Antonio Carlos Egypto
ELA
DISSE (She Said). Estados Unidos, 2022. Direção: Maria Schrader. Elenco: Carey Mulligan, Zoe Kazan, Patrícia
Clarkson, Samantha Morton, Andre Braugher.
129 min.
O
drama “Ela Disse”, dirigido por Maria Schrader, com roteiro de Rebecca
Lenkiewicz, foi desenvolvido a partir do livro “Ela Disse: Os Bastidores da
Reportagem que Impulsionou o # Me Too”,
de Megan Twohey e Jody Kantor, em 2017.
Nesta publicação, as duas jornalistas do New York Times relatam o que foi e como se fez a matéria
investigativa, realizada por elas para o jornal, com o devido apoio da direção
do periódico. Sem o que, seria
impossível seguir adiante.
Transformado
em filme, esse material adquiriu um caráter documental e histórico: procura-se
fazer, passo a passo, o registro jornalístico daquele trabalho que rompeu o
tabu a respeito do abuso sexual de jovens atrizes em Hollywood. Mais precisamente, daquele praticado
sistematicamente pelo poderoso produtor Harvey Weinstein, que atualmente cumpre
sentença preso, em função desses crimes.
Quem
acompanhou de perto o noticiário do assunto por aqui conhece alguns detalhes e
nomes das atrizes vítimas de situações de assédio, abuso, estupro. E viu as consequências positivas extraídas
dessa corajosa e penosa investigação, que mudou o modo de encarar a questão,
enfrentando-a, finalmente. Para isso,
foi necessário um incessante trabalho para conseguir, aos poucos, que testemunhas
que já haviam aparecido fossem confirmadas, explicitadas, ampliadas. Que novos casos se revelassem, e não somente
de forma anônima. Isso efetivamente foi
acontecendo e acabou criando um caldo de cultura forte e consistente, que
permanece assim. Sujeito, claro, a
eventuais inverdades ou excessos, mas não há como evitar isso.
O fato
é que o movimento # Me Too, ou seja,
a denúncia que cada mulher, devidamente identificada, fez de ter sido abusada
ou assediada no trabalho por quem dispunha de poder sobre ela, sem o seu
consentimento, tornou-se uma forma eficiente de luta das mulheres. E que alcançou dimensões muito mais amplas do
que se poderia supor, indo muito além do que se mostra no filme. “Ela Disse” registra o começo de toda essa
história.
Quando
se quer contar uma saga como essa, é natural que se opte pela sequência
histórica dos fatos e por adotar um caráter pedagógico, em que se possa
entender todo o processo e o seu custo humano.
No caso aqui, destacando uma abordagem feminina das situações, não só as
do desejo e da sexualidade feminina (e da masculina abusadora), mas questões
como a gravidez e a maternidade. Por exemplo, quem cuida das crianças enquanto
a repórter se desloca pelo país em busca da notícia?
Eu não
diria que o filme seja empolgante, surpreendente, até porque os fatos, no
geral, são conhecidos. Mas é importante
para resgatar uma verdadeira batalha pelo direito das mulheres, pelo respeito
ao trabalho profissional e aos sonhos legítimos dessas atrizes que acreditavam
estar tendo uma oportunidade em função de seus méritos ou qualidades, não por
seu corpo e sua juventude. O que vale
para atrizes, em Hollywood ou não, vale para todas as situações em que haja
abuso, em todas as profissões ou trabalhos.
Por
sinal, embora o filme se debruce sobre o caso Weinstein, ele começa tratando de
denúncias semelhantes dirigidas ao candidato Donald Trump, que poderiam ter
dificultado ou impedido sua eleição, mas foram ignoradas pela população que o
elegeu. Essa referência é suficiente para
mostrar que a questão é imensa, diz respeito ao machismo estrutural, à
misoginia, ao preconceito em relação às mulheres, à necessidade de ainda
batalhar muito para alcançar a desejada equidade entre os gêneros.
“Ela
Disse” é uma boa produção, bem dirigida, com bom elenco, com destaque para Carey
Mulligan e Zoe Kazan, que representam as jornalistas, que trata de questões
importantes para as mulheres e para todos, evidentemente. Merece atenção.