Antonio Carlos Egypto
O LADRÃO DE LUZ (Svet-Ake). Quirguistão, França, 2010. Direção: Aktan Arym Kubat. Com Aktan Arym Kubat, Taalaikan Abazova, Askat Sulaimanov. 80 min.
Positivamente, não é a toda hora que a gente tem a oportunidade de ver um filme de um cineasta do Quirguistão, república que fazia parte da ex-União Soviética. Pois agora temos a chance de ver no cinema “O Ladrão de Luz”, filme dirigido, roteirizado e protagonizado por Aktan Arym Kubat.
Felizmente, graças à Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, também não é a primeira vez que esse cineasta tem filmes exibidos por aqui. Em 1998, chegou à Mostra “O Filho Adotivo”, sobre a revelação algo traumática para um adolescente que se descobre nessa condição e entra em crise de identidade. Sem se preocupar muito em tratar do tema com realismo, Kubat faz um filme poético e de uma estética belíssima, em que predomina o preto e branco. Assisti ao filme numa sessão da Mostra e voltei a vê-lo quando foi exibido em sessões normais nos cinemas. Trabalho de grande beleza plástica, que nos convida à contemplação. É sempre muito gratificante descobrir o talento de um cineasta de um país tão distante de nós, culturalmente, pelo menos.
Um outro filme seu também foi exibido na Mostra, em 2001, “O Chimpanzé”, abordando a iniciação na vida adulta, o chamado ao serviço militar, o primeiro amor, os desencantos, o alcoolismo e a falta de perspectivas nas pequenas comunidades. É um retrato em parte autobiográfico, mas reflete o destino de todos os jovens por ali.
“O Ladrão de Luz” tem características semelhantes. É um filme poético também, mas menos subjetivo, eu diria. Mostra, num pequeno lugarejo das montanhas do Quirguistão, uma figura ímpar: o eletricista do local, o senhor luz, como é chamado. É ele quem traz a luz elétrica para a casa das pessoas, resolve as oscilações e os curtos-circuitos que acontecem, de forma imediata. É uma pessoa bondosa e ingênua. Simples, como todos na comunidade, mas preocupado em ajudar os outros. Como muitos não podem pagar pela luz que chega ao vilarejo, ele dá um jeito, alterando os relógios ou fazendo gatos. Sonha, ainda, com uma fonte de luz mais barata, de origem eólica, que ele sabe perfeitamente possível, se o investimento for feito.
Esse homem, que dá luz à comunidade e vive por ela, sabe que essa luz é fonte de vida e solidariedade, um bem-estar indispensável a um povo que tem tão pouco. Mas terá que se deparar com os interesses econômicos e políticos que chegam a todos os cantos, até mesmo naquele fim de mundo.
Uma característica desse diretor é a de contar suas histórias respeitando a cultura local, enfatizando as crenças, os valores e os rituais sociais que caracterizam seu país, a partir de sua realidade rural e da vida em pequenas comunidades, onde isso está muito presente. Seu cinema é também humanista e esperançoso, apesar de perspicaz e crítico.
O diretor é o ator que protagoniza a história, no papel de o senhor luz. Como ator, ele consegue viver um personagem adorável, na sua simplicidade e capacidade de ser solidário, pensando no coletivo. É absolutamente convincente o seu desempenho, enche a tela de vida e dinamismo.
Como se vê, o cinema pode surgir radiante de onde menos se espera. E não é preciso muito dinheiro para isso, nem grandes equipes de produção. Com pouco dinheiro,o senhor luz da história ficcional supriria a comunidade. Na função de cineasta, ele faz arte a partir de muito poucos recursos materiais e de histórias pequenas e simples, mas muito importantes e significativas.