segunda-feira, 28 de março de 2016

CONSPIRAÇÃO E PODER


Antonio Carlos Egypto




CONSPIRAÇÃO E PODER (Truth).  Estados Unidos, 2015.  Direção: James Vanderbilt.  Com Robert Redford, Cate Blanchett, Dennis Quaid, Thopher Grace.  120 min.



Às vésperas da eleição que reelegeu George W. Bush, a rede de TV norte-americana CBS, por meio de sua repórter Mary Papes (Cate Blanchett), tinha sérios indícios de irregularidades envolvendo Bush na juventude.  Foram pesquisar dados sobre a carreira de piloto daquele que seria um dia o presidente dos Estados Unidos, seu treinamento, sua ficha funcional e os privilégios de que teria gozado utilizando seus contatos da época.  Bush pai, que se tornaria presidente antes dele, já era um político influente, então.  O privilégio, no caso, foi não combater na guerra do Vietnã.

Partindo de um depoimento muito claro de alguém que compartilhou daqueles tempos no ambiente militar, as coisas se encaixavam.  E as lacunas eram eloquentes.




O famoso apresentador Dan Rather (Robert Redford) sempre confiou no faro e na integridade da sua repórter, uma jornalista com quem ele mantinha ótimas relações profissionais e bancou a investigação, levando-a ao ar, no programa “60 Minutes”.

Aí passamos a ver os elementos envolvidos no jornalismo: o papel dos patrões, as pressões, os questionamentos, os interesses contrariados, a batalha para esconder informações, o peso dos anunciantes, o medo de enfrentar o poder e sair chamuscado, o papel da audiência nas decisões.  Ou seja, tudo o que pode envolver uma informação jornalística e interferir nos seus caminhos e resultados.  Algo menos heróico e bem mais realista do que filmes que celebram a maravilha do jornalismo investigativo costumam mostrar.




A verdade é o que queremos acreditar que seja ou aquilo em que nos interessa crer no momento. São muitas as versões e elas sempre levam vantagem sobre os chamados fatos.  Até porque os próprios fatos são percebidos pelo filtro desses mesmos interesses pessoais, grupais ou coletivos.

A mídia tem um forte papel no sentido de gerar narrativas, mais ou menos interessantes, ou criativas.  Capazes de convencer, ou não, a audiência.  Em compensação, qualquer senão pode pôr uma investigação séria a perder.




É de questões como essas que trata o filme “Conspiração e Poder”.  Muito bem realizado, com um elenco de peso, a começar por Robert Redford e Cate Blanchett, o filme é um convite à reflexão, a partir das informações que nos passa e da forma direta como nos conta a história.  Em que pese o fato de que não tenhamos familiaridade suficiente com o contexto norte-americano, para entender detalhes do funcionamento institucional por lá e dos mecanismos de decisão da guerra, que então dominava a cena, a do Vietnã.  Contudo, fica evidente que a imagem do candidato favorito às eleições presidenciais estaria seriamente abalada com as revelações.  Ainda mais, considerando-se que seu oponente ostentava glórias de guerra.

Sabemos hoje o resultado daquelas eleições, e que a reeleição de George W. Bush aconteceu.  A investigação jornalística não alterou a realidade eleitoral que se prenunciava.  O filme “Conspiração e Poder” mostra como e por que isso se deu.  Vale conhecer essa história para entender melhor os meandros do jornalismo e da política e as profundas relações que mantêm entre si.




quinta-feira, 24 de março de 2016

DESAJUSTADOS


Antonio Carlos Egypto




DESAJUSTADOS (Fúsi).  Islândia, 2015.  Direção e roteiro: Dagur Kári.  Com Gunnar Jónsson, Ilmur Kristjánsdóttir, Arnar Jónsson, Margrét Helga Jóhannsdóttir.  96 min.



Fúsi (Gunnar Jónsson) é um homem grande, obeso, na faixa dos 40 anos de idade, ingênuo, de interesses e comportamentos ainda infantis.  Ao conviver com uma menina vizinha, suas atitudes se equiparam às dela.  É virgem, vive com a mãe, tem bom coração, sofre bullying de colegas no trabalho como despachador de malas no aeroporto, mas os perdoa com facilidade.

Ele é o personagem central, é a sua vida que vai nos ser mostrada.  E a rotina sempre repetitiva, do restaurante, das músicas pedidas no rádio e do seu interesse por reconstruir com soldadinhos, tanques e outras peças, batalhas da Segunda Guerra Mundial, ao lado de seu único amigo.  No original, o filme leva o nome do personagem, “Fúsi”. 




Na versão em inglês, o título virou “Virgin Mountain”, mas, em português, se chama “Desajustados”.  Que Fúsi possa ser considerado um desajustado, por seus comportamentos, para os padrões sociais esperados para alguém como ele e com sua idade, parece óbvio.  Mas não deixa de ser um julgamento, um rótulo que rejeita a figura.  Por que a rejeição a uma doce criatura como essa?  Por ser um looser, na visão capitalista difundida pelos Estados Unidos?  Por entendê-lo como um doente mental?  Ou o quê?

Acontece que o título está no plural, o que engloba também a personagem Alma (Ilmur Kristjánsdóttir), uma mulher ativa e vibrante, que ama flores e trabalhava numa floricultura.  Mas perde seu emprego e o que lhe resta é aceitar um trabalho como lixeira.  Ela entra na vida de Fúsi por acaso, ele se dedica a ela e a ajuda numa crise de depressão.  Chamá-la também de desajustada só agrega julgamento aos que ficam desempregados e aos que sofrem de depressão.  Sem que uma coisa precise levar à outra.  Não faz sentido.  É muito infeliz o título brasileiro desse belo filme islandês.

Na realidade, o filme é terno como seu protagonista, cheio de vida, como a mulher que se envolve na vida dele, capaz de valorizar o respeito humano e de entender a mente ingênua dos que passam pela vida sem acesso maior aos bens culturais, sem ambições, sem conseguir vencer uma timidez atávica.  Ou, quem sabe, sem conseguir entender esse mundo onde vieram parar.




Basta esquecer o título do filme para perceber que estamos diante de figuras humanas frágeis, que se debatem num dia-a-dia frustrante e pouco acolhedor.  Não como derrotadas, mas como sobreviventes.  Isso também é uma batalha, às vezes tão dura quanto as da Segunda Guerra que Fúsi reconstrói.

O ator protagonista, Gunnar Jónsson, está ótimo, perfeito para o papel.  Foi premiado nos festivais de Marrakech e de Tribeca 2015. Merecidamente.  Ilmur Kristjánsdóttir, que faz Alma, também está muito bem.  O contraste da dupla, em todos os sentidos, é cativante.




O frio e a neve que fazem parte da história, como é inevitável acontecer em filmes da Islândia, servem para acrescentar um clima um tanto cinzento e triste à narrativa.  Mas é apenas um elemento acessório e nem tão explorado assim pelo diretor Dagur Kári.  Os ambientes internos um tanto escuros dizem mais dos sentimentos e limites de vida dos personagens do que qualquer outra coisa.  Porém, é um filme que também tem muito carinho e muitas flores, portanto, é também cheio de esperança.


terça-feira, 22 de março de 2016

MUNDO CÃO


Antonio Carlos Egypto 




MUNDO CÃO.  Brasil, 2015.  Direção: Marcos Jorge.  Com Lázaro Ramos, Babu Santana, Adriana Esteves, Vini Carvalho, Thainá Duarte, Milhem Cortaz, Paulinho Serra.  100 min.



“Mundo Cão”, de Marcos Jorge, o mesmo diretor do bem sucedido “Estômago”, em 2007, é um filme de suspense que se destaca pelo excelente roteiro e pelas grandes atuações do seu elenco.

A trama parte de um personagem, Santana (Babu Santana), que trabalha no Instituto de Zoonose, no que no passado era conhecido como A Carrocinha, um local onde os cães encontrados soltos eram sacrificados após três dias sem que seus donos reclamassem por eles.  Isso vigorou até que a lei que proíbe o sacrifício de animais fosse sancionada em 2007.




O filme se situa no período imediatamente anterior a essa lei e constrói uma história de confronto e vingança que envolve o funcionário Santana e o “bandido” Nenê (Lázaro Ramos), este inconformado com o sacrifício de seu animal.

A narrativa, muito bem construída e recheada de detalhes muito bem urdidos, nos surpreende com bastante frequência, inovando nas situações e nas soluções.  Tudo perfeitamente crível, apesar do susto que provoca no espectador.  Um roteiro original tão bem montado e trabalhado não é fácil de se encontrar, no cinema brasileiro ou fora dele.  Exige uma carpintaria dos criadores que é bem trabalhosa.  “Mundo Cão” é um sucesso evidente, nesse sentido.  A ponto de que não se possa falar mais sobre o enredo do filme, sem comprometer o prazer do público em ser surpreendido pelos fatos e eventos que compõem sua história.




Atores e atrizes com atuações destacadas valorizam enormemente a trama.  Lázaro Ramos é um fora da lei ardiloso, assustador, mas sempre verdadeiro em sua humanidade.  Quando domina o ambiente, é tranquilo e cínico, acuado, mostra tensão e desespero, sem nunca perder a força e a inteligência.  Desempenho notável de um dos melhores atores de sua geração.

Babu Santana também brilha, como o homem comum, com uma profissão incomum, que exige coragem, mas não heroísmo.  Amedronta-se diante de uma arma, é capaz de grande ternura com a família e também de alcançar limites inimagináveis, tomado pela vingança e pelo medo.




Adriana Esteves, esposa e mãe prestimosa e moralista, conquista o público desde a primeira sequência e surpreende quando sai de cena.  Thainá Duarte, a filha surda-muda, é uma bela revelação e o menino João (Vini Carvalho), que tem destaque na trama, se sai muito bem.   Paulinho Serra, Milhem Cortaz e todo o restante do elenco compõem uma bela equipe que sustenta uma produção das mais competentes do cinema nacional atual.




quarta-feira, 16 de março de 2016

CEMITÉRIO DO ESPLENDOR

  
Antonio Carlos Egypto





CEMITÉRIO DO ESPLENDOR (Rak Ti Khon Kaen).  Tailândia, 2015.  Direção e roteiro: Apichatpong Weerasethakul.  Com Jenjira Pongpas Widner, Banlop Lomnoi, Jarinpattra Rueangram.  122 min.



“O melhor lugar do mundo é aqui e agora”, pregava Gilberto Gil em uma canção.  Pelo menos, não há nada mais centrado e vinculado à realidade da pessoa e de sua relação com o mundo do que o aqui e o agora.  Estar inteiro nas coisas e usufruir do momento é uma atitude saudável, certamente.  E o contrário disso pode até significar algo de patológico.




Não é de estranhar, portanto, que o filme “Cemitério do Esplendor”, do ótimo diretor tailandês Apichatpong Weerasethakul, seja situado num hospital.  Na verdade, um hospital improvisado, instalado numa antiga escola abandonada.  Numa das cenas de atendimento, o médico sugere ao paciente que procure um hospital de verdade para se tratar, já que ali faltam recursos.

De fato, as instalações parecem precárias e os leitos estão tomados por soldados com uma misteriosa doença do sono.  Eles passam quase todo o tempo dormindo, assistidos por alguns voluntários ou parentes que se dispõem a acompanhá-los em plena vivência do sono.  E que estão ali em busca de conectar-se com os sentimentos e sonhos desses soldados que, na verdade, lá não parecem estar.




A personagem de uma vidente se destaca, ela usa seus poderes para se comunicar com o que os soldados estariam vivendo e ajudar os parentes a se relacionarem com esses homens adormecidos.  Já uma voluntária vincula-se ao passado do local como escola e vê coisas que então aconteciam.

Descobriremos, ao longo do filme, que a floresta que circunda o local foi no passado remoto um lugar esplendoroso, cheio de luxo e riqueza.  Onde vemos árvores, folhas e caminhos, a vidente vê magníficos palácios, salas ricamente decoradas, reis e guerreiros que devem estar se valendo da energia dos soldados adormecidos para realizar suas batalhas de um tempo muito distante.




Com uma narrativa como essa, que estou tentando resumir aqui, o cineasta tailandês cria um filme original, na medida em que nada (ou quase nada) do que é mostrado é o que importa. Tudo está fora daqui, em outro lugar e num outro tempo.  O filme suprime o aqui e agora.  O que resta dele é o que de mais banal existe: o momento em que se acorda, a ingestão de um alimento, uma ida ao banheiro.  Quando se faz um passeio pelo bosque, não é lá que estamos e não é disso que se fala.  Quando se dorme, o que prevalece é o que está fora dali, nos sonhos ou nas vidas passadas que estão sendo experimentadas.

O que não vemos é o que importa, não o que vemos.  Assim como na literatura, o filme só se completa na imaginação de cada um.  Pode-se ter, assim, uma compreensão do esplendor desse passado, tão presente, e desse lugar tão distinto do hospital e da floresta que ali estão.  O título não podia ser melhor, é um cemitério que não aparece como cemitério e que tem um esplendor imaginário, que nunca vemos.




As eventuais crenças em outras vidas ou referências a uma concepção budista do mundo, no caso aqui, é o que menos importa.  Há uma espiritualidade que exala da trama, mas não se trata de nenhum tipo de proposta religiosa.  E também não é nada solene.  O filme tem lances bem-humorados e até eróticos.  Alguns elementos inesperados compõem o charme do espetáculo.

É preciso se deixar levar pela proposta e curtir o filme sem ficar preocupado em tentar entender ou julgar o que está acontecendo.  Aí, a obra artística se revela, de algum modo.  Pelo que produz de ressonância, em cada espectador.  Para mim, um dos filmes mais intrigantes e divertidos do ano.

Para quem não sabe, ou não lembra, quem é Apichatpong Weerasethakul (que nome, hein?), ele é o diretor de “Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas”, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes, em 2010, cuja crítica pode ser encontrada também aqui, no cinema com recheio.



segunda-feira, 14 de março de 2016

O PRESIDENTE


Antonio Carlos Egypto




O PRESIDENTE (The President).  Geórgia, 2014.  Direção: Mohsen Makhmalbaf.  Com Misha Gomiashvili, Dachi Overlashvili, Ia Sukhitashvili, Guja Burduli, Zura Begalishvili.  115 min.



No final dos anos 1980, o cinema iraniano despontava como a grande novidade da sétima arte.  Retomando o neorrealismo como expressão cinematográfica e produzindo narrativas que focavam, principalmente, as crianças, para, de um lado, evitar a censura, e, de outro, retratar a realidade do país, produziram-se pequenos grandes filmes e despontaram grandes diretores.

Meu primeiro contato com esse cinema se deu em  1989, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, por meio de uma obra de Mohsen Makhmalbaf, o filme “O Ambulante”.  Fiquei impressionado com a qualidade do trabalho e seu teor crítico e político, vindo de onde vinha.  Desde então, sempre dei especial atenção aos trabalhos desse cineasta.  E ele nunca me decepcionou.  “Gabbeh”, de 1995, “O Silêncio”, de 1998, “A Caminho de Kandahar”, de 2001, ou “O Jardineiro”, de 2012, são apenas alguns dos belos filmes que ele criou, cada um a seu modo, em diferentes partes do mundo.


Mohsen Makhmalbaf


Makhmalbaf foi ativista de direitos humanos contra o regime do antigo Xá Reza Pahlavi e chegou a ficar anos preso por isso.  Mas o regime dos aiatolás, em vez de celebrá-lo, o perseguiu com sua censura, a partir do momento em que ele se destacou mundialmente.  Ele acabou no exílio e relata que já tentaram matá-lo, mesmo fora do Irã.

Seu novo trabalho é o filme “O presidente”, realizado na Geórgia, e conta a história de um ditador que é derrubado e circula incógnito por seu país, com seu neto de 5 anos, tentando fugir e escapar de um linchamento ou execução.  Tudo parecia estar no lugar e no melhor dos mundos, na vigência de seu poder discricionário.  A opressão do povo não era sentida, ou notada, por ele e por sua família, vivendo no luxo dos palácios.  Quando derrubado, percebeu mais claramente a força do ódio contra ele e seu regime, mas, ao se esconder, também conheceu a verdadeira miséria e desgraça que assolavam seu povo.




A fábula que remete a uma velha história do governante que desconhecia como era e como vivia seu povo não é nova.  Confesso que me não lembro de onde a conheço, mas sei dela há muito tempo.  Creio que desde a infância.  No filme, o périplo do rei, no caso, ex-rei, é revelador do sofrimento que o povo sempre amargou para que o governante pudesse viver no luxo.  Mas discute-se também o que acontece após a destituição do ditador, o que substitui a violência do antigo regime.

O ódio dos vencedores e a desordem social geram tanto ou mais violência, passando uma ideia de desesperança a respeito de qualquer solução de força.  Isso nos remete aos caminhos da chamada primavera árabe, que resultou em tantas guerras e opressões como as que buscou superar.  Makhmalbaf cita em entrevista sobre o filme o que se passa com a Síria atual, como exemplo.  Poderia remeter-nos à Revolução Francesa ou à Revolução Cultural da China, de Mao Tsé-Tung ou, ainda, a muitas outras situações contemporâneas, em que a solução “violenta” gerou mais problemas, ainda que o mote das ações fosse o combate ao autoritarismo ou à corrupção.




“O Presidente” se passa num país fictício.  A fábula é universal e, a rigor, vale para qualquer lugar e qualquer tempo. Makhmalbaf sabe bem disso.  Vive entre Londres e Paris, mas já viveu e trabalhou no Irã e no Afeganistão.  Filmou também no Paquistão, em Israel, na Turquia, no Tadjiquistão e, agora, na Geórgia. Pôde ver e vivenciar muito dessa espiral de violência para a qual busca nos alertar nesse “O Presidente”.




sexta-feira, 11 de março de 2016

BREVES COMENTÁRIOS SOBRE ALGUNS BONS FILMES EM CARTAZ


Antonio Carlos Egypto


NOSSA IRMÃ MAIS NOVA

NOSSA IRMÃ MAIS NOVA, do diretor japonês Hirokazu Kore-Eda, é um filme terno, afetivo, que trata de relações familiares que se estabelecem, se desfazem ou se recompõem.  Três irmãs conhecem, no funeral de seu pai distante, uma meia-irmã adolescente, de quem se aproximam e a quem acolhem  em casa.  Esse convívio será marcado, quase todo o tempo, por muitas descobertas e alegrias.  Um tema desses poderia levar a algo piegas, mas não na mão de Kore-Eda, um seguidor da obra do grande Yasujiro Ozu (1903-1963), aquele que explorava com sutileza dramas familiares.  O diretor de “Pais e Filhos”, de 2012, está aqui num registro mais leve e esperançoso.  Para ver e se emocionar.





BOA-NOITE, MAMÃE, terror austríaco, dirigido por Severin Fiala e Veronica Franz, é um pesadelo doméstico muito bem realizado.  Fala-se em dois irmãos gêmeos, numa casa nova com a mãe, que teve seu rosto alterado por uma cirurgia plástica.  A mãe se torna irreconhecível e algo estranho e violentamente cruel se estabelecerá.  Já dá para imaginar que a história não é bem essa, claro.  Filme de terror para se sustentar costuma ter sua pegadinha, manipular o espectador.  Esse não é diferente, mas é criativo.  O elenco, formado por Susanne Wuest e os garotos Lukas e Elias Schwarz, está muito bem.  Os fãs do gênero vão gostar, com certeza.



MEU AMIGO HINDU

Em MEU AMIGO HINDU, Héctor Babenco costrói uma ficção que parte da sua própria experiência com um longo tratamento de uma doença.  As incertezas, os medos, os sentimentos e o desgaste que cercam a vida entre intervenções hospitalares e remédios estão no centro de uma narrativa que consegue dar alguma leveza e humor a uma história difícil e pesada.  As referências ao cinema, constantes no filme, são outro respiro interessante nesse trabalho.  O ator norte-americano Willem Dafoe é o protagonista, o que acabou fazendo com que um grande elenco brasileiro tivesse que representar em inglês.  Isso pode funcionar para o mercado internacional, mas soa muito estranho aqui ver Bárbara Paz, Selton Mello, Maria Fernanda Cândido e Reynaldo Gianecchini, entre muitos outros, falando inglês num filme brasileiro.





TUDO VAI FICAR BEM é o novo filme do grande diretor alemão Wim Wenders, de “Paris Texas”, de 1984, “Asas do Desejo”, de 1987, “Pina”, de 2011, e “O Sal da Terra”, de 2014.  É evidente que qualquer trabalho dele é uma garantia de bela filmagem, cenas muito bem feitas, beleza estética.  Isso se confirma.  Mas a história derrapa com alguma frequência, como a neve escorregadia que causou um acidente fatal no início do filme.  O final é pueril.  O filme ser estrelado por James Franco também não ajuda.  Ele não dá conta dos sentimentos intensos e ambíguos de seu personagem.  Charlotte Gainsburg, Rachel McAdams e Marie-Josée Croze, que compõem o elenco feminino, estão bem.  Dá para ver, mas é claro que Wim Wenders pode muito mais do que isso.

 

sexta-feira, 4 de março de 2016

FIQUE COMIGO


Antonio Carlos Egypto




FIQUE COMIGO (Asphalte).  França, 2015.  Direção e roteiro: Samuel Benchetrit.  Com Isabelle Huppert, Gustave Kervern, Valeria Bruni Tedeschi, Michael Pitt, Tassadit Mandi, Jules Benchetrit.  100 min.



Tudo parece indicar o contrário, já que no mundo virtual as pessoas têm centenas de amigos.  Verdadeiras bobagens viralizam, como se diz, entusiasmando os que as postaram.  Pessoas mais conhecidas podem ter milhões de “seguidores”.  Mas a solidão é um dos maiores problemas psicológicos do nosso tempo.

De muitas maneiras o sentimento de estar só, de não ser amado ou desejado genuinamente, de não encontrar sentido para a própria existência ou de se sentir isolado em meio à multidão são fontes de grande sofrimento.  A falta de uma vida interior mais rica deixa muita gente sem o chão sob os próprios pés.




O cinema já abordou essa questão pelos mais diversos ângulos, geralmente no enfoque dramático.  Será a comédia um bom meio de abordar o problema da solidão?  Mais do que isso: a comédia ligeira e os personagens em situações bizarras, um tanto surrealistas, conseguem trazer alguma luz sobre um tema como esse? O diretor Samuel Benchetrit buscou esse caminho  ao adaptar um livro que ele próprio escreveu, “Les Chroniques de L’Asphalte”, no filme “Fique Comigo”.

Num prédio de apartamentos, na periferia de Paris, o elevador vive quebrado, causando transtorno a seus moradores.  Há um homem que, por morar no 1º. andar, não quer pagar o conserto do elevador, mas uma overdose de esteira ergométrica o deixa numa cadeira de rodas por algum tempo.  Vai daí que ele se encontra casualmente com uma enfermeira de semblante triste e tenta conquistá-la, se passando por fotógrafo, que já rodou boa parte do mundo.  Engraçado?  Um pouco, mas beirando o constrangedor.  A falta de espontaneidade, o passar-se por quem não é, se torna embaraçoso, digno de pena.  Essa é uma das histórias, relacionamentos, que o filme mostra.



Há a da mulher emigrante de origem argelina, cujo único filho está na prisão, que recebe a “visita” de um astronauta americano, diretamente do espaço.  E há, ainda, a história do adolescente que parece abandonado pelos pais e que descobre uma estrela morando a seu lado.  A atriz, hoje decadente, traz uma nova dimensão à vida dele.

“Fique Comigo” mostra, alternadamente, os três casos.  Todos em busca de reter alguém que, de algum modo, preencheu a vida de outro alguém, mesmo que de forma passageira, fluida, improvável.  Com isso, se acentua a necessidade humana de afeto, uma necessidade desesperada, por sinal.  E o custo da solidão.  As histórias são diferentes entre si, mas dialogam a partir desse eixo central, que é relevante e sério.  E não deixa de ser divertido, também.

O elenco é um dos trunfos do filme, a começar pela excelente Isabelle Huppert, no papel da atriz Jeanne Meyer, aquela que já teve melhores dias quando mais jovem.  Logo Huppert, que está no auge da força interpretativa, ainda que o papel de Jeanne não exija tanto assim dela.  Jules Benchetrit, filho do diretor, é o adolescente que contracena com ela.




Valeria Bruni Tedeschi, a enfermeira triste, e o suposto fotógrafo, vivido por Gustave Kervern, formam um par angustiante e revelador da solidão que procuram retratar.  E o fazem muito bem.

A argelina Tassadit Mandi, atriz de “Dheepan: o Refúgio”, Palma de Ouro de Cannes 2015, muito boa, faz Hamida e seu par improvável é o astronauta, papel de Michael Pitt, de filmes como “Os Sonhadores”, de Bernardo Bertolucci, de 2003, e “Violência Gratuita”, de Michael Haeneke, de 2007.  A dupla também funciona bem.

O conjunto continua dando a ideia de uma junção de histórias, apesar do elo que as une.  Mas cada uma das tres histórias é digna de atenção, e o tema está bem abordado no registro escolhido da comédia, algo dramática.




terça-feira, 1 de março de 2016

OS VENCEDORES DO OSCAR 2016


Antonio Carlos Egypto


Ganharam o Oscar, paradoxalmente, os que não foram indicados e, portanto, não poderiam ser escolhidos: os integrantes negros da indústria cinematográfica de Hollywood.  É realmente inadmissível que atores, atrizes e outros profissionais negros do cinema, pela segunda vez consecutiva, estivessem de todo ausentes do prêmio.  Exceção feita à homenagem prevista para o diretor Spike Lee, pela obra que já havia realizado.  Não é novidade alguma que exista a discriminação.  Isso vem de muito longe, historicamente, são as raízes da escravidão que continuam pesando.  Talvez lá mais do que aqui.  Mas, enfim, está em toda parte. Era hora mesmo de chiar, reclamar, pôr a boca no trombone.  Foi o que eles fizeram, com humor, também, na própria cerimônia do Oscar, comandada por Chris Rock.  Muito bom, alguma coisa tem de mudar.  Foi uma vitória a repercussão que o assunto ganhou.




O Oscar branco de 2016, no entanto, não deixou de premiar bons filmes.  Faltou diversidade, mas teve qualidade. “O Regresso” não ganhou melhor filme, merecia.  Foi o trabalho de maior impacto cinematográfico, entre todos os indicados.  O prêmio para o diretor Alejandro González Iñárritu, bisando o Oscar da categoria (já havia ganhado com “Birdman” no ano passado), é um óbvio reconhecimento do talento do cineasta mexicano.  “O Regresso” faturou o prêmio de fotografia para Emmanuel Lubezki e, ainda, garantiu o esperado Oscar de ator para Leonardo Di Caprio.  Muito justo e apropriado.  Em número, foi pouco, 3 das 12 categorias indicadas, mas são prêmios relevantes.

Em quantidade, quem levou muito foi “Mad Max”, 6 categorias, quase todas técnicas: design de produção (ou direção de arte), montagem, figurino, cabelo e maquiagem, mixagem e edição de som.  O sofisticado filme de ação de George Miller não tem do que se queixar.

E o melhor filme foi, mesmo, “Spotlight”, que também levou o prêmio de roteiro original? Para mim, não.  Mas é um bom trabalho, no estilo clássico, sobre um tema palpitante: a pedofilia na igreja católica norte-americana.  Investigação jornalística como essa mostrada no filme é raridade ou nem existe mais, mesmo.




O filme canadense “O Quarto de Jack” ganhou um prêmio importante, o de melhor atriz para Brie Larson.  Estavam na parada concorrentes fortes: Charlotte Rampling, Cate Blanchet, Jennifer Lawrence e a jovem Saoirse Ronan, do simpático e delicado “Brooklin”.

“A Garota Dinamarquesa”, que não é tudo isso em matéria de cinema, levou o prêmio de atriz coadjuvante para a bela e talentosa Alicia Vikander, que se destacou no filme, ao lado do protagonista masculino, Eddie Redmayne (que levou o Oscar 2015 por  “A Teoria de Tudo”).  O assunto é bom, a primeira cirurgia de mudança de sexo da história.  Eddie está ótimo no papel, mas o filme é certinho, bonitinho e às vezes equivocado.  Querem um exemplo?  O personagem central, o transexual, é um artista, um pintor.  Trabalha em casa, com pincéis e tintas, impecavelmente vestido de terno e gravata, como se estivesse numa festa ou num escritório.  Inconcebível.

O ator coadjuvante escolhido foi Mark Rylance, única referência a “Ponte dos Espiões”, de Spielberg.  Tinha muito gente apostando em Sylvester Stallone, outra vez às voltas com Rocky Balboa.  Não.  Tom Hardy, Mark Ruffalo e Christian Bale estariam na minha lista antes dele.





Sobre o prêmio de roteiro adaptado para “A Grande Aposta”, que eu não vi, mas sei que é daquelas histórias que quem não é economista boia muito.  A adaptação deve ter sido boa o bastante para que o povo entendesse a história da bolha imobiliária que resultou na crise de 2008.  Não sobrou nada para o ótimo “Trumbo”, filme político de primeira linha.  Que tinha tudo para ser mais lembrado e ter recebido mais indicações.

Tem ainda a esperada derrota do lindo “O Menino e o Mundo”, de Alê Abreu, presença brasileira no Oscar.  “Divertida mente”, levou, como todos diziam que levaria, o prêmio de animação. 

Vibrei com a vitória do grande Ennio Morricone, o maestro e compositor italiano, que tanto já fez pelo cinema, recebeu até Oscar honorário, e que acabou sendo o único prêmio do filme do Tarantino, “Os Oito Odiados”.  Canção original não deu Lady Gaga, mesmo com a força do combate ao abuso sexual.  A música do 007 é que levou.  O prêmio de documentário foi para “Amy”, lembrando a trajetória bela e trágica de Amy Winehouse, de Asif Kapadia.




Uma categoria que sempre me interessa especialmente é a do chamado World Cinema, ou filmes não falados em inglês.  Essa divisão não faz sentido, na medida em que equipara os Estados Unidos, Inglaterra, Irlanda, Escócia, Austrália, Nova Zelândia, Canadá inglês e alguns outros, enquanto segrega todos os demais países, desde que não produzam em inglês.  Isso não é tão explícito assim, mas geralmente é o que acontece.  Dos cinco selecionados, “A War”, da Dinamarca, não passou no Brasil.  “Cinco Graças” (Mustang) é um filme franco-turco que não convence muito.  “O Lobo do Deserto” (Theeb), da Jordânia, é um faroeste bonito.  “O Abraço da Serpente” é consistente na abordagem cultural da Amazônia, um belo filme da Colômbia.  Mas “O Filho de Saul”, da Hungria, mereceu o seu Oscar.  Claro que podemos dizer que campo de concentração, na Segunda Guerra Mundial, é um tema que pega na veia emocional da Academia, mas o filme de László Nemes é uma poderosa realização.

A grande maioria dos filmes aqui citados recebeu críticas, postadas no cinema com recheio, especialmente os que eu julguei melhores.  Quem estiver com seu note book, lap top ou similar, é só usar o campo de pesquisa, digitando, por exemplo, o nome total ou parcial do filme.  No smartphone, eu não saberia dizer como se faz a pesquisa, porque o formato é um pouco diferente.  Experimentem.

Nota triste: costuma ser bonita no Oscar a homenagem ao pessoal do cinema que faleceu no ano anterior.  Mas muito triste mesmo é esquecer de mostrar feras do cinema que morreram em 2015, como Manoel de Oliveira, Jacques Rivette, Andrzej Zulawski e, ainda, a nossa Marília Pêra, que eles conhecem de “Pixote”.  De que cinema, afinal, se está falando?