VITÓRIA. Brasil, 2024.
Direção: Andrucha Waddington.
Elenco: Fernanda Montenegro, Alan Rocha, Linn da Quebrada, Thawan Lucas,
Laila Garon. 112 min.
“Vitória”
trata de uma surpreendente história real, a de uma mulher idosa que, filmando
da janela de seu apartamento em Copacabana, desafiou o crime organizado,
revelando uma trama de traficantes e policiais corruptos.
As
mudanças urbanas do Rio de Janeiro através dos tempos fizeram com que D. Nina,
de seu pequeno apartamento, antes cercado do verde do morro, ficasse cara a
cara com uma favela, de onde partiam tiros, brigas que terminavam em morte,
crianças portando armas, consumo e venda de drogas a céu aberto.
Com
muita coragem, determinação e de forma resiliente, Nina, que depois se chamaria
Vitória, foi à luta e acabou por contar com o apoio de um jornalista, detonando
uma investigação que levou muitos à prisão, mas colocou em risco a vida dos
denunciantes. Marcada de morte, ela teve
de desaparecer por muitos anos, ostentando nova identidade, em um novo
lugar. Quem eram os personagens reais
ficou em segredo, até que acontecesse a morte de Nina/Vitória, quando já
estavam em andamento as filmagens deste longa-metragem.
O
roteiro de Paula Fiúza se baseou no livro Dona
Vitória da Paz, do jornalista Fábio Gusmão.
A trama do filme é muito bem construída, é uma história que prende a
atenção o tempo todo, porque tem uma personagem fascinante e conta com o desempenho
de ninguém menos do que Fernanda Montenegro, aos 95 anos.
Nenhum
adjetivo que eu possa escolher para aderir a Fernanda Montenegro dá conta do
que ela é. Ela é o máximo! Acho que basta isso para revelar que
“Vitória” é ela, dominando a cena, do princípio ao fim do filme, tornando-o uma
peça de rara beleza. Sim, ela é a
protagonista full time, não um
pequeno papel ou participação especial.
Ela é a dona e razão de ser do filme.
O elenco que interage com ela está muito bem. Alan Rocha em destaque no papel do
jornalista, Linn da Quebrada como Bibiana, amiga e vizinha trans que a ajuda,
Thawan Lucas, o menino Marcinho da favela, que carrega pacotes, ganha uns
trocados, comida e o afeto dela, enquanto se insere no tráfico, consumindo
drogas e portando armas.
O
filme tem como um dos produtores Breno Silveira, que seria o diretor, mas
faleceu de mal súbito no início das filmagens de “Vitória”, que acabou sendo
dirigido, com muito talento, pelo genro de Fernanda, Andrucha Waddington. Mais um belo produto do cinema brasileiro
atual, que cresce a olhos vistos.
LOUCOS
POR CINEMA! (Spectateurs!). França, 2024.
Diretor: Arnaud Desplechin.
Elenco: Mathieu Amalric, Salif Cisse, Sam Chemoul, Sandra Laugier,
Françoise Lebrun. 88 min.
Os cinéfilos,
frequentadores habituais das salas de cinema, geralmente gostam de assistir a
filmes que tratam de cinema. Por que a cinefilia é uma paixão, um encantamento
com a magia da imagem em movimento projetada numa tela grande. “Loucos por
Cinema!” é um desses filmes que celebram a sétima arte, do ponto de vista dos
espectadores.
O que
é essa paixão? Como ela se
estabelece? O que é importante no ato de
ver os filmes no cinema? Qual o seu
significado para os diferentes tipos de espectadores, com diversas inclinações
e preferências? O lugar na sala é muito
importante? Por quê?
Questões
como essas vão aparecendo, enquanto um personagem, Paul Dedalus, espectador,
avança na experiência de frequentar as salas de cinema, entender e se
aprofundar na arte cinematográfica, ao longo do tempo e nas diferentes idades.
Inspirado pela própria experiência do diretor Arnaud Desplechin enquanto
espectador, ao menos como referência geral, não como paradigma.
A
descoberta da sala de cinema, que sempre foi arrebatadora para as crianças,
hoje é precedida pela oportunidade de ver filmes na TV, no computador, no
celular. Mesmo assim a experiência é
outra, não se compara. É por aí que “Loucos pelo Cinema!” caminha, mencionando,
citando filmes, comentando alguns, entrevistando espectadores. Abordando,
inclusive, o hábito de ver cinema na TV.
Produz assim um híbrido de ficção e documentário.
No
filme, quando o cinema se faz história e paixão, a coisa flui muito bem. Quando focaliza alguns filmes como “Shoah”,
de Claude Lanzmann, com suas 9 horas e meia de projeção, o interesse cai, a
cena se dispersa, porque a sensação de compartilhamento é mais difícil, mais
específica. Particulariza-se o que
deveria continuar amplo e geral, a meu ver.
O conjunto da obra, no entanto, se salva. Claro, especialmente para os cinéfilos. Que também vão gostar de ver Mathieu Amalric,
ainda que num pequeno papel, como participação especial.