Antonio
Carlos Egypto
GETÚLIO. Brasil, 2013.
Direção: João Jardim. Com Tony
Ramos, Drica Moraes, Alexandre Borges, Tiago Justino, Adriano Garib, Michel
Berchovitch, Marcelo Médici, Clarice Abujamra.
100 min.
Getúlio Vargas foi a figura política mais
relevante do Brasil, no século XX, e uma das maiores de toda a nossa
história. Governou o país por quase
vinte anos, como revolucionário, presidente constitucional, ditador e
presidente eleito por voto direto.
Ideologicamente contraditório, participou de
avanços revolucionários modernizadores, mas instituiu um regime fascista no
Brasil, com o Estado Novo, em 1937, e chefiou uma ditadura terrível. Pragmaticamente, trocou o nazifascismo pelo
apoio aos aliados norte-americanos, tendo Volta Redonda como moeda de troca,
mas seu governo não resistiu ao fim da II Guerra Mundial. Em 1945, após 15 anos
no poder, Getúlio foi deposto.
Voltaria com todas as glórias, ao vencer as
eleições de 1950, nos braços do povo.
Com direito à famosa marchinha de carnaval, que cantava: “Bota o retrato
do velho outra vez. Bota no mesmo lugar...”.
O trabalhismo, assim chamado porque organizou e legalizou os direitos
trabalhistas hoje existentes, foi um dos seus maiores e mais permanentes
legados.
Como todos sabemos, seu fim foi trágico. Ao mesmo tempo, foi um gesto político cujas
consequências repercutem até os dias de hoje, decorridos 60 anos do fatídico 24
de agosto de 1954. Ou seja, foi um ato
corajoso que fez mudar radicalmente o rumo dos acontecimentos. Um gesto de
grande perspicácia política, também.
Os 19 dias que antecederam a morte de Vargas
estão relatados no filme de João Jardim, “Getúlio”, estrelado por Tony Ramos,
no papel título. Um filme político,
evidentemente. Mas com uma pegada forte
de suspense. As tensões desse período da
vida nacional, o golpe que se preparava para apear o presidente do poder, a
partir do famoso atentado da rua Toneleros ao inimigo político Carlos Lacerda,
então jornalista, dono de jornal, e que resultou na morte do Major Vaz, de
fato, produziram um clima pesadíssimo.
De que se vale o filme, para manter o interesse no assunto, apesar de a
história ser muito conhecida. Ou será
que os mais jovens a desconhecem?
Seja como for, é um filme que merece ser
visto. Pelo resgate histórico que
proporciona, pela produção muito bem cuidada, a reconstituição de época e o
elenco de grandes atores e atrizes que aparecem até nos pequenos papéis da
trama. E, ainda, pelas reflexões que
pode nos induzir a fazer sobre a nossa história recente e a atualidade.
O golpe que Getúlio Vargas frustrou em 1954
procurou se rearticular logo em seguida, com a tentativa de “melar” a eleição
de Juscelino Kubistchek. Depois, ao buscar impedir a posse do vice, na renúncia
de Jânio Quadros. E, por fim, em 1964, com a destituição do presidente João
Goulart para a instalação da ditadura militar que nos amordaçou por 21 anos,
cujas consequências ainda estão aí, à vista.
Avançamos muito na democracia, mas precisamos resgatar a história, para
que a opressão não encontre mais espaço na vida institucional do país.
Um filme bem feito como “Getúlio” dá sua
contribuição a esse objetivo e nos revela um cineasta inspirado. Sua experiência anterior com documentários
deve ter contribuído fortemente nesta ficção tão colada à realidade dos
fatos. João Jardim já havia realizado
“Pro Dia Nascer Feliz”, em 2006, “Amor?”, em 2010. Bons filmes, mas meu favorito é “Janela da
Alma”, de 2002, sensível documentário que já mostrava o que se poderia esperar
desse realizador.
O desafio ao ator a quem caberia encarnar a
emblemática figura de Getúlio Vargas seria enorme. Tony Ramos, completando 50 anos de carreira,
sem ser uma figura física semelhante ao retratado, nem tendo a baixa estatura
que ele tinha, deu conta do recado com grande competência. Capitaneou um elenco talentoso, com
brilho. Uma surpreendente e ótima
escolha.