quinta-feira, 31 de outubro de 2019

PREMIADOS DA MOSTRA 43


Reproduzo aqui matéria divulgada pela assessoria de imprensa da Mostra com as informações sobre os filmes premiados pelo juri oficial, pela crítica e pelo público. Incluindo o prêmio Abraccine e o Projeto Paradiso. Como ainda pretendo ver alguns desses filmes na repescagem da Mostra comentarei oportunamente a premiação e apresentarei  a minha lista de melhores.

Antonio Carlos Egypto




Mostra divulga premiados da 43ª edição

A entrega dos prêmios da 43ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo foi realizada durante a cerimônia de encerramento na noite desta quarta-feira no Auditório Ibirapuera - Oscar Niemeyer. A solenidade foi apresentada por Serginho Groisman e Renata de Almeida.

Veja abaixo a lista completa dos títulos premiados na 43ª Mostra:

TROFÉU BANDEIRA PAULISTA 2019
PRÊMIO DO JÚRI INTERNACIONAL

Após serem exibidos na 43ª Mostra, os filmes da seçãCompetição Novos Diretores mais votados pelo público foram submetidos ao Júri Internacional, que escolheu Honeyland como melhor documentário e System Crasher Dente de Leite como melhores longas de ficção. Os filmes recebem o Troféu Bandeira Paulista (uma criação da artista plástica Tomie Ohtake).
Conheça os filmes premiados pelo júri internacional:

MELHOR DOCUMENTÁRIO

HONEYLAND
Macedônia do Norte, 2019, cor, 85 min. Documentário. 
direção | roteiro Ljubomir Stefanov e Tamara Kotevska 
Em uma vila isolada na Macedônia do Norte, Hatidze, uma mulher de 50 e poucos anos, cuida de uma colônia de abelhas. Um dia, uma família itinerante se instala ao lado, e o reino pacífico de Hatidze dá lugar a motores barulhentos, sete crianças e 150 vacas. No entanto, ela se anima com a vizinhança e passa a dividir seus conselhos sobre apicultura, sua afeição e seu conhaque especial. Porém, Hussein, o patriarca dessa família, toma uma série de decisões que podem destruir o modo de vida de Hatidze para sempre. 


MELHOR FICÇÃO

SYSTEM CRASHER 
Alemanha, 2019, cor, 119 min. Ficção.
direção | roteiro Nora Fingscheidt
elenco Helena Zengel, Albrecht Schuch, Gabriela Maria Schmeide e Lisa Hagmeister
Benni é uma menina de nove anos revoltada, agressiva e imprevisível. A garota foi expulsa de todas as escolas onde estudou e não vive com a mãe, que tem medo dela. O serviço social contrata Micha, uma especialista em controle de raiva, para acompanhar Benni na escola.

DENTE DE LEITE
Austrália, 2019, cor, 117 min. Ficção.
direção Shannon Murphy
roteiro Rita Kalnejais
elenco Eliza Scanlen, Toby Wallace, Emily Barclay e Eugene Gilfedder
Milla, uma adolescente que está muito doente, apaixona-se por Moses, um pequeno traficante de drogas —para o desespero dos pais da menina. A jovem começa a ter uma nova vontade de viver, mas, aos poucos, vai deixando de lado os valores tradicionais e a moralidade. Ela começa a mostrar a todos ao seu redor —os pais, Moses, uma vizinha que está grávida— como é viver sem ter nada a perder. O novo comportamento de Milla poderia ser um desastre para a família, no entanto, em vez disso, ela ensina como ver graça no caos da vida.

Júri InternacionalBeto Brant, Lisandro Alonso, Maria de Medeiros Xénia Maingot.

PRÊMIO PROJETO PARADISO

Todos os diretores que tiveram títulos selecionados para a Mostra Brasil poderiam inscrever um novo projeto para concorrer a um prêmio oferecido pelo Projeto Paradiso, uma iniciativa do Instituto Olga Rabinovich. A bolsa, no valor de R$ 30 mil, é destinada ao roteirista do projeto em fase de desenvolvimento e inclui ainda mentoria nacional, consultoria internacional e participação no Workshop Audience Design do TorinoFilmLab no Brasil. 

O projeto premiado neste ano foi “O Campo dos Lobos Guarás”, de Bárbara Cunha e Paulo Caldas.

PRÊMIO DO PÚBLICO

O público da 43ª Mostra escolheu, entre os estrangeiros, Parasita, como melhor filme de ficção, e A Grande Muralha Verdecomo melhor documentário. Entre os brasileiros, Chorão: Marginal Alado recebe o prêmio de melhor documentário e Pacificadoo de melhor ficção.

A escolha do público é feita por votação. A cada sessão assistida, o espectador recebeu uma cédula para votar com uma escala de 1 a 5, entregue sempre ao final do filme. O resultado proporcional dos filmes com maiores pontuações determinou os vencedores.

Conheça os filmes premiados pelo público:

PRÊMIO DO PÚBLICO - MELHOR FICÇÃO BRASILEIRA    

PACIFICADO
Brasil, 2019, cor, 100 min. Ficção.
direção | roteiro Paxton Winters
elenco Bukassa Kabengele, Débora Nascimento, Cassia Gil, José Loreto
distribuição Fox
Rodado no labirinto de uma favela no Rio, Pacificado nos apresenta a história de Tati, uma garota de 14 anos que tenta manter sua mãe longe do vício, e de Jaca, um ex-traficante que finalmente está livre depois de passar anos na cadeia.

PRÊMIO DO PÚBLICO - MELHOR DOCUMENTÁRIO BRASILEIRO

CHORÃO: MARGINAL ALADO
Brasil, 2019, cor & pb, 75 min. Documentário.
direção Felipe Novaes
roteiro Felipe Novaes, Hugo Prata, Matias Lovro
distribuição O2 Paly
Documentário sobre o cantor Chorão (1970-2013), vocalista da banda Charlie Brown Jr. Com depoimentos que englobam a vida particular e a trajetória profissional do cantor, imagens de acervo pessoal e da mídia, o filme percorre a história de um dos mais importantes astros do rock brasileiro.

PRÊMIO DO PÚBLICO - MELHOR FICÇÃO INTERNACIONAL    

PARASITA
Coreia do Sul, 2019, cor, 131 min. Ficção.
direção Bong Joon-ho
roteiro Bong Joon-ho e Jin Won Han
elenco Kang-ho Song, Sun-kyun Lee e Yeo-jeong Jo
distribuição Pandora Filmes e Alpha Filmes
A família de Ki-taek é bastante unida, mas precisa conviver com o desemprego e com um futuro sombrio no horizonte. Seu filho Ki-woo é recomendado por um amigo, estudante de uma universidade de prestígio, para um trabalho bem remunerado como tutor, o que gera a esperança de uma renda regular. Carregando as expectativas de todos os familiares, Ki-woo vai à casa dos Park para uma entrevista. Na residência do sr. Park, dono de uma empresa global de TI, ele conhece Yeon-kyo, a linda e jovem sra. Park. Esse primeiro encontro entre as duas famílias dá início a uma sequência incontrolável de problemas.

PRÊMIO DO PÚBLICO - MELHOR DOCUMENTÁRIO INTERNACIONAL 

A GRANDE MURALHA VERDE  
Reino Unido, 2019, cor/pb, 92 min. Documentário.
direção | roteiro Jared P. Scott
O produtor-executivo Fernando Meirelles (diretor de filmes como Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel e Dois Papas, que encerrará a 43ª Mostra) e Inna Modja, cantora e ativista do Mali, nos levam a uma jornada épica pela Grande Muralha Verde da África —uma iniciativa ambiciosa para fazer crescer um "muro" de oito mil quilômetros de árvores que se estende por toda a largura do continente para restaurar a terra e fornecer um futuro para milhões de pessoas. Atravessando Senegal, Mali, Nigéria, Níger e Etiópia, Modja segue a florescente Grande Muralha Verde pela região do Sahel —um dos lugares mais vulneráveis da Terra, onde as temperaturas estão subindo 1,5 vezes mais rápido que a média global—, revelando as graves consequências da degradação severa do solo e da aceleração da mudança climática. A muralha visa combater o aumento da desertificação, da seca, da escassez de recursos, da radicalização, dos conflitos e da migração.

PRÊMIO DA ABRACCINE

A Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema também realiza tradicionalmente uma premiação que escolheu o melhor filme brasileiro entre os realizados por diretores estreantes. Neste ano, o eleito foi o longa Currais, de David Aguiar e Sabina Colares.

O filme foi escolhido “pela forma eficaz com que combina as linguagens documental e ficcional para realizar o resgate histórico essencial de um episódio pouco discutido de nosso passado e que muito revela, em suas similaridades com o presente, nossa insistência, como nação, não só em ignorar, mas punir os mais pobres por sua condição".

PRÊMIO DA ABRACCINE 

CURRAIS
Brasil, 2019, cor, 90 min. Documentário.
direção | roteiro David Aguiar e Sabina Colares
Misto de documentário e ficção, acompanhamos Romeu, um personagem fictício que viaja pelo sertão do Nordeste em busca de respostas e vestígios dos campos de concentração onde, em 1932, flagelados da seca foram aprisionados em troca de sobrevivência. Romeu vai costurando memórias a partir de relatos reais, documentos e fotos.

Júri – Prêmio AbraccineNayara Reynaud, José Geraldo Couto e Pablo Villaça


PRÊMIO DA CRÍTICA

A imprensa especializada que cobre o evento e tradicionalmente confere o Prêmio da Crítica, também participou da premiação elegendo Aos Olhos de Ernesto como o melhor filme brasileiro e Honeyland como o melhor entre os estrangeiros.

Dirigido por Ana Luiza Azevedo, o longa Aos Olhos de Ernesto foi escolhido “por tratar a solidão de maneira realista, sem abrir mão do humor; por apostar com segurança num estilo narrativo que dialoga tanto com cinéfilos quanto  com amplas plateias”. 

Já o documentário Honeyland leva o prêmio por sua “habilidade em mergulhar o espectador em um universo tão particular e torná-lo próximo de sua carismática protagonista ao mesmo tempo em que, através desta, discute a importância da manifestação de uma consciência ambiental e social ".

Conheça os filmes premiados pela crítica:

MELHOR FILME BRASILEIRO

AOS OLHOS DE ERNESTO
Brasil, 2019, cor, 123 min. Ficção.
direção Ana Luiza Azevedo
roteiro Ana Luiza Azevedo e Jorge Furtado
elenco Jorge Bolani, Gabriela Poester, Jorde D’Elia e Julio Andrade
distribuição Elo Company
Ernesto, um fotógrafo uruguaio de 70 anos que vive no Brasil, vem enfrentando as limitações da velhice - como a solidão e a crescente cegueira, que ele acha que pode disfarçar de todos. Quando ficou viúvo, Ernesto passou a ocupar os silêncios com um disco rodando, os telefonemas do filho que mora longe, as idas ao banco para buscar sua escassa aposentadoria e as rápidas visitas do vizinho Javier. Mas Bia, uma descuidada cuidadora de cães, atropela a sua vida e coloca em risco seu metódico cotidiano. E Ernesto percebe que envelhecer pode ser rejuvenescer com a intensa companhia de uma menina que não tem nem trinta anos.

MELHOR FILME ESTRANGEIRO

HONEYLAND
Macedônia do Norte, 2019, cor, 85 min. Documentário. 
direção | roteiro Ljubomir Stefanov e Tamara Kotevska 
Em uma vila isolada na Macedônia do Norte, Hatidze, uma mulher de 50 e poucos anos, cuida de uma colônia de abelhas. Um dia, uma família itinerante se instala ao lado, e o reino pacífico de Hatidze dá lugar a motores barulhentos, sete crianças e 150 vacas. No entanto, ela se anima com a vizinhança e passa a dividir seus conselhos sobre apicultura, sua afeição e seu conhaque especial. Porém, Hussein, o patriarca dessa família, toma uma série de decisões que podem destruir o modo de vida de Hatidze para sempre. 


quarta-feira, 30 de outubro de 2019

DOIS PAPAS + O FAROL_MOSTRA 43

Antonio Carlos Egypto




DOIS PAPAS (The Two Popes).  Reino Unido, EUA, 2019.  Direção: Fernando Meirelles.  Com Jonathan Pryce, Anthony Hopkins, Juan Minujin.  125 min.

Bento XVI, ultraconservador, tradicionalista, defensor da ortodoxia da fé.  Francisco, liberal, reformador, antenado com as questões mundiais, com os pobres e com os excluídos.  Duas visões muito distintas, que acabaram tendo que conviver de perto, porque, com a surpreendente renúncia do papa Bento e a eleição de Francisco, havia, e há, muitas questões a considerar e arestas a acertar. No filme de Fernando Meirelles, uma produção internacional de alto padrão, amplia-se e estreita-se a relação entre ambos, para mostrar esses caminhos, essas diferenças e a necessidade de encontrar convergências.

 Para quem acompanha os fatos e tem uma visão progressista, é muito claro o avanço que representa o papado de Francisco e a superação do dogmatismo elitista de Bento.  “Dois Papas”, no entanto, alivia a visão sobre Joseph Ratzinger, mostrando-o com humanidade e compreensão, apesar de alguns arroubos autoritários.  Também não se aprofunda nas insinuações de simpatia ao nazismo, nem aborda o papel de Ratzinger no combate, por exemplo, á Teologia da Libertação, durante o papado de João Paulo II.  Ou sua perseguição a “dissidentes”, como Leonardo Boff.

Quanto a Jorge Bergoglio, o papa Francisco, sua história é mais contada e os questionamentos e problemas que viveu durante a ditadura militar argentina estão lá.  O que é muito bom, porque tenta esclarecer os erros cometidos pelo então jesuíta Bergoglio.

Enfim, os caminhos do mundo e os rumos da igreja passam por conversas, confissões e até momentos descontraídos, ligados ao futebol.  Diga-se, de passagem, a grande vitória de Ratzinger sobre Bergoglio acontece na final da Copa do Mundo, entre Alemanha e Argentina.  Mas Ratzinger não se interessava por futebol, enquanto Bergoglio é, como são os argentinos e os brasileiros, muito ligado no espetáculo da pelota, e no seu San Lorenzo, como ficou público para o mundo todo.

A direção de Meirelles é muito segura, a cenografia, a direção de arte, o figurino, a música, tudo funciona bem.  O grande destaque, porém, é o desempenho dos atores.  Jonathan Pryce faz um papa Francisco cativante e Anthony Hopkins faz com que respeitemos e até admiremos o papa Bento XVI, em que pesem suas posições retrógradas.  São dois grandes atores em cena, que valem por todo o filme.  São personagens muito bem explorados, capazes de manter o interesse e a atenção, independentemente de filiações religiosas, posições filosóficas ou políticas, que nos movam.  Porque as questões que o filme levanta, afinal, interessam a todos.

“Dois Papas” é o filme do encerramento oficial da 43ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.  No entanto, ainda haverá a repescagem, com mais uma semana de filmes da Mostra, premiados e favoritos do público, sendo exibidos exclusivamente no Cinesesc.





O FAROL (The Lighthouse).  Estados Unidos, 2019.  Direção: Robert Eggers.  Com Willem Dafoe, Robert Pattinson, Valeria Karaman.  109 min.

Um farol no fim do mundo, em fins do século XIX, onde convivem por algum tempo um faroleiro veterano e seu jovem ajudante, é o ponto de partida para um filme de terror.  O que acontece é até bem previsível para o gênero.  Tormentas, tempestades, aves marinhas que, se mortas, trazem mau agouro, sereias fazendo parte da trama e, claro, a inevitável deterioração de uma relação humana abandonada à própria sorte, num canto obscuro do globo.  O mérito de “O Farol”, no entanto, não está na sua história, mas na sua concepção.  Apresenta uma belíssima fotografia em preto e branco, enquadramentos maravilhosos, sequências de tirar o fôlego e dois atores em atuações impecáveis.  Willem Dafoe e Robert Pattinson se entregam aos seus papéis e a seu convívio dramático, de um modo muito intenso.  Mesmo quem não curta o gênero terror ou as cenas fantasmagóricas e de violência, não deve ficar indiferente.  “O Farol” teve uma procura surpreendente durante a Mostra 43, com prolongadas filas para tirar ingressos, até sessão extra esgotada e tudo o mais.  Não creio que fosse para tanto, até porque o filme estreiará em breve no circuito comercial.  Os fãs do gênero vão adorar, com certeza.


domingo, 27 de outubro de 2019

DESTAQUES DA MOSTRA 43

Antonio Carlos Egypto


DEUS É MULHER E SEU NOME É PETÚNIA.  Macedônia do Norte, 2019.  Direção: Teona Strugar Mitevska.  Com Zorica Nusheva, Labina Mitevska, Suad Begovski, Stefan Vujisic.  100 min.

Este filme é uma produção que envolve a participação de oito países, capitaneados pela Macedônia do Norte, terra natal da diretora e onde se desenvolve toda a história.  A narrativa mostra uma mulher – Petúnia – recolhendo uma cruz jogada no rio, num ritual religioso, exclusivo para homens.  Ao se discutir se essa mulher teria ou não esse direito, pela tradição, pela religião e, quem sabe, até por alguma lei, o que se explicita é o patriarcado.  Às mulheres é reservado um papel necessariamente de coadjuvante, seja qual for a importância do assunto, nesse caso, uma tradição que, evidentemente, poderia ser mudada ou reinterpretada.  Reforça-se, a partir daí, a necessidade imperiosa do feminismo e sua luta de resistência para questionar tantas coisas naturalizadas, que chancelam e subjugam a mulher no contexto social.  O que vale para lá, vale certamente para cá.  O filme é eficiente nesse propósito, fazendo um fato que poderia ser encarado como banal render uma bela discussão.  Incluindo o papel da imprensa, pela ação das mulheres jornalistas, evidenciando algo que estava encoberto e que gostaria de permanecer assim. 

DEUS É MULHER, SEU NOME É PETÚNIA

  
LA LLORONA.  Guatemala, 2019.  Direção: Jayro Bustamante.  Com María Mercedes Coroy, Sabrina de La Hoz, Julio Díaz, Margarita Kénefic.  93 min.

Um genocídio na Guatemala fica no limbo até que, 30 anos depois, um processo criminal é aberto.  Contra um general aposentado, que teria sido o principal responsável pelo poder de que dispunha na época.  Acompanha-se o processo, a tentativa, mais uma vez, de negar o genocídio e, apesar do julgamento, a ocorrência de uma anulação.  A inconformidade do povo indígena atingido então se faz notar ruidosamente, nas ruas, na frente da casa do general Enrique.  Ele, já sem o domínio completo de si mesmo, delira, vive uma paranoia marcada pelo espírito da chorona do título.  Filme político bastante competente, forte nas denúncias, mas que busca inspiração também no fantasmagórico, digamos assim.  O diretor Jayro Bustamante tem mais um filme de 2019 sendo exibido na Mostra: TREMORES, em que o foco é o tratamento evangélico conhecido como cura gay.  Expõe a discriminação familiar e social da homossexualidade, confundida até com pedofilia, e os tremores de terra que costumam abalar com regularidade a Guatemala.  O resultado é menos brilhante do que LA LLORONA, mas é bom.  Mostra um cineasta muito produtivo do país, com o aporte de recursos franceses e de Luxemburgo.


FILHOS DA DINAMARCA.  Dinamarca, 2019.  Direção e roteiro: Ulaa Salim.  Com Zaki Youssef, Mohammed Ismail, Rasmus Bjerg.  117 min. 

Filhos da Dinamarca é o nome de uma organização política de extrema-direita, de inspiração neonazista, que pratica atos terroristas, tendo como plataforma, praticamente única, o combate e a expulsão de todos os imigrantes do país.  Mesmo os que estejam lá há mais de 20 anos, por exemplo.  O líder político nacionalista e extremista Martin Nordahl que expressa essas ideias chega ao poder com uma vitória brilhante nas urnas, que o faz alcançar o posto de Primeiro Ministro.  E o terrorismo se multiplica, tanto de um lado, quanto do outro, o da resistência.  A trama que envolve traições, espionagem e ação política extremada, ainda é ficção, mas, segundo a concepção do diretor Ulaa Salim, dinamarquês de origem iraquiana, isso está batendo à porta.  Ele imagina essa trama em 2025.  Claro que os indícios já estão por lá, com atiradores e tudo o mais, como sabemos.  Outro filme político muito bem feito e oportuno, que faz a gente pensar e se preocupar de verdade com o que pode vir por aí, já que as sementes estão plantadas em muitos lugares.

FILHOS DA DINAMARCA


A GAROTA COM A PULSEIRA.  França, 2019.  Direção e roteiro: Stéphane Demoustier.  Com Mélissa Guers, Chiara Mastroianni, Roschdy Zem, Anais Demoustier.  95 min.

Um filme de tribunal, basicamente, é o que é A GAROTA COM A PULSEIRA.  Pulseira?  Bracelete?  Não é bem isso.  Trata-se de um julgamento de Lise, uma garota de 16 anos, acusada de assassinar a facadas a melhor amiga.  À medida em que os fatos vão sendo destrinchados, aparecem evidências da vida sexual dos adolescentes, que surpreendem e assustam os adultos.  As réguas que servem para medir, por exemplo, ciúmes, atração, traição, desejos, nas gerações passadas, hoje não valem mais.  E então o que fazer?  O risco é confundir as coisas e julgar, não os fatos, mas os comportamentos morais dos jovens.  Mostra, portanto, a falibilidade a que está sujeita a justiça, que tem muita dificuldade de olhar e ver qual é o real panorama que a sociedade expressa.  E, evidentemente, o despreparo dos pais e das famílias para lidar com essa nova moral dos jovens, em que as experiências não estão marcadas por compromissos, desde que o ficar  se popularizou na década de 1980.   Boa realização, ótimo elenco.





sexta-feira, 25 de outubro de 2019

O PARAÍSO DEVE SER AQUI e +_ MOSTRA 43

Antonio Carlos Egypto


Diretores importantes, grandes cineastas costumam ter filmes recentes exibidos na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.  Algumas vezes ficam abaixo da expectativa que seus nomes geram no público cinéfilo. Outras, correspondem, com maior ou menor empolgação.  A gente celebra quando algum deles traz uma verdadeira obra-prima.


O PARAÍSO DEVE SER AQUI

Neste ano, até aqui, o grande destaque para mim foi o novo filme do cineasta palestino Elia Suleiman, O PARAÍSO DEVE SER AQUI.  Ele dirigiu, fez o roteiro e protagonizou um trabalho extremamente criativo, inovador, que é uma verdadeira aula de cinema.

São sequências muito bem construídas, num filme moderno, com muito humor, que surpreendem pelo inesperado, pelo bizarro, pelo extemporâneo. Do começo ao fim vigora o inusitado, aquilo que a gente estranha, de início, não chega a compreender, sentir ou perceber o que, de fato, está acontecendo.  Elia Suleiman participa de tudo, está envolvido em tudo o que se passa, mas é como se ele estivesse de fora, observando de forma privilegiada.  Esteja em Nazaré, Paris, Montreal ou Nova York, a Palestina está sempre presente, enquanto identidade.  Afinal, para aonde quer que a gente vá, leva sempre a si mesmo, não é?  O que pode ser trágico em alguns casos, cômico, em outros. E também pode-se rir das pequenas tragédias, incompreensões ou surpresas da vida.

Vamos fruindo as sequências e é inevitável se perguntar: como ele conseguiu filmar isso?  Vou dar só um exemplo, muitas cenas em Paris, com seus grandes espaços, com a cidade absolutamente vazia e um único fato se destacando.  Aparentemente, pelo menos, em plena luz do dia. Suleiman não para de nos surpreender, de nos provocar, sempre com leveza, com muita inteligência e sofisticação.  Sem se valer de nenhum recurso fácil, como seriam o sexo ou a violência.  O que ocupa a cena é sempre sutil, às vezes, um detalhe, uma inflexão inesperada, uma repetição, um absurdo.

O filme tem ritmo e encadeamento, apesar de as sequências serem independentes e filmadas em lugares diversos, por onde o personagem circula.
Participações especiais de Gabriel García Bernal, no papel dele mesmo, e de Ali Suliman.  O filme é palestino, mas a produção é internacional, envolve França, Catar, Alemanha, Canadá e Turquia.  São 97 minutos de maravilhoso cinema. De encantar, encher os olhos, usufruir do senso de humor afiado de uma fleumática figura, encarnada pelo cineasta.
                                                                             
A Mostra 43 homenageia Elia Suleiman, conferindo-lhe o prêmio Humanidade e uma pequena retrospectiva, exibindo mais 2 filmes do diretor, CRÔNICA DE UM DESAPARECIMENTO, de 1996, e INTERVENÇÃO DIVINA, de 2002.

O PARAÍSO DEVE SER AQUI (It Must Be Heaven) é um dos grandes filmes da presente Mostra.  Daqueles que a gente vai lembrar sempre.



O JOVEM AHMED

Os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne trouxeram para a Mostra O JOVEM AHMED, tratando de um personagem adolescente, de 13 anos, muçulmano religioso fanático.  E o fazem com muito talento ao descrever e desenvolver as situações e atitudes do personagem, que acaba se envolvendo numa tentativa de assassinato em nome de Alá.  A forma como se conclui o drama ao final não chega a ser muito convincente, no entanto. Produção belga, com 84 minutos, estrelada por Idir Ben Addi, Olivier Bonnaud, Myriem Akheddiou, Victoria Bluck.

O diretor chinês Wang Xiaoshuai, de “Bicicletas de Pequim”, que venceu o Urso de Prata em Berlim, em 2000, comparece com ATÉ LOGO, MEU FILHO.  Trata-se de um melodrama com todas as tintas do gênero, problemática familiar, morte trágica de uma criança, personagens que se separam e cujos destinos se cruzam, relacionados às mudanças por que passava a China, ao longo de 30 anos.  Em especial, a política do filho único, que gerava até multa para quem não cumprisse a determinação.  Bela produção, comandada por um cineasta de peso, mas um tanto alongada.  São 185 minutos de um drama que poderia ser contado em muito menos tempo.  O elenco tem Wang Jingchun, Yong Mei, Qi Xi, Wang Yuan.


ATÉ LOGO, MEU FILHO



O ÚLTIMO AMOR DE CASANOVA, produção francesa dirigida por Benoit Jacquot, volta ao personagem Casanova para que ele próprio conte sobre a relação com a jovem prostituta que o fez ignorar todas as outras, ou quase isso, que teria sido seu último amor.  Depois disso, as conquistas tomaram o lugar do amor e da paixão.  Uma produção de época que não acrescenta muita coisa, apesar de contar com o grande ator Vincent Lindon num papel que não parece ser para ele.  No elenco, também Stacy Martin, Valeria Golino, Nathan Willcocks.  98 min.
A máxima: Para amar, talvez não seja preciso sofrer, mas para ser amado, sim.

O novo filme do diretor mexicano Arturo Ripstein traz uma trama de convívio de amor e ódio, desejo, ciúme, sexo à flor da pele, entre um casal de idosos e seus envolvimentos dentro e fora do casamento, que perpassa os anos e parece atá-los para sempre, como um tipo de simbiose.  O DIABO ENTRE AS PERNAS fala, por exemplo, de fogosidade feminina na velhice. Não fica nada a dever a Nelson Rodrigues. Sylvia Pasquel, Alejandro Suarez, Greta Cervantes, compõem o elenco de um filme também um tanto longo, que ganharia com uma edição mais enxuta do que os 145 minutos dessa produção com bela fotografia em branco e preto.