Antonio Carlos
Egypto
O Festival de Documentários, nacionais e
internacionais, “É Tudo Verdade”, 22ª. edição, 2017, apresentou uma qualidade
de trabalhos admirável. Vi vários
filmes, muito menos do que gostaria, mas devo dizer que gostei bastante do que
vi. Vamos a um rápido comentário sobre
alguns dos filmes que pude ver.
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Cidades Fantasmas |
CIDADES
FANTASMAS, de Tyrell Spencer, foi o vencedor da competição brasileira de
documentários longa-metragem. É uma
produção gaúcha, da famosa Casa de Cinema de Porto Alegre, apesar de o nome do
diretor sugerir uma origem estrangeira. Tyrell foi filmar a realidade de quatro
cidades abandonadas, a partir dos que restaram nelas ou dos que delas se
lembram. Da antiga Fordlândia, no Pará,
Brasil, restaram belas casas hoje ocupadas por posseiros. A erupção de um vulcão pôs fim à cidade de
Armero, na Colômbia. O fim da
prosperidade da época do salitre, no Chile, acabou com a cidade de
Humberstone. E a quebra se uma barragem
inundou e transformou em ruínas uma antiga e animada estação de águas
medicinais, em Epecuén, na Argentina. Um belo trabalho do jovem diretor gaúcho,
com sensibilidade para ouvir e entender os “sobreviventes” dessas cidades
mortas, que buscam preservar suas memórias.
COMUNHÃO (Komunia),
de Anna Zamecka, vencedor da competição internacional de longas documentais, é
da Polônia e mostra uma família em que nada parece funcionar como deveria. O pai, distante da realidade, vive embalado
no álcool. A mãe saiu de casa e vive com
outro homem e um bebê. A jovem Ola, de
14 anos, é a chefe dessa família, assumindo os cuidados do seu irmão autista,
de 13 anos. É impressionante o papel que
essa menina assume, tentando juntar os cacos dessa estrutura familiar desmoronada.
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Os Cariocas |
EU, MEU PAI E
OS CARIOCAS – 70 ANOS DE MÚSICA NO BRASIL, de Lúcia Veríssimo, resgata a
fantástica contribuição do maior conjunto vocal da história da música popular
brasileira: Os Cariocas. Lúcia é filha
de Severino Filho (1928-2016), um dos grandes expoentes do grupo vocal, que o
manteve em atividade por tantos anos, apesar de um interregno no período da
ditadura militar. É de se orgulhar e
sair cantando. Eles eram espetaculares e
cobriram largos períodos e estilos musicais brasileiros, sempre com arranjos
originais. Lúcia Veríssimo se coloca no
título adiante do pai e do próprio conjunto, sendo que seu trabalho não é
musical. Isso soou estranho. Mas não desqualifica o trabalho que ela fez e
a oportunidade da realização, trazendo Severino vivo e ativo para ser lembrado
e homenageado.
CIDADE DE
FANTASMAS (City of Ghosts) é
outro filme, embora o título seja quase o mesmo do documentário brasileiro
vencedor do Festival. Este filme é estadunidense
e abriu o evento em São Paulo. Aqui, a
cidade que está sendo assassinada é Raqqua, na Síria, por conta da guerra e das
atrocidades do ISIS, que se autointitula Estado Islâmico. Mas um grupo de jornalistas ativistas,
militantes, arrisca tudo para registrar e divulgar pelo mundo o que se passa
por lá. Gente de fibra, de coragem, que
faz a diferença.
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Cidade de Fantasmas |
NO INTENSO
AGORA, de João Moreira Salles, é um trabalho de reeleitura de imagens
recolhidas de diferentes arquivos e da própria mãe do diretor. Uma viagem que ela fez à China de Mao Tsé
Tung, em 1966, foi o que deu o ponto de saída, ao que Moreira Salles agregou
várias filmagens do Maio de 1968 em Paris, da Primavera de Praga e do Brasil do
AI-5, do mesmo período. Não são captadas novas imagens, o que se busca é o
sentido, a representação de um período histórico do mundo, que é um dos mais
transformadores da contemporaneidade. É,
enfim, um belo estudo do contexto das imagens e do que elas podem revelar de
quem as filmou. Proposta brilhante. Um
novo e atento olhar sobre imagens existentes, que foram selecionadas por uma
temática em comum, mostram novas possibilidades para os documentários. O filme foi um dos grandes destaques do
evento, apresentado fora de competição.
CINE SÃO PAULO,
de Ricardo Martensen e Felipe Tomazelli, homenageia a paixão pelo cinema, ao
contar a história de Francisco Teles, um obcecado e abnegado dono de sala de
exibição em Dois Córregos, SP, que nunca deixou a sala fechar, apesar de todos
os contratempos. Por meio de sua
trajetória, vão acontecendo as mudanças nas plataformas de ver filmes, do
projetor a carvão ao digital, passando pela TV, videocassete e DVD. Aí vai se revelando uma figura humana
admirável e divertida. Seu Chico é um
bom personagem e o ambiente que o cerca também é bastante revelador. O filme, com isso, cresce e amplia seus
horizontes.
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Cine São Paulo |
QUEM É
PRIMAVERA DAS NEVES, é outro ótimo trabalho da Casa de Cinema de Porto
Alegre, dirigido por Jorge Furtado e Ana Luíza Azevedo, grandes e reconhecidos
cineastas. Tudo começou com a curiosidade de Jorge Furtado a respeito de uma
tradutora de livros de Lewis Carroll, Júlio Verne e outros, chamada Primavera
das Neves, um nome que, após os anos 1960, não apareceu mais. Um nome desses, poético, significa o
quê? Um pseudônimo, alguém que não
existe? Ou terá mesmo existido uma
pessoa com esse nome, de verdade? A
resposta vem pela Internet e se abre a possibilidade de explorar uma
existência, rica e complexa, que traz muitas informações sobre aspectos da história
brasileira e portuguesa, elementos afetivos muito sólidos e delicados, amizades
duradouras, casamento marcante e complicado.
Enfim, uma vida a ser conhecida e lembrada. E o documentário faz isso muito bem.
Dentre as coisas que vi, gostaria de destacar, ainda,
da mostra retrospectiva de documentários soviéticos, MAIS
LUZ! (Bólche Sviéta), de 1987, de Marina Babak, que para marcar os 70 anos da
Revolução Russa fez um apanhado histórico dos acertos e erros desse período
todo, que vai de Lênin, figura inspiradora máxima, à perestroika e à glásnot de
Gorbachev, que marca uma nova era. Muita
coisa nova viria à tona naquela época, e neste documentário, que traz figuras
que andavam apagadas da história oficial.