Antonio Carlos Egypto
A REBELIÃO (L’Ordre et la Morale). França, 2011. Direção: Mathieu Kassovitz. Com Mathieu Kassovitz, Iabe Lapacas, Malik Zidi, Alexandre Steiger, Sylvie Testud, Phillipe Torreton. 136 min.
A Nova Caledônia é um arquipélago da Oceania, na Melanésia, no Oceano Pacífico, situada a 1500 km da Austrália e a 2000 km da Nova Zelândia. É de domínio da França, apesar de se situar a 16000 km dela.
Um conflito ocorrido na Nova Caledônia em 1988, entre a polícia francesa (a Gendarmerie), o povo kanak que habita a ilha e a tropa do exército francês para lá enviada, é o assunto do longa “A Rebelião”, dirigido e estrelado por Mathieu Kassovitz.
Na busca pela independência do país, até hoje não conquistada, uma ação dos líderes kanak levou ao sequestro de alguns policiais e disso resultaram algumas mortes. Para intervir no conflito, foi enviado um grupo de policiais da elite da Gendarmerie, chefiado por Phillipe (Mathieu Kassovitz), capitão do GIGN (não sabemos o que significa, nem o filme informa), possivelmente uma denominação para a tropa de elite dessa polícia, como nosso BOPE.
Os policiais vão em busca de negociação, respeitando a cultura local e os direitos humanos, mas interesses político-eleitorais acabam envolvendo o exército e o consequente confronto entre métodos de ação. A iminente eleição que colocava François Miterrand contra Jacques Chirac fez com que decisões rápidas tivessem de ser tomadas, no episódio. O assunto ocupou os jornais da época, e o debate televisivo, envolvendo Miterrand e Chirac falando sobre o tema, é até mostrado no filme.
A repercussão do episódio e o envolvimento político e eleitoral tornou tudo mais complicado, sendo que os fatos assumiram dimensões que não tinham. O povo kanak, negociador por excelência, com o costume de fazer acordos “olhos nos olhos”, chegou a ser descrito como assassino, cruel, capaz de decapitações e estupros, além do sequestro perpetrado. Segundo Kassovitz, Chirac, que era o primeiro-ministro da época, teria chegado a dizer que o povo kanak não merecia ser tratado como ser humano
Os ânimos se exacerbaram. Como manter negociações nesse clima? Como evitar o uso da violência por parte dos militares e o massacre do povo e dos próprios policiais que estavam sequestrados? Esse é o dilema que vive o capitão Phillipe, em contato com o chefe local dos kanak rebeldes, Alphonse (Iabe Lapacas). Os compromissos que vão sendo assumidos ao longo da negociação precisam ser respeitados ou a ordem falará mais alto e produzirá um ato de traição? O título original “L’Ordre et la Morale” se refere a isso.
O filme é baseado no livro de Philippe Legorjus, “La Morale et L’Action”, que reconstrói toda a sequência de fatos que envolveu o episódio. “A Rebelião” conta com habitantes locais, contracenando com atores franceses profissionais, o que exigiu do diretor Kassovitz longas e intensas negociações com os kanak, uma vez que o próprio assunto era um verdadeiro tabu para os moradores da ilha. Antigos militares que estiveram envolvidos no episódio também participaram do filme.
A questão da independência da Nova Caledônia continua em aberto. Em 2014, será realizado um plebiscito para que a população decida pela independência ou não, em relação à França.
“A Rebelião” é um filme oportuno, ao buscar resgatar os fatos que envolveram aquele episódio, tenso e muito distorcido pelo noticiário da época, colocando as razões que moveram tanto os policiais quanto os militares e o povo local nas diferentes vertentes do conflito.
A figura do capitão Phillipe, seus dilemas morais e o contexto que o tolhia, revelam a complexidade da situação, quando aquilo que parecia mais simples de ser feito se torna impossível de realizar. Mostra quanto o imediatismo da política eleitoral pode comprometer muita coisa.
Assistir ao filme sem se informar um pouco antes de vê-lo pode ser difícil, já que é um episódio muito específico da história francesa. A Nova Caledônia é um lugar tão distante e desconhecido quanto o povo kanak que a habita, a ponto de ser denominada, para efeitos turísticos, como “a ilha do fim do mundo”.
O filme não se preocupa em explicar nada do conflito para o público que não é francês. Há outras referências e siglas de nomenclaturas misteriosas para nós, como a de um grupo considerado terrorista pelo governo francês, e que participa da história. O próprio contexto da eleição francesa de 1988 não é algo tão familiar para todos, hoje no Brasil. É inevitável perder os detalhes, mas é perfeitamente possível compreender o que está em jogo. E as reflexões que o filme possibilita são bem interessantes.