do cinema japonês de todos os tempos.


KENJI MISOGUCHI


Brilhante criador, marcado por longos planos-sequência, uma câmera que explora magnificamente os espaços, personagens femininas fortes e diversificadas, inseridas num contexto social de relações de poder, conflitos de classe, guerra, fome, morte, mesclando violência e serenidade.  É uma ótima oportunidade para conhecer, ou rever, essa obra tão importante da história do cinema.  Alguns desses filmes de Kenji Mizoguchi foram lançados em duas caixas de DVD’s caprichados, da Versátil.  É uma alternativa para quem não puder acompanhar os filmes na telona, o que é muito mais interessante.


LUCHINO VISCONTI


De 01 a 14 de março, é a vez do Cinesesc exibir uma retrospectiva completa de Luchino Visconti (1906-1976).  Serão 17 longas, sendo 12 cópias em 35 mm e 5, em digital, que cobrem toda a obra do grande cineasta italiano, sendo 3 desses filmes em parceria com outros diretores.  Visconti foi um dos maiores realizadores da história do cinema, tanto na temática densa que cobria a história, a vida social, as relações amorosas, de poder, a arte, quanto pela estética deslumbrante e pela reconstituição de época e de ambientes para lá de requintados.  O diretor de “O Leopardo”, “Ludwig”, “Os Deuses Malditos”, “Morte em Veneza”, “Rocco e seus Irmãos”, merece muitas idas ao cinema nesse período.  Quem não conhece bem o trabalho dele, então, tem uma oportunidade de ouro de se inebriar com a altíssima qualidade cinematográfica do mestre Visconti.

A grande mostra de filmes “Sonora: Ennio Morricone”, que já comentei aqui, continua no Centro Cultural Banco do Brasil – SP, até 19 de fevereiro.  Motivos não faltam para ir ao cinema, fora do circuito regular, com sessões a preços bem acessíveis ou mesmo gratuitas. 



quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

LADY BIRD


Antonio Carlos Egypto





LADY BIRD: A HORA DE VOAR (Lady Bird).  Estados Unidos, 2017.  Direção e roteiro: Greta Gerwig.  Com Saioirse Ronan, Laurie Metcalf, Tracy Letfs, Lucas Hedges, Timothée Chalamet.  94 min.


O começo do filme “Lady Bird: A Hora de Voar”, de Greta Gerwig, me incomodou bastante.  Num ritmo muito rápido, cheio de cortes e verborrágico à beça, parecia uma correria sem propósito de um filme que não tem muito a dizer.  Mas, felizmente, ele se acalmou e essa sensação não permaneceu.

“Lady Bird” é um filme que retrata essa realidade complicada da adolescência, em que nada parece dar certo, tudo incomoda, soa insatisfatório, “o mundo não gosta de mim”, essas coisas todas.  É assim que se sente a protagonista Christine (Saioirse Ronan), para começar, rejeitando o próprio nome e criando uma identidade mais atraente, com o apelido de Lady Bird.

Ela é da cidade de Sacramento, na Califórnia.  Pela descrição dela, um péssimo lugar para se viver.  Não tem nada que interesse a ela nem gente capaz de entendê-la ou valorizá-la.  O que, aliás, seria difícil, já que ela mesma não se valoriza.

Daí vêm os problemas com os pais, as dificuldades econômicas da família, que ela só percebe pelo que causam a ela, não aos genitores.  A mãe, Marion (a ótima Laurie Metcalf), é cobradora, controladora, mas amorosa, a seu jeito.  Como qualquer mãe, lidando com as dificuldades da realidade objetiva e do espírito derrotista de sua filha adolescente.  Já o pai, Larry (Tracy Lefts), tenta ser bom o tempo todo, em que pesem as adversidades.  É acolhedor, compreensivo, mas incapaz de preencher as necessidades afetivas da menina.  O problema dela, naturalmente, é com a mãe.  Uma duelando com a outra, em alguns aspectos, frustrando-se mutuamente. 




Enquanto isso, Christine enfrenta o desafio de entrar numa boa faculdade, com seu histórico escolar medíocre e a pouca crença que ela acha que todos têm nela.  Às vezes, comprovada por palavras, frases inoportunas, que os adultos realmente expressam.  A experiência de estudar numa escola católica até o final do ensino médio é algo que ela já não consegue tolerar mais, embora a escola até tenha estimulado a expressão de alguns dotes artísticos por parte dela.

Last but not least, é claro, vêm os meninos.  Os namoros, a perspectiva da primeira transa, a expectativa de experiência especial, que passa longe da cabeça dos rapazes.  A descoberta de que o desejo tem vários caminhos, e por aí vai.

“Lady Bird” vai, com todos esses componentes, traçando o processo de amadurecimento feminino, mostrado do ponto de vista da protagonista, a partir de um relato que tem muitos elementos autobiográficos da diretora e roteirista, Greta Gerwig, que também é atriz conhecida e produtora.  É isso, principalmente, o que faz com que o filme passe ao espectador uma sensação de autenticidade, que vai além dos clichês e dos elementos previsíveis que constituem a adolescência no gênero feminino.

“Lady Bird” está indicada a 5 Oscar: melhor filme, diretora, roteiro original, atriz e atriz coadjuvante.




domingo, 4 de fevereiro de 2018

O DESTINO DE UMA NAÇÃO


Antonio Carlos Egypto




O DESTINO DE UMA NAÇÃO (Darkest Hour).  Reino Unido, 2017.  Direção: Joe Wright.  Com Gary Oldman, Kristin Scott Thomas, Ben Mendelsohn, Lily James, Ronald Pickup.  126 min.


“O Destino de uma Nação” é o segundo filme, proveniente do Reino Unido, no ano de 2017, que coloca Winston Churchill (1874-1965) em evidência.  O outro foi “Churchill”, de Jonathan Teplitzky, que focaliza o estadista se questionando e sendo questionado no período decisivo da vitória, na Segunda Guerra Mundial, quando da invasão da Normandia, no famoso Dia D.  O ator Bryan Cox compôs Churchill muito bem (veja crítica aqui, no cinema com recheio).

Aqui, a proeza de compor Churchill coube a Gary Oldman, que está ótimo, irreconhecível, para viver o papel.  É o favorito para o Oscar de ator, por sinal.  A situação é outra, é o período anterior, em que a Inglaterra cogitava negociar com Hitler e Mussolini, entregando parcialmente os pontos, tentando salvar o que pudesse.  O que virou o jogo foi justamente a liderança e o arrojo do primeiro ministro Winston Churchill, que, sendo capaz de ouvir seu povo, passou a contar com ele, o que acabou possibilitando a salvação milagrosa do exército britânico, encurralado em Dunquerque.  Um líder político capaz de decidir com firmeza, ainda que tivesse suas próprias dúvidas e medo de errar, é fundamental numa hora dessas.  A história tem suas próprias determinantes e seu próprio ritmo, mas as pessoas fazem muita diferença e imprimem sua marca nos acontecimentos.

Não surpreende a fixação na figura de Churchill ser tão forte até os dias de hoje.  Não só para louvar seu papel e liderança decisivos, mas para mostrar o lado questionável e polêmico do político.  Isso fica claro, tanto em “O Destino de uma Nação” quanto em “Churchill”.  Neste último, até surpreende pela figura vulnerável que apresenta.  Mas “Darkest Hour” parece muito mais convincente, ao valorizar, numa medida que me parece justa, a figura decisiva do primeiro ministro, que passou para a história, com honras e glórias.  Porém, tanto o personagem era polêmico que, depois da vitória na guerra, perdeu as eleições na Inglaterra. 




A batalha de Dunquerque, que consistia em resgatar os soldados britânicos da morte certa, foi, em 2017, também objeto do filme “Dunkirk”, de Christopher Nolan (também analisado aqui no cinema com recheio), que acaba sendo um complemento perfeito para “O Destino de uma Nação”, ambos na disputa do Oscar 2018.

A presença do personagem de Churchill em dois filmes diferentes produz um exercício interessante, para entender a complexa figura sob diferentes ângulos, além do papel importante de sua mulher, Clementine, aqui no desempenho de Kristin Scott Thomas, e de sua secretária pessoal, em momentos marcantes de suas decisões.


Joe Wright faz um filme convencional, na forma, mas bastante interessante de se ver, pela história que conta e pelo envolvimento emocional com o personagem e seus dilemas políticos.  A questão política está bem trabalhada no filme, suas tensões e o suspense que gera funcionam como elementos que fisgam o espectador.



quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

A FORMA DA ÁGUA e O MONSTRO DA LAGOA NEGRA


Antonio Carlos Egypto


A FORMA DA ÁGUA (The Shape of Water).  Estados Unidos, 2017.  Direção: Guillermo del Toro.  Com Sally Hawkins, Octavia Spencer, Michael Shannon, Richard Jenkins, Doug Jones, Michael Stuhlbarg.  123 min.

O MONSTRO DA LAGOA NEGRA (Creature from the Black Lagoon)Estados Unidos, 1954.  Direção: Jack Arnold.  Com Julie Adams, Richard Carlson, Richard Denning, Nestor Paiva.  80 min.





Reconheço que “A Forma da Água” é um título poético para o filme de Guillermo del Toro, que conseguiu o maior número de indicações para o Oscar 2018: 13.  No entanto, sendo mais concreto, o filme poderia se chamar A Forma na Água ou A Criatura na Água ou, ainda, O Monstro na Água, porque é disso que se trata.  Uma criatura estranha, uma espécie de homem-anfíbio, que remete a “O Monstro da Lagoa Negra”, o filme de Jack Arnold, de 1954, em que se falava de um homem-peixe, algo que cientistas pesquisavam, em busca de encontrar um elo perdido na evolução humana.

Em “A Forma da Água”, não é muito diferente.  Aqui estamos num laboratório estadunidense, em que se fazem experimentos secretos com o tal homem-anfíbio, que vive na água, já não mais na romântica lagoa negra da Amazônia brasileira, mas num conteiner dentro do laboratório.  Embora almejando as águas abertas que levem ao mar.

O MONSTRO DA LAGOA NEGRA

 Pois bem, as duas figuras se assemelham muito, evidenciando que a inspiração de “A Forma da Água” foi o monstro da lagoa negra.  Essa figura humana-animal aparece como um ser que assusta, aterroriza, ao mesmo tempo em que atrai o interesse.  O que é estranho, diferente, é perigoso e, no limite, deve ser destruído.  Antes, porém, vamos explorá-lo, extrair dele o que nos interessa.  No contexto da Guerra Fria dos anos 1960, é a competição com a União Soviética, vista como inimiga, que move as ações.  Suspeita-se do que é diferente, daquele que traz perigo. Como sempre acontece.

Diferentes também se atraem e uma moça muito bonita como Kay (Julie Adams), em “O Monstro da Lagoa Negra”, ou, pelo menos, muito gentil e afetiva, como a Elisa (Sally Hawkins), de “A Forma da Água”, produzem uma atração no tal monstro.  Aí, a referência à história de A Bela e a Fera é óbvia.  No filme de Guillermo del Toro, com um elemento novo, talvez politicamente correto, a bela é uma moça portadora de deficiência comunicativa, ou seja, é muda.  Isso introduz uma variável interessante, ao contar a história, porque facilita que ela esconda seu segredo dos patrões.  Não é da sua deficiência que o filme se ocupa, ela é a heroína da situação, sua coragem e determinação são os elementos que a destacam.  Partindo de uma condição bem modesta, a de funcionária de limpeza do laboratório.  Um pouco de Cinderela vai bem, também.


A FORMA DA ÁGUA

 Se, em “O Monstro da Lagoa Negra”, a aventura toma o primeiro plano, em “A Forma da Água” é o conto de fadas que emerge do substrato líquido da trama. O cineasta Guillermo del Toro busca o estranho, o bizarro, para criar seu mundo e o relaciona com a realidade do que pode ser visto nos telejornais diários, as notícias do mundo.  Foi assim, também, em seu “O Labirinto do Fauno”, de 2006, em que a fantasia interagia com a ditadura franquista espanhola.  O resultado é híbrido, como o monstro humano aquático dos dois filmes, o de 1954 e o de 2017, mas tem seu encanto, assim como eles.

Em “O Monstro da Lagoa Negra”, o vínculo com a realidade se dá mais claramente pela ciência e pelo uso estratégico que pode gerar, com menos vínculo político com a realidade imediata.

“A Forma da Água” é aposta quase certa para vários Oscar.  O filme atrai, agrada, mesmo a quem não faz conjecturas ou associações e curte simplesmente a história de amor e o suspense da narrativa.  Ou se encanta com a linda trilha sonora de Alexandre Desplat, já premiada, assim como o diretor del Toro, com o Globo de Ouro 2018.  Uma gravação de Babalu, de Margarita Lecuona, com Caterina Valente e Silvio Francesco, aparece na trilha e nos faz lembrar da gravação magistral de Ângela Maria, que acompanhou toda sua vida artística.  Tem Carmen Miranda aparecendo na TV cantando Chica Chica Boom Chic


O MONSTRO DA LAGOA NEGRA

 O Brasil estava presente também no antigo monstro, a ação toda supostamente se passava na distante Amazônia brasileira, uma preservada zona do globo, que teria mantido elementos ancestrais da evolução terrena.  Talvez tivesse sentido em 1954, hoje, certamente, não mais, com o desmatamento a todo vapor.

Bem, mas por que estou falando de “O Monstro da Lagoa Negra”, um clássico do distante 1954, junto com “A Forma da Água”, de 2017?  Não só pela influência de um sobre o outro, mas porque é possível vê-los, a ambos, no cinema, agora mesmo, sendo “O Monstro da Lagoa Negra” exibido em cópia restaurada em 3D.  O filme foi realizado originalmente em 3D, quando a moda apareceu, e depois sumiu.  Está em exibição no cinema do Instituto Moreira Salles, que também exibe, assim como outras salas de espetáculo, “A Forma da Água”.  Um programa duplo que vale a pena.