Antonio Carlos Egypto
TOMBOY (Tomboy). França, 2011. Direção: Céline Sciamma. Com Zoé Herán, Malonn Lévana, Jeanne Disson, Sophie Cattani, Mathieu Demy. 82 min.
A identidade de gênero diz respeito à percepção que cada um de nós tem do fato de ser homem ou mulher, que nos define socialmente, e cria expectativas quanto aos mais diversos comportamentos e formas de inserção na sociedade.
Será que o simples fato de ter um corpo biológico, masculino ou feminino, garante a esperada identificação de gênero? Ou a gente aprende a ser homem ou mulher, desde a mais tenra idade talvez até o fim da vida?
É disso que se trata no filme “Tomboy”. Não que a película pretenda discutir essa questão, mas ela se atreve a mostrá-la, nascendo ainda na infância. Laure (Zoé Herán) é menina, tem 10 anos, mas se percebe, se veste e se comporta como um menino. Assume uma identidade masculina, com nome e tudo, quando a família se muda e ela/ele passa a conviver com novas amizades infantis. Mickäel, o novo menino do bairro, continua sendo Laure em casa. Mas se sente muito mais à vontade como Mickäel, exceto em algumas situações em que o corpo tem de se expor. Na hora de urinar ou de banhar-se no rio, fica um pouco mais complicado. Os seios ainda não se desenvolveram, mas, mesmo assim, é preciso uma certa ginástica para escapar da incômoda revelação que seu corpo pode oferecer aos outros. Estamos em férias, mas as aulas vão começar e aí a identidade pesa mais, desde o nome, na lista de chamada.
O conflito interno que se estabelece não é com o desejo sexual, que ainda não se consolidou, a puberdade ainda não chegou, com seus hormônios a mil. E a adolescência, sua representação psicológica e social, vai demorar um pouco para se estruturar. Talvez no Brasil já pudéssemos falar de pré-adolescência, mas na Europa há uma defasagem e no filme, claramente, o personagem principal é uma criança. O que está em jogo, portanto, é a identidade. Para Laure/Mickäel, há a fantasia de que uma escolha é possível, não compartilhada pelos pais, nem pelas outras crianças, é claro.
O que importa, no caso, é perceber o que sente e como age uma criança que vive esse questionamento da identidade de gênero. “Tomboy” é um filme simples, despretensioso, narrado linearmente, de baixo orçamento. Honesto em sua singeleza, se propõe a mostrar com respeito e delicadeza o que se passa com essas pessoas.
Ao abordar um momento infantil, acerta em cheio, porque distingue um sentimento de não identificação com seu gênero de um desejo homo, hetero ou bissexual, que é outra coisa. Ninguém deixa de ser homem, ou de querer ser homem, por desejar outro homem. Ninguém deixa de ser mulher, ou de querer ser mulher, por desejar outra mulher. Embora com frequência, no senso comum, costume-se confundir desejo e identidade. Mas são coisas muito diferentes. Compreender isso pode ajudar muitos pais, mães e educadores, a lidar melhor com tais conflitos e sentimentos.
Recomendo o filme justamente para aqueles que desejem perceber o que se passa com as pessoas que vivem em conflito de gênero. Sentir, perceber, tentar compreender o que acontece, é nisso que o filme ajuda. Ele não se preocupa em rotular, classificar ou patologizar tais atitudes. Não se fala de distúrbio, doença, desvio ou tratamento. Melhor assim.
domingo, 29 de janeiro de 2012
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Sua resenha sobre esse filme despertou-me o desejo de assisti-lo.
ResponderExcluirAbraços,
Zico