quarta-feira, 29 de novembro de 2017

ASSASSINATO NO EXPRESSO DO ORIENTE

 Antonio Carlos Egypto




ASSASSINATO NO EXPRESSO DO ORIENTE (Murder on the Orient Express).  Estados Unidos, 2017.  Direção: Kenneth Branagh.  Com Kenneth Branagh, Tom Bateman, Leslie Odom Junior, Daisy Ridley, Johnny Depp, Michelle Pfeiffer, Penélope Cruz.  114 min.



Uma nova versão cinematográfica do livro policial de Agatha Christie, de 1934, “Assassinato no Expresso do Oriente” entra em cartaz.  Já havia uma versão, de 1974, dirigida por Sidney Lumet.  Agora, coube ao britânico  Kenneth Branagh a incumbência de dirigir o filme, além de interpretar o famoso detetive Hercule Poirot, o protagonista da história.

Essa nova versão de “Assassinato no Expresso do Oriente” é uma produção caprichadíssima, sofisticada, que contou com muitos recursos e um elenco de grandes atores e atrizes.  Kenneth Branagh dirige e contracena com Michelle Pfeiffer, Penélope Cruz, Judi Dench, Johnny Depp, Derek Jacobi, Willem Dafoe e tantos outros menos famosos.  Afinal, são treze personagens que se encontram num trem, que acaba ficando parado por conta de uma nevasca que o descarrilha.  Aí ocorre um assassinato e todos são considerados suspeitos.  E todos têm, também, um segredo.

Para quem gosta de histórias policiais, acompanhar uma trama, desvendar quem é o culpado, se divertir com os maneirismos de um detetive genial, porém, excêntrico, uma boa  pedida. A genialidade do detetive Poirot, na verdade, passa dos limites.  Qualquer pequeno indício que ninguém notaria torna-se uma pista valiosa. E, também, parece surgir do nada, magicamente. Assim, as pistas se acumulam de modo a esticar o mistério e deixar tudo suspenso no ar.






Por outro lado, com tantos personagens, a trama tende a se dispersar e até a aborrecer.  Branagh foi econômico na caracterização dos personagens e, ao contar com intérpretes famosos, pôde minimizar a confusão que poderia haver entre um personagem e outro.  Com atores e atrizes tão conhecidos, torna-se mais fácil identificá-los.  Um elenco dessa qualidade também acaba produzindo desempenhos que se destacam e dão um charme especial a um enredo, que nem é assim tão brilhante.

Ressalte-se, porém, o talento do cineasta/ator.  O filme é bonito, com panorâmicas espetaculares, caracterização de época muito competente, cenários e locações nostálgicos.  O filme transporta o espectador à época dos trens românticos, que enchiam de fumaça os ares mas tinham a sofisticação das casas nobres.  As pessoas, com aparência e vestuários exuberantes, incluindo um bigode exageradíssimo do detetive, contribuem para compor o quadro de um tempo que tentava se reencontrar após a chacina da Primeira Guerra, enfrentava a crise econômica mundial, mas não resistiria à arrasadora Segunda Guerra Mundial.  Não que Agatha Christie focasse a discussão por aí, a questão toda se resume a entretenimento.  Mas os preconceitos já estavam lá, nas colocações racistas ou pejorativas que envolviam os personagens e situações.  O que Kenneth Branagh destaca muito bem.

Enfim, um belo filme para preencher uma tarde ou noite com diversão, beleza, suspense e humor.  Pelo jeito, a Fox está prevendo um sucesso econômico à empreitada.  A cena final já anuncia Poirot sendo chamado para ir ao Egito, desvendar uma morte no Nilo, referência a outro livro da mesma autora, que deve ser a próxima produção, a ser novamente estrelada, e talvez dirigida, por Kenneth Branagh.  Se a bilheteria de agora compensar o investimento, naturalmente.




terça-feira, 21 de novembro de 2017

COLO


Antonio Carlos Egypto




COLO.  Portugal, 2017.  Direção e roteiro: Teresa Villaverde.  Com João Pedro Vaz. Alice Albergaria Borges, Beatriz Batarda, Clara Jost, Tomás Gomes.  138 min.



A Revolução dos Cravos de abril de 1974 e a União Europeia trouxeram novos ventos, novas esperanças e novas possibilidades reais de avanço social, econômico e político a Portugal.  Mas a crise bateu e trouxe desalento e frustração ao mundo familiar da classe média lusitana.

As pessoas precisam de colo, mas quem há de poder dar-lhes, em momentos de dureza e restrições, impostos por uma política de austeridade, que lá, como cá no Brasil, produz desemprego, perda de direitos, roubando sonhos dos jovens e deixando a todos exaustos? 

“Colo”, da realizadora portuguesa Teresa Villaverde, é um mergulho no microcosmos doméstico que se esfacela pelo desamparo e diante da perda do direito à própria felicidade.

Quando o pai tem de viver um prolongado e desesperador período de desemprego, a mulher tem de multiplicar seus trabalhos para tentar suprir as necessidades da casa, enquanto a filha adolescente entra na fase de rebeldia e contestação.  Tudo começa a desmoronar.  Todos se distanciam, uns dos outros, e vão perdendo a capacidade de entrar em empatia com o que vive cada um.  O filme mostra o desgaste da família que produz uma incapacidade de reagir ao que quer que seja.  É destrutivo viver nesse desalento, nessa ausência de afeto, nesse desencanto diante da vida.




Teresa Villaverde se debruça também, em paralelo, na realidade próxima da adolescente e de seus amigos e de como eles enxergam a si mesmos, a seus pais e o quanto estão perdidos, sem saber como ajudar a superar a depressão dos pais.

O filme “Colo” é um contundente retrato do que acontece às pessoas quando a crise econômica se impõe e a felicidade parece um sonho distante.  É um olhar para o desamparo do ser humano.  Um olhar atento, preocupado, perplexo, não propriamente desesperançado, mas sem respostas para o momento.

O filme apresenta uma fotografia com tonalidades esmaecidas de cor.  Nas filmagens externas, sugere um fim de tarde algo cinzento e, nos espaços internos, utiliza luz rebaixada, com ambientes escurecidos e até luzes de palco reduzidas por filtros.  Isso, associado ao ritmo lento da evolução da narrativa e às performances contidas dos atores e atrizes, dá ao espectador a sensação clara de abatimento, que permeia a vida  dos personagens, independentemente de qualquer diálogo.


Teresa Villaverde


Teresa Villaverde é uma cineasta importante de uma geração que se destaca a partir dos anos 1990, renova e dá novo vigor à produção autoral do país.  Representa, também, uma leva crescente de mulheres atuando de forma intensa no cinema em todo o mundo, o que tem enriquecido e trazido novas perspectivas para a sétima arte.





terça-feira, 14 de novembro de 2017

BALANÇO DA 41a. MOSTRA

                                   
Antonio Carlos Egypto


A Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, edição 41, ofereceu um  vasto cardápio em qualidade cinematográfica a habituées.  E quem chegou agora também não tem do que se queixar.  A maior dificuldade foi escolher o que assistir, entre 394 filmes.  Por maior disponibilidade que se tenha para o evento, é quase impossível chegar a ver 20% do que é ofertado.  Tirando alguns poucos, que eu conheço, quantos conseguiram ver mais de 70 filmes no período da Mostra?

Eu vi bastante, 60 filmes neste ano, mas com a vantagem de ver uma parte deles em cabines de imprensa, antes de a Mostra começar.  Aí ficou possível ver e ainda escrever sobre os filmes, assistindo em geral a três filmes por dia. Desses 60, já comentei no  cinema com recheio  30 filmes, ou seja, metade deles, sendo que eu escolhi falar do que gostei mais.  O que significa que eu já tinha visto muita coisa boa, a maioria, e ainda teria muito mais a ver.  Não vou retornar aos 30 já comentados, eles podem ser acessados por quem não leu aqui mesmo, no blog.


COM AMOR, VAN GOGH


COM AMOR, VAN GOGH, da Polônia/Reino Unido, de Dorota Kobiela e Hugh Welchman.  É uma animação muito bonita, feita a partir dos quadros e da técnica típica do pintor, procurando contar um pouco da sua vida, por meio das cartas que escreveu, e levantar questões sobre a sua morte.  O público o elegeu como o melhor da Mostra.  Quem quiser conferir, fique de olho, porque ele já será lançado nos cinemas.  É, sem dúvida, bonito de ver, embora a narrativa não seja das mais inovadoras ou atraentes.  O assunto cansa e a técnica se repete.

EM QUE TEMPO VIVEMOS? é uma junção de curtas dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), refletindo sobre a realidade atual, de formas diversas.  O chinês Jia Zhang-Ke e o nosso Walter Salles são destaques, mas todos são bons. Será lançado nos cinemas também, em breve.  Bem, a data mesmo, nunca se sabe...

O AMANTE DE UM DIA é mais um belo filme do diretor francês Philippe Garrel.  A curiosa história da nova amante do pai ter a mesma idade da filha: 23 anos.  A relação que se dá entre as duas é o fio condutor do filme.  Muito bom.  E vai chegar aos cinemas, também.

UMA ESPÉCIE DE FAMÍLIA, filme argentino de Diego Lerman, também está para ser lançado nos cinemas, em breve.  Não chega a ser um filme entusiasmante, mas tem algumas boas sequências, numa história que envolve decisões éticas, um tanto complicadas, sob contexto social limitador.

MULHERES DIVINAS, da seleção suíça da Mostra, de Petra Volpe, é um filme quadradinho na concepção, que trata do direito ao voto feminino no país, só legalmente efetivado pelos homens na incrível data de 07 de fevereiro de 1971.  Não é erro, não.  É um absurdo que parece inconcebível, num  país desenvolvido como a Suíça.  O filme mostra que, numa pequena cidade, a coisa era ainda mais ridícula, em pleno período de movimentos sociais que sacudiram a França e toda a Europa, em 1968.  A protagonista se chama, apropriadamente, Nora, como a da casa de bonecas de Ibsen.



O BEIJO NO ASFALTO


Os únicos filmes brasileiros que vi na Mostra me agradaram bastante.  AOS TEUS OLHOS foi dirigido por Carolina Jabor e protagonizado por Daniel de Oliveira.  Trata do tema do abuso sexual, supostamente praticado por um professor de natação, com um menino.  Ele foi sumariamente julgado nas redes sociais, sem que se pudesse investigar adequadamente o caso.  O BEIJO NO ASFALTO, dirigido por Murilo Benício, a partir do texto de Nelson Rodrigues, é muito bom e criativo na sua estrutura.  Da mesa de preparo do trabalho para as cenas filmadas, as coisas se intercalam e esclarecem o que envolve os personagens, seus sentimentos e motivações.  Com direito a ótimas tiradas e intervenções da grande Fernanda Montenegro.  No elenco, Lázaro Ramos, Débora Falabella, Stênio Garcia e Otávio Müller brilham.  E o ator Murilo Benício se revela como cineasta, em seu primeiro longa.  A estrutura lembra o filme “Ricardo III, um Ensaio”, de Al Pacino, de 1986, que procurava explicar a peça de Shakespeare.  Nelson Rodrigues também merece esse cuidado, digamos, didático.

As retrospectivas foram outro ponto alto da Mostra.  Já comentei filmes de Agnès Varda, maravilhosos.  Foi bom poder ver, do Paul Vecchiali, NOITES BRANCAS NO PÍER, um trabalho de categoria, com uma música espetacular.  Já seu filme novo, OS 7 DESERTORES, não foi muito inspirador e sua trama se desgastou rapidamente.  Do grande cineasta suíço Alain Tanner pude ver JONAS QUE TERÁ 25 ANOS NO ANO 2000 e JONAS E LILA, ATÉ AMANHÃ, que fazem um painel da realidade sociopolítica e comportamental de dois momentos decisivos, separados por 25 anos, e são grandes trabalhos.  AMANTES NO MEIO DO MUNDO envereda pela vida privada de um político, candidato nas eleições locais, e o rumo que tomam suas vidas pessoal e pública, outro bom trabalho.  Vi, ainda, MESSIDOR, um pouco mais datado, mas interessante.


JONAS E LILA, ATÉ AMANHÃ


Também houve filmes menores ou que, simplesmente, me desagradaram.  Alguns que preferiram enfatizar a crueldade ou o ser humano tomado por uma angústia paranóica se perderam porque produziram sofrimento inútil no espectador, numa perspectiva francamente estéril.  Ou investiram no grotesco puro e simples.  É o caso de NÃO ME AME, de Alexandros Avranas, da Grécia, POROROCA, de Constantin Popescu, da Romênia, ou MARLINA, ASSASSINA EM 4 ATOS, de Mouly Surya, da Indonésia.

Também houve equívocos em filmes políticos, como o argentino A CORDILHEIRA, de Santiago Mitre, que nem a presença carismática de Ricardo Darín salva.  Ou o francês ESSA É NOSSA TERRA, de Lucas Belvaux, um pouco melhor.  Em ambos, a política acaba sendo mostrada nos bastidores, nas manobras, nas jogadas, nos interesses pessoais ou de pequenos grupos, em decisões individualizadas, como se fatores socioeconômicos e históricos não tivessem maior e mais importante determinação.  Fica falso ou incompleto.  O documentário francês NAPALM, de Claude Lanzmann, que mostra a Coreia do Norte em três momentos distintos, se perde pelo excesso de personalismo e verborragia do diretor, que converte uma experiência pessoal em algo mais relevante do que o contexto geral, embora com ele se relacione.

O filme uruguaio/argentino EL PAMPERO, de Matias Lucchesi e O REBANHO, de Sebastian Caulier, também argentino, tratam de questões de relacionamento vinculando-as a crimes e suspense.  O resultado é apenas mediano, nos dois casos.  Ao documentário espanhol NIÑATO, de Adrián Orr, sobre um pai solteiro, artista  rapper , e sua rotina familiar com o filho, a irmã e a sobrinha, falta ritmo e interesse.  Torna-se monótono, sem acrescentar nada de relevante.  O suíço ANTES QUE O VERÃO ACABE, de Maryam Goormaghtigh, traz um relacionamento de jovens rapazes iranianos vivendo na Suíça, se adaptando ou desejando voltar, comparando as culturas.  Não deixa de ser interessante.

O espanhol SELFIE, de Victor García León, e o japonês OH LUCY!, de Atsuko Hirayanagi, ficaram na superfície, mesmo contando com bons personagens.  Podem servir para entretenimento, mas ficaram devendo em relação ao que se espera na Mostra.

E POR QUE A SALA 2 DO RESERVA E A 1, DO ITAÚ AUGUSTA?

Volto a reclamar das escolhas inadequadas.  A sala 2 no Reserva Cultural, acanhada para a Mostra, que, de forma evidente, estaria muito mais bem acolhida na sala 1, melhor e mais ampla.  Será que a Mostra não merece a prioridade do cinema, nos dias em que ela ocorre?  Estranho!


Quanto à sala 1 do Itaú Augusta, dá para entender a sua escolha, por ser a maior, mas é a de pior visibilidade e impraticável para a leitura de legendas abaixo da tela.  Talvez a saída seja programar só filmes nacionais ou que já estejam legendados, para essa sala, não os demais.  Ou usar a sala 3 do Itaú Augusta, que é ótima, embora seja menor.



segunda-feira, 13 de novembro de 2017

O OUTRO LADO DA ESPERANÇA

  
Antonio Carlos Egypto




O OUTRO LADO DA ESPERANÇA (Toivon Tuolla Puolen).  Finlândia, 2017.   Direção e roteiro: Aki Kaurismaki.  Com Sherwan Haji, Sakari Kuosmanen, Janne Hyytiäinen, Ylkka Koivula. 100 min.


O cineasta finlandês Aki Kaurismaki já é conhecido do público cinéfilo brasileiro, por filmes como “A Garota da Fábrica de Caixas de Fósforos”, de 1989, “Nuvens Passageiras”, de 1996, “O Homem sem Passado”, de 2001, “O Porto”, de 2011, entre outros. 

Em “O Outro Lado da Esperança”, seu protagonista é o refugiado sírio Khaled (Sherwan Haji), que acaba desembarcando na cidade de Helsinki, meio por acaso.  Fugindo da guerra da Síria e atravessando países inteiros da Europa, como muitos o fazem, acabou sendo transportado, escondido num contêiner de carvão.  Tenta, então, buscar asilo legalmente na Finlândia, mas se depara com a burocracia e o descaso das autoridades com figuras como a dele.  Isso, de um lado.  De outro, encontra hostilidade e agressão por parte de militantes da extrema direita, contrários à acolhida de refugiados.




Kaurismaki nos mostra essa realidade tão dura e dramática, mas encontra respiro em muitos aspectos.  Primeiro, porque sempre existe espaço para um momento de humor, de irreverência.  Para isso, basta um mal entendido, uma palavra não compreendida ou qualquer coisa similar.  Segundo, porque, como ele nos mostra, também existe gente boa, que se condói do sofrimento alheio e se dispõe a ajudar.  Terceiro, porque há muita solidão e desamparo no mundo e os solitários ou os desconsolados podem se dar as mãos para sobreviver melhor.  Quarto, porque as pessoas se irritam e se opõem à insensibilidade oficial e procuram compensar o que lhes parece injusto ou desumano.

Por tudo isso, se vê que a esperança existe, não porque quem a apregoa seja um tolo otimista, mas porque o mundo é mais complexo do que parece e há espaço para que muita coisa aconteça.  O momento é difícil, mas a humanidade ainda não está irremediavelmente perdida.

O estilo seco, direto e sem muitas nuances do diretor, nos ajuda a viver o problema do refugiado sírio como se estivéssemos no dia-a-dia com ele, tendo que lidar com questões triviais, rotineiras, passando pelos apuros, sem grandes explosões emocionais, tendo de aceitar o que nos coube no momento.




Que rumo as coisas podem tomar, também é algo que pode escapar ao controle, frequentemente acontece.  E o que se há de fazer?  Outra coisa: a experiência de um pode não servir ao outro ou ele precisará constatar, para se convencer de algo.  Não tem muito jeito de ser diferente, para se evitar certos problemas. Enfim, a vida é complicada, cheia de circunstâncias surpreendentes e, de onde menos se espera, vem o problema ou a solução.

Um cinema aparentemente simples, no entanto, rico de situações que nos levam à reflexão, não pela via do excesso, mas pelo minimalismo ou pela irreverência.  Singelo e sutil.

“O Outro Lado da Esperança” foi o vencedor do Urso de Prata para o melhor diretor do Festival de Berlim.  Exibido na 41ª. Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, já está em cartaz no circuito comercial dos cinemas.






quarta-feira, 8 de novembro de 2017

A TRAMA

  
Antonio Carlos Egypto




A TRAMA (L’Atelier).  França, 2017.  Direção e roteiro: Laurent Cantet (roteiro em parceria com Robin Campillo).  Com Marina Fois, Matthieu Lucci, Warda Rammach, Issam Talbi, Florian Beaujean.  114 min.


Laurent Cantet, o cineasta de “Entre os Muros da Escola”, de 2008, acredita na educação como caminho de promoção humana e de saída para alguns dos grandes problemas do mundo contemporâneo.  Em “A Trama”, isso é, mais uma vez, muito claro.  A narrativa mostra uma oficina literária coordenada por uma escritora já reconhecida, Olívia (Marina Fois), e dirigida a um grupo de jovens, interessados e com talento para a escrita, uns mais, outros menos, que revela a diversidade.  Ali estão jovens que representam diferentes etnias, imigrantes, extratos sociais e, consequentemente, posturas e visões de mundo.  Neste sentido, formam um microcosmos da realidade atual da França, ainda que se trate aqui de uma pequena cidade industrial, com sua história e características próprias.  Por sinal, essa história e essas características serão objeto da criação dos jovens candidatos a escritor, como referencial fundamental da história policial que eles estão a criar coletivamente.

Um desses jovens é Antoine (Matthieu Lucci), que vive o tédio e a falta de trabalho e de perspectivas, convivendo com uma gangue que cultiva atos de violência.  No que escreve, Antoine vai revelando seu fascínio por essa violência, o que vai provocar reações contrárias, assustadas ou indignadas, por parte do grupo.  E que leva Olívia a buscar entender e interferir no mundo dele, correndo os riscos correspondentes a uma aproximação que se fará para além da oficina literária.




O próprio contexto da história já é um importante trabalho educacional: a formação de novos escritores de ficção, com valorização da palavra, da expressão escrita, do debate de ideias e do estímulo à criação.  Envolve o questionamento de valores e atitudes, busca fazer pensar, refletir sobre o que se produz.  Educação pela arte, da melhor qualidade.

Os conflitos que daí vão derivar só tomam o rumo que tomam porque na base está um processo educacional de verdade.  E a resolução final é uma nova crença no processo educativo.

O diretor Cantet fez um belo trabalho, que, longe de ser otimista, consegue passar ao largo de uma tendência cada vez maior de descrença no ser humano e em qualquer possibilidade de enfrentar e superar as tragédias do mundo contemporâneo.  Ele mostra claramente o que nos aflige, sem dourar a pílula, mas não sucumbe à derrota.  Tal como se autodefinia Ariano Suassuna, o trabalho de Laurent Cantet também é de um realismo esperançoso.


Laurent Cantet na 41.a Mostra


“A Trama” mostra vida real: estranhamentos, rejeição, medo, atração por atitudes preconcebidas e violentas.  Mas não fica só nisso.  Entende que todos os afetos fazem parte da vida humana.  Também estão lá o acolhimento, a compreensão, a solidariedade e o perdão.  E um apelo à racionalidade, quando os ânimos estão quentes.

O trabalho com o elenco é muito bom.  Os protagonistas, muito convincentes e todo o grupo de jovens, também.  Ninguém distoa e o clima e o ritmo da filmagem nos convidam o tempo todo a analisar o que está acontecendo e a tirar as nossas próprias conclusões.


“A Trama” foi o filme de encerramento da 41ª. Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e já está entrando em cartaz no circuito comercial.



domingo, 5 de novembro de 2017

DOCUMENTÁRIOS INTERNACIONAIS NA 41ª. MOSTRA


Antonio Carlos Egypto


Os documentários internacionais foram uma atração em destaque na 41ª. Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.  É bom lembrar que um deles – O PACTO DE ADRIANA, do Chile – foi o filme vencedor da seleção dos mais votados entre os novos diretores, pela escolha do júri internacional da Mostra, em que estavam incluídos os filmes de ficção.  Pude ver durante o evento 10 documentários internacionais e devo dizer que gostei de todos e que alguns deles, muito especialmente, serão sempre lembrados.


VISAGES, VILLAGES


É o caso de VISAGES, VILLAGES, da quase nonagenária Agnès Varda, uma das maiores cineastas do mundo, na atualidade.  Seu filme respira humanismo, respeito pela vida, pelas pessoas, sobretudo as mais simples, com ênfase nas mulheres.  Ela, aqui, trabalha em parceira com J R, um fotógrafo que faz colagens de rostos e pessoas em corpo inteiro, em tamanho gigante, ocupando fachadas de casas, prédios, galpões, espaços esquecidos.  VISAGES, VILLAGES é um road-movie  documental por vilarejos franceses, ao encontro de personagens, flores, animais, paisagens.  Enfim, o que pintar.  Para que isso resulte em algo tão palpável e comovente, é preciso um olhar ativo e de bem com a vida.  Agnès Varda tem de sobra esse olhar terno e crítico.  Por isso, tudo o que ela faz acaba sendo tão relevante.

Vi dela, também, além da ficção “Cléo das 5 às 7”, O UNIVERSO DE JACQUES DEMY, documentário de 1995, que é uma linda e informativa homenagem ao grande diretor francês Jacques Demy (1931-1990), que foi seu marido e era um cineasta que celebrava o amor e a vida, em filmes como “Lola, a Flor Proibida”, “A Baía dos Anjos”, os musicais “Os Guarda-chuvas do Amor” e “Duas Garotas Românticas” e até a adaptação do conto infantil “Pele de Asno”.  Que dupla de talentos o cinema francês produziu!  Agnès Varda recebeu o prêmio Humanidade da Mostra e o prêmio especial do júri da crítica, por VISAGES, VILLAGES.  Mais do que merecido.

O documentário JERICÓ, O INFINITO VOO DOS DIAS, de Catalina Mesa, da Colômbia, que já comentei no cinema com recheio, dialoga com VISAGES, VILLAGES, no interesse e respeito à vida nas pequenas localidades, seus elementos constitutivos, e no protagonismo das mulheres.  E, ainda, na sensibilidade no trato da temática. É mais dirigido e planejado do que o filme de Varda, mas também aberto ao que encontra na comunidade.



O PACTO DE ADRIANA


A família tem a função de acolher, proteger, oferecer segurança e afeto a seus membros.  Mas ela também pode ser uma fonte inesgotável de conflitos e problemas de toda ordem.  Dois ótimos documentários partiram de investigações dentro da família, para se surpreender com o que encontraram.  O PACTO DE ADRIANA vai revelando, pouco a pouco, uma pesquisa da sobrinha referente a uma tia muito querida, alegre e bem sucedida, que tinha um passado tenebroso vinculado ao regime de Pinochet, suas torturas e desaparecimentos.  O filme, conduzido por Lissette Orozco, com suas tristes e incontornáveis revelações, é um emocionante retrato de um Chile que precisa ser lembrado, para que a página possa, um dia, ser virada.  A estrutura desse filme é particularmente interessante, porque indica o caminho de uma investigação honesta, cuidadosa, e que oferece todas as chances para que o suspeito se defenda, se explique, se puder.  Sem pré-julgamentos, mas sem medo de conhecer os fatos.

LOTE 35, o documentário francês de Eric Caracava, também parte de uma investigação que se impunha a um irmão que não entendia porque toda a memória de sua irmã, que morreu aos 3 anos de idade, foi apagada, a ponto de não restar sequer uma foto para colocar em seu túmulo.  Aqui é de um tabu, que remete a questões comportamentais de uma época mais moralista e repressora, que se trata.  Um buraco negro que acompanhou a vida de toda a família e que levanta muitas questões de ordem emocional, ética, de valores e comportamentos, e que traz sofrimentos por um passado que insiste em estar presente.  O esquecimento forçado é um trauma que não se apaga.

A questão dos refugiados e a censura ao trabalho artístico, ou à perseguição dos artistas contestadores, envolve o chinês Ai Wei Wei, que esteve por aqui e concebeu o cartaz da Mostra.  Seu filme HUMAN FLOW – NÃO EXISTE LAR SE NÃO HÁ PARA ONDE IR é um impressionante painel do problema, com as dimensões mundiais que ele tem.  Mas o documentário estadunidense AI WEI WEI – SEM PERDÃO, de Alison Clayman, é um complemento fundamental, já que mostra a figura do multiartista, seu trabalho, a censura, a prisão por parte do governo chinês e toda a capacidade de resistência que Wei Wei demonstra, com suas táticas lúcidas, mas corajosas, para enfrentar os problemas.  E, de quebra, funciona muito para quem não conhece bem o trabalho dele.

O próprio cinema foi objeto de bons documentários.  UM CINEMA EM CONCRETO, que também já comentei rapidamente por aqui, encontra um personagem apaixonado, a ponto de construir, tijolo por tijolo, com as próprias mãos, não apenas um cinema (concreto), mas dois.  Filme argentino, de Luz Ruciello.


CINECITTÀ BABILONIA


CINECITTÀ BABILONIA, produção italiana dirigida por Marco Spagnoli, mostra imagens da época da construção dos estúdios da Cineccità, a partir da pedra fundamental posta por Benito Mussolini.  Conta sobre o cinema italiano sob o fascismo, antes da sua grande virada com o neorrealismo.  Buscava-se, então, um cinema menos original, mais calcado no modelo industrial que explorava as estrelas e buscava o luxo e o lucro.  Mas que já dispunha de cineastas do porte de um Roberto Rossellini e de um Michelangelo Antonioni.  Apesar do excesso de preocupação em falar das estrelas da época, as informações e imagens são relevantes.

Em paralelo, A HOLLYWOOD DE HITLER, produção alemã dirigida por Rüdiger Suchsland, mostra o cinema alemão sob o nazismo, sob o comando de Joseph Goebbels.  O painel aqui revelado pelos muitos trechos de filmes e as análises, não deixa dúvida quanto à qualidade daquela indústria de cinema, que tinha plena consciência de sua função política, mas que também sabia entreter com muita fantasia quando queria encobrir a derrota iminente na Segunda Guerra Mundial.  A visão dos dois documentários contribuiu para entender melhor a história do cinema, para além do domínio que Hollywood exerceu durante a guerra.  Mostrou o que se produzia no lado dos que seriam derrotados e seus sonhos de grandeza.



quinta-feira, 2 de novembro de 2017

VENCEDORES DA 41.a MOSTRA

41ª Mostra divulga lista de filmes premiados
Os prêmios foram entregues esta noite, no Cinearte, durante a cerimônia de encerramento desta edição

A 41ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo divulgou, nesta quarta, a lista dos filmes vencedores, com a entrega dos prêmios durante a cerimônia de encerramento desta edição de 2017, realizada no Cinearte, com a apresentação de Serginho Groissman e Renata de Almeida.
Veja abaixo a lista completa dos títulos premiados na 41ª Mostra:

TROFÉU BANDEIRA PAULISTA 2017
PRÊMIO DO JÚRI INTERNACIONAL

Após serem exibidos na 41ª Mostra, os filmes da seção Competição Novos Diretores mais votados pelo público foram submetidos ao Júri Internacional, que escolheu o documentário chileno O Pacto de Adriana, de Lissette Orozco, como vencedor do Troféu Bandeira Paulista (uma criação da artista plástica Tomie Ohtake).
Conheça o filme premiado pelo júri internacional:

MELHOR FILME
  • O PACTO DE ADRIANA (EL PACTO DE ADRIANA), de Lissette Orozco
| 2017 â?? cor â?? 96 min â?? Documentário â?? CHILE

Júri Internacional: Diego Lerman, Eran Riklis, Henk Handloegten, Luís Urbano e Marina Person


PRÊMIO PETROBRAS DE CINEMA

E pela primeira vez, a 41ª Mostra contempou dois filmes brasileiros com o Prêmio Petrobras de Cinema num total de R$ 300 mil, sendo R$ 200 mil para o melhor longa de ficção e R$ 100 mil para o melhor longa documentário. O objetivo do Prêmio é apoiar a distribuição dos respectivos filmes em pelo menos 15 salas e cinco praças ao longo dos primeiros 90 dias de lançamento comercial, no caso da ficção, e 10 salas e três praças no mesmo período, para o documentário. Os títulos selecionados foram avaliados por júris especializados, convidados pela direção do evento, que escolheram as produções (ficção) e (documentário) para receberem os prêmios.

Conheça os filmes contemplados com os prêmios:

MELHOR FILME BRASILEIRO DE FICÇÃO
  • AOS TEUS OLHOS (Aos Teus Olhos), de Carolina Jabor
| 2016 â?? cor â?? 90 min â?? Ficção â?? BRASIL

Júri Petrobras – Ficção: Adhemar Oliveira, Ana Luiza Azevedo, Carolina Kotscho, Di Moretti e Paulo Sacramento

MELHOR DOCUMENTÁRIO BRASILEIRO
  • EM NOME DA AMÉRICA (Em Nome da América), de Fernando Weller
| 2017 â?? cor & pb â?? 96 min â?? Documentário â?? BRASIL

Júri Petrobras – Documentário: Alcino Leite Neto, Beto Brant, Cristina Amaral, Eliane Caffé e Marcelo Gomes


PRÊMIO DO PÚBLICO

Além dos prêmios outorgados pelo Júri Internacional, o público da 41ª Mostra escolheu, entre os estrangeiros, o melhor filme de ficção (Com Amor, Van Gogh) e o melhor documentário (Visages, Villages), e os melhores brasileiros nas duas categorias (a ficção Legalize Já e o documentário Tudo É Projeto).
A escolha do público é feita por votação. A cada sessão assistida o espectador recebeu uma cédula para votar com uma escala de 1 a 5, entregue sempre ao final do filme. O resultado proporcional dos filmes com maiores pontuações determina os vencedores.

Conheça os filmes premiados pelo público:

MELHOR FILME INTERNACIONAL DE FICÇÃO
  • COM AMOR, VAN GOGH (Loving Vincent), de Dorota Kobiela e Hugh Welchman
| 2017 â?? cor â?? 94 min â?? Animação â?? POLÔNIA e REINO UNIDO

MELHOR DOCUMENTÁRIO INTERNACIONAL
  • VISAGES, VILLAGES (Visages, Villages), de Agnès Varda e JR
| 2017 â?? cor â?? 89 min â?? Documentário â?? FRANÇA

MELHOR FILME BRASILEIRO DE FICÇÃO
  • LEGALIZE JÁ (Legalize Já), de Johnny Araújo e Gustavo Bonafé
| 2017 â?? cor â?? 95 min â?? Ficção â?? BRASIL

MELHOR DOCUMENTÁRIO BRASILEIRO
  • TUDO É PROJETO (Tudo É Projeto), de Joana Mendes da Rocha e Patricia Rubano
| 2017 â?? cor â?? 74 min â?? Documentário â?? BRASIL


PRÊMIO DA CRÍTICA

A imprensa especializada que cobre o evento e tradicionalmente confere o Prêmio da Crítica, também participou da premiação elegendo Gabriel e a Montanha como o melhor filme brasileiro, Custódia como o melhor dos estrangeiros e contemplando o longa Visages, Villages com o Prêmio Especial do júri da Crítica.
Conheça os filmes premiados pela crítica:

MELHOR FILME BRASILEIRO
  • GABRIEL E A MONTANHA (Gabriel e a Montanha), de Fellipe Barbosa
| 2017 â?? cor â?? 131 min â?? Ficção â?? BRASIL e FRANÇA
Pela forma original de revelar um universo com olhar aberto ao novo e aos encontros. Pela habilidade de unir atores de formação e de vida, pela coragem de promover o diálogo entre as linguagens.

MELHOR FILME INTERNACIONAL
  • CUSTÓDIA (Jusqu'à La Garde), de Xavier Legrand
| 2017 â?? cor â?? 93 min â?? Ficção â?? FRANÇA
Pelo rigor e precisão no desenvolvimento da tensão de uma narrativa que aborda com originalidade um tema incômodo e universal, a violência doméstica.

PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI DA CRÍTICA
  • VISAGES, VILLAGES (Visages, Villages), de Agnès Varda e JR
| 2017 â?? cor â?? 89 min â?? Documentário â?? FRANÇA
Por sua crença no poder revelador e transformador da Imagem. Um fascinante road movie que busca e encontra, com humor e poesia, rostos e vidas esquecidos em vilarejos e portos franceses.


PRÊMIO DA ABRACCINE

A Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema também realiza tradicionalmente uma premiação que, nesta edição, optou por escolher o melhor filme brasileiro entre os realizados por diretores estreantes (primeiro filme), que, neste ano, foi o longa Yonlu, de Hique Montanari.
  • YONLU (Yonlu), de Hique Montanari
| 2017 â?? cor & pb â?? 90 min â?? Ficção â?? BRASIL

Júri – Prêmio Abraccine: os jornalistas e críticos Daniel Medeiros, Rosane Pavam e Sergio Rizzo


PATROCINADORES DA 41ª MOSTRA
Apresentam a 41ª MOSTRA o GOVERNO FEDERAL - MINISTÉRIO DA CULTURA, GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO e PETROBRAS (com Patrocínio Master). O evento conta com o patrocínio do BNDES - BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL e do BANCO ITAÚ; copatrocínio da SABESP, Apoio institucional do PROAC SP, SPCINE, a parceria do SESC e da CPFL ENERGIA; a colaboração do AUDITÓRIO IBIRAPUERA OSCAR NIEMEYER – SECRETARIA DO VERDE E DO MEIO AMBIENTE, SWISS FILMS, da ORQUESTRA JAZZ SINFÔNICA, MASP, CONJUNTO NACIONAL, INSTITUTO CPFL, HOTEL GOLDEN TULIP e a promoção da FOLHA DE S.PAULO, da GLOBO FILMES, da TV CULTURA, do TELECINE, do CANAL ARTE 1 e da RÁDIO CBN.


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