domingo, 11 de agosto de 2019

SIMONAL

Antonio Carlos Egypto






SIMONAL.  Brasil, 2018.  Direção: Leonardo Domingues.  Com Fabrício Boliveira, Ísis Valverde, Caco Ciocler, Leandro Hassum, Mariana Lima.  105 min.


A história, fabulosa e complicada, da carreira de Wilson Simonal (1938-2000) tinha se tornado um tabu, do qual ninguém mais tratava, até que o documentário “Simonal, Ninguém Sabe o Duro que Dei”, de 2009, corajosamente enfrentou a questão.  Seus diretores, Cláudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal, foram capazes de lançar luz sobre o paradoxo de um dos maiores cantores da história da MPB,  e de um domínio de palco absoluto, ter sumido do mapa, por conta de suas ligações com órgãos de repressão da ditadura militar.  Simonal se valeu de ligações com o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) para pressionar e, ao que tudo indica, torturar seu contador, acusado de roubá-lo.  Injustamente, porém.  Foi também acusado de dedo-duro  junto a colegas artistas, como Caetano Veloso e Gilberto Gil, que teriam sido apontados como subversivos, ou comunistas, algo jamais provado, diga-se.  Ao tratar daquele filme, procurei fazer uma síntese sobre o assunto, que pode ser acessada aqui: https://cinemacomrecheio.blogspot.com/2009/05/simonal-o-documentario.html

Agora, chega aos cinemas a produção ficcional “Simonal”, de Leonardo Domingues, tratando a rigor das mesmas coisas, acrescentando alguns detalhes do caso, que podem ser importantes.  Mas tudo já parecia estar razoavelmente esclarecido.  Então, o destaque vai para os êxitos de sua carreira, interpretações e desempenhos marcantes nos palcos, e para a rejeição que se seguiu.




Um bom musical para vender novamente os grandes sucessos do cantor.  Quem acompanhou aquela escalada vai se lembrar, com certeza, de “Sá Marina”, “Nem Vem, que Nâo Tem”, “Mamãe Passou Açúcar Ni Mim”, “Vesti Azul”, “Aqui é o País do Futebol”, “Carango”, “Tributo a Martin Luther King”, o grande “País Tropical”, de Jorge Ben, e o clássico “Meu Limão, Meu Limoeiro”, de 1937, de José Carlos Queiroz Burle (1910-1983), que Carlos Imperial (1935-1992) registrou como se fosse composição dele.  E o nome disso, na época, não era roubo, desonestidade, era pilantragem.  Fácil assim, não é?

Constam da trilha sonora também músicas do que seria a primeira fase de sucesso de Simonal, inspirada na bossa-nova, jazz, blues.  A mais marcante, “Balanço Zona Sul”, está lá.  Outras que aparecem são, porém, inadequadas.  “Lobo Bobo”, todo mundo sabe que é uma das mais marcantes interpretações de João Gilberto, e “De Manhã”, um baita sucesso de Caetano, na voz de Maria Bethânia. Simonal também as gravou, assim como gravou, por exemplo, “Disparada” e “A Banda”, mas são apenas regravações à sua moda.  Só isso.  Não são sucessos dele.

Outra coisa que me incomodou foi uma sequência em que Simonal ensina a Jorge Ben (ou Benjor, como ficou depois) o suíngue de “País Tropical”, com a novidade do corte das últimas sílabas.  Pouca gente na MPB tem mais ritmo, balanço e humor, do que Jorge Benjor.  É muita pretensão achar que Simonal foi quem ensinou isso a ele.  Que é o criador, o compositor da música.

Enfim, recuperar os méritos, o talento de Wilson Simonal, tudo bem.  Mas não é aceitável exagerar dessa forma.  A MPB da época dele era, e ainda é, uma geração brilhante, além de comprometida com a luta pela liberdade e pela democracia.  Chico Buarque, Tom Jobim, Vinicius, Edu Lobo, Jorge Benjor, Caetano, Gil, Milton Nascimento, Vandré, Tom Zé, tanta gente.  Simonal fazia o lado mais comercial e divertido da história.  Descompromissado, na base da alegria, alegria, em tempos de opressão.  É válido, mas devagar com o andor que, na real, o santo se mostrou mesmo de barro.




A produção do filme “Simonal” é boa, bem cuidada.  Fabrício Boliveira, que interpreta o cantor, consegue passar o pique e a força do Simonal dos tempos de glória e da fase de derrocada.  Ísis Valverde tem destaque na trama, no papel da esposa Tereza.  O elenco, como um todo, é muito bom.

A forma como a história é contada foca demais em Simonal, deixando toda a brilhante MPB da época na sombra.  É um erro, dá uma dimensão excessiva ao personagem, em prejuízo do contexto que o envolvia, que não era só o da ditadura militar, mas a da resistência a ela, brava e poderosa, por parte dos artistas do período com quem Simonal convivia.  E dos que compartilharam de seu tempo, em paralelo à sua carreira.  Fica muito mais fácil entender a rejeição que ele sofreu no contexto mais amplo de onde ela se deu.  Fica mais claro, politicamente, e bem menos paradoxal.



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