Antonio Carlos Egypto
Hoje
gostaria de abordar dois filmes brasileiros, produções recentes, em cartaz nos
cinemas, que merecem a nossa atenção pela qualidade dos trabalhos e pela
importância dos temas tratados: ALDEOTAS e A MÃE.
ALDEOTAS é uma
releitura cinematográfica da peça homônima de Gero Camilo, que esteve em cartaz
por um longo período nos teatros. O
próprio Gero Camilo roteirizou, dirigiu e atuou como protagonista, ao lado de
Marat Descartes, no filme. Um trabalho
que se vale da linguagem poética, não naturalista. Aliás, o personagem central é um poeta e
escritor, Levi (Gero Camilo), e trata-se da relação de amizade que ele manteve
com Elias (Marat Descartes). A trama
retorna à memória dessa amizade, que se rompeu aos 17 anos de idade da dupla,
quando Levi deixou seu rincão natal, em busca de se livrar das forças
repressivas da pequena cidade e com um anseio de liberdade, que compartilhava
com Elias. Este, porém, não conseguiu partir, ao final do ensino médio, como
era o planejado. Eles só se
reencontraram quando Levi voltou à sua aldeota, para se despedir de Elias,
morto aos 50 anos. Esse reencontro põe à
tona as lembranças da vida de ambos em Coti das Fuças, interior do Brasil. Acompanhamos as atitudes dos dois aos 12, 14,
16 anos de idade, vividos pelos dois atores adultos. Apesar de, em tudo, eles se distinguirem hoje
de seu passado, os atores/protagonistas brilham, ostentando suas falas
imaturas, ingênuas e pretensiosas, como se é na adolescência. Algumas soluções visuais nos remetem a esse
universo limitado, antigo e preconceituoso da província, em que não cabe o
novo, nenhuma contestação, nem o talento literário, seja de Levi, seja de seu
pseudônimo: Sofia de Juá. ALDEOTAS mostra o quanto é importante
batalhar pela própria existência, identidade e liberdade. E quanto a construção
de um caminho de realização pode ser difícil, sofrida, mas é essencial. E possível.
Um trabalho marcado pela sensibilidade na compreensão de como se
estrutura e se desenvolve um relacionamento humano, com companheirismo,
cumplicidade, medos, dificuldades e o afeto que os uniu. 82 min.
A MÃE, ficção nacional, dirigida e roteirizada por Cristiano Burlan, é um trabalho com características fortemente documentais. Aborda uma mãe da periferia de uma grande metrópole, migrante nordestina, vendedora ambulante, que tem seu filho adolescente, Valdo, desaparecido repentinamente. Maria, a mãe, papel de Marcélia Cartaxo, em grande desempenho, vive, então, uma situação de desespero e usa todas as forças que tem para saber do seu paradeiro. Em seu périplo em busca da verdade, ela compreende (intui, é informada) que seu filho pode ter sido assassinado por policiais militares. Não desiste, leva sua luta à frente, esbarrando na burocracia das instituições, no medo, na insegurança e na impunidade que marcam a vida na sua comunidade. Uma situação como essa está presente na vida de muita gente na realidade brasileira das periferias das grandes cidades, atingindo sobretudo os jovens negros. Mas também atinge a população periférica em geral, como os brancos pobres do filme. Atinge as mulheres, as mães, de forma dramática, trágica, como o desenvolvimento de A MÃE mostra muito bem. O filme conta com participações de um grande elenco, que inclui Helena Ignez, Henrique Zanoni, Ana Carolina Marinho, Kiko Marques, Hélio Cícero, Tuna Dwek e muitos mais. Foi rodado no centro de São Paulo e no Jardim Romano, na periferia da cidade. A mensagem que fica é que a dor e a luta se misturam de forma inseparável e que a superação de uma realidade como essa envolve muitas e profundas mudanças. A começar pelo descarte do entulho autoritário que a ditadura militar nos legou e que ainda está por aí, reciclado inclusive. 90 min.